A maior parte da gente que o conhece, não percebe nem olha com bons olhos para a sua paixão pelo palco.
As conversas quase de ouvido, têm quase sempre apenas um sentido, a sua vaidade pessoal, o querer exibir-se, o querer mostrar-se, em qualquer palco.
Esquecem a sua vontade de ajudar, o querer estar, o querer fazer, a aceitação de qualquer papel mesmo que seja de um simples figurante, como o de um actor amador menor, que ficou no "anedotário local", por causa da mulher. Falo do Tó da Mutela, que também gostava de tudo aquilo, de estar ali ao lado de todos aqueles homens e mulheres com muito mais jeito que ele para a arte de talma.
Quando me contaram a história da "queda em palco", sorri e lembrei-me logo do Tó...
Sim, é histórica a frase da sua mulher após a estreia. Depois de lhe fazer o jantar mais cedo, vê-lo sair de casa e passar os serões a ensaiar a nova peça do grupo cénico, meses seguidos, disse: «Tanta merda para isto? Para atravessares o palco, três vezes, de um lado ao outro, e dizeres apenas boa noite?», insistindo, irritada, «para dizeres uma merda de um boa noite, não era preciso ensaio nenhum.»
Claro que era preciso ensaio. Mas eles não sabem, nem sonham...
O Tó tinha de conhecer a deixa, tinha de saber o caminho que iria percorrer, de um lado para o outro, no palco. Bastava um precalço para tornar o drama numa comédia...
O que ela nunca percebeu, foi a paixão do seu homem pelo palco, o querer estar ali, participar, nem que fosse apenas para ver os outros.
Talvez preferisse que ele passasse os serões na taberna (lá não havia mulheres) e não no ensaio...
Foi por isso que percebi a frase do encenador, quando dois ou três elementos do grupo, o criticavam: «Dêem-lhe espaço, deixem-no ter o seu momento, deixem-no cair, sozinho...»
O papel que fazia, era de um amante, que acabava assassinado em palco. Achavam que ele não caia com naturalidade, fazia um espectáculo dentro de um espectáculo.
Eles fingiam não perceber que o teatro é isso, é o exagero da realidade...
(Fotografia de Luís Eme - Almada)