segunda-feira, fevereiro 28, 2011

O Insustentável Peso da Crise

Passei lá na sexta-feira, já não havia quase nada, para além das paredes brancas, uma mesa e uma cadeira, que já faziam parte da mobília quando a equipa resolveu vir para a Capital.
Desta vez não falámos da mudança forçada, desviámos a conversa para o cinema, preferimos conversar sobre os filmes que não vimos, por causa do Óscar estar à porta.
Antes sim, debruçámo-nos sobre o assunto e todos estávamos conscientes que não foi apenas a crise a ditar a mudança. Foi sobretudo a falta de ética e de honestidade de todos aqueles que encomendam trabalhos e depois quando surge a hora de se "chegarem à frente", dizem que não têm dinheiro para pagar. Gente que não paga o que deve, mas anda a pavonear-se pelas ruas ao volante de mercedes e bmw, topos de gama, e veste fatos do armani.
As encomendas também foram descendo, porque não se podia continuar a trabalhar sem garantias financeiras, nem ir na cantiga de uma estação de televisão que tinha o hábito de só pagar se os trabalhos que iam para o ar.
A produtora vai voltar à "primeira casa", à garagem dos pais da Teresa. Vai fazer das tripas coração para manter o nome limpo, mas apenas fica com um funcionário a tempo inteiro.
A equipa mantém-se unida, embora o "trio maravilha" passe a trabalhar à peça.
O menos giro da coisa é saberem que o dinheiro que lhes devem dava para pagar cinco anos de renda, mais a água, luz e comunicações.
Como a justiça funciona entre nós, provavelmente metade do dinheiro irá evaporar-se com o tempo e com as falências, sempre úteis...
O óleo é de Cristopher Stott
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sábado, fevereiro 26, 2011

O Galã de Cinema Mudo

A sua presença fazia-se notar porque havia nele muita coisa copiada dos filmes, desde o penteado, a maneira de olhar, à pose, demasiado fabricada. Era possível descobrir por ali coisas de Paul Newman, apesar de ter os olhos castanhos, e até de Marlon Brando, nos seus bons tempos.

Havia ali muito ensaio, muitas passagens em frente do espelho, ou seja, muita transpiração e muito amor a um certo cinema, quase romântico.

O mistério e o deslumbre só foi quebrado quando a "personagem" teve de falar. A voz fina não correspondia em nada ao estilo publicitado.

Lembrei-me de imediato da passagem dos actores do cinema mudo para o sonoro, no qual foi necessário efectuar dobragens, para manter as cabeças de cartaz mais populares da sétima arte, até se ter decidido que a imagem não bastava para ser actor, também era necessária voz...

quinta-feira, fevereiro 24, 2011

O Bom Inverno

Acabei de ler ontem, “O Bom Inverno”, de João Tordo.
Foi uma leitura de mesa-de-cabeceira extremamente agradável.
Senti logo nas primeiras páginas que a história não era grande coisa, apesar de ter como ponto de partida um encontro de escritores em Budapeste. Mas nunca experimentei a desilusão, graças à escrita do João, bastante convincente pela sua qualidade.
A personagem principal é um escritor português, curiosamente “sem nome”, mas com muitas dores no corpo e na alma, que usa uma bengala quase como fetiche. Durante o encontro de escritores é desafiado a partir para uma região chamada Sabaudia, na Itália, especialmente por um escritor italiano. Acenaram-lhe com uma casa com ares de “cinema paraíso”, perdida no meio de um bosque, que também possuía um lago, em cujo pontão acabaria por aparecer morto o dono da casa, Don Metzger, um famoso produtor de cinema que gostava de adaptar romances à sétima arte.
Com o aparecimento do morto, o João pinta o seu romance de negro, mantendo a sua qualidade literária e prendendo o leitor com várias surpresas, graças às personagens, quase todas cativantes e imprevisíveis, física e psicologicamente.
É neste contexto que o bosque se transforma quase numa selva perigosa, onde não faltam cadáveres nem medos, alterando completamente o comportamento das pessoas, que são capazes de revelar o pior de si, ao longo da história.
Só um grande escritor era capaz de transformar uma história vulgar num excelente romance.

quarta-feira, fevereiro 23, 2011

A BTL Começa Hoje

A BTL (Bolsa de Turismo de Lisboa) continua a ser um marco importante no nosso turismo.
A partir das 10 horas, as portas abrem para os profissionais.
Vou ver se dou uma saltada até lá, depois do almoço.
Claro que a escolha deste cartaz é uma provocação, a um país que desprezou o melhor transporte do mundo, em benefício do petróleo (do alcatrão, da gasolina e do gasóleo).

segunda-feira, fevereiro 21, 2011

Obrigado a Ser Outro

Existem cada vez mais profissões que nos fazem mal, que nos forçam a ser actores da "novela" em que se tornou esta sociedade. É como se nos transformassem numa caricatura de nós próprios, sem pedirem autorização.

Noutros tempos até era capaz de duvidar que as pessoas que nos telefonavam para casa, a vender qualquer "latita de banha da cobra", se sentissem felizes. Hoje não. Já nem olho para o Alípio como um "cromo", por no fim de cada telefonema publicitar à plateia: «já enganei mais um artolas.»

Já vivi dias melhores, como quase todos nós, neste país eternamente adiado, mas pelo menos ainda não fui obrigado a ser uma coisa diferente daquilo que sou.
O óleo é de Aldo Balding.

domingo, fevereiro 20, 2011

Viver um Dia de Cada Vez

Olhavam-na de lado, umas com despeito outras com inveja, embora não admitissem, porque Aurora já tinha outro homem.

Ela nunca foi de se ralar com os olhares, muito menos com as vozes do mundo, tinhosas, capazes de encher páginas e páginas dos "jornais diários" da mercearia e da cabeleireira.

Aurora não era mulher para ficar sozinha. O "amor" para ela não era esperar, era viver um dia de cada vez, embora tivesse o cuidado de não arranjar qualquer "pai" para as suas três crias.

Quem entrasse na sua casa e partilhasse a sua cama, tinha de trabalhar e contribuir com a sua parte, para o orçamento familiar. Se havia gente de quem tinha pavor, era de "chulos".

A vida nunca a tratara muito bem, mas ela continuava a fazer-lhe frente, com uma vontade, que só as mães têm.

E continuava a manter os traços e a beleza de mulher madura, comuns a tantas mulheres livres, incapazes de acertar no homem certo...

(Provavelmente uma personagem de um dos meus próximos livros...)

O óleo é de Ryan Hewett.

sábado, fevereiro 19, 2011

Acordar com a Cidade

Nunca fui de ficar na cama a preguiçar e a ver o dia crescer. Talvez por acordar relativamente cedo e não ter grandes dificuldades em saltar da cama e fazer-me à vida.

Às vezes sou mesmo "forçado" a sair da cama porque as "ideias" começam a amontoar-se e precisam de ser passadas para qualquer papel.

Hoje também foi assim, apesar de ser um sábado chuvoso, que até pedia mais "cama".

E lembrei-me da Júlia "Florista" (detesta que lhe chamemos isto...), que adora acordar cedo, para ver Lisboa a nascer, da sua janela do quarto-água furtada, de um dos bairros mais típicos de Lisboa.

Prefere sempre os vizinhos silenciosos aos noctívagos barulhentos que deixam tudo em alvoroço. Começam "a vida" ao raiar do sol, quando ele aparece (felizmente não nos podemos queixar muito...), uns para o trabalho outros para o mercado, como a dona Mariazinha, que desce todos os dias o bairro para ir à Ribeira. Nem acha estranho que aquela senhora com mais de setenta anos nunca tenha perdido o "inha".

Quando ela me contou isto, lembrou-me a minha infância, quando acompanhava a minha mãe às praças da fruta e do peixe, ambas ao ar livre, nas Caldas da Rainha, quase diariamente...

O óleo é de Viktor Sheleg.

quinta-feira, fevereiro 17, 2011

«Temos de acalmar a fera.»

Eu sei que o ensino está melhor que ontem e até que antes de ontem.

Os profetas da desgraça e os sindicalistas pouco me dizem, assim como os alunos aburguesados, que se queixam da falta de condições das escolas de hoje. Não era má ideia que os pais e os tios os recordassem dos pavilhões pré-fabricados "climatizados", fresquinhos de Inverno e quentinhos no Verão, que faziam de salas de aula. E isto sem falar da fauna animal que habitava nas proximidades, com destaque para as ratazanas de quilo. Esta realidade ainda existia há dez anos, em muitas cidades portuguesas. Sem puxar muito pela memória, em Almada lembro-me de pelo menos duas escolas...

Toda esta conversa porque ontem estive com um amigo que é professor há mais de vinte anos e que se sente feliz por a escola ser hoje um sitio melhor para ensinar e para aprender, apesar das queixas que se ouvem por ai.

Recordámos os seus primeiros anos, ainda na década de oitenta do século passado. Ele sorriu ao lembrar-se que os colegas ficavam cansados só de o ouvirem falar. E que assim que o viam virar costas diziam uns para os outros, «temos de acalmar a fera». Felizmente a fera nunca acalmou e tem sido "pai" de dezenas de projectos, que além de procurarem estimular a vontade de estudar e de investigar, também tentaram aproximar a chamada sociedade civil da escola.

Ele perdoa mas não esquece, que os maiores obstáculos que encontrou na sua já longa caminhada no ensino, foram sempre colocados por colegas...
O óleo é de Jurgen Geier.

quarta-feira, fevereiro 16, 2011

O Transporte de Todas as Classes

Talvez seja um exagero, dizer que o Metro é o transporte lisboeta de todas as classes.

Mas posso pelo menos dizer que é o melhor e o mais rápido dos transportes, além de extremamente discreto. Normalmente entramos mudos e saímos calados, ao contrário do que acontece no interior de um táxi, autocarro ou cacilheiro.

Os apressados e adeptos da pontualidade como eu não o dispensam, sabem que normalmente não há filas ou acidentes de percurso. E também que é a melhor alternativa aos taxistas espertos que são bons a escolher os caminhos mais lentos até ao nosso destino, fazendo-nos desesperar, quando temos uma reunião que não espera um minuto.

Quando viajo de Metro penso nestas coisas quase banais, sem deixar de reparar que as pessoas passam o tempo a desviar o olhar (acho que já escrevi sobre isso) ou a observar o vazio e o escuro, do lado de fora das janelas...

terça-feira, fevereiro 15, 2011

Partir...

«Ele sabia que já ninguém partia pelo mar e isso deixava-o triste.

Para ele não havia partidas nem despedidas sem mar, muito menos chegadas.

É uma banalidade partir para fora, empurrado para o interior de pássaros de ferro e depois desaparecer no meio do céu azul, com e sem nuvens.

Foi por isso que andou a cirandar rente ao cais e a perguntar onde se podia arranjar emprego como tripulante, de qualquer barca, um cargueiro, um graneleiro ou outra coisa qualquer, desde que estivesse distante das cidades ambulantes que atracavam em Lisboa, diariamente. Falaram-lhe de duas ou três empresas rente ao Cais Sodré.

Apontou os nomes.

Queria e precisava de partir. Estava farto de ser ninguém, de não ter um trabalho com um ordenado decente. Mas estava ainda mais cansado do ambiente pesado que o rodeava, empestado de lamuria, inveja,vaidade, incompetência e falsidade, que faziam do seu emprego um "teatro" muito mais trágico que cómico.»

Nota: Encontrei este texto num dos cadernos de capa preta, escrito há mais de vinte anos. Mas até podia ser de hoje, em que é cada vez mais urgente partir...

O óleo é de Cláudio Dantas.

segunda-feira, fevereiro 14, 2011

O Meu Jornal das Segundas

A segunda-feira sempre foi, e é, um dia difícil para todos nós. Por ser o primeiro dia de qualquer coisa, que nem sempre é aquilo que desejamos ou merecemos.

Talvez por isso, começo muitas segundas a folhear as páginas de "A Bola".

Apesar da carga dramática que existe em vários acontecimentos do fim de semana desportivo, acaba sempre por ser uma leitura descontraída. Provavelmente por olhar para todas as reportagens e opiniões com a certeza de que o que hoje é verdade, amanhã pode ser mentira...
A escolha do jornal tem muito a ver com o facto de se encontrarem por ali, todas as classificações desportivas, da primeira liga aos regionais, passando pelas camadas jovens e pelas ditas "amadoras".
Além do Benfica, passo sempre os olhos pelo Caldas, pelos clubes de Almada (Cova da Piedade, Pescadores e Almada) e por outros "emblemas", que por razões várias, não consigo ser indiferente, mesmo que estejam em divisões inferiores (Belenenses, Boavista, S. Covilhã, Sesimbra, Gaierense, Peniche, etc), ou sejam de outros países, como o Real Madrid (hoje o clube internacional mais português) e o mítico Manchester United.
Parece consensual que o Benfica está em alta, mas dificilmente ultrapassará o F.C.Porto, um dos únicos clubes que ganha mesmo quando joga mal. No fim da tabela aparece agora o Portimonense, praticamente condenado à descida, graças à sua aposta num treinador cujo nome Carlos Azenha, bem poderia ser substituído por Carlos "Azelha". Até agora, nas suas passagens pelo Vitória de Setúbal e Portimonense, não conseguiu ganhar um único jogo na primeira liga.
Na segunda divisão o S. Covilhã foi vitima de um daqueles árbitros que nos deixam sempre na dúvida: se são realmente desonestos ou simplesmente incompetentes. Marcou uma grande penalidade contra a equipa serrana (que não existiu e até espantou os jogadores do Estoril...) e não marcou outra evidente (mão na bola...) a seu favor, que deixou os jogadores, treinador e adeptos completamente indignados. Achei curiosa a nota do jornal, que disse que João Pinto (o treinador) não compareceu na conferência de imprensa, por não estar em condições psicológicas para falar aos jornalistas...
É verdade, o árbitro chama-se Luís Catita...

São estas coisas que fazem com que o futebol não possa ser levado muito a sério. E espanta-me muito que as pessoas ainda vão aos estádios, porque os tempos são outros e há muita coisa para se fazer aos domingos, contrariamente ao que se passava antes de 1974...

E também me devia espantar por continuar a gostar de ler "A Bola", à segunda-feira. Mas há hábitos que não mudam...

A imagem que ilustra o texto não é inocente. É a forma de homenagear uma das maiores figuras do desporto português, o prof. Moniz Pereira, que fez noventa anos no dia 11 de Fevereiro...

domingo, fevereiro 13, 2011

Memórias Fotográficas do Meu Pai

Quando visito com o olhar fotografias antigas, fico sempre com a sensação que o meu pai se vestia melhor que eu e o meu irmão.

Há uma explicação natural, que vai mais longe que a vaidade pessoal e o amor próprio, tão variável entre cada um de nós.

Enquanto nós crescemos com a indiferenciação dos domingos, o pai não. Ele tinha a sua roupa de domingo, coisa que nós só devemos ter tido na infância...

Os domingos dele constavam do tal banho "semanal" generalizado (pelo menos de corpo inteiro, de imersão...), da escolha de uma "toilete" diferente, muito mais apresentável (quase de festa...) e depois seguia o ritual de tantos chefes de família; a ida à missa de manhã e ao futebol de tarde. Antes do 25 de Abril, era assim que ele passava boa parte dos domingos...

Claro que não devo banalizar o facto de ele ter muito bom gosto. Umas das peças de roupa que herdei foi um sobretudo escocês, mais velho que eu, que além de me proteger do frio, também me aquece o ego sempre que o visto.

Apesar deste texto ser um pouco "saudosista", não sinto qualquer falta desse "pequeno mundo" criado à imagem de Salazar, em que os domingos se resumiam a tão pouco, nas cidades e vilas de província. O futebol tinha de facto uma carga de descompressão muito forte (era o único sitio onde era oficialmente permitido dizer palavrões, embora o meu pai nem fosse um excessivo, raramente o ouvi chamar nomes a um árbitro ou jogador, muito menos a um adepto, no velho Campo da Mata) na sociedade. Nesse tempo o cinema era pobrezito, pois tinha de passar no crivo da censura, o teatro uma raridade (se excluirmos as poucas companhias amadoras...) e de outras artes, nem é bom falar.

O pouco que se fazia no campo artístico, funcionava quase em circuito fechado, apenas acessível às "elites" de cada cidade, das quais nunca fiz nem quero fazer parte.

Comecei a falar da boa imagem do meu pai e já vou nas "culturas".

Benditas palavras, que são mesmo como as cerejas...

O óleo é de Fabian Perez.

sábado, fevereiro 12, 2011

As Imagens de Gerard Castello Lopes

Quem gosta de Lisboa e de fotografia, não passou ao lado do fotógrafo Gerard Castello Lopes, que foi capaz de captar coisas deliciosas, como esta imagem dos jardins Belém, que pode e deve ter várias interpretações.

Eu olho e vejo uma alegoria ao país rural salazarento, onde surge a terra lavrada e os portugueses, de enxada na mão, e claro, a Saudade do nosso passado glorioso por mares nunca navegados, com a simbólica Torre de Belém como "pano de fundo".

Só nos encontrámos uma vez, na inauguração de uma exposição, onde nos cumprimentámos e trocámos algumas palavras de circunstância, graças a um amigo comum, que nos apresentou.

sexta-feira, fevereiro 11, 2011

A Solidão e o Medo

Acho que nunca houve um tempo como o dos nossos dias, em que as pessoas vivem, cada vez mais, fechadas dentro de si.

O mundo mudou tanto, que até foi capaz de dar a ilusão, de que qualquer pessoa se basta a si própria.

O liberalismo tão em voga, além de ter sufocado a existência de um estado mais justo e igualitário, com a supremacia do egoísmo e do individualismo, continua a destruir todo e qualquer equilíbrio social.

Continua a tentar apagar o grito de que «um homem sozinho não vale nada». E parece que vai "levando a água ao seu moinho"...
Se contabilizarmos as pessoas que moram no nosso prédio, com quem trocamos algo mais que o bom dia ou boa tarde, os dedos de uma mão são suficientes. E os vizinhos que quase nunca vemos, que começam a sair cada vez menos de casa, à medida que se vai tornando mais difícil, subir e descer escadas?
É fácil amaldiçoar as grandes cidades que nos roubam o olhar, o riso e as palavras. As grandes cidades que nos enchem de "medos" e de "perigos", com a quase vulgar insegurança das ruas, que se vai aproximando, a várias velocidades, das nossas casas.

E nós, no que foi que nos tornámos?...

A fotografia é de Robert Doisneau.

quinta-feira, fevereiro 10, 2011

Todos os Nomes...

Na terça-feira à tarde, estive ligeiramente "mergulhado" no património na colectividade mais antiga de Almada (mais de 162 anos...), a Sociedade Filarmónica Incrível Almadense, da qual faço parte, orgulhosamente, dos seus corpos gerentes.

O Carlos tinha uma fotografia e uma carta para oferecer a um amigo, que apareceu e nos fez companhia, enquanto guardávamos algumas peças que irão fazer parte do Museu da Incrível. A imagem oferecida retratava a nossa banda, onde o pai e avô tinham tocado. Eles iam falando e eu escutava, Gutenberg para aqui, para ali, até que perguntei a que propósito é que lhe tinham dado a alcunha do inventor da imprensa. O senhor disse-me que era mesmo o nome dele, e ainda por cima, nome próprio. E foi mais longe, disse que dois dos seus irmãos chamavam-se Copérnico e Galileu. Falou-me então do padrinho de ambos, um homem profundamente culto e agradecido a estes três grandes revolucionadores.

Eu nem me devia admirar, pois tive o prazer de conhecer o Júlio Verne, inventor e poeta do Bairro Alto. E embora não o tivesse conhecido, também sabia da existência de um Emílio Zola, em Almada. Filho de Jaime Rebelo, um anarquista que lutou na Guerra Civil de Espanha e na Segunda Guerra Mundial, "imortalizado" por um poema de Jaime Cortezão. Emílio foi marido da Anyana, poetisa e pintora almadense, uma grande amiga que também já nos deixou.

Quase todas estas escolhas, que hoje poderão parecer absurdas, vinham do seio dos libertários, gente culta e sonhadora, que vivia atrás do sonho de um mundo sem deuses e sem amos...
O óleo é de Steven Lawder.

quarta-feira, fevereiro 09, 2011

O Perfume do Jornal

Estou a comprar muito menos jornais, por várias razões.

Mas há dias em que não resisto, preciso de sentir o papel e a tinta nas mãos. Sei que isso acontece mais pelo "objecto" que pelo conteúdo.

Muitas vezes apenas folheio o jornal, sem ler a bom ler uma única notícia.

Claro que continuo a comprar um jornal ou uma revista qualquer, apenas porque há uma entrevista ou uma reportagem que me interessa ler.

Além de algum saudosismo, também tenho a esperança de ser surpreendido. Coisa cada vez mais rara, infelizmente.

Acho que também tenho a ilusão de encontrar um outro tipo de jornalismo, mais livre, sem tanta gente a assinar crónicas "de rabo de fora"...
O óleo é de Sangram Majumdar.

terça-feira, fevereiro 08, 2011

«O homem hoje é mais feminino.»

Só mesmo a Rita é que era capaz de dizer isto, numa mesa de homens.

Claro que todos barafustámos, dois ou três ciosos com a sua "masculinidade" e o resto da malta apenas para armar confusão.

O tema e a conversa que se seguiu dava para muitas "postas". Claro que muitas opiniões só tiveram como objectivo "ajabardinar" a discussão. Foi por isso que não se chegou a conclusão nenhuma, como convém nestes momentos de distracção.

Embora tenha sorrido mais que opinado, achei o tema interessante para o "largo", até por ter algumas dúvidas sobre a frase da Rita.

Não sei se é o homem que é mais feminino, se o modelo masculino que nos é imposto pelas "modas" da própria sociedade. O "metrossexual" de certeza que é mais feminino, mas ele está longe de representar o universo masculino.

Não tenho dúvidas que o maior cuidado físico do homem de hoje deve-se em grande parte aos interesses comerciais da industria da cosmética, provavelmente, "agravado" pelas "exigências" da própria companheira de cada um de nós, que prefere alguém mais próximo dos efebos que dos homens das cavernas...
O óleo é de Fabien Perez.

segunda-feira, fevereiro 07, 2011

«És a Carolina, não és?»

Há perguntas que fazemos e já sabemos a resposta. Nem sempre são parvas, mesmo que o possam parecer.

Quando lhe fiz a pergunta, saiu de uma forma espontânea, «és a Carolina, não és?». O mais curioso, é que sem pensar nisso, estava a dar-lhe todas as possibilidades, inclusive de me dizer que não, que era um engano.

Mas ela sorriu-me e disse que sim, tal como a palavra mágica,«Caldas», havia umas mesas onde nos podíamos sentar e desviar por momentos da conferência para a qual tínhamos sido convidados.

Começou a falar sem parar, da sua vida errante, do seu regresso a África, onde voltou a encontrar o equilíbrio e a largar de vez a "droga de vida" em que se metera desde a adolescência.

Carolina era a única mulata da minha turma durante o ciclo preparatório, nos anos revolucionários 1974/75. Além de gira era muito independente. Quase de um momento para o outro transformou-se numa mulher bonita enquando nós permanecemos uns putos.

As mulheres têm destas coisas, crescem sempre mais depressa que nós...

Continuou na minha turma no secundário, mas foi-se afastando, seduzida por uns tipos que vendiam "sonhos psicadélicos".

Lembro-me que ela com apenas catorze anos saiu de casa, antecedendo uma viagem sem regresso. Deixou um bilhete aos pais adoptivos, onde dizia que aquela não era a sua terra nem a sua família. E claro, para não a procurarem. Claro que eles encontraram-na dias depois e trouxeram-na para casa. Por pouco tempo. Apesar da vigilância mais apertada, ela voltou a fugir, de vez...

Percebi que as feridas tinham sarado, mas algumas cicatrizes continuavam por ali, bem presentes.

Contou-me que nunca mais voltou às Caldas, nem voltou a ver os pais adoptivos. Infelizmente não conseguiu encontrar os verdadeiros pais, vitimas da guerra, apenas descobriu uma avó e uns tios, em Moçambique, a sua verdadeira Terra, que a esperava dentro de dias, de braços abertos...

Sem que eu perguntasse, disse-me que nunca foi uma "filha" para os pais adoptivos, era outra coisa qualquer. Desabafou que não lhes queria mal nem bem.
Ela não é Naomi Campbell da foto, mas continua a ser uma mulata gira e também usa o cabelo curto...
Adenda: Claro que não a reconheci logo. Comecei por achar o seu rosto familiar, depois soube que se chamava Carolina e percebi que sorria da mesma maneira que a miúda que conheci. Apesar de dois e dois nem sempre serem quatro, desta vez eram mesmo quatro.

domingo, fevereiro 06, 2011

As Mulheres do Café

Hoje fui mais cedo para o café.

Fui o primeiro a chegar e quando estou sozinho, pego invariavelmente num guardanapo de papel (quase de bíblia...) e começo a escrever, inspirado no ambiente que me rodeia.

Hoje deu-me para reparar no "exagero" da clientela feminina, já com alguma idade, que além do chá e das torradas, têm sempre muitas "migalhas" à mão para alimentar as conversas.

São umas verdadeiras enciclopédias no que toca a telenovelas e respectivos mexericos das revistas rosadas, que seguem como se fossem os antigos folhetins de Corin Tellado. Sabem de frente para trás e de trás para a frente os namoricos inventados sobre toda aquela gente bonita, que continua a fazer o seu papel de actor e actriz dentro das revistas, aceitando as "vidas" e as namoradas e namorados impossíveis que lhes são impostas, mesmo que estejam a anos luz das suas preferências sexuais.

Tenho impressão que estas senhoras continuam a fingir que acreditam que estes rapazes bonitos são uns verdadeiros "parte-corações", tal como eram os enganadores António Calvário, Artur Garcia ou António Mourão, na sua juventude.

Às vezes sou apanhado a sorrir, no meio destas conversas, ligeiramente apimentadas, mas não tenho culpa que a única mesa vaga seja mesmo ao seu lado...


O óleo é de Tigran Petrosian.

sábado, fevereiro 05, 2011

Um Pequeno Grande Jogador

Liedson (tal como Falcao, embora este tenha "roído" a corda no último momento, graças à "arte" do "pintinho" de desviar craques da Luz...) é um dos poucos jogadores do nosso campeonato que gostava que tivesse vestido a camisola da equipa benfiquista.


Apesar da baixa estatura, o "Levezinho" chega mais longe e mais alto que muitos grandes, e é quase sempre primeiro, por nunca desistir de um lance e ter a percepção rara do lugar e do tempo certo, no interior da área.

Ontem Liedson despediu-se de Alvalade da melhor maneira, com dois golos preciosos, que garantiram o empate do Sporting com o Naval, último classificado.

Vai deixar saudades aos sportinguistas e a todos aqueles que gostam de golos e de bom futebol.
Adenda: seja para "português" ver ou não, soube bem ouvir da sua boca, a disponibilidade para continuar a jogar pela Selecção, antes de partir para o Brasil. Até aqui é um exemplo para muito boa gente...

sexta-feira, fevereiro 04, 2011

Um Cartaz, uma Actriz, um Filme


Gosto muito deste cartaz.

Também acredito que vou gostar do filme, porque um dos caminhos que me levam a gostar de uma "fita" de cinema são os actores. E eu gosto muito da Natalie Portman.

quinta-feira, fevereiro 03, 2011

A Luta Diária

Todos os dias luto

contra a vontade de escrever.
Todos os dias fujo das palavras
que me perseguem por toda a parte
e querem ser, à força, qualquer coisa,
uma história, um poema.

Todos os dias insulto
o substantivo, o adjectivo e o verbo,
deito fora papeis, lápis e canetas.
Todos os dias vacilo
perante a força da palavra.
Percebo com uma nitidez terrível
o drama da toxicodependência,
a incapacidade de resistir ao perfume
de todas as drogas da vida.

Todos os dias luto
contra a vontade de escrever.
O óleo é de Carlos Botelho, as palavras minhas...

quarta-feira, fevereiro 02, 2011

Bonecos Articulados & Estátuas Silenciosas

De inicio somos todos bonecos articulados, quase com ossos de plástico.
Passamos o tempo a correr e a saltar, a pintar as pernas com manchas negras, de uma dor momentânea, que vai logo embora.
No fim, tornamos-nos quase estátuas silenciosas.
Andamos devagar e com nítidas dificuldades motoras.
E se somos colocados em "lares", a transformação em estátuas silenciosas, ainda se torna mais evidente.
Os lares lembram-me sempre a minha avó materna, não apenas dentro do seu corpo gasto e cansado, já de cadeira de rodas, mas também na dificuldade que começou a ter em falar, por falta de "ginástica da língua". Preferiu colocar-se na tal "ante-Câmara" para a última viagem, voluntariamente, escolhendo o silêncio à insanidade que a rodeava...
A escultura é de Berit Hildre.