Além de as vulgarizar, ainda lhes retira beleza, aquele beleza que muitas vezes "se sente sem ver"...
(Fotografia de Luís Eme - Fonte da Pipa)
Além de as vulgarizar, ainda lhes retira beleza, aquele beleza que muitas vezes "se sente sem ver"...
(Fotografia de Luís Eme - Fonte da Pipa)
Claro que esta é apenas a minha opinião. Digo isto porque durante o jantar a conversa foi até aos EUA e vi o meu filho a achar que um "aldrabão" é melhor presidente que um "velho caquético", com o apoio da irmã... E por mais argumentos que nós, pais, usássemos para os demover, percebemos que não íamos lá.
Cheguei à conclusão, que neste mundo virado do avesso, a verdade deixou de ter a importância de outros tempos, pelo menos para as novas gerações...
E há ainda outra questão que coloco, ligada à escolha do candidato da oposição: será que os democratas estão mesmo interessados em governar os Estados Unidos da América?
(Fotografia de Luís Eme - Almada)
É mais uma postura onde se mistura a inteligência e a esperteza como emigrantes, porque não é difícil de perceber que quanto menos problemas criarmos aos outros, menos problemas irão sobrar para nós. Claro que pode ser entendido de outras formas, mas para mim é uma maneira inteligente de se sobreviver num país que nos é estranho.
Todas estas palavras porque noto que os estrangeiros, tão "civilizados" nos seus países, quando chegam a Portugal, acham que podem fazer tudo e mais alguma coisa, por serem de uma forma geral bem recebidos.
O exemplo televisivo de hoje da Nazaré, é um bom exemplo, uma boa parte das pessoas que circulavam pela encosta próxima da Praia do Norte, sem máscara, eram turistas de outros países.
E se sairmos das nossas fronteiras, basta vermos o que continua a acontecer em França, com os ataques de cariz religioso, por parte de quem não só não se insere na sociedade local, como ainda destrói e mata, quem está. Para mim é algo inclassificável. Prefiro que sejamos olhados como o "país das porteiras e dos pedreiros" (que felizmente está distante da realidade actual), que de assassinos.
(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)
Respondi com um muito curto, «não sei.»
E não sei mesmo. Faz-me muita confusão a vidinha destas apresentadoras de programas televisivos, que selecionem todos os dias um drama, daqueles que fazem chorar as pedras da calçada.
O Manel pensa, que talvez as Cristinas, as Júlias e as Fátimas, estejam de tal forma "viciadas" com as suas "séries dramáticas", que não passem sem o choradinho diário, sem a descoberta de alguém que nasceu sem um braço ou uma perna, e que mesmo assim, consegue sobreviver. Ou alguém que já colecciona o quinto cancro e é um "campeão", porque os vence todos, como um "hércules".
Estivemos ambos de acordo, de que estes espectáculos diários, desumanizam, ainda mais, as pessoas (apresentadoras incluídas).
Já escrevi sobre isso aqui no "Largo", e continuo a não perceber as gentes que ficam presas diariamente ao pequeno écran (que é cada vez maior, cada vez mais parecido com o cinema...), quase a "festejar" a dor dos outros e à espera da "sorte grande", com os seus telefonemas mágicos, que alimentam o "circo".
(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas)
Desde que se abriram as portas de outros espectáculos ao público, que existem demasiadas contradições, e claro, discriminação, por parte das autoridades de saúde e dos nossos governantes, em relação ao futebol (até por ser um desporto praticado ao ar livre).
Nem mesmo o facto de movimentar milhões, fez com que tivesse merecido a condescendência que se teve, por exemplo, com a Fórmula 1 no Algarve (como pudemos verificar através das imagens divulgadas...).
Sem querer entrar em polémicas, sei que inicialmente foram colocados à venda 46 mil bilhetes (também se venderam bilhetes para o peão...) que depois, perante a impossibilidade de ter tanta gente dentro autódromo - a DGS só autorizou a presença de 27 mil e quinhentos espectadores -, a organização falou não só em devolver o dinheiro dos bilhetes, mas também em se arranjar uma alternativa para eles (qual foi, alguns também entraram no autódromo?).
É provável que tenham existido pressões internacionais para que houvesse mais público que o normal. O que até se percebe, se pensarmos que o passe para o fim de semana para as bancadas, tinha um preço médio 350 euros... Pois é, não estamos a falar de tostões. Um espectador de Formula 1, vale pelo menos dez de futebol.
(Fotografia de Luís Eme - Almada)
A ideia de que todos os sonhos são possíveis, nunca foi tão alimentada como nos nossos dias (ao ponto de desvalorizar essa coisa boa que é o sonhar...). Foi por isso que a pergunta acabou por fazer algum sentido.
Claro que sim. E vai sonhar-se sempre... mas talvez hoje se sonhe de forma diferente, porque o tempo que se vive também é diferente (não tem nada a ver com a pandemia, mas sim com a voracidade dos dias...), eu pelo menos tenho a sensação de que as horas nunca tiveram tão poucos minutos.
Talvez ontem os sonhos fossem mais povoados, existissem mais coisas "impossíveis".
(Fotografia de Luís Eme - Setúbal)
Obra cujos efeitos luminosos recomendam que seja apreciada à noite...
(Fotografia de Luís Eme - Caldas da Rainha)
Hoje ao ler o "Ípsilon" (Público), fui surpreendido pela história do filme, "O Movimento das Coisas", realizado por Manuela Serra, entre 1979 e 1985, que nunca foi exibido em salas de cinema.
Trinta e cinco anos depois, a longa metragem que procura fazer o retrato da aldeia de Lanheses, no Norte do País, vai ser, finalmente, exibida no "Festival Lumière", que se realiza em Lyon. É um certame muito peculiar, pois gosta de recuperar filmes esquecidos, com cópias novas ou exibir filmes que nunca espreitaram para dentro de nenhuma sala de cinema.
Curioso, quis conhecer a realizadora, que se afastou da sétima arte completamente desiludida com as pessoas do meio, como explicou na entrevista que deu ao suplemento cultural do diário. Retive algumas frases bastante incisivas, que a marcaram para sempre:
«O mundo do cinema é dos homens. Agora talvez um bocadinho menos, mas na época eram só homens. As mulheres que entravam na porta do cinema eram ”as mulheres de...”, “as sobrinhas de...”, “as filhas de...”. E as mulheres entre si não são solidárias. Ainda hoje sinto isso: é um mundo marcadamente masculino.»
«Esse mundo masculino trouxe-me a impossibilidade de me manter no meio: assediada, ignorada, insultada, agredida fisicamente. Portanto, tinha é que me retirar.»
Embora conheça algumas pessoas ligadas ao cinema, nunca entrei verdadeiramente nos bastidores desta arte, mas sei que é um "mundo" muito fechado, em que a distribuição de apoios é provavelmente mais "viciada", que em qualquer outra área da cultura. Trocando isto por miúdos: há quem passe a vida toda de cineasta a filmar "à nossa conta" e há outros realizadores que não conseguem realizar um único filme com apoios públicos... E isto está longe de acontecer apenas por questões de qualidade.
E não vale a pena pintar a realidade, de azul ou amarelo. Se é muito triste ser-se criador no nosso país, criadora parece que ainda continua a ser mais difícil...
(Fotografia de Luís Eme - Almada)
Há aqui no mínimo um contrassenso que foge à minha compreensão. Apesar de lhes reconhecer a liberdade de fazerem o que muito bem entenderem, acho que a forma como expõem o corpo (usam cada vez menos roupa...), e até como o alteram (fazem operações plásticas aos lábios, seios, coxas e glúteos), tornando-se em meros objectos sexuais, contrariam a "luta" de longos anos das suas mães e avós, pela igualdade de oportunidades e de género, sem qualquer tipo de discriminação.
Até porque como homem, acho horrível o modelo de beleza popularizado pelas "Kardashians", com lábios grossos, seios volumosos e coxas e nádegas excessivas, que lembram, sobretudo, "bonecas insufláveis".
(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)
Encontro alguma familiaridade com a escrita de Maria Judite de Carvalho, porque a sua ficção nunca foge dos nossos dias, sentimos as personagens à nossa volta (sim, conhecemos pessoas assim...), assim como os dramas, domésticos ou familiares.
Embora não sinta que a sua escrita seja marcadamente feminina, quase todos os seus contos falam sobre mulheres fortes e sofridas, o que é natural. Ainda por cima tanto a Graça como a Maria Judite, viveram num tempo em que reinava o masculino em todas as áreas da sociedade, inclusive nas artes e letras.
Gostei muito da escrita da Graça Pina de Morais, tal como já tinha gostado da escrita de Maria Judite de Carvalho, quando a li pela primeira vez, porque estão ali as nossas vidas.
(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)
O jovem assassino foi morto pouco tempo depois nas ruas de Paris, pela polícia, mas continuo sem saber o que irá acontecer ao pai da aluna (que nem sequer estava na aula mas disse lá por casa que o professor tinha mostrado um homem nu e dito aos alunos que era Maomé...) que espalhou a "mentira" e o ódio nas redes sociais, através dos vídeos que publicou. Não tenho grandes dúvidas de que ele é o autor moral de mais esta tragédia parisiense.
Sinto que se as pessoas não colocarem os pés no chão e abrirem os olhos, o nosso dia a dia tornar-se-á cada vez mais estranho e perigoso.
Esta coisa de se viver em "mundos paralelos" e de se acreditar apenas naquilo que nos apetece ou convém, destrói qualquer sociedade, por mais democrática que queira ser.
(Fotografia de Luís Eme - Paris)
Neste caso particular, do velho hábito de se protegerem os mais fortes (acontece em quase todos os sectores da sociedade...), talvez seja uma coisa mesmo nossa (e de países com democracias recentes...). Continuo a sentir que instituições como a igreja católica, ou os nossos tribunais, ainda não se conseguiram libertar das marcas que ficaram do regime anterior. O normal é vermos um bispo ou um padre, a ladear quem tem mais poder e riqueza, e não os mais desprotegidos da sociedade. E nem vale a pena falar do sentimento de impunidade dos "poderosos" em relação à justiça, que também não nos deixa grandes dúvidas...
Abrindo outra "porta", acaba por ser natural ouvir o presidente do Sporting, queixar-se de que não merece o mesmo tratamento por parte dos árbitros, que por exemplo o Porto ou o Benfica. Claro que, embora tenha razões de queixa, está longe de ser uma "vítima". Como se costuma dizer, "está a queixar-se de barriga cheia". Vítimas são o Tondela, o Farense, o Moreirense e os outros pequenotes...
(Fotografia de Luís Eme - Sesimbra)
Toda esta prosápia porque não concordo com o João, quando ele diz: «É fácil escrever para ninguém, é tão fácil como escrever para alguém.» Ou então, talvez este "ninguém" estivesse dentro da peça Frei Luís de Sousa, e fosse mesmo alguém.
Fácil até pode ser... mas não é a mesma coisa. Todos os que escrevemos, fazemo-lo, entre outras coisas, para ser lidos. Ponto final.
(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)
No começo do milénio a revista "Pública" publicava umas crónicas suas, "Cartas do meu moinho", que acabaram por ser o motivo da conversa com uma professora, que não só estudou, como conhece a sua obra quase como se fosse sua.
O nosso diálogo teve em vários momentos, algo parecido com aquela coisa a que chamamos "conversa de malucos". Tudo porque a Adília parece infantil, mas não é... é apenas diferente. Da mesma forma que parece escrever coisas estúpidas, que não são estúpidas... Ou seja, usa as palavras, todas, sem dó nem piedade. É por isso que o que parece não fazer sentido, faz todo o sentido.
Penso que com estes exemplos, perceberão por onde andámos. Claro que quem nunca leu um poema ou uma crónica da poetisa do bairro da Estefânia, fica na mesma.
(Fotografia de Luís Eme - Olho de Boi, a pensar no Sammy, que além de sentir alguma familiaridade com as palavras impressas na barca já "sem mar e sem rio", conhece com toda a certeza a poesia da Adília)
Podia falar só dos inconscientes, que continuam a viver de uma forma "trumpesca", a recusar a ideia de que o Covid 19 pode ser uma doença séria, organizando festas clandestinas, sem cumprirem uma única regra essencial neste tempo de pandemia. Mas não. Nós todos estávamos a precisar de um "abanão"...
Talvez seja agora que se acabe mesmo o estado de graça, de um primeiro-ministro, que continua a governar, como se estivesse nunca banca de feira, a distribuir "banha da cobra".
É muito triste percebermos que ele e a sua equipa aprenderam muito pouco com a chamada "primeira vaga", da pandemia. Apesar da muita propaganda que tem sido divulgada, nunca se sentiu qualquer melhoria significativa em nenhum sector vital, desde a saúde aos transportes. Não se percebe para onde foram os mais de 4000 novos contratados para o SNS, porque não se melhorou nenhum serviço nos hospitais ou centros de saúde. A linha de Saúde 24 não funciona (são milhares os exemplos de pessoas que contactaram pessoas infectadas, e preocupadas, ligaram para esta linha e nunca tiveram a prometida chamada de retorno...). O aumento da oferta de transportes é outro logro, as pessoas em hora de ponta continuam a ser "obrigadas" a viajar em cima umas das outras. E poderia continuar a falar de outros exemplos, onde não se fez nada para alterar o prevísivel aumento de pessoas infectadas, como os horários de trabalho faseados.
Todo estes governantes que continuam a viver num mundo "faz de conta", são os grandes culpados do aumento do populismo e do avanço da extrema-direita no nosso país.
(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)
Sei que hoje há pessoas com cursos universitários (ou frequência), que escondem estas habilitações, para se candidatarem a lugares de "caixa de supermercado". Mas penso que são a excepção que confirma a regra.
Felizmente hoje é proibido ter apenas a quarta classe, mas no tempo dos nossos avós e pais, a maioria das crianças ficavam-se mesmo pela quarta classe (alguns até com a terceira, havia um exame na terceira classe com menos custos e chatices...). E nas aldeias havia muitas crianças que nem sequer aprendiam a ler e a escrever (desde muito cedo que eram "mão de obra" lá por casa e ajudavam no que podiam e conseguiam).
Ter educação a mais também sempre foi, e continua a ser um problema, pois faz com que sejamos facilmente ultrapassados por gente sem escrúpulos (sempre existiram, não é coisa de agora...), que fazem tudo (tudo mesmo), para conseguirem o que querem... E até são capazes de nos olhar e ficarem a pensar que somos iguais ao animal bonito da fotografia...
(Fotografia de Luís Eme - Beira Baixa)
A minha estatística é o olhar, pois não me lembro de ver tantas pessoas a passearem os seus cães - de todas as raças e tamanhos - pelas ruas...
(Fotografia de Luís Eme - Almada)
E não é nada do outro mundo pensarmos que estamos preparados para o que vai surgir, depois de virarmos a esquina, e mesmo assim acabarmos surpreendidos... ou reagirmos de maneira diferente.
Mas as palavras são terríveis, e têm de facto um peso diferente. Como eu compreendi o Paulo, quando disse que não lhe fez muita confusão, o filho apresentar-lhe o companheiro, com quem vivia. Ia estranhar muito, sim, se ele lhe apresentasse o marido. Parecem coisas iguais mas são tão diferentes. Pelo menos na nossa cabeça...
(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)
Isso acontece desde o começo da pandemia. Foram as aves que deram os primeiros sinais, ao ocuparem as ruas que deixámos vazias.
Sei que eles têm os sentidos mais apurados que nós. Talvez isso os faça sentir que estamos menos perigosos. Talvez sintam as nossas fragilidades, com mais nitidez que nós.
Não esqueço que durante a semana que passámos na Beira Baixa, recebemos a visita diária de uma raposa, depois do cair da noite, algo que nunca acontecera. Ficava a observarmos sem se aproximar demasiado, sem deixar de dizer "estou aqui".
Claro que poderão ser apenas suposições minhas.
(Fotografia de Luís Eme - Fonte da Pipa)
São muitas as palavras bonitas e confiantes, ditas por quem nunca irá preso pela forma como nos consegue enrolar nos seus discursos. O problema é quando temos de "bater de frente" num hospital, num centro de saúde ou em qualquer outro serviço público.
Se antes da pandemia as coisas já não funcionavam bem, hoje funcionam muito pior. Os funcionários públicos já eram reconhecidos pela sua filosofia quase milagrosa, de passarem ao lado do trabalho, deixando as chatices para amanhã. Hoje têm uma desculpa ainda maior, para a "ausência", para o não cumprimento de metas...
E será assim, enquanto a incompetência e a irresponsabilidade, foram quem mais ordena no que é chamado de serviço público. Como eu disse no inicio, começa logo no presidente da República e no primeiro-ministro. Depois segue o caminho habitual, passando por ministros, secretários de estado, até chegar ao contínuo de qualquer serviço...
(Fotografia de Luís Eme - Sesimbra)
É por isso que fico espantado quando uma ou outra pintura resistem durante um ou dois anos. E quando acontece um "quadro" resistir quase meia-dúzia de anos, quase que apetece deitar um foguete.
É o que acontece com a "Loura e a Lua", que continuam a resistir ao tempo numa das paredes das casas em ruínas da Quinta da Arealva. Talvez a sua sorte seja não terem sido pintadas num lugar mais central...
(Fotografia de Luís Eme - Quinta da Arealva)
Olhamos todos na mesma direcção, e o que vimos?
Nunca é a mesma coisa, porque cada cabeça gosta de pensar de maneira diferente. E o Tejo está longe de ser um "jogo de futebol ou de ténis".
O Tejo é apenas a paisagem, o "pano de fundo". Podemos estar longe ou estar perto. Depende da nossa presença ou da ausência...
(Fotografias de Luís Eme - Boca do Vento e Olho de Boi)
O pior desta pandemia é mesmo o corte que todos sentimos em relação ao nosso dia-a-dia. Por muita vontade que tenhamos em viver como sempre vivemos, sabemos que tal não é possível.
Não há "liberdade de acção" que consiga resistir a tantos contratempos... E estas palavras não têm nada a ver com pessimismos ou optimismos. É apenas "o retrato do mundo lá fora"...
E é um grande golpe a esta coisa, que é a "vidinha" de todos nós...
(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)
Passei quase duas horas na conversa com uma amiga que escreve poesia, que me falou mais dela própria, que das coisas da cultura, que temos em comum. Foi uma conversa diferente de tantas outras que tivemos, porque desta vez ela decidiu focar-se, em alguns episódios da história da sua vida.
Começou por me contar o quanto as histórias misteriosas da infância a tinham marcado, negativamente. Além da religiosidade excessiva (além da ida à missa rezava-se muito em casa, onde havia uma espécie de altar com santinhos...), havia demasiadas coisas que não entravam em nenhuma conversa.
Mas o pior eram as superstições, de toda a ordem. Essas coisas de que todos nos rimos quando ouvimos falar, que metem gatos pretos, escadas, sextas-feiras, eram o seu prato do dia. Havia uma tia que até a costumava questionar se tinha entrado, aqui e ali, com o pé direito. Costumava dizer que sim, apenas para a deixar aliviada, mas não fazia ideia, qual era o seu "pé de entrada". Também eram proibidas refeições com treze pessoas à mesa.
Nunca achou nada daquilo normal. E demorou muito tempo a libertar-se daquela quase "toxidade", que nos parece mais literária que real.
Eu que crescera sem a presença de pessoas supersticiosas à minha volta, achei tudo aquilo deliciosamente estranho. Foi quando ela me disse, com ar sério: «Que bom que foi para ti, cresceres com tranquilidade e normalidade...»
(Fotografia de Luís Eme - Sesimbra)
Olhava-se para as ruas, quase sem gente, cheias de carros adormecidos. Ouvia-se uma música nova, o cantarolar dos pássaros que tinham regressado, dando sinal de que o ar estava mais respirável. Algo que foi confirmado pelos cientistas.
Habitar dentro de um "tempo suspenso", cansa, esgota... Foi por isso que aceitámos que tinham de existir outras maneiras de "combater" o vírus. Voltámos à rua, ao trabalho, em busca de uma "normalidade" que nunca apareceu...
Só os maus hábitos é que começaram a regressar todos, um a um... até aquela miséria que se esconde atrás dos "bancos alimentares" e das "missas", voltou, ainda com mais força. Tal como a "invenção" de mais rendimentos mínimos, para os precários das culturas e afins.
E para não variar, parece que a "salvação" passa pela tradição do Estado em "subsidiar" o capitalismo, cada vez mais selvagem.
É por isso que uma fotografia para retratar este tempo, teria de ser obrigatoriamente, cinzenta...
(Fotografia de Luís Eme - Almada)
Alguns anos depois mudou-se para uma mercearia mais central, que era quase um "super-mercado", mas que ficava num outro "bairro".
Foi uma pena, porque as pessoas que passaram pela mercearia - foram bem mais de meia-dúzia -, pensavam mais no dinheiro que em servir as pessoas. Os produtos que vendiam além de caros, eram de qualidade duvidosa. Ou seja, eu só lá entrava quando precisava mesmo de qualquer coisa.
Quase trinta anos depois a mercearia voltou para a família, para o filho mais velho da senhora, que eu conhecia de criança. Comecei a passar por lá e percebi que o rapaz tinha herdado o jeito da mãe em cativar os clientes. E também tinha percebido que tinha de ter preços concorrenciais. Ou seja, conseguiu conquistar muitos dos clientes que o tinham visto crescer e que nem mesmo em tempos de pandemia, deixam de aparecer para dar um pouco à língua (não pode ser por muito tempo porque só podem estar três clientes em simultâneo na loja...).
Às vezes tenho de esperar alguns minutos cá fora e depois quando sou atendido, não me esqueço de lhe dizer que tem de despachar mais rápido as senhoras que aparecem ali com vontade de "namorar". Ele sorri com a cara de bom rapaz, que nunca perdeu.
Toda esta prosa, para dizer que sabe muito bem, sentir que "existe" uma mercearia no nosso "bairro"...
(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)
A última aconteceu na semana passada. Além dos quadros pendurados pela casa e no sótão (o local de trabalho...), tinha caixas e pastas cheias de desenhos, guardados por temas. Fiquei surpreendido pela positiva. Havia tantas coisas bonitas que ele achava banais...
Sempre achei graça ele referir-se aos seus desenhos como "bonecos".
Talvez possa ser uma defesa, mas eu gosto de pensar que é uma maneira descontraída e engraçada de se referir aos desenhos que faz quando lhe apetece (faz questão de não desenhar todos os dias, mas apenas quando as mãos "lhe dançam"...).
Desta vez falou-me das pastas que estavam mais fora de mão e disse: «Há bonecos que não mostro a ninguém.»
Quis saber porquê. Foi sincero, falou de algum pudor e também de secretismo. Acrescentando: «Há bonecos que fazemos que não são para mostrar. Uns são quase estudos, outros são muito pessoais.»
Foi quando abriu a pasta com alguns dos seus nus. Achei-os um espanto. Foi bom ele ter feito uma excepção.
(Fotografia de Luís Eme - Lisboa, Museu Júlio Pomar)