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terça-feira, outubro 31, 2023

Traços da vida de um pianista quase vulgar...


Ele tocava piano enquanto nós conversávamos, naquele bar frequentado por pessoas que gostavam de baladas e de bandas sonoras de filmes.

Nos intervalos vinha até à nossa mesa, com um whisky numa das mãos, mais para ouvir que para falar ou perguntar se lá fora estava a chover. Pouco tempo antes tinha estado a tocar num dos poucos restaurantes que ainda tinham música ao vivo. Por lá só tocava música clássica. Gostava destas variações, mantinham-lhe os dedos preparados para quase tudo. 

Sabia que aquela vida de bar em bar, de restaurante em restaurante, não estava dentro dos seus melhores sonhos. Nada que o preocupasse demasiado. Também sabia que não fez tudo o que era preciso para as coisas acontecessem, quando teve vinte anos. Faltava-lhe a ambição de quem era capaz de vender a alma ao diabo, se tal fosse necessário, para chegar ao topo da escadaria.

Foi-se habituando aquela vidinha, com horários entre o começo e o fim da noite, que lhe rendiam muito mais que qualquer emprego vulgar das "nove às cinco".

Andava há quase quarenta anos naquilo, sem saber ao certo quando era tempo de se reformar...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quarta-feira, abril 12, 2023

Uma Frase - "Olha o Bonitão!" - e uma História de Memória...


Uma moçoila chegou a uma mesa próxima e disse de uma forma audível: "Olha o Bonitão!" O rapaz fingiu que não era nada com ele e continuou com os olhos presos ao "smarthphone".

O Carlos sorriu e disse que não ouvia aquela pequena frase há uma "porrada de anos". E depois contou-nos uma história deliciosa protagonizada por uma mulher madura que tinha um bar e a pensar no negócio, oferecia esta frase, a quem quer que chegasse, mesmo que tivesse a "beleza de um comboio". 

Ele fazia como o rapaz, fingia que não era nada com ele. Mas a maior parte dos homens fingiam que não tinham espelho em casa e subiam um palmo, tal como era vontade da senhora, que aproveitava a oportunidade para lhes ir enchendo os copos com bebidas ardentes. Outros até eram capazes de colocar um pouco de cuspo no cabelo, para ele assentar melhor nas suas cabeças, que "pareciam ter a leveza do vento"...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quarta-feira, fevereiro 12, 2020

Almoçar Com uma "Personagem de Filme"...


Almoçávamos divertidos porque, como sempre, o Manel fala mais do come. Lá mais para o fim da nossa refeição, sabemos que ele ainda vai estar com o prato quase cheio. É sempre assim. 

Nada que o incomode. Ele aparece por ali, sempre que pode, sobretudo para conversar, saber coisas e contar ainda mais coisas.

Não sei porquê, mas enquanto o escutava, deliciado, a contar as suas melhores aventuras como taxista lisboeta, via-o quase como uma personagem de filme do Fernando (Lopes), sobre a Lisboa que mais amava.

Depois quando regressei ao trabalho, deparei-me com um texto delicioso escrito pelo Jorge Silva Melo, sobre "Belarmino" (escrito há quase 25 anos no "Público")... Transcrevo apenas meio parágrafo: «O que é belo, fraternalmente belo, neste filme seco e terno, cru e franco, é que ele é vadio. Não há aqui um sistema (sociológico, dramático, político, estético, narrativo...), não há um "universo" para encarcerar uma personagem (apesar das grades finais), Lopes vai filmando - no gerúndio.»

Sim, o Manel tem qualquer coisa de diferente, que tenho quase a certeza que cabe dentro da câmara de um realizador como o Fernando...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

segunda-feira, março 26, 2018

Manuel Reis e a (sua) Modernidade


Nem mesmo durante a adolescência e o começo da idade adulta, fui uma "ave nocturna". Nessa altura a "desculpa" era a prática desportiva, pouco compatível com a "borga".

Mesmo assim, durante pelo menos três anos (1984 a 1986), era frequente andar pela noite dentro às quintas-feiras (evitando as confusões de sexta e sábado...), com três ou quatro amigos. Fazia-o em nome da amizade e também pelo prazer da descoberta e da curiosidade, dentro de uma noite entre o castiço e o vicioso. Na época nenhum de nós tinha carro o que nos fazia esperar pela primeira barca que nos levava para o outro lado do rio (quase às seis da manhã). E como a partir das quatro da manhã só se encontravam abertos dois tipos de bares na noite lisboeta, frequentados por uma clientela específica, de um lado as prostitutas e os seus "donos", em lugares normalmente decadentes, noutro os homossexuais, em lugares diferentes do usual. Sem nos apercebermos, percorremos geografias humanas extremamente ricas, pelo menos para quem gosta de palavras e de histórias...

Como de costume, começo a escrever, vou buscar memórias, e afasto-me do tema principal, o desaparecimento de Manuel Reis, um antiquário moderno, que conseguiu cultivar a diferença da noite lisboeta, primeiro com o "Frágil" no Bairro Alto e depois com o "Lux" em Santa Apolónia. Se no primeiro entrei, umas três vezes, no segundo, nenhuma.

Estive com Manuel Reis uma única vez, por um mero acaso, sem saber quem era aquele homem, diferente. Estava num café com um amigo escultor e ele chegou e depois de trocar algumas palavras, ficou na nossa mesa, a convite do António. Isto aconteceu no começo da década de noventa e recordo que, entre outras coisas, falámos do movimento modernista, porque aquele café onde nos encontrávamos, apesar de muito menos badalado que "A Brasileira", era poiso habitual daquela gente "louca", mal vestida e mal lavada, quase sempre com pouco dinheiro nesses longínquos anos vinte. 

O mais curioso, foi ele ter-nos oferecido alguns pontos de vista completamente diferentes dos nossos, sobre a arte e alguns artistas desses gloriosos tempos, o que nos fez sorrir. 

Só depois dele se despedir de nós, é que soube quem era o homem do chapéu... que agora partiu e provavelmente continua com vontade de abrir espaços "revolucionários" e bonitos noutras latitudes...

(Óleo de Amadeo Souza-Cardozo)

domingo, julho 09, 2017

Lojas e Bares com Mais Cor e Vida...

O mais que batido empreendedorismo - usado como bandeira política sempre que dá jeito - acabou por ser uma consequência natural da crise e da "invasão" da troika e do fmi, que tão maltrataram o país e os portugueses. 

Foi a resposta "forçada" de muito boa gente, que precisava de arranjar uns euros para a sopa e para as batatas com atum e o arroz com salsichas. 

Quem tinha e tem bom gosto conseguiu transformar muitos espaços vulgares, fechados e abandonados, em lugares que permanecem especiais...

Não sei qual é a história do bar lisboeta, "House of Corto Maltese", sei apenas que é um lugar bonito.

(Fotografia de Luís Eme)

sexta-feira, junho 05, 2015

As Noites Calmas das Cidades Menores


«Nas localidades pequenas, o dia a dia acaba mais cedo, para quem não gosta de viver pela noite dentro.

Há um café ou outro que ficam abertos até à meia-noite, quase sempre mal frequentados, por serem lugares de predilecção de quem gosta de beber mais que a conta e deixar que a sua voz ecoe pela rua fora.

Provavelmente também há bares e uma ou outra discoteca, inventados em lugares quase escondidos. Nunca percebi se a construção de discotecas em lugares isolados, se devia apenas ao som, para não se fazer má vizinhança, ou se havia algo mais. Devia haver, porque normalmente as discotecas construídas dentro das cidades – Lisboa é a excepção que confirma a regra – são um fiasco, a malta quer ir para fora, ver outras caras e fingir que o mundo afinal sempre mudou.»

A fotografia é de Andreas Feininger.

sábado, junho 22, 2013

O Medo Masculino


Ouvia as dúvidas dele e sorria, talvez por já ter escrito algo parecido.

Sempre procurara uma mulher diferente, forte e livre, que gostasse da noite e de tudo o que lhe pertence, desde o álcool ao sexo. E agora estava com medo.

Medo de não ser suficiente forte para ela. 

Medo de ser abandonado, por ela ser demasiado livre...

Enquanto o ouvia, pensava: «e ela, quais serão os seus medos?»

O óleo é de Vincent Giarrano.

segunda-feira, maio 20, 2013

A Musicalidade da Tua Voz


Foi uma surpresa quando te ouvi cantar, naquele palco improvisado. Não fazia ideia que cantavas.

Era mais uma das muitas coisas que não sabia de ti.

O culpado era eu, por raramente me esforçar para saber muitas coisas dos outros, espero que elas venham ter comigo, de uma forma natural.

Da última vez que estivemos juntos, falámos sobretudo de mim. Querias saber coisas dos livros e fiquei a perder, sem saber quase nada de ti.

Gostei de te ouvir cantar e tive pena de não ter a oportunidade de o sussurrar bem junto a ti,  por causa do barulho e de toda a gente que te rodeava, a guardar-te como se fosses a "estrela" da companhia.

Limitei-me a sorrir à tua piscadela de olho, quanto mais não fosse, por saber mais uma coisa de ti.

O óleo é de Mahshid Aziz Mohseni.

segunda-feira, maio 06, 2013

A Moda e o Requinte do "Karaoke"...


Nunca fui uma "ave nocturna", mas então hoje, contam-se pelos dedos de uma mão as vezes que saio à noite para qualquer bar. A desculpa de não ter quem fique com os filhotes, é isso mesmo, uma desculpa.

Foi por isso que uma noite destas percebi que a moda do "karaoke" veio para ficar e continua a ser uma grande animadora de plateias.

As figuras deprimentes que vemos fazer nas audições do programa "Ídolos" são facilmente transportadas para alguns cafés e bares, onde alguns "artistas", pensam (ou querem pensar...) que as palmas e as gargalhadas que suscitam, se devem ao seu "jeito para a coisa" e não ao merecimento de um comentário do género, «não cantas um c...».

Descobri também que existem diferenças nos gostos musicais da clientela. Se estivermos num lugar onde os frequentadores se levam mais a sério, em vez  de cantarem Tony Carreira ou Quim Barreiros, oferecem-nos Sinatra, em grande estilo, pensam eles, claro...

O óleo é de Guy Lerat.

quinta-feira, março 28, 2013

«Não sou capaz.»


A crise trouxe-lhe tudo, o desemprego, o desespero e sobretudo o sentimento cada vez mais forte de inutilidade...

O pesadelo durava há mais de um ano.

O marido também estava desempregado e ultimamente começara a pressioná-la para aceitar trabalhar num bar nocturno de alterne e de mais qualquer coisa. Disse-lhe que só custava os primeiros dias.

Ela ficou em silêncio.

Continuou à procura de trabalho, porque não queria tornar-se uma "rameira"...

Uma noite ele disse-lhe para se vestir, de uma forma leve, sem se esquecer de se pintar, porque ia começar a trabalhar no bar do Joca.

Enfiou-se no quarto e começou a chorar.

O marido entrou no quarto e tentou obrigá-la a vestir-se, dizendo que estava a ficar tarde. Ela levantou-se e disse: «não sou capaz», sem esconder as lágrimas.

Ele virou-lhe as costas e saiu, deixando a porta da rua bater com estrondo, ecoando pela escadaria do prédio.

O óleo é de Burton Silverman.

terça-feira, março 26, 2013

A Luísa da Concertina


Ela tocava concertina e não acordeon.

Ela parecia estrangeira, não só pela forma como tocava mas também pelo penteado e a roupa que vestia.

Ela quando veio ter connosco a uma das mesas do bar, pediu-me um cigarro que não tinha, num português elegante, quase dos salões. Foi por isso que me levantei e fui pedir um cigarro e um isqueiro ao Xico, que me sorriu.

Ela apresentou-se e disse que era a Luisa, eu retorqui que era o Luís, ela sorriu, provavelmente a pensar que estava a brincar...

Ela, depois de acabar o cigarro e de beber uma água lisa, piscou-me o olho e voltou para a espécie de palco, onde continuou o recital, que me lembrou os passeios que dei à beira do Sena.

O óleo é de Guy Péne du Bois.

sábado, dezembro 22, 2012

A Mulher do Bar


Ao ver uma mulher da minha geração,  a beber sozinha no balcão do bar, pensei em várias coisas,talvez por estar distante da conversa dos meus companheiros de mesa, que falavam de bandas musicais que não fazia ideia que existiam.

Comecei por pensar que cada vez havia menos cafés e bares com balcão, agora a moda é comer de pé. 

Depois lembrei-me de ter descoberto com alguns amigos ( há quase trinta anos...) um bar próximo de Santa Catarina, dirigido por mulheres. Acho que se chamava "Queen Mary", mas não tenho a certeza. Neste lugar simpático era possível encontrar nas mesas e no balcão várias mulheres solitárias, que bebiam muito mais que eu e falavam pelos cotovelos, quebrando a monotonia dos dias. A esta distância, quase que me parece um bar de uma série qualquer televisiva, pois sempre que lá passava, encontrava invariavelmente as mesmas actrizes e os mesmos actores.

Nunca mais passei por aquela rua. Provavelmente o bar fechou, até porque as duas donas, irmãs, já caminhavam para os sessenta, nesses anos oitenta, quase loucos...

O óleo é de  Sasha Hartslief.

segunda-feira, setembro 17, 2012

As Matinés Dançantes


Algumas colectividades populares continuam a organizar matinés dançantes, aos domingos, para angariarem algum dinheiro, tão necessário nestes tempos de crise.

Uma boa parte dos frequentadores são pessoas da terceira-idade, que cresceram com o "glamour" dos bailes,  um dos poucos espaços onde se podia tocar com alguma intimidade as mulheres.

Nota-se que além do revivalismo, há também a vontade de encontrar outras pessoas para passar um bom momento, ou até de mais qualquer coisa.

Percebe-se que há muita solidão por aí... muita mesmo.

O óléo é de Raymond Leech.

quarta-feira, agosto 22, 2012

É Provável que seja Preconceito...


É provável que seja preconceito, mas não suporto ver mulheres alcoolizadas.

Embora não sejam mais patéticas ou provocadoras que os homens bêbados, deixam escapar um rasto maior de fragilidade, de solidão.

Pelo menos é o que eu sinto. Talvez não passe de preconceito...

O óleo é de Helen Masacz.

quinta-feira, maio 17, 2012

As Mulheres dos Filmes e dos Bares...




«Não sei quase nada sobre mulheres. Às vezes penso que só sei porque gosto delas.»

Sorri porque não tinha palavras para entregar ao Carlos. Além disso queria saber o que ele sabia...

«Íamos aos bares porque uma boa parte dos filmes que víamos diziam que era aí que se arranjavam mulheres diferentes, que nos olhavam nos olhos e que usavam saias acima do joelho e não passavam a vida a puxá-las para baixo.»

Continuei em silêncio, à espera...

«Gosto delas porque têm um corpo bonito e saboroso, que me lembra um barco, com mais que uma âncora...»

O óleo é de Sean Diediker.

domingo, dezembro 19, 2010

Estava Virgem, e Assim Queria Ficar pela Vida Fora...

Não sei muito bem porque entrei naquele lugar. Sei apenas que não foi a primeira vez que me deixei levar por um dos lados errados da noite.

Dois minutos antes vi passar um táxi vazio com o condutor à janela com um sorriso convidativo. Disse que pagava a bandeirada mas ninguém me ligou, preferiam o regresso a casa de cacilheiro e não pela ponte...

Os meus amigos acabaram por entrar e eu fui atrás, mesmo sabendo que a curiosidade já tinha matado um gato ou dois.

De início até achei piada à música psicadélica e ao jogo de luzes que nos transportava para um daqueles filmes do futuro, da família do "Blade Runner", assim como as personagens que se cruzavam connosco, também elas cinéfilas.

Os meus dois companheiros de aventura deixaram-se levar para um dos cantos, quase escuro, onde se ofereciam sonhos caros, daqueles que escondiam pesadelos e deixaram-me por ali, entregue ao acaso.

Fiquei encostado ao balcão, com uma cerveja nas mãos, armado em "pobrezinho da noite", evitando aspirar as nuvens ilusórias que se formavam em cima das mesas.

Uma rapariga saiu do meio da multidão e aproximou-se de mim. Não perdeu muito tempo, dois dedos de conversa depois prometeu-me uma viagem para a terra dos sonhos. Sorri-lhe e disse que não. fingi que estava bem assim.

Percebi uma vez mais o quanto horrível pode ser a lucidez...

Claro que não lhe disse que estava virgem e assim queria ficar pela vida fora.

Mas "pó" não, obrigado. Pó já tinha que chegasse nos poucos móveis da minha casa com "olhos" para o Tejo...
O óleo é de Liana Benett.

terça-feira, março 10, 2009

Diálogos Nocturnos

No tempo em que as pessoas se encontravam em bares (anos setenta e oitenta) e eram capazes de conversar, sobre múltiplas coisas, também havia espaço para conversas inquietantes, entre um copo e uma música. Num ambiente repleto de fumo, de vez em quando encontrava-se uma mulher mais atrevida, capaz de me perguntar coisas como:

- Mas afinal que homem és tu?
Perplexo com a pergunta, respondia:
- Um homem demasiado vulgar...
- Então estou com sorte hoje, só gosto de homens vulgares.
E eu era obrigado a sorrir...
A foto é de Debbie Fleming Caffery (Dancing the Vight Away).