Ontem, quando entrei na Rua Augusta, na minha viagem de regresso a casa, vi que era fácil manter o distanciamento das pessoas, as "multidões" ainda não tinham regressado...
Mesmo assim pude verificar que um acontecimento a que nunca dera importância, tinha-se realizado, pois o que sobrava da "marcha dos saudosistas e dos descontentes" pela Avenida da Liberdade abaixo dava vida a algumas esplanadas da Baixa.
Ao ver pessoas bem vestidas e apessoadas, a beberem imperiais, com bandeiras brancas enroladas junto ao corpo, fez-se luz.
Na Praça do Comércio aconteceu o mesmo. Ao olhar esta gente, a alguma distância, percebi pelos cabelos penteadinhos e pelas camisas brancas engomadas, que se tratavam sobretudo de "betos" saudosistas do salazarismo (conheci alguns no meu papel de investigador, as conversas que travámos deu para perceber que o seu sonho era voltar ao "país imperial", em que as suas famílias se sentiam, e eram, em parte, "donas de Portugal" (mesmo que se tratasse de um país atrasado e miserável...). Foi através destes contactos que me chamaram pela primeira vez, entre risinhos, "historiador comunista", por não ter nenhum tipo de adoração por Salazar, pela PIDE ou pelo Estado Novo.
Percebi também que entre esta gentes estavam vários "dissidentes" do CDS - que durante muitos anos andou disfarçado de partido democrático - que estavam a deixá-lo moribundo...
Já na Praça do Município, enquanto aproveito para fotografar um pormenor dos Paços do Concelho, sou ultrapassado por uma actriz pequenina, acompanhada pelo companheiro que trazia um "fifi" pela trela (não perdeu a oportunidade para aparecer na televisão, durante a manifestação...). Foi quando fiquei a pensar que os organizadores da manifestação, vão tentar apanhar todos os descontentes e ignorantes que encontrarem pelo caminho, tal como fez Bolsonaro no Brasil, com os resultados que sabemos... Ou seja, metem a ideologia fascista de "quarentena", ao mesmo tempo que aproveitam todos os deslizes e asneiras governativas, para espalharem, em frases curtas. a "doutrina populista do descontentamento"...
A mim não me assustam os "descontentes". Assustam-me sim, os "ignorantes"...
(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)