Embora leia e escreva muito, nunca fiz parte de nenhum clube de leitura (os clubes de escola não contam...).
Nos últimos anos recebi um ou outro convite para fazer parte desta "corte de amantes de livros", mas dei sempre a mesma desculpa: a leitura é um acto solitário, onde normalmente apenas admito a presença dos "meus fantasmas".
E na verdade não sinto muito a necessidade de discutir os livros, até por saber que não lemos para o mesmo lado nem da mesma forma. Embora a história seja a mesma, a maneira como sentimos as personagens é quase sempre diferente. É um pouco como a vida, "joga-se" muito com a empatia e os seus contrários...
Mas o livro que acabei de ler fez-me sentir pela primeira vez, vontade de o discutir, quase da primeira à última página. Falo de "A Sétima Função da Linguagem - quem matou Roland Barthez?", de Laurent Binet.
Felizmente todos os anos leio pelo menos um livro que me deixa, não só a pensar, como com vontade de escrever mais e melhor (o tal romance que me foge das mãos há vinte e tal anos...).
Não vou contar a história (que nem parece ser grande coisa, tal como o título - mas que é muito estimulante, não tenham qualquer dúvida), não só pelo seu absurdo, mas também porque não é sobre isso que me interessa escrever.
O que eu gostava mesmo de discutir é a utilização das personagens secundárias reais numa ficção, quase tudo gente grande da cultura e até da política francesa. Dos chamados intelectuais da "alta cultura francesa" (e arredores), Binet não deixou um único de fora (além de Barthes, aparecem Foucault, Derrida, Lévy, Althusser, Sollers, Kirsteva, Eco, Jakobson, etc).
Era como se eu escrevesse um livro e colocasse por lá Saramago, Lobo Antunes, Graça Moura, Pacheco Pereira, Pulido Valente, Eduardo Lourenço, misturando a realidade com a ficção. E pelo meio ainda podia oferecer papéis a Mário Soares ou Álvaro Cunhal (que intelectualmente são com toda a certeza mais estimulantes que um Miterrand ou um Giscard...).
E pensar que só comecei a ler este livro por teimosia... Achei que desta vez devia ler o livro (ao contrário do que aconteceu com os outros) que me foi oferecido pela revista "Ler", pela renovação da assinatura. E fiz muito bem, porque o seu autor consegue escrever um grande romance, quase a partir do nada (será isto "a sétima função da linguagem?")...