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segunda-feira, março 03, 2025

Uma visão e uma memória, dentro e fora de um bairro antigo...


Estava a passar por uma ruela estreita, com roupas estendidas em quase todas as varandas, quando comecei a ouvir uma voz feminina, que cantava um fado. Ainda olhei para cima para ver se a voz tinha dona, mas não descobri ninguém. 

Por alguns instantes, fiquei deliciado com aquele retrato de uma Lisboa antiga, e pus-me a imaginar uma cidade que já não existe...

Foi quando me cruzei com dois casais de gente de fora, que anda de calções num dia de Março com nuvens. Foi como se me dissessem, "acorda!"

E acordei, mas por pouco tempo.

De repente já não estava em Madragoa. Foi quando viajei pela minha meninice e ouvi a minha mãe a cantar, e o pai, com voz de desdém, a dizer que ela estava a adivinhar chuva. Não percebia quase nada da conversa mas gostava de ouvir a minha mãe a cantar, mesmo que ela fosse fiel à sabedoria popular, e acreditasse que "quem canta seus males espanta"...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


segunda-feira, outubro 28, 2024

«Nós, não somos bons. Somos muito bons, na arte de "enfiar a cabeça na areia"»


O Rui nunca escondeu a ninguém que cresceu no famoso "Bairro do Pica-Pau Amarelo". 

Felizmente, não foi uma coisa para todo o sempre. À distância de trinta e muitos anos, sente que não lhe fez mal nenhum conhecer gente tão diferente. Muito menos ter amigos de todas as cores.

Sentiu na pele, literalmente, desde muito cedo, que era um felizardo. Os suspeitos de qualquer coisa no bairro, tinham sempre a pele mais escura que ele.

Contou-me tudo isso, depois de ler o que escrevi aqui no blogue, sobre racismo. Mas foi ainda mais longe. Falou-me de outro problema, não menos problemático, o machismo reinante, a imensidão de homens bêbados que batiam quase diariamente nas mulheres, apenas porque sim. 

Acrescentou que essa foi a principal razão para a sua família sair do bairro. Os pais não suportavam a "normalidade" da violência doméstica naquele lugar. Se havia coisa que o seu pai se orgulhava, era de nunca ter levantado à mão à mãe. E acabou por ter problemas na vizinhança, por  ter "metido a colher entre homem e mulher", mais que uma vez...

Chocou-o ver o primeiro-ministro a falar de Portugal, como se fosse um autêntico paraíso, quase sem crimes, quase sem criminosos. E foi ainda mais longe, quando explicou que o número de mulheres que são mortas pelos companheiros ou ex-companheiros, os pretos que são presos e agredidos nas esquadras, culpados apenas de terem a pele mais escura, estão fora destas estatísticas.

Foi por isso que me disse: «Nós, não somos bons. Somos muito bons na arte de "enfiar a cabeça na areia".»

(Fotografia de Luís Eme - Almada)

 

terça-feira, junho 25, 2024

Tentar pensar "dentro dos outros"...


O Cacilheiro ainda é "margem-sul", não tens pensamentos sobre o que te rodeia, como eu tive, hoje, no interior do Metro.

Andei atrás no tempo e recordei as minhas primeiras viagens a Lisboa, ainda adolescente, com o meu irmão (ele já devia ter mais de dezoito anos e eu apenas dezasseis e viemos à Capital provavelmente por causa da Universidade, em que ele se preparava para entrar...). Mesmo assim, só dava para sentir o "cheiro a novidade", todo aquele movimento e a quase indiferença das pessoas pelo que as rodeava. Não dava para descobrir muito mais, entre aquele viver e o da nossa cidade de província.

Só quando vim viver para Lisboa (Cruz Quebrada) é que senti mesmo na pele as grandes diferenças, a quase desumanização da sociedade, mais interessada em coisas de somenos, como conseguir "chegar a casa", ao fim de um dia de trabalho ou de estudo... Era uma cidade diferente, esta, do começo da década de oitenta do século passado, mais velha, mais cansada e sem capacidade para explorar o seu melhor (vivia-se de costas voltadas para o Tejo e para os bairros típicos, onde a degradação era demasiado visível, lugares que hoje são os seus melhores cartões de visita, mesmo que sejam só isso...).

Lá estou eu a mudar de assunto ou a ir longe de mais com as palavras...

O que eu pensei, ao olhar aquela gente, mesmo que muitos fossem de fora, era o que viam no buliço da cidade. Provavelmente, vêm coisas diferentes... Os que têm a pele mais escurecida, que chegam das índias, devem achar que em Lisboa é tudo mais calmo ,que nos seus países de origem, demasiado desorganizados e habitados, e também com mais poluição e pobreza... Os das europas não devem pensar muito. Gostam sobretudo do nosso "exotismo" (mesmo que esteja a desaparecer...), dos preços das coisas e da nossa simpatia (mesmo que seja hipócrita...). Ou seja, em quarenta anos, este Lisboa, não tem quase nada da que descobri no fim da adolescência.

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sábado, dezembro 16, 2023

Notícias e personagens do meu bairro...


Nunca sei bem o que se passa, ao certo, no meu bairro. Normalmente apanho as notícias a meio, já quase em deferido e também com os "aumentos do costume" (quem conta um conto acrescenta mesmo um ponto...).

O curioso é que há homens com alma de mulheres (e ainda bem, senão mais de metade das coisas que se passam, passavam-me ao lado...). Um deles é meu vizinho.

Uma tarde vi um carro de bombeiros parado numa das ruas que percorro diariamente. Estranhei aquilo, até por não ver qualquer sinal de incêndio ou de outro acidente qualquer. Só dois dias depois é que soube que estavam a pintar o prédio e que um dos moradores do rés de chão não deixou que entrassem no seu quintal para pintarem as paredes. Aquilo acabou por meter senhorio, polícia e bombeiros. Acabaram por arrombar a casa e descobriram que o homem era uma "acumulador" e que as divisões estavam cheias de "lixo".

Entretanto o senhor (com quem costumava trocar bom dia e boa tarde, quando ele estava à janela a fumar...) desapareceu dali e a casa ficou devoluta... Falta-me saber o que lhe aconteceu. Estou em falta, porque ainda não perguntei a nenhuma das pessoas bem informadas da minha rua, para onde o levaram.

Outra das "novas" passou-me completamente ao lado. Estava a falar no meio da rua com o meu vizinho, quando passou uma senhora por nós. Foi quando fiquei a saber que ela tinha corrido com o amante lá de casa, e que aquilo tinha metido polícia e tudo. Como ele não queria sair a bem, saiu a mal. A mulher chamou a polícia e ele teve mesmo de fazer as malas e pôr-se a milhas.

Perguntei-lhe como é que ele sabia todas aquelas coisas. Começou a sorrir e passou a "bola" a outra personagem cá do bairro, que diga-se de passagem, além de boa "fonte de informação" é um excelente contador de anedotas.

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


sábado, outubro 28, 2023

Ideias que saltitam no começo das manhãs de sábado (agora menos)...


Gostei de acordar e descobrir que andavam à minha volta, duas ou três ideias, à solta. Foi como se estivesse a viver um daqueles sábado à antiga, em que em vez de dormir até um pouco mais tarde, era acordado por uma ou outra história, que só descansavam quando ficavam registadas no pequeno bloco de mesa de cabeceira.

Como deixei de ter um bloco por perto, fico apenas com as ideias a cirandar na cabeça... 

E hoje gostei, particularmente, de pensar um projecto antigo de uma forma diferente  (sobre o clube e as pessoas do bairro da minha infância...). Foi como se alguém me dissesse ao ouvido, para fugir do rigor dos números e pensar mais nas pessoas, desde o seccionista, passando pelo treinador e acabando nos muitos companheiros de aventura...

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)


sexta-feira, outubro 13, 2023

Bairros com pessoas "embrulhados em jornais"...


Raramente compro um jornal coisa que fazia mais que uma vez por semana, antes da pandemia.

O "ter de ficar fechado em casa" habituou-me ao digital e... Quando o mundo tentou voltar ao normal, ainda comprei um ou outro jornal, mas não era a mesma coisa. Até porque eles tinham diminuído de tamanho (alguns pareciam ter metade das páginas...).

Mas não é sobre jornais que quero falar, embora tenha comprado hoje o "Público" (aliás eu comprei o "Ípsilon", o jornal veio atrás...). Comprei este diário porque a capa do suplemento tinha como título, "Sara Correia, o fado dela é o povo, é do bairro".

Ao começar a ler a reportagem sobre a fadista, senti que ela estava ali a falar do seu novo disco e também a lutar contra o estigma social que está colado a Chelas, o bairro das suas raízes lisboetas.

Cresci num bairro e nunca senti qualquer estigma, mesmo que não fosse uma "zona chique" das Caldas. Aliás, as ruas eram conhecidas por números (eu morava na "Rua 26"...). Provavelmente por ser um bairro de uma cidade de província ou por ser o lugar onde tive os meus primeiros amigos e onde se vivia normalmente.

Mas os bairros não são todos iguais, muito menos as cidades...

Aliás, nas cidades grandes há o hábito de despejar as pessoas "menos interessantes" (para cantos onde também parece não haver "nada de interessante"... que são normalmente feios. Deve ter sido um engano do caraças a construção do Bairro do Picapau Amarelo na Margem Sul, com aquela vista para o Tejo, que até causou "inveja" à presidente do Município...).

É por isso que compreendo a Sara. 

Eu que durante muitos anos só conhecia a expressão "pareces o comboio de Chelas" (para designar algo feio e estranho, sim havia raparigas que, segundo os entendidos, as suas caras pareciam o "comboio de chelas", vá-se lá saber porquê...), sem saber sequer onde ficava este bairro lisboeta...

(Fotografia de Luís Eme - Monte da Caparica)


quarta-feira, setembro 27, 2023

De banalidade em banalidade...


Este é o tempo em que uma qualquer banalidade é tratada como se fosse a coisa mais importante do mundo. O mais curioso, é ela ser rapidamente ultrapassada por uma outra qualquer banalidade, e depois outra, mais outra, e por aí adiante.

Eu sei que as pessoas sempre gostaram de falar das "coisinhas pequeninas", como por exemplo, as vidinhas dos vizinhos. Como moro quase num bairro, ainda consigo encontrar vizinhas a conversarem, quando saio de casa, e depois quando regresso, uma hora ou duas depois, descubro-as no mesmo sítio... 

Mas noutros tempos havia mais recato, e até pudor, faziam-se todos esses "joguinhos", mas quase às escondidas. 

Hoje graças às redes sociais, faz-se tudo às claras. Um boato de qualquer rua, pode chegar em minutos à outra ponta do planeta. O pior de tudo, é que uma mentira, mesmo das de perna curta, pode passar por uma "verdade verdadinha", durante uma semana...

(Fotografia de Luís Eme - Caldas da Rainha)


sexta-feira, maio 12, 2023

As Filas Intermináveis Aqui e Ali...


Ontem falei do turismo e da possibilidade de existir um "prazo de validade", nesta avalanche, que continua a ser bem recebida por quem enche os bolsos e olhada de lado, por quem viu piorar a sua qualidade de vida.

Já li em mais que uma reportagem, que um dos aspectos que mais chateia os nossos visitantes são as filas intermináveis para visitar alguns dos nossos monumentos mais característicos, ou ainda, para dar uma volta por Lisboa de eléctrico (faz-me sempre confusão ver o monte de gente que aguarda a chegada do "amarelo" na praça do Martim Moniz)...

E vai continuar a chatear, porque não vejo ninguém a preocupar-se muito com este pormenor, que para gente oriunda de países mais organizados que nós, é um "pormaior"...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quinta-feira, agosto 18, 2022

Príncipe Real: o "Centro do Mundo" de Alexandre O'Neill


A biografia de Alexandre O'Neill escrita pela Maria Antónia Oliveira oferece-nos vários aspectos curiosos, um deles é a geografia humana e física do poeta, que nunca se afastou muito da zona do Príncipe Real, e que se estendia até ao Bairro Alto, Chiado, São Bento ou Rato. 

A Rua da Escola Politécnica continua a acolher o prédio azul que foi a última casa de O'Neill (2º andar do nº 48) e também as Pastelarias Cister e a Alsaciana (muito diferentes na actualidade...), lugares de tertúlia e encontros com alguns dos seus melhores amigos, que o acompanharam a vida toda.

Mas toda aquele "bairro" lhe foi familiar, viveu em várias casas desde a Calçada do Monte, passando pela Travessa da Palmeira, Rua do Jasmim ou Rua de São Marçal (a casa minúscula que chamavam o camarote dos Irmãos Marx...). Havia vários amigos que também viviam por ali, na Rua da Imprensa Nacional, na Calçada Engenheiro Miguel Pais, na Rua Monte Olivete, na Rua Luís Fernandes, Praça das Flores ou Rua Cecílio de Sousa.

E devia conhecer todas as tascas das redondezas, onde gostava de parar e conversar com a gente do povo que sempre admirou e usou em dezenas de poemas, crónicas do quotidiano e até na publicidade.

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


segunda-feira, junho 13, 2022

As Marchas, os Bairros e as Colectividades Lisboetas


Provavelmente o meu filho foi excessivamente sincero quando disse, ontem ao jantar, que não conseguia encontrar qualquer encanto nas marchas populares. Não suportava a falta de originalidade, que começava na música, praticamente igual há cinquenta anos, e sem grandes variações, de marcha para marcha.

A única coisa que tem mudado são os cenários e a coreografia. De ano para ano as roupas e os arcos das marchantes vão mudando de cor e de temática, assim como a forma como se apresentam.

Embora saiba que o meu filho tem razão, também sei que há coisas tão ou mais importantes, que o espectáculo na Avenida...

Sim, as marchas são hoje um dos principais incentivos para a sobrevivência de muitas das colectividades, que representam nestes dias festivos os bairros lisboetas. Estas participações, além de trazerem os jovens para o seu seio, animam os seus arraiais, que acabam por ser a principal fonte de receitas para as suas actividades do ano inteiro.

Normalmente nestes dia falo dos dois aniversariantes, os dois Fernandos e os dois Antónios, que continuam a ser tão importantes para Lisboa. Mas hoje apeteceu-me falar do Associativismo Popular Lisboeta...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


domingo, junho 12, 2022

Parece que "Não há Bela sem Senão"...


Os acontecimentos de violência do Bairro do Cerco no Porto (ligados à claque do FC Porto...) fizeram com que fizéssemos alguns "jogos de diferenças" no café, entre a Capital do Norte e Lisboa.

Quem conhece - mesmo quase só de relance - o Porto, sabe que as portistas são muito diferentes dos lisboetas, Há uma proximidade muito grande as pessoas, que nem mesmo este turismo de massas (que incide sobretudo sobre as duas nossas cidades maiores...) tem conseguido esbater.

O Carlos disse o óbvio que nos sítios onde se vive com mais dificuldade, as pessoas são mais unidas e mais solidárias. E o Porto ainda tem muitos bairros pobres onde o "turismo não entra" (talvez só a Rua Escura tenha perdido "qualidades" por estar no centro histórico do Porto e ter um casticismo único, mantendo as velhas tascas, muito apreciadas por quem vem de fora e se calhar até prostitutas em vãos de escada, impossíveis de descobrir por exemplo no Bairro Alto...).

O Paulo disse que o Porto não cresceu para os lados como Lisboa, nem nunca empurrou os habitantes no centro da cidade para as zonas suburbanas (as mudanças aconteceram de forma natural e não forçadas como em Lisboa...). Mesmo agora, em que começou a ser moda comprar prédios velhos para instalar alojamentos locais, houve sempre mais resistência das pessoas em deixarem as suas casas, ao contrário do que aconteceu por exemplo em Alfama, Castelo, Graça ou Bairro Alto.

Dissemos muitas mais coisas, evitando falar da violência dos "macacos" e dos "orelhas"... Embora acabasse por surgir à mesa outra violência, que também não pode ser silenciada. Nem tudo o que ficou do século XX e que parece permanecer mais vivo nestes bairros é positivo. A existência de cafés que continuam a ser tabernas, faz com que se beba de mais, que se viva o futebol como se fizesse parte integrante das vidas destas gentes e também que se bata com mais frequência, do que noutros sítios, nas mulheres...

Pois é, parece que "não há bela sem senão", nas coisas pequenas e grandes da vida...

(Fotografia de Luís Eme - Porto)


sábado, junho 11, 2022

O Calor Humano, os Bairros e os Santos


Ao passarmos por qualquer arraial de bairro dos Santos Populares, percebemos o quanto os portugueses gostam do "calor humano" e das festas.

Claro que mesmo não sendo todos, são muitos. Provavelmente são os mais bairristas, os que sentem os Santos Populares quase como uma tatuagem, que mesmo invisível, fica-lhes para sempre no corpo. 

Foi por isso que fiquei a pensar se os antigos moradores de Alfama e de outros bairros típicos (apesar de "terem sido corridos" pelos empreendedores do turismo de lucro fácil), nestas noites especiais, voltam às suas antigas ruas, para matar saudades da vizinhança e das colectividades locais.

Talvez sim, talvez não. Calculo que nem todos gostem das confusões em todas as ruas, que em alguns casos não permitem andar, nem para a frente nem para trás...

Eu por exemplo, menos dado a estas confusões, se sentisse saudades, escolheria dias e noites mais calmas.

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


domingo, março 06, 2022

A Caracterização de Personagens...


Escrevi ontem um pequeno texto sobre um "homem invisível", que depois de se mudar foi mal recebido num prédio e numa rua de bairro, onde as pessoas gostavam de "viver a vida dos outros"  e pensavam saber tudo umas das outras.

Respondia com silêncios e sorrisos irritantes aos "avanços" dos vizinhos mais atrevidos. O senhor António, cuja elegância física e de trato, fazia com que fosse impossível mandá-lo para qualquer sítio. A dona Hortência era um caso de estudo, apesar de ter mais de cem quilos, parecia uma "enguia" a deslizar pelas esquinas do bairro. Por ser do Norte, tinha sempre muito "alho" para distribuir pela rua.

Claro que na caracterização destas personagens, pensei no meu bairro. No bom e no mau que é os nossos vizinhos "especializarem-se" nas nossas vidas...

O bom é a sua disponibilidade para nos ajudarem numa situação de aperto. São os primeiros a espreitarem pela janela, atrás do cortinado, mas também a virem para rua (para seguirem em "directo" o acontecimento e se possível, participarem...). 

O mau é estarem sempre a "meter o nariz onde não são chamados".

Mas não tenho dúvidas que o senhor António e a dona Hortênsia, dariam óptimos colaboradores do CMTV, sempre com excelentes directos...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sábado, novembro 20, 2021

Os Bairros, as Pessoas e o Homem do Cachimbo


Não estou a escrever sobre o Homem do Cachimbo por ser sábado, o dia em que nos encontrávamos no café e dávamos vida à nossa Tertúlia das culturas (só faltava mesmo a da "batata"...). Foi na quarta-feira quando nos cruzámos mais uma vez, enquanto eu descia e ele subia a Rua Emília Pomar (essa mesma a tia do Pintor de Lisboa e do Mundo), que pensei em escrever sobre as andanças humanas. 

Trocámos um cumprimento e um sorriso, coisa recente, apesar de termos um historial de encontros e cruzamentos  com provavelmente mais de trinta anos, contando com o tempo em que éramos completamente invisíveis um para o outro. Sim, falámos pela primeira vez já nos tempos estranhos da pandemia, quando numa manhã lhe perguntei pelo cachimbo.

Olhou-me com surpresa e com um sorriso enquanto parava e pousava no chão o saco de compras. Depois pôs a mão no bolso e tirou o seu companheiro de tantas aventuras e mostrou-mo com orgulho. A partir daqui sempre que passamos um pelo outro, cumprimentamo-nos e trocamos um sorriso.

Reparei que envelheceu muito durante a pandemia. Perdeu peso e passou a andar com o apoio de uma bengala. Até eu ganhei cabelos brancos, rugas (e até algumas nuvens dentro de mim...), quanto mais as pessoas de idade, que eram apontadas como o principal alvo da covid 19.

Comecei a reparar nele na nossa esplanada. Sentava-se numa mesa da ponta e ficava por ali sozinho. Fingia que não nos via e ouvia, embora sorri-se de vez em quando (talvez devido às nossas "certezas" e ao nosso  gosto de falarmos "à italiana"), enquanto perfumava as nossas mesas com o seu cachimbo.

Pois é, como diria o bom do poeta Gomes Ferreira, isto da vizinhança tem muito que se lhe diga. Somos de tal forma estranhos, que até somos capazes de passar quase rente a algumas pessoas, durante trinta ou quarenta anos, sem nunca trocarmos sequer um bom dia ou boa tarde, mesmo que sejamos do mesmo bairro (uma denominação que já não se usa nas cidades, vá-se lá saber porquê)...

(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas)


quinta-feira, outubro 28, 2021

"Uma das Minhas Ruas"...


Gosto muito desta Rua, que fica no coração de Alfama.

A razão não se prende apenas pelas vistas, com as ruelas que sobem e descem ou com o "muito Tejo", que se agiganta lá em baixo, no Mar da Palha.

Numa das várias profissões que tive, por nos vestirmos de preto, éramos conhecidos  pelo "bando dos corvos"...

Recordo com saudade a bela camaradagem que havia, que me ajudou, mesmo sem dar por isso, a tornar-me melhor cidadão.

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sexta-feira, outubro 22, 2021

Uma Lisboa Quase Normal


Vou muito menos vezes a Lisboa, porque a minha vida não voltou a ser igual.

Mas cada que visito a Capital, descubro uma cidade que tenta todos os dias voltar ao que se entende por normal, especialmente as pessoas que vão buscar o pão e as azeitonas ao turismo e aos turistas.

Sempre que posso passo pela Graça e por Alfama, porque gosto muito do seu "sobe e desce", do que se vê e não vê. Continuo a passar longe do Castelo, que já deve ter voltado a ter filas intermináveis de gente à entrada.

Como sou uma "ave diurna", limito-me a imaginar que Alfama voltou a ser o bairro com mais fados e guitarradas. Do Bairro Alto nem é preciso puxar pela imaginação, as notícias da televisão mostram os jovens que bebem, cantam e dançam nas ruas, assim como os polícias que lhes tentam "cortar as voltas". 

Os eléctricos e os "tuk-tuks" voltaram a colorir as ruas. A única diferença visível da outra Lisboa, é agora transportarem "mascarados"...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quarta-feira, março 31, 2021

«Sinto saudades de muita coisa, até de ver os miúdos a correrem atrás da bola.»


Vejo-o quase diariamente. É um homem que já deve ter ultrapassado os setenta anos e que sempre vi a passear na rua. Mesmo durante estes tempos pandémicos, não perdeu o hábito de cirandar pela nossa "quinta da alegria", de máscara e com o cuidado de manter o distanciamento, mas sem se esquecer de trocar as palavras de sempre com a vizinhança.

O que mais sobressai nele é o ar simpático, que reparte com todos, sem se esquecer de mandar recomendações para os outros elementos da família. 

Um dia destes vi-o sentado no muro, com  vista para o campo de futebol do clube do nosso bairro (agora vazio de vida...). Sem perder o sorriso, disse-me: «Sinto saudades de muita coisa, até de ver os miúdos ali no campo, a correrem atrás da bola...»

(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas)


sexta-feira, fevereiro 26, 2021

As Ruas que podiam ser "Bairros" e as Gentes que adoram "fabricar intrigas"...


Quando vivemos num lugar relativamente tranquilo, o modo de vida acaba por se assemelhar aos dos bairros onde crescemos. Eu pelo menos sinto isso, não só pelo papel social desempenhado pela mercearia (mesmo em pandemia, há quem vá lá apenas comprar um quilo de farinha, para ver gente ou ficar a par de alguma novidade...), mas também pelas pessoas que nos tratam por vizinho (curiosamente nenhuma delas vive no meu prédio...) e nos oferecem um bom dia e um boa tarde com um sorriso e uma ou outra palavra de circunstância.

Se formos bons observadores deste quotidiano, percebemos quem se interessa mais pela vida dos outros (ao ponto de quase a querer viver...), como é um caso de uma mulher que mora no outro lado da minha rua e que fala de forma a que todos a ouçam, num raio de cem metros. Embora ela pareça ter um "alforge de histórias" (o que poderia ser bom para a ficção e até para o blogue...), evito-a sempre que posso porque todas as vezes que trocou mais que duas palavras comigo, foi para dizer mal de alguém, com o dedo bem apontado. E isso é algo que me faz logo, dar um passo para o lado.

O que eu faço, faz a maior parte das pessoas da nossa rua. Só mesmo quem está sedento de novidades (embora estas tragam quase sempre o "cheiro" da mentira e da dúvida...) é que lhe oferece dois dedos de conversa.

Lá estou eu a "estender o lençol"... Só queria falar do "espírito pidesco" que existe em cada um de nós (e que devíamos tentar controlar sempre, em nome da liberdade individual de cada um de nós...) e que é mais evidente em algumas pessoas, como é o caso desta vizinha, que tem tudo o que os "informadores" da PIDE possuíam, pois soma ao gosto de "bufar", uma grande vontade de fantasiar a vida dos outros.

Foi por isso que sorri só para mim, quando me preparava para entrar em casa e vi-a a dirigir-se para a estrada, assim que viu um carro da PSP a aproximar-se. Os agentes como já a deviam conhecer de "ginjeira", limitaram-se a acenar e seguiram viagem sem parar... Porque felizmente as nossas polícias de hoje, por muitos defeitos que tenham, não perdem tempo com "fabricantes de intrigas"...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


sexta-feira, outubro 02, 2020

O Rapaz da Mercearia do Meu Bairro...


Quando vim morar para o meu "bairro" acabei por visitar a mercearia e percebi logo que a dona tinha nascido para estar atrás de um balcão, sempre simpática e prestável. E ganhou naturalmente mais um cliente.

Alguns anos depois mudou-se para uma mercearia mais central, que era quase um "super-mercado", mas que ficava num outro "bairro".

Foi uma pena, porque as pessoas que  passaram pela mercearia - foram bem mais de meia-dúzia -, pensavam mais no dinheiro que em servir as pessoas. Os produtos que vendiam além de caros, eram de qualidade duvidosa. Ou seja, eu só lá entrava quando precisava mesmo de qualquer coisa.

Quase trinta anos depois a mercearia voltou para a família, para o filho mais velho da senhora, que eu conhecia de criança. Comecei a passar por lá e percebi que o rapaz tinha herdado o jeito da mãe em cativar os clientes. E também tinha percebido que tinha de ter preços concorrenciais. Ou seja, conseguiu conquistar muitos dos clientes que o tinham visto crescer e que nem mesmo em tempos de pandemia, deixam de aparecer para dar um pouco à língua (não pode ser por muito tempo porque só podem estar três clientes em simultâneo na loja...).

Às vezes tenho de esperar alguns minutos cá fora e depois quando sou atendido, não me esqueço de lhe dizer que tem de despachar mais rápido as senhoras que aparecem ali com vontade de "namorar". Ele sorri com a cara de bom rapaz, que nunca perdeu.

Toda esta prosa, para dizer que sabe muito bem, sentir que "existe" uma mercearia no nosso "bairro"...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sábado, junho 06, 2020

As Ruas Silenciosas e uma Memória...


As ruas estão muito mais silenciosas, quando se ouve uma voz humana, chama-nos logo a atenção.

Foi o que aconteceu há pouco, com duas vizinhas que aproveitaram para colocar as "novidades" em dia, sem se aperceberem que as suas vozes entravam nas nossas janelas, como se quisessem falar connosco.

Sorri e recordei o meu pai, que sempre foi avesso à chamada "quadrilhice" ou "coscuvilhice", que ainda continua a fazer mais parte do universo feminino que do masculino. Se havia pessoa que ele não achava muita piada no nosso bairro era à leiteira (uma senhora que passava todos os dias pelas ruas do nosso bairro, com o seu carro metálico com rodas de bicicleta, que deveria ter um sistema qualquer de refrigeração  - nem que fosse uma pedra enorme de gelo - e vendia leite do dia em pacote, ao mesmo tempo que também oferecia "notícias fresquinhas" a quem lhe dava dois dedos de conversa...).

"Lá vem o jornal do bairro", dizia ele, por graça. 

E ela era mesmo boa, sabia tudo sobre a vida dos outros. Podia inventar algumas coisas, mas era uma autêntica investigadora, especialista em mexericos. Podia assinar muita da prosa das revistas (que são mais da cor de burro quando foge, que rosa...) ou ter uma página de facebook muito visitada e comentada...

(Fotografia de Luís Eme - o "Segredo" de Lagoa Henriques, Lisboa)