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sábado, 18 de maio de 2024

Fragmentação florestal na Amazónia emite um terço do carbono produzido pelo desmatamento, diz estudo


Pesquisa publicada na revista científica Science mostra que a divisão da floresta amazônica em pedaços é tão nociva para o aquecimento global quanto o próprio desmatamento.

Segundo os pesquisadores, 1/3 dos gases de efeito estufa lançados na atmosfera entre 2001 e 2015 foram dessas áreas fragmentadas de floresta devido ao "efeito de borda".

As "bordas dos fragmentos" são mais secas e quentes que a floresta, recebem mais luz que as matas fechadas e muitas espécies não conseguem sobreviver ali. Também ficam em contato com áreas queimadas, novas pastagens ou plantações. A decomposição de espécies que morrem nas bordas dos fragmentos de floresta lançam o carbono que estava armazenado em sua massa na atmosfera.

Recado de um dos pesquisadores do estudo em entrevista à Folha:
"Os problemas abordados no estudo não são questões partidárias, mas desafios da nação necessários para a melhor gestão de nosso território e recursos naturais. Precisamos favorecer o desenvolvimento do país de forma sustentável e conduzir o restabelecimento de nosso papel central no combate às mudanças climáticas globais" - Luiz Aragão, INPE.

segunda-feira, 15 de abril de 2024

Dia Inaugural da Árvore Indígena


O Dia Inaugural da Árvore Indígena criado pelo Grupo de Sementes de Árvores Africanas é no dia 15 de abril de 2024. 
Vamos continuar mudando a paisagem das nossas comunidades plantando árvores indígenas.
Site Oficial: Indigenous Tree Day

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Humanos já causaram a extinção de 1.430 espécies de aves


Os seres humanos causaram a extinção de um total de 1.430 espécies de aves, um número duas vezes maior do que aquele que se pensava, revelou um novo estudo publicado na revista científica Nature Communications.

Muitas das ilhas do planeta eram paraísos intocados. Mas a chegada dos seres humanos a locais como os Açores, Tonga ou o Havai tiveram, ao longo do tempo, grandes impactos como a desflorestação, sobre-caça e a introdução de espécies invasoras. Como consequência, muitas espécies de aves desapareceram.

Se o desaparecimento de muitas aves desde os anos 1500 já está registado, o nosso conhecimento sobre o destino das espécies dependia, até agora, de fósseis. Acontece que estes registos são limitados porque os ossos das aves, muito leves, se desintegram com o passar do tempo. Este facto tem mascarado a verdadeira extensão da extinção mundial das aves.

Os investigadores acreditam agora que 1430 espécies de aves, quase 12%, desapareceram durante a história moderna, desde o final do Pleistoceno há cerca de 130.000 anos. A grande maioria dessas aves extinguiu-se directa ou indirectamente por causa da actividade humana.

O estudo, coordenado pelo Centro Britânico para a Ecologia e Hidrologia (UKCEH, sigla em Inglês), usou modelos estatísticos para estimar as extinções de aves até agora desconhecidas.

Rob Cooke, principal author do estudo e investigador do UKCEH, disse, em comunicado, que este estudo “demonstra que houve um impacto humano muito superior na diversidade das aves do que o que era reconhecido até agora”.

“Os humanos devastaram rapidamente populações de aves através da perda de habitat, sobre-exploração e introdução de ratos, porcos e cães que destruíam os ninhos das aves e competiam com elas por alimento. Mostramos que muitas espécies se extinguiram antes de haver registos escritos delas; não deixaram nenhum rasto, perderam-se na História.”

Estas extinções históricas têm hoje “grandes implicações na actual crise da biodiversidade”, alertou Søren Faurby, da Universidade de Gotemburgo e um dos autores da investigação.

“O mundo pode não apenas ter perdido muitas aves fascinantes mas também os seus papéis ecológicos que poderiam ter tido funções cruciais como a dispersão de sementes e a polinização. Isto terá efeitos negativos em cascata nos ecossistemas. Por isso, além das extinções das aves teremos perdido muitas plantas e animais que dependiam daquelas espécies para sobreviver.”

Observações e fósseis mostram que 640 espécies de aves foram empurradas para a extinção desde o final do Pleistoceno, 90% destas em ilhas. Estas incluem espécies como o icónico dodô (Raphus cucullatus) das ilhas Maurícias ou ainda o arau-gigante (Pinguinus impennis) do Atlântico Norte.

Mas os investigadores estimaram que houve mais 790 extinções até agora desconhecidas, elevando para 1430 o número de espécies perdidas, deixando apenas menos de 11.000 nos nossos dias. Cooke alerta que é provável que apenas 50% destas espécies se tivessem extinguido naturalmente.

Os cientistas afirmam que o seu estudo revelou a maior extinção de vertebrados causada por humanos da História quando, durante o século XIV, 570 espécies de aves desapareceram com a chegada dos primeiros povos ao Pacífico Leste, incluindo ao Havai e às Ilhas Cook. Esse número é quase 100 vezes maior do que a taxa natural de extinção.

Acreditam ainda que houve um grande evento de extinções no século nove, causado pela chegada do ser humano ao Pacífico Oeste, incluindo às Ilhas Fiji e às Ilhas Mariana, bem como às Ilhas Canárias.

Os investigadores apontam ainda o evento de extinções que hoje vivemos e que começou em meados do século XVIII. Desde então, além do aumento na desflorestação e da disseminação de espécies invasoras, as aves estão ameaçadas por ameaças adicionais como as alterações climáticas, agricultura intensiva e poluição.

Trabalhos anteriores destes autores sugerem que nos arriscamos a perder entre 669 e 738 espécies de aves no próximo século.

“Está nas nossas mãos se mais espécies de aves se irão extinguir ou não. Recentes projectos de conservação salvaram algumas espécies e devemos agora aumentar os esforços para proteger as aves com o restauro de habitats liderado pelas comunidades locais”, defendeu Cooke.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Apenas 5% dos povos negros da América Latina têm direitos à terra reconhecidos


No último dia 5 de dezembro, durante a Convenção nas Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), realizada em Dubai, Emirados Árabes, líderes afrodescendentes do Brasil, Colômbia e Honduras apresentaram resultados do estudo “Territorialidade dos Povos Afrodescendentes da América Latina e do Caribe em Hotspots de Biodiversidade”.
Esse estudo mostrou que apenas 5% dos povos negros dessas regiões têm reconhecimento legal de seus direitos coletivos à terra e ao território. Esses povos estão presentes em 205 milhões de hectares, englobando 16 países da região. Além disso, dados demonstram que as comunidades de povos negros da América Latina contribuem para a preservação do meio ambiente em seus territórios. Essa foi a primeira análise regional a documentar a presença territorial dos povos afrodescendentes e sua importância para a América Latina e o Caribe em termos de desenvolvimento, mitigação e adaptação às mudanças climáticas e conservação. Consultar o Atlas de Solos da América Latina e do Caribe.
O evento foi encerrado nessa terça-feira (12). O objetivo era convocar os Estados e os parceiros da região da América Latina e Caribe a promover e implementar reformas para o reconhecimento e a titulação dos territórios dos povos afrodescendentes, como forma de garantir um caminho eficaz para a mitigação e a adaptação às mudanças climáticas.
A discussão foi organizada pela Rights and Resources Initiative (RRI) e contou com a presença de Susana Muhamad, ministra do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Colômbia; Omaira Bolaños, da RRI; Jose Luis Rengifo, do Proceso de Comunidades Negras (PCN); Katia Penha, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) do Brasil; Gregoria Jimenez, da Organização para o Desenvolvimento das Comunidades Étnicas (Odeco), de Honduras; e Clemencia Carabali, da Associação de Mulheres Afrodescendentes do Norte do Cauca (Asom).

A diretora do Programa para a América Latina da RRI, Omaira Bolaños conversou com a Agência Brasil:
Agência Brasil: Como o estudo “Territorialidade da Biodiversidade dos Povos Afrodescendentes na América Latina e no Caribe”, apresentado na COP 28, em Dubai, pode contribuir para reduzir os efeitos das mudanças climáticas?
Omaira Bolaños: É importante destacar que esse é o primeiro estudo a documentar a presença territorial dos povos afrodescendentes e sua importância para a América Latina e o Caribe em termos de desenvolvimento, mitigação e adaptação às mudanças climáticas e conservação. Trata-se de um esforço conjunto entre a RRI, a PCN, a Conaq, o Observatório de Territórios Étnicos e Camponeses (Otec) e outras 20 organizações de base que o acompanham.
A análise revela que há 205 milhões de hectares em 16 países da região com a presença territorial de povos afrodescendentes. Entretanto, apenas 5% têm reconhecimento legal de seus direitos coletivos à terra e ao território. Essa análise também mostra que há mais de 1.271 áreas protegidas dentro ou adjacentes aos territórios dos povos afrodescendentes, 77% das quais têm transformação natural reduzida, o que demonstra a enorme contribuição dessas comunidades na proteção de áreas de alto valor ecossistémico.
O Brasil é um país significativo diante dos dados acima, pois 67% dessas áreas estão localizadas em municípios certificados com a presença de comunidades quilombolas sem titulação coletiva.

Agência Brasil: Que papel as comunidades tradicionais podem desempenhar na mitigação das mudanças climáticas?
Omaira Bolaños: As comunidades são as protagonistas dessa ação. As conclusões do estudo identificam a situação de modo que, a partir desse ponto de partida, há muito trabalho a ser feito para o reconhecimento e a proteção dos direitos das populações quilombolas dentro dos regimes legais de direitos de propriedade coletiva. O meio ambiente é preservado quando os territórios quilombolas são protegidos. A gestão territorial quilombola é conservacionista por excelência.

Agência Brasil: Embora a população afrodescendente na América Latina e Caribe represente cerca de 30% da população total da região, os direitos das comunidades tradicionais ainda não são reconhecidos por muitos países. O que deve ser feito para reverter essa situação?
Omaira Bolaños: Um evento dessa magnitude, que reúne líderes regionais para apresentar os resultados do estudo sobre a presença territorial dos povos afrodescendentes e sua importância para a América Latina e o Caribe em termos de desenvolvimento, mitigação e adaptação às mudanças climáticas e conservação, já é um passo importante para envolver diferentes governos na necessidade de implementar políticas que reconheçam os direitos de posse territorial dos povos afrodescendentes e sua importância na agenda global e nas metas de mitigação das mudanças climáticas e conservação da biodiversidade.
Segundo Omaira Bolaños, estudos mostram que quando detêm direito à propriedade, comunidades afrodescendentes aumentam a capacidade de evitar o desmatamento. 

Agência Brasil: As florestas tropicais representam cerca de 87 milhões de hectares nos territórios mapeados dos povos afrodescendentes, muitos dos quais estão localizados em áreas consideradas de biodiversidade. O que pode ser feito para garantir que esses territórios sejam reconhecidos como de grande valor para a preservação do planeta? E que políticas públicas os governos deveriam introduzir para proteger e garantir os direitos das pessoas de ascendência africana, como os quilombolas?
Omaira Bolaños: O Brasil é um país significativo diante dos dados acima, pois 67% dessas áreas estão localizadas em municípios certificados com a presença de comunidades quilombolas sem titulação coletiva. Apenas 1.093.645,1 hectares foram legalmente reconhecidos às comunidades quilombolas no Brasil. Ainda há pedidos de reconhecimento de 2.387.859,7 hectares de terras de comunidades quilombolas pendentes. O Brasil é um dos poucos países com um arcabouço legal robusto e uma estrutura institucional com capacidade para avançar na implementação de políticas de direitos de posse de terra para comunidades quilombolas em nível nacional e subnacional.
Vários estudos demonstram que, quando as comunidades têm direitos legais de posse sobre suas terras, sua capacidade de evitar o desmatamento e proteger a biodiversidade aumenta. Garantir os direitos à terra e aos recursos das comunidades quilombolas é uma das maneiras mais eficazes de avançar em direção às metas do Brasil em relação à mitigação das mudanças climáticas e à proteção da biodiversidade. O estudo mostra o papel significativo que as terras das comunidades afrodescendentes em toda a América Latina têm na proteção dos inestimáveis recursos florestais da Terra.
Esperamos que essa abordagem possa amplificar as vozes da população local e envolver proativamente governos, instituições multilaterais e atores do setor privado na adoção de reformas institucionais e de mercado para apoiar os direitos de posse das comunidades quilombolas, de modo que elas continuem desenvolvendo estratégias que apoiem a sustentabilidade da floresta e protejam a biodiversidade”.

Agência Brasil: Em 11 países, os direitos à terra desses povos foram reconhecidos, mas em outros isso ainda não aconteceu. O que as organizações não governamentais (ONGs) da América Latina e do Caribe ligadas à causa dos afrodescendentes propõem para remediar essa situação?
Omaira Bolaños: Acreditamos que a saída para a crise pode ser identificada pelas comunidades e territórios que sofrem esses impactos. Eles são os protagonistas dessa ação. Uma maneira é conhecer melhor os territórios, inclusive os que estão ao nosso redor. A coalizão para a produção do estudo em 16 países da região com a presença territorial de povos afrodescendentes, um esforço conjunto entre a RRI, o PCN, a Conaq, o Observatório de Territórios Étnicos e Camponeses (Otec) e outras 20 organizações de base que o acompanham, abre caminho para que sejam criadas soluções nas comunidades e nos territórios para problemas complexos.
A coalizão de organizações afrodescendentes e aliados que trabalham juntos nessa estratégia regional baseia-se em um roteiro que define duas grandes ações inter-relacionadas: o mapeamento de seus territórios e o ‘status’ legal do reconhecimento dos direitos de posse sobre esses territórios. Essas duas ações têm o objetivo de informar a cada um dos governos e às comunidades doadoras internacionais e bilaterais onde novas políticas precisam ser criadas ou implementadas e o nível de apoio – nacional ou subnacional – para garantir o avanço dos direitos à terra das comunidades afrodescendentes e quilombolas.

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Florestas antigas ucranianas destruídas para o mercado da UE


As empresas europeias são cúmplices na destruição de florestas antigas nos Cárpatos ucranianos, cuja madeira é vendida em toda a União Europeia. Esta é a descoberta chocante de uma pesquisa e viagem de campo do Greenpeace na Europa Central e Oriental à floresta antiga ucraniana.
A Greenpeace CEE está actualmente a liderar uma Expedição de 40 dias, para lançar luz sobre a destruição maciça que afecta as florestas dos Cárpatos em cinco países: Roménia, Ucrânia, Hungria, Eslováquia e Polónia.
A Greenpeace apela à União Europeia para que implemente medidas eficazes para proteger este património natural europeu. Se os governos e as instituições europeias levarem a sério a travagem da desflorestação internacional e a melhoria da protecção e restauração das florestas, devem começar por implementar os seus próprios compromissos e obrigações em matéria de protecção da natureza.

Yehor Hrynyk, um biólogo ucraniano, membro da expedição, disse : "Os Cárpatos ucranianos abrigam grandes áreas de florestas antigas que são um hotspot essencial de biodiversidade. Infelizmente, a indústria florestal da Europa Ocidental os vê apenas como uma fonte de lucro. As consequências da exploração madeireira irresponsável nesta região são devastadoras, num país que já sofre uma guerra injustificada e onde é mais difícil do que nunca aplicar os princípios da conservação da natureza. As áreas protegidas não estão a ser estabelecidas em florestas com elevados níveis de conservação. valores para que a procura do mercado europeu por madeira e produtos de madeira seja atendida.”

O mais recente Relatório do Greenpeace CEE, publicado em novembro de 2022, revelou até que ponto as florestas dos Cárpatos foram impactadas pela exploração madeireira industrial. De forma alarmante, menos de 3% dos ecossistemas críticos estão estritamente protegidos, estando a maioria exposta à exploração madeireira e exploração generalizada.

Segundo estatísticas oficiais [1], a União Europeia é o principal importador de madeira e produtos florestais ucranianos. A Greenpeace CEE, juntamente com activistas ucranianos, visitou vários locais de exploração madeireira localizados em áreas florestais antigas durante o ano passado, onde os impactos da exploração madeireira industrial são claramente visíveis.
Uma das empresas que utiliza madeira proveniente de florestas antigas dos Cárpatos ucranianos é a empresa suíça Coroa suíça. Esta empresa é especializada na produção de painéis de partículas para o mercado ucraniano e para exportação. No seu website, a Swiss Krono afirma que a madeira que compra é sustentável, apesar de a madeira proveniente de locais de exploração madeireira em áreas florestais antigas ter sido anteriormente fornecida à Swiss Krono.
Durante a expedição aos Cárpatos, a equipe do Greenpeace de ativistas ucranianos, poloneses e romenos visitou o local de extração de madeira que fornece madeira para a coroa suíça e um dos locais de processamento da coroa suíça em Broshniv-Osada. O Greenpeace CEE apela à empresa para que deixe de utilizar madeira proveniente de florestas imaculadas dos Cárpatos.

Robert Cyglicki, Diretor do Programa do Greenpeace CEE, disse : "Os governos e autoridades europeus devem garantir que todas as florestas dos Cárpatos de alto valor de conservação, incluindo aquelas localizadas na Ucrânia, sejam estritamente protegidas. Se as tendências atuais continuarem, as florestas desprotegidas, essenciais para a restauração e ecossistemas vitais para espécies ameaçadas, serão erradicadas. Para enfrentar as crises climáticas e naturais, a UE deve proteger os sítios naturais excepcionais que permanecem em solo europeu de qualquer tipo de extracção. Ao mesmo tempo, as empresas devem retirar as mãos destes locais únicos e antigos. florestas."

Fonte: aqui
Imagens fotográficas e de vídeo da investigação podem ser baixadas através de nossa Biblioteca de Mídia internacional 
Para informações adicionais e entrevistas, também podemos conectar-nos aos nossos parceiros ucranianos

Notas aos editores:
[1] De acordo com estatísticas oficiais, em 2021 a Ucrânia exportou 4.645.549 toneladas de madeira e produtos de madeira com um valor total de 2.005.803 USD (grupos de mercadorias 44-46). Apesar da guerra, em 2022 as exportações de madeira e produtos representaram 94% do valor do ano passado (1.885.422 dólares), o que representou 4,3% do total das exportações da Ucrânia em termos monetários.

sexta-feira, 11 de agosto de 2023

O mercúrio dos garimpos está a matar os povos indígenas na Amazónia


Os garimpos ilegais de ouro na Amazónia contaminaram solos, rios e lençóis freáticos com mercúrio. O metal não radioativo, mas extremamente tóxico, está a matar lentamente os povos indígenas e a destruir ecossistemas. Nados-mortos, a proliferação de cancros e outras doenças em comunidades inteiras são os sinais mais claros da contaminação.

Foi nas margens do Rio Tapajós, na Amazónia brasileira, que a indígena Maria Munduruku completou, em maio, nove anos. Na aldeia, crianças como ela jogam bola, sobem em árvores, brincam com animais e correm pela floresta, mas Maria não: ela não anda, não fala e não consegue ganhar peso. Com malformações congénitas e problemas neurológicos, ela não consegue sequer frequentar a escola.

Maria é uma das dezenas de crianças Munduruku com malformações e atrasos no desenvolvimento, além de adultos que relatam tremores, fraqueza e perda de visão. Há vários anos que médicos e lideranças indígenas tentam explicar o problema que faz com que as aldeias habitadas pelo povo Munduruku, no estado do Pará, sejam as que mais solicitam cadeiras de rodas ao Ministério da Saúde do Brasil.

Maria e o seu pai vivem na bacia do Rio Tapajós, de ocupação tradicional do povo Munduruku. Esta é a região do Brasil que mais concentra garimpos ilegais de ouro e onde estão os municípios de Itaituba, Trairão e Jacareacanga, os campeões de garimpagem, de acordo com um relatório da MapBiomas, organização que mapeia ações humanas nos biomas brasileiros.

Apesar de o problema ser conhecido entre indígenas e autoridades públicas, não há na região programas de combate ao garimpo ilegal ou sequer de testagens para verificar a possível contaminação de pessoas por mercúrio. Um dos poucos estudos sobre o tema foi feito em 2020, pela organização não governamental WWF e pela Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), ligada ao Ministério da Saúde do Brasil.

Os resultados foram aterradores: todos os 200 indígenas Munduruku testados, entre adultos e crianças, possuíam mercúrio no organismo - em média 60% deles com níveis acima do considerado seguro pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de 10μg/L. Entre as 57 crianças testadas, nove apresentaram problemas nos testes de neurodesenvolvimento.

Cadeia de Contaminação
Pesquisas confirmaram que parte dos sedimentos vieram de garimpos de ouro ilegais e que viajaram centenas de quilómetros até alcançarem a vila, contaminando peixes, crustáceos, algas e todo o complexo ecossistema da Amazónia. Até as andorinhas azuis, espécie migratória na região, já apresentam mercúrio nas penas, segundo um estudo do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP).

E o problema não se restringe apenas às áreas onde ocorre a atividade garimpeira: o movimento dos enormes rios amazónicos espalha a substância por quilómetros, expondo à contaminação a população urbana da região.

Um estudo recente do Laboratório de Epidemiologia Molecular (LEpiMol), da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), testou a quantidade de mercúrio em 462 pessoas de comunidades ribeirinhas do Rio Tapajós, Rio Amazonas e da área urbana de Santarém. Ao todo, 75,6% estavam com níveis de mercúrio acima do limite considerado seguro.

Aumento da Violência
Pelo seu trabalho de combate ao garimpo e de defesa dos direitos indígenas, Alessandra Munduruku já teve a sua casa invadida e saqueada duas vezes. Em ambas foram roubados cartões de memória e documentos que comprovavam a extração de ouro na região. Hoje, ela só circula pelas cidades da região com segurança particular – afinal, os garimpos ilegais também deixam marcas brutais de violência.

Eles foram responsáveis por 90% das mortes por conflitos no campo brasileiro em 2021, de acordo com um Relatório de Conflitos no Campo de 2021, publicado pela Comissão Pastoral da Terra.

“As pessoas vivem em um ambiente de extrema tensão e sofrem com a presença de armas, drogas, com prostituição e de violência sexual contra mulheres e crianças das comunidades. Essa violência toda também impacta na saúde, nas relações sociais e no desenvolvimento das comunidades”, diz o médico Paulo Basta, da Fiocruz.

Política de combate? Zero
O ouro extraído ilegalmente da Amazónia brasileira é matéria-prima para equipamentos médicos, eletrónicos e jóias, que serão comercializados e até exportados para a Europa e Estados Unidos. Uma investigação do portal jornalístico Repórter Brasil comprovou que computadores e smartphones da Apple e da Microsoft, além de servidores do Google e da Amazon, eram compostos por filamentos de ouro extraídos, em parte, de garimpos ilegais da Amazônia.

E quem acompanha o problema reforça: a situação piorou durante o governo do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL), que esteve no poder entre 2018 e 2022: em 2021 a área garimpada em Terras Indígenas demarcadas aumentou 625% em comparação com 2020, segundo a organização MapBiomas.

Além disso, Bolsonaro articulou uma política de avanço do garimpo e assinou oito decretos que facilitaram a atividade ilegal. O ex-presidente chegou a enviar ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 191 de 2020, que previa legalizar a mineração em terras indígenas. A pauta foi suspensa pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no seu primeiro dia de mandato, mas cabe ao Congresso aboli-la em definitivo.

“No governo Bolsonaro, os donos de garimpos não tinham medo. Eles se articulavam com deputados, senadores, vereadores, e acabavam ganhando muita força. Nós víamos helicópteros chegando e grandes quantidades de combustível sendo transportadas, em plena luz do dia”, conta Alessandra Munduruku. “Com a mudança de governo, eles estão mais discretos, mas continuam explorando ouro em nossas terras.”

Saber mais:
Mercúrio contamina a natureza por tempo indeterminado" – DW – 16/02/2023

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Um décimo das espécies animais do Brasil estão em risco de extinção


Um décimo das espécies animais do Brasil está em risco de extinção em algum grau, segundo uma plataforma lançada na quarta-feira pelo Governo brasileiro que inclui dados sobre 14.785 espécies.

Avaliar populações de animais nos mais diversos biomas brasileiros e conhecer as possíveis ameaças: queimadas, desmatamentos, destruição de habitat, caças e matanças deliberadas. Nesta quarta-feira (2), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) divulgou a evolução de estudos e a publicação de uma plataforma na internet que apresenta a situação de quase 15 mil espécies no país. Trata-se do Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade, conhecido como Salve.  

De acordo com a Plataforma de Avaliação do Risco de Extinção da Fauna (Salve), uma plataforma virtual lançada hoje na sede do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em Brasília, 10,8% das espécies do país estão criticamente ameaçadas, em perigo, vulneráveis ou quase ameaçadas.

A plataforma descreve 364 espécies, 2,5% do total, como criticamente em perigo; outras 428 como em perigo (2,9%), 469 como vulneráveis (3,2%) e 320 como quase ameaçadas (2,2%).

Das espécies listadas, seis já estão extintas, uma está extinta na natureza (restam exemplares em cativeiro) e três estão extintas nas suas regiões de habitat.

De acordo com a plataforma, a grande maioria das espécies brasileiras (11.767 ou 79,6%) está numa situação "menos preocupante" em termos de ameaças de extinção, e para outras 1.207 (8,2%) não há dados suficientes para indicar o grau de ameaça que enfrentam.

Qualquer pessoa pode fazer pesquisa na plataforma, pelo nome popular ou científico do animal. Para o coordenador da Coordenação de Avaliação do Risco de Extinção das Espécies da Fauna (Cofau) e analista ambiental do ICMBio, Rodrigo Jorge, a iniciativa vai contribuir para a conservação das espécies ameaçadas. 

“Precisamos avançar na realização de análises para estimar a tendência da biodiversidade no Brasil”, afirma. Ele explica que houve um aumento do número de espécies ameaçadas, mas o universo de espécies avaliadas também cresceu. 

Políticas públicas
O pesquisador Rodrigo Jorge acredita que, a partir das avaliações feitas pelos cientistas, a perda e a degradação de habitat da fauna são algumas das principais ameaças. Segundo ele, há uma relação direta com o aumento do desmatamento nos últimos anos. 

“Fica evidente a necessidade urgente de reverter essa tendência. Por isso, a postura da atual gestão de priorizar o combate ao desmatamento traz boas perspectivas para a conservação da biodiversidade”, opina.

As pesquisas do ICMBio contaram com apoio do Projeto Pró-Espécies: Todos contra a Extinção, e com a participação de especialistas da comunidade científica.

Como aponta a entidade, a iniciativa tem o objetivo de facilitar a gestão do processo de avaliação do risco de extinção e tornar essas informações mais acessíveis para a geração de conhecimento e implementação de políticas públicas voltadas à conservação da biodiversidade. 

Catalogação
Dentro das quase 15 mil espécies avaliadas, já estão publicadas e disponíveis as fichas completas de 5.513 espécies. Segundo o ICMBio, a expectativa é que - até o final deste ano - sejam concluídos os trabalhos para a publicação de nova atualização da lista de espécies ameaçadas da fauna brasileira e disponibilização das fichas das espécies. 

“O Brasil é reconhecido mundialmente por abrigar a maior biodiversidade do planeta, e a partir da atualização e disponibilização desses dados será possível reforçar a implementação de ações que promovam a conservação da nossa fauna”, diz Rodrigo. 

O ICMBio exemplifica que as informações disponíveis na plataforma podem ser utilizadas para processos de licenciamento ambiental. Acentua que “análises realizadas a partir dos registros de ocorrência de espécies disponibilizados no Salve permitirão verificar áreas de concentração de espécies ameaçadas”.

Segundo o instituto, o desenvolvimento da plataforma teve início em 2016. Esse processo de avaliação do risco de extinção das espécies da fauna brasileira foi conduzido pelos 13 centros nacionais de pesquisa e conservação (CNPC) do órgão.

Mais de 1,5 mil profissionais participam das avaliações. Os trabalhos seguiram o método de categorias e critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) e os resultados são publicados somente após a validação das informações. 

sexta-feira, 28 de julho de 2023

Moçambique perde 267 mil hectares de florestas todos os anos

Moçambique perde todos os anos 267 mil hectares de florestas, segundo dados avançados em Maputo pelo diretor nacional de Florestas, Cláudio Afonso.

“Temos estado a registar algumas preocupações porque anualmente perdem-se cerca de 267 mil hectares de florestas”, afirmou o responsável à margem da primeira reunião do Comité Técnico para a Operacionalização da Declaração de Maputo sobre a Gestão Sustentável e Integrada da Floresta de Miombo, evento de dois dias que arrancou na quinta-feira.

As atividades madeireiras são apontadas como responsáveis por este cenário.

A iniciativa da Declaração de Miombo foi lançada pelo Presidente da República, Filipe Nyusi, e durante estes dois dias de reunião está a ser discutido o regulamento do funcionamento dos comités (técnico e ministerial) e o plano de ação bienal dos onze países da região austral de África que adotaram a declaração.

Para a implementação destas ações, Moçambique já garantiu cerca de 17 milhões de dólares, para necessidades totais avaliadas em 30 milhões de dólares identificadas para a implementação do plano de ação traçado e que deve vigorar por um período de dois anos.

Neste evento, foi anunciado que o Fundo Global vai disponibilizar a Moçambique cerca de 12 milhões de dólares para revitalização das reservas florestais, restauro, apoio institucional e implementação do sistema de monitoramento florestal do país. Outros cinco milhões de dólares serão disponibilizados pela Agência de Cooperação Italiana, anunciou ainda a secretária permanente do Ministério da Terra e Ambiente de Moçambique, Emília Fumo.

A Floresta do Miombo é responsável pela manutenção da bacia hidrográfica do Zambeze, ao longo da qual vivem mais de 40 milhões pessoas dos oito países atravessados por este curso de água.

Em Moçambique, a Floresta de Miombo alarga-se da parte norte de Inhambane às províncias de Manica, Tete, Sofala e Zambézia, zona centro, e Nampula, Niassa e Cabo Delgado, na região norte do país.

A pressão sobre os recursos da floresta de Miombo, segundo o diretor nacional de Florestas, Cláudio Afonso, são mais intensos nas províncias da Zambézia, Nampula e Niassa.

A Declaração de Miombo foi adotada em agosto de 2022 e estabelece a necessidade de união de esforços dos países da África austral para o incremento de opções de proteção e conservação da Floresta de Miombo e desenvolvimento da região do grande Zambeze.

Tudo ao contrário e atrasado do que foi proposto em 2016 na conferência da Rede do Miombo

Saber mais:

domingo, 11 de junho de 2023

Assassinadas mais de 80 mulheres por defenderem o ambiente

Investigadoras do estudo, que foi publicado na Nature Sustainability, alertam para a necessidade de abordar a violência sistémica que incide sobre as mulheres defensoras do ambiente que, com frequência, "não é denunciada".

A quantidade de mulheres assassinadas por defenderem o ambiente nas últimas décadas ascende a 81, segundo um estudo publicado pela Nature Sustainability.

A repressão das ativistas inclui também deslocações, perseguição judicial e assédio físico.

O problema é mais grave na América Latina, Ásia e África, mas também ocorre na América do Norte e Europa.

Daqueles assassínios, 19 ocorreram nas Filipinas, sete na Colômbia e no Brasil, seis no México, quatro na Guatemala e no Peru, dois no Reino Unido e nos EUA e um em Espanha.

As investigadoras apontaram para a necessidade de abordar a violência sistémica que incide sobre as mulheres defensoras do ambiente que, com frequência, "não é denunciada".

Avisaram também que esta informação mostra a perpetuação da violência contra as comunidades indígenas, minoritárias, pobres e rurais.

Estes conflitos ocorrem, por norma, quando os projetos de extração de recursos naturais para exportação implicam a expulsão de comunidades das suas terras e a destruição ecológica, o que ameaça a existência cultural e física daquelas comunidades, resumiu-se no texto.

Quando os defensores ambientais que se enfrentam a represálias violentas são mulheres, os incidentes não costumam ser documentados, por censura e falta de informação. Desta forma a violência contra as mulheres está subestimada em grande medida.

Dalena Tran, da Universidade Autónoma de Barcelona, e Ksenija Hanacek, da de Helsínquia, examinaram os casos disponíveis até janeiro de 2022 no Mapa Mundial de Justiça Ambiental, que recenseia conflitos relacionados com água, combustíveis fósseis, agricultura e desflorestação.

As autoras identificaram 523 casos em que estiveram envolvidas defensoras ambientais, concentrados na extração e recursos, agroindústria e indústria.

domingo, 4 de junho de 2023

Onde param os biliões investidos por países ricos no combate às alterações climáticas?


Países ricos prometeram 100 mil milhões de dólares por ano para ajudar a reduzir os efeitos do aquecimento global. Mas grandes valores estão a ser canalizados para projetos que incluem uma central de carvão, um hotel e lojas de chocolate.
A Reuters publicou um "relatório especial" que examina a forma como o financiamento internacional do clima pelos países desenvolvidos está a ser gasto em todo o mundo. Começa por dizer: "Os países desenvolvidos comunicaram mais de 40.000 contribuições diretas para o objetivo de financiamento, totalizando mais de 182 mil milhões de dólares, de 2015 a 2020. Para compreender como esse dinheiro está a ser gasto, repórteres da Reuters e do Big Local News, um programa de jornalismo da Universidade de Stanford, examinaram milhares de registos que os países apresentaram à ONU para documentar as contribuições. A falta de transparência do sistema tornou impossível saber quanto dinheiro está a ser aplicado em projetos que realmente ajudam a reduzir o aquecimento global e o seu impacto.
Os países não são obrigados a comunicar os pormenores dos projetos. As descrições que divulgam são muitas vezes vagas ou inexistentes - de tal forma que, em milhares de casos, nem sequer identificam o país para onde foi o dinheiro. Mesmo os países beneficiários que constam dos relatórios por vezes não sabem dizer como é que o dinheiro foi gasto". E continua: "A Reuters e a Big Local News pediram a 27 nações pormenores sobre o financiamento que comunicaram à ONU, examinaram documentos públicos e falaram com ONGs e outras pessoas envolvidas nos projetos comunicados. (...) Descobriu-se que pelo menos 3 mil milhões de dólares não foram gastos em painéis solares ou parques eólicos, mas sim em centrais eléctricas a carvão, aeroportos, combate ao crime ou outros programas que pouco ou nada fazem para atenuar os efeitos das alterações climáticas.
Exemplos de embustes:
1. Um investimento italiano de 4,7 milhões de dólares ajudou a Venchi, uma cadeia italiana de chocolates e gelados, a abrir dezenas de novas lojas no Japão, na China, na Indonésia e noutros países asiáticos, contou com a ajuda da SIMEST, uma empresa público-privada que ajuda as empresas italianas a expandir-se no estrangeiro.
2. Os EUA ofereceram um empréstimo 19,5 milhões de dólares para a expansão de de hotéis Marriott em Cap-Haitien, no Haiti. Os planos previam a melhoria do Habitation Jouissant com mais quartos, uma piscina infinita, um restaurante no telhado e melhores instalações de ginásio. O promotor, Fatima Group, diz agora que está a redesenhar o projeto, que se tornará uma propriedade Courtyard by Marriott. O hotel tem vista para o mar, mas a sua posição numa encosta significa que não está ameaçado pela subida do nível do mar ou por inundações, e não sofreu quaisquer danos causados por tempestades. O Fatima Group tenciona, no entanto, construir "infra-estruturas resistentes ao clima". Um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA disse que o empréstimo para o hotel contava como financiamento climático porque o projeto incluía medidas de controlo das águas pluviais e de proteção contra furacões. Além disso, os EUA comunicaram a cobertura de seguro no valor de 7 milhões de dólares para um projeto hidroelétrico na África do Sul que nunca se concretizou.
3. A Bélgica apoiou o filme "La Tierra Roja", uma história de amor passada na floresta tropical argentina. Conta a história de um antigo jogador de raguebi que trabalha para uma empresa que abate florestas para fazer papel na Argentina. Apaixona-se por uma ativista ambiental que protesta contra os produtos químicos tóxicos que poluem a água, utilizados pelo fabricante de papel. Nicolas Fierens Gevaert, porta-voz do Departamento de Negócios Estrangeiros, Comércio e Desenvolvimento da Bélgica, diz que a Bélgica considerou a sua contribuição de 8.226 dólares como financiamento climático porque o filme aborda a desflorestação, um fator de alterações climáticas.
4. A França comunicou um empréstimo de 118,1 milhões de dólares a um banco chinês para iniciativas ambientais, bem como empréstimos no valor total de 267,5 milhões de dólares para a modernização de um sistema de metro no México e 107,6 milhões de dólares para melhorias portuárias no Quénia. De acordo com a Agência Francesa de Desenvolvimento, cada projeto foi posteriormente cancelado e os fundos não foram pagos.
5. O Japão está a financiar uma nova central de carvão no Bangladesh ($2.4 biliões) e a expansão do aeroporto Borg El Arab, no Egito ($776.3 milhões). O objetivo a curto prazo do projeto de 1,5 milhões de passageiros adicionais aumentaria as emissões dos voos de saída em cerca de 50% em relação aos níveis de 2013. Os documentos consideram o Borg El Arab um "Aeroporto Ecológico" e referem os painéis solares economizadores de energia, o ar condicionado de alta eficiência e as lâmpadas LED do edifício do terminal planeado. Pelo menos 28 milhões de dólares foram orçamentados para a construção que incorporasse tais características. Mas a JICA planeou gastar outros 40 milhões de dólares em custos não relacionados com o clima, incluindo um novo parque de estacionamento, estradas e serviços de consultoria. Quando o Japão ajudou o Bangladesh a planear o projeto Matarbari, há mais de uma década, o sistema elétrico do Bangladesh tinha um défice diário de energia de 2.000 megawatts, mais de um terço da sua procura. Esta situação levou a falhas de energia longas e frequentes que provocaram protestos e prejudicaram o crescimento económico. A nova central ajudará a eliminar a actual escassez de energia. A central irá adicionar 6,8 milhões de toneladas de CO2 à atmosfera todos os anos, de acordo com documentos da Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA), que ajudou a planear e a financiar o projecto. É mais do que a cidade de São Francisco registou em termos de emissões durante todo o ano de 2019. Para além de financiar a central de carvão do Bangladesh, o Japão concedeu empréstimos a projetos de carvão no valor de, pelo menos, mais 3,6 mil milhões de dólares, um no Vietname e dois na Indonésia, e 3 mil milhões de dólares a projetos que dependem do gás natural. O financiamento de grandes projetos como o Matarbari ajudou o Japão a afirmar-se como o maior financiador do financiamento climático. O país comunicou 59 mil milhões de dólares em subvenções, empréstimos e investimentos de capital entre 2015 e 2020 e a intenção de manter níveis de financiamento semelhantes até 2025. São mais 14 mil milhões de dólares do que a Alemanha, o segundo maior financiador.
Apesar de uma central de carvão, um hotel, lojas de chocolate, um filme e a expansão de um aeroporto não parecerem esforços para combater o aquecimento global, nada impediu os governos que os financiaram de os declararem como tal às Nações Unidas e de os contabilizarem no seu total de donativos. Ao fazê-lo, não infringiram nenhuma regra. Isto porque o compromisso não foi acompanhado de directrizes oficiais sobre as atividades que contam como financiamento climático. Embora algumas organizações tenham desenvolvido as suas próprias normas, a falta de um sistema uniforme de responsabilização permitiu que os países criassem as suas próprias normas. Cabe aos próprios países decidir se querem impor normas uniformes.
Os negociadores climáticos dos países ricos que se opõem a regras mais rigorosas afirmam que mais restrições sobre a forma como os fundos são gastos podem limitar a autonomia dos países em vias de desenvolvimento no combate às alterações climáticas, restringir o fluxo de dinheiro e impedir a flexibilidade necessária para acompanhar o ritmo da crise em rápida evolução e as tecnologias necessárias para a resolver.
Gabriela Blatter, principal assessora política da Suíça para o financiamento internacional do meio ambiente, afirma que os países desenvolvidos não estão a resistir a uma definição para que possam reivindicar "qualquer coisa sob o sol" como financiamento climático. Em vez disso, eles querem permanecer fiéis ao Acordo de Paris, que visa respeitar o direito de cada país de definir seu próprio caminho na luta contra os efeitos das alterações climáticas.

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Jacques Yves Cousteau


“Hoje em dia, o ser humano apenas tem ante si três grandes problemas que foram ironicamente provocados por ele próprio: a super povoação, o desaparecimento dos recursos naturais e a destruição do meio ambiente. Triunfar sobre estes problemas, vistos sermos nós a sua causa, deveria ser a nossa mais profunda motivação.” Jacques Yves Cousteau (1910 – 1997)

quarta-feira, 3 de maio de 2023

Musgo: A ‘fénix’ do mundo vegetal que protege os solos e pode ser a chave para a sua recuperação


A presença de musgo pode, aos olhos de muitos, ser considerada sinal de desmazelo ou mesmo de abandono de um dado terreno, pelo que a tentação poderá ser para removê-lo. No entanto, tal pode deixar o solo mais vulnerável, por exemplo, à erosão.

Uma investigação realizada por dezenas de cientistas de vários países aponta mesmo que os musgos, plantas ancestrais não-vasculares que pertencem ao grupo dos briófitos, a meio caminho entre as algas e a primeira flora que colonizou o meio terrestre, são fundamentais para a saúde dos solos em todo o mundo. Estima-se que hoje existam mais de 14 mil espécies diferentes de musgos, espalhadas pelos quatro cantos da Terra.

Num artigo publicado esta semana na revista ‘Nature Geoscience’, os investigadores escrevem que quando o musgo cresce na camada mais cimeira dos solos cria as condições ideias para que as plantas prosperem. Além disso, dizem, poderá mesmo ser um aliado essencial contra as alterações climáticas, uma vez que ajuda a capturar e a reter grandes quantidades de dióxido de carbono da atmosfera.

Os mais de 50 cientistas que fizeram parte deste trabalho analisaram amostras de musgo recolhidas em mais de 123 ecossistemas espalhados por todo o planeta, desde florestas tropicais luxuriantes às paisagens aparentemente inóspitas das regiões polares geladas, passando pelos desertos. Contas feitas, os musgos cobrem uma área total combinada de 9,4 milhões de quilómetros quadrados dos ambientes estudados, algo comparável à dimensão do Canadá ou da China.

Para este estudo, os cientistas quiseram perceber “o que estaria a acontecer em solos dominados por musgos e o que estaria a acontecer em solos onde não existiam musgos”, explica David Eldridge, da Universidade de New South Whales, na Austrália, e principal autor do artigo. E constataram que o musgo é o coração pulsante dos ecossistemas de plantas, uma vez que, por exemplo, estimulam a circulação de nutrientes, impulsionam a decomposição de matéria orgânica, o que ajuda a manter o solo saudável, e até promovem o controlo de doenças prejudiciais às próprias plantas e até aos humanos.

No que toca aos seus ‘poderes’ de absorção de carbono, os investigadores calculam que, comparando com solos desprovidos de musgos, essas plantas ancestrais são capazes de armazenar, globalmente, 6,43 mil milhões de toneladas de carbono retirado da atmosfera. Como tal, o seu papel no combate às alterações climáticas é central e, argumentam os autores, podem absorver até seis vezes mais dióxido de carbono do que o que é emitido por práticas agrícolas insustentáveis, como a desflorestação e o pastoreio excessivo

Apesar de não serem considerados plantas superiores, por não terem sistemas vasculares (xilema e floema), os musgos são exemplos flagrantes de resiliência na face da adversidade. Explica Eldridge que em áreas desérticas, os musgos, na ausência de água, secam e mirram, mas não chegam a morrer, “vivem em animação suspensa para sempre”.

O cientista recorda que certa altura foi recolhida uma amostra de musgo completamente seca que se estimava ter cerca de 100 anos. Foi borrifada com água e, tal como a mitológica fénix, renasceu. “As suas células não se desintegram como acontece nas plantas comuns.”

“O que mostramos com a nossa investigação é que onde quer que existam musgos teremos um solo mais saudável, com mais carbono e nitrogénio”, salienta, acrescentando que essas plantas primitivas são essenciais para ajudar a flora a recuperar em áreas degradadas e, assim, para regenerar florestas e muitos outros ecossistemas.

“Os musgos podem muito bem servir de veículos para catalisar a recuperação de solos gravemente degradados em áreas urbanas ou naturais”, observa Eldridge.

quarta-feira, 19 de abril de 2023

Financiamento para travar a desflorestação está muito aquém do que é preciso


Atualmente, estima-se que o financiamento, a nível mundial, para proteger as florestas da destruição é de entre dois e três mil milhões de dólares por ano. Mas um relatório da organização Energy Transitions Commission revela que, para proteger as florestas da destruição para fins económicos, reduzindo os incentivos à desflorestação, seriam precisos mais de 130 mil milhões de dólares ao ano.

Intitulado ‘Financiando a Transição: O custo de evitar a desflorestação’ (Financing the Transition: The Cost of Avoiding Deforestation, no original), o relatório, divulgado hoje, reconhece que é uma quantia “muito grande”, pelo que, além de ter de vir de pagamentos feitos pelas empresas no âmbito dos mercados voluntários de carbono, da filantropia e de um maior esforço por parte dos países mais ricos, proteger as florestas do mundo implicaria também uma série da ações não-financeiras.

Entre elas, reduzir a procura dos principais produtos que estão fortemente associados à desflorestação, e que a tornam atrativa, como o óleo de palma e a carne, criar modelos de negócio alternativos que permitam tornar lucrativa a conservação das florestas (como o ecoturismo e práticas sustentáveis que juntem a agricultura e a silvicultura), e também reforçar as medidas governamentais que travar a destruição das áreas florestais.

Contudo, os relatores reconhecem que implementar estas ações não-financeiras exige tempo, que podem ser apenas parte da solução e que podem não ser eficazes no curto prazo. Por isso, argumentam que, pelo menos para já, o pagamento de compensações às empresas e negócios que estão dependentes e beneficiam da desflorestação “desempenhará um papel importante” na proteção das florestas mais vulneráveis à destruição humana, pelo menos enquanto as ações não-financeiras não mostraram sinais de maturidade.

E salientam que os incentivos financeiros à proteção das florestas devem andar lado a lado com medidas como a ilegalização da desflorestação e a redução da procura por produtos associados a essa destruição.

Adair Turner, presidente da Energy Transitions Commission e membro da Câmara dos Lordes do Reino Unido, considera que sem um “significativo fluxo” de incentivos financeiros “qualquer redução da desflorestação chegará demasiado tarde para ser possível manter o aquecimento global bem abaixo dos dois graus Celsius”, tal como plasmado no Acordo Climático de Paris de 2015.

O responsável alerta, porém, que os apoios financeiros “por si só não conseguirão travar a desflorestação”, e que para tal são precisas ações para reduzir a procura dos produtos dessa destruição, sendo que, nesse âmbito, os governos, as empresas e os consumidores são inevitavelmente chamados a agir e a fazerem as escolhas necessárias e que são urgentes para assegurar um planeta habitável por muitas mais gerações.

O relatório recorda que quase 15% do total das emissões de dióxido de carbono produzidas pelas ações humanas derivam da desflorestação, pelo que travar e transformar as atividades que dela dependem e beneficiam é fulcral para combater o aquecimento global e a degradação dos ecossistemas.

quarta-feira, 15 de março de 2023

Empresas esquecem emissões de gases das cadeias de abastecimento


Menos de metade (41%) de 18.500 empresas globais analisadas divulga emissões de gases com efeito de estufa das suas cadeias de abastecimento e uma percentagem muito reduzida exige dos fornecedores redução de emissões, revela um estudo hoje divulgado.

Da responsabilidade do CDP (Carbon Disclosure Project), uma organização que opera o sistema global de divulgação para que investidores, empresas, cidades, estados e regiões façam a gestão dos impactos ambientais, o relatório resultou de uma investigação à ação de 18.500 empresas mundiais sobre os impactos das cadeias de abastecimento, que são por norma 11,4 vezes superiores às emissões diretas de gases com efeito de estufa (GEE) dessas empresas.

A investigação mostrou também que só 0,04% das empresas exige dos fornecedores o estabelecimento de objetivos elevados de redução de GEE, e que só 1% das empresas ajuda os fornecedores diretos a reduzir os impactos na desflorestação.

Do total das empresas, quase 70% ainda não avalia o impacto da sua cadeia de valor na biodiversidade, apesar de estarem a ser preparadas leis europeias nesse sentido.

Num comunicado sobre a investigação, o CDP alerta que as leis nesta matéria serão reforçadas nesta década e que as empresas podem ficar para trás no rastreio das emissões de GEE das suas cadeias de abastecimento, pelo que são instadas a rapidamente envolver os fornecedores em relação à natureza e ao clima.

O relatório, "Scoping out: Tracking nature across the supply chain", conclui que a liderança na divulgação dos impactos ambientais não está a acontecer numa escala e rapidez necessárias, provado no facto de só 41% das empresas divulgarem emissões mais globais de GEE.

Um acordo alcançado em dezembro de 2022 na cimeira sobre a biodiversidade realizada no Canadá (COP15) - exortando os países a encorajar as grandes empresas e instituições financeiras a avaliarem os riscos, impactos e dependências em relação à biodiversidade até 2030 - não tem expressão na análise hoje divulgada, já que 70% das empresas disseram que não avaliaram esses impactos.

"A maioria das empresas ainda não reconheceu que tem de identificar os impactos da cadeira de abastecimento, em conjunto, nas alterações climáticas e na natureza", diz-se no documento, salientando que do total de empresas (mais de 18.500) cerca de 7.000 divulgaram no ano passado dados sobre o envolvimento dos fornecedores nas alterações climáticas, 915 no envolvimento na questão da água e 500 na questão das florestas.

O CDP nota, no entanto, que a taxa de envolvimento das empresas para com os fornecedores é mais elevada em relação à desflorestação, sendo três vezes mais baixa em relação à água.

A organização nota que "um pequeno mas crescente" número de empresas está a assumir a liderança colocando a natureza no "business as usual".

"Uma em cada 10 empresas inclui requisitos relacionados com o clima nos seus contratos com fornecedores, e isto também está a acontecer, em certa medida, com a desflorestação. No entanto, a maioria destes requisitos ainda não está alinhada" com o objetivo de limitar o aumento das temperaturas a 1,5 graus celsius (Cº) acima dos níveis da era pré-industrial, "com menos de 1% (0,04%) de todas as empresas a exigirem aos seus fornecedores que estabeleçam metas de base científica", diz o CDP.

Salientando a importância da descarbonização das cadeias de valor, Sonya Bhonsele, responsável do CDP pela área das empresas e cadeias de valor, salienta que o relatório mostra que "a ação ambiental não está a acontecer à velocidade, escala e alcance necessários para limitar os aumentos da temperatura global a 1,5Cº", porque muitas empresas "ainda não reconhecem que o seu impacto sobre o ambiente vai muito além das suas operações".

E avisa que se as empresas não se prepararem para futuros regulamentos sobre a natureza na cadeia de abastecimento vão correr riscos e perder oportunidades. "Muito simplesmente, se uma empresa quiser estar em atividade no futuro precisa de começar a integrar a natureza na forma como compra e colabora com os fornecedores para impulsionar a ação na cadeia de abastecimento".

Salientando que o clima é só uma parte dos problemas que a humanidade enfrenta, que a natureza inclui as florestas, a água e a biodiversidade, o relatório salienta que as empresas têm de olhar mais além do impacto direto e têm de influenciar e envolver os fornecedores.

quarta-feira, 8 de março de 2023

Estas são outras crises e quase não há tempo: políticas da morte e aberturas para outra política


O que tradicionalmente se qualifica como “a política” está imersa em múltiplas crises. Em suas dimensões sociais, como exemplo, é possível lembrar que a América Latina continua sendo a região mais violenta do mundo, tanto no número total de homicídios quanto em sua proporção em relação à população. Brasil, Colômbia, México e Jamaica estão entre os países que mais sofrem essa situação. No campo ambiental, há décadas se repetem alertas sobre o desmatamento, a perda de biodiversidade e a poluição.

A pandemia de coronavírus tornou mais claras as circunstâncias dramáticas vividas, já que ao menos 1,5 milhão de pessoas morreram, enquanto eram aplicados todos os tipos de quarentenas, controles e punições. Por uma razão ou outra, é possível dizer que em muitos lugares esses exemplos de morte e destruição lembram aos de uma guerra. É uma situação que afeta particularmente as comunidades camponesas e indígenas, e que chega a extremos como a lenta, mas persistente destruição dos ambientes amazônicos e dos meios de vida que sustentam os povos originários.

No entanto, os sistemas políticos não conseguem resolver essas problemáticas. Somam-se as denúncias de assassinatos e contaminações, mas raramente há consequências políticas na renúncia de um ministro. A gestão da pandemia foi terrível em quase todos os países, mas não se efetivou um debate político que levasse à imposição de uma reforma do setor de saúde para que isso não se repetisse.

Não se pode esquecer que, no passado, dramas como esses foram vividos na América Latina. Lembremos por um momento as ditaduras militares do século XX que, no caso da Argentina, finalmente desembocou numa rejeição e indignação que ganharam as ruas, levando à queda dos generais. Foi seguida pelo horror diante dos crimes, torturas e desaparecimentos, e é nesse contexto que foi publicado o relatório Nunca más (elaborado pela Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas). Em suas páginas, adverte-se que o país sofreu sua “maior tragédia”, na qual os princípios dos direitos humanos foram pisoteados e ignorados.

Essa lembrança serve para levantar uma inevitável questão: por que não acontece algo semelhante, atualmente? Por que não há reivindicações por um “nunca mais”, por exemplo, frente aos assassinados, aos que dormem nas ruas ou não conseguem se alimentar, ou frente à destruição ambiental? Por que no Brasil, nas grandes cidades, não aconteceram grandes marchas denunciando o genocídio de seus povos indígenas? Todos esses problemas são nossas tragédias atuais e em todos eles os direitos são pisoteados.

Diante desses questionamentos, responde-se com referências à ineficiência nos governos, sua subordinação a interesses econômicos e à corrupção. Ao mesmo tempo, questiona-se os líderes políticos porque embora prometam mudanças e soluções, nos fatos, os problemas se repetem e, pouco a pouco, agravam-se. Tudo isso, por sua vez, leva ao que se descreve como o desencanto com a política e que não parou de se aprofundar. A maior parte dos latino-americanos confia muito mais em sua igreja, nos militares e até em empresas do que em atores políticos. Só 27% dos entrevistados dizem confiar no próprio governo, e apenas 13% nos partidos políticos [1].

Sabemos que a política contemporânea, herdeira de tradições eurocêntricas, foi construída invocando a razão, a liberdade, o bem-estar e a paz. Sabe-se também que esteve infestada de contradições, onde a política também criou mecanismos de controle e disciplinamento, amparou o colonialismo e o racismo, consolidou a desigualdade e a pobreza, legitimou a opressão e os totalitarismos.

Mas essas quedas desencadeavam reações tanto dentro da política quanto entre os cidadãos. Irrompiam protestos contra as violações de direitos, enfrentava-se o colonialismo e o racismo, ocorriam mobilizações pela democracia e em defesa dos trabalhadores, e assim sucessivamente. Eram reações a situações consideradas intoleráveis e ultrajantes, eram respostas alimentadas pelo horror, como aquelas que explicam aquele “nunca mais”.

Essa dinâmica de avanços e retrocessos, com todas as suas contradições, está sendo alterada. O que alguns classificavam como correções próprias da biopolítica, citando M. Foucault [2], agora são mais esporádicas e menos poderosas, e prevalece a aceitação e a resignação. São tantas as denúncias sobre descumprimentos de direitos que deixam de chamar a atenção. Convive-se com violências tão agudas que muitos setores cidadãos as naturalizam. A pandemia acentuou essa situação ao tolerar mortes e controles como nunca.

Vem sendo cruzado um limiar que desemboca na necropolítica. Este termo, cunhado pelo camaronês Achille Mbembe, pode ser ajustado e redefinido à situação atual para descrever uma política que deixa as pessoas e a Natureza morrerem, embora mantenha as economias vivas. Não é um sinônimo de ações violentas específicas, mas é funcional a elas e gera as condições para sua aceitação e reprodução [3].

O governo de Jair Bolsonaro, no Brasil, foi um exemplo da guinada à necropolítica, por suas posições racistas, machistas e violentas. Sua gestão é a responsável direta pela onda de mortes por Covid, pela violência nas cidades, a proliferação de pessoas com armas, a fome e morte em terras indígenas e pela depredação ecológica. Deisy Ventura, professora da Universidade de São Paulo, argumenta que as ações do governo foram atos desumanizadores intencionais, onde os interesses econômicos justificavam a “morte em massa dos mais frágeis”.

O intolerável, como as mortes em massa, especialmente de pobres e indígenas, foi justificado e tolerado por amplos setores da sociedade. Os bolsonaristas não escondiam seus extremismos, e onde havia uma legitimação, não se baseava na moral, mas na economia e no mercado. Ventura conclui com uma avaliação lapidar: o Brasil é um “país humilhado por ter tolerado o intolerável” [4]. Contudo, apesar de tudo isso, Bolsonaro conseguiu um enorme apoio dos cidadãos (obteve mais de 58 milhões de votos, contra pouco mais de 60 milhões da a coligação de Lula, em 2022).

Atualmente, no Peru, ocorre algo semelhante, já que se mantém um governo apesar das dezenas de mortos e mais de mil feridos nas repressões e repetidas mobilizações. Neste país, assim como em outros, estamos diante de situações em que muitas pessoas deixam de ser cidadãs e, inclusive, são despojadas de sua humanidade, para serem inferiorizadas, marginalizadas e excluídas. Se morrem, afinal de contas, não importa muito nem para a política vernácula, nem para os mercados.

Sob a necropolítica, inúmeros setores cidadãos ficam presos ao entendimento de que para eles não há alternativas melhores ou mais corretas, afundando-se na indiferença e na omissão. Não é que as maiorias repentinamente tenham se tornado insensíveis, por exemplo, com o genocídio dos povos amazônicos ou com as matanças, mas, sim, que suas instâncias morais foram arrebatadas. As urgências estão em sobreviver, não têm para onde fugir, não conseguem pesar as consequências de seus atos e também não encontram outra opção para escolher. O que era imoral, intolerável e até horrível, algumas vezes é aceito, e em outras tolerado, ou nem sequer podem fazer uma avaliação moral, porque se consomem em sobreviver. Essas são as condições da necropolítica.

Em boa medida, a disseminação da necropolítica passa despercebida, uma vez que essas crises são interpretadas como expressão de posições conservadoras, neoliberais ou fascistas, ou se entende que problemas como a violência seriam muito antigos e não têm nada de essencialmente novo. Contudo, é imperativo reconhecê-la porque é substancialmente diferente. Também não é um vazio político, nem uma antipolítica, mas produz ativamente narrativas que anulam os sentimentos de indignação, combate as resistências cidadãs focalizadas e legitima prioridades econômicas. Continuamente, justifica a morte de pessoas ou o desaparecimento de ecossistemas.

A necropolítica é resultado do esgotamento dos mecanismos que a política moderna tem para operar contra a morte e, ao mesmo tempo, de uma incapacidade de se envergonhar por esse fracasso. Não só isso, mas como essa mesma modernidade, contém os fatores que levam a essa situação de destruição e violência, não oferece as opções para uma verdadeira reversão. Como a modernidade assume o mundo, por exemplo, em dualidades e hierarquias, cedo ou tarde, desemboca-se na exploração, exclusão e dominação, e a violência se torna inevitável. Ao mesmo tempo, como também sustenta que não há alternativas possíveis a ela mesma, as opções de mudança que a transcendem não são imaginadas, nem concebidas.

Isso faz com que as alternativas devam ser buscadas para além da modernidade ou em suas margens. É necessária uma política concebida, sentida e praticada em outros mundos. O primeiro passo nessa tarefa consiste em aceitar essa possibilidade, o que não é simples porque a modernidade continuamente a bloqueia. Essa mudança de posição corresponde ao que tem sido chamado de aberturas para outras ontologias [5] e, felizmente, dispomos de vários exemplos.

Algumas estão na academia do norte (como as contribuições de Isabelle Stengers e Bruno Latour), outras se baseiam em experiências latino-americanas (como as do brasileiro Eduardo Viveiros de Castro e da peruana Marisol de la Cadena). Alguns são de décadas atrás e não receberam a atenção que mereciam (como o Projeto Andino de Tecnologias Camponesas – PRATEC, nas montanhas do Peru, ou as explorações do argentino Rodolfo Kusch). Mas também há aqueles que alcançaram ampla divulgação e impactaram nos debates políticos, como aconteceu com as primeiras versões do Bem Viver na Bolívia, Equador e Peru.

Essas aberturas também são urgentes, porque não há mais tempo para continuar tentando ajustes e retificações dentro da modernidade. O descalabro ecológico é enorme em escala e intensidade, e a cada ano que as conhecidas crises se mantêm, torna-se mais difícil revertê-las e aumentam as restrições que impomos às gerações futuras. Quanto mais demoramos, mais nossas possibilidades de reverter um colapso serão reduzidas e, em caso de ocorrer, entre os primeiros afetados estarão, mais uma vez, as comunidades indígenas e camponesas.

Esta breve explanação permite fundamentar um convite a se juntar à tarefa de evidenciar que a necropolítica está entre nós. Não é uma nova crise, nem uma maior deterioração, ao contrário, estão mudando as formas como se reproduz a política, suas bases de legitimação e seus fundamentos morais. Isso explica que a resignação, a indiferença e a aceitação diante da morte sejam cada vez mais difundidas. É indispensável evidenciar essas mudanças para começar a detê-las.

É também um convite a promover aberturas a outras ontologias, a partir de um compromisso de garantir a vida. É abrir-se a pensar, imaginar e ensaiar uma “outra política” direcionada a mundos políticos organizados de outras formas, com outros participantes e outros devires. São propósitos impulsionados por um sentido de urgência, porque não há muito mais tempo disponível e porque já estamos atolados em crises que são muito diversas.
Notas

1. Informe 2021. Adiós a Macondo. Latinobarómetro, Santiago, 2021.
2. Nacimiento de la biopolítica: curso en el Collège de France (1978-1979), M. Foucault. Fondo Cultura Económica, Buenos Aires, 2021.
3. Necropolítica: la política del dejar morir en tiempos de pandemia, E. Gudynas. Palabra Salvaje 2, p. 100-123, 2021.
4. “O Brasil é hoje um país humilhado por ter tolerado o intolerável”. Entrevista com Deisy Ventura, J. V. Santos, Instituto Humanitas Unisinos – IHU, 26 de janeiro de 2023.
5. The politics of modern politics meets ethnograhies of excess through ontological openings, M. de la Cadena. Filedsights – Theorizing the contemporary, Cultural Anthropology Online, 13 enero 2014.

Observação
O presente artigo é uma versão abreviada de um ensaio mais longo que inaugura a série Cuestiones y Disputas en Otra Política

segunda-feira, 6 de março de 2023

Peru perdeu 50% de glaciares e 4% de vegetação natural em 37 anos – relatório


Nos últimos 37 anos, o Peru perdeu 49,9% da extensão dos seus glaciares e 3,9% da sua vegetação natural devido aos efeitos das alterações climáticas e do carbono negro causado pelos incêndios na Amazónia, refere um relatório.

A primeira recolha de dados do MapBiomas Peru indicou que as áreas de mineração naquele país passaram de 3.000 hectares em 1985 para 119.000 em 2021, o que significa uma multiplicação por 39,6.

Esta organização alertou também que a “dinâmica acelerada” das mudanças ocorridas no período analisado, gerou uma perda de 3,9% de sua vegetação natural e de 49,9% dos seus glaciares.

Este número “representa um sério impacto nos ecossistemas do país, na sua biodiversidade, nos seus serviços ecossistémicos, na sua funcionalidade e conectividade”, acrescentou o MapBiomas Peru no relatório.

“Os glaciares alimentam as nascentes dos grandes rios do país, abastecendo milhões de pessoas com água”, lembrou.

Segundo o estudo, outro ecossistema fortemente impactado pelas atividades humanas é o das florestas sazonalmente secas do norte do país, que, segundo os investigadores, é uma área pouco estudada e com muitas lacunas de informação.

“Esta cobertura mudou drasticamente e o que mais nos preocupa é que a estamos a perdê-la”, apontou Renzo Piana, diretor executivo de uma das entidades que lideram esta iniciativa, o Instituto do Bem Comum (IBC).

Piana frisou que “os prejuízos têm sido enormes, sem perspetiva de reversão” da tendência.

E acrescentou que “os dados disparam alarmes e dão um sentido de urgência à necessidade de uma ação decisiva e contundente para estas coberturas naturais do Peru”, e que por trás destes números está o impacto na segurança alimentar das populações locais.

Segundo o estudo, em 1985, 7,2% do território nacional (cerca de 9,3 milhões de hectares) possuíam áreas antrópicas como pastagens, lavouras, mineração ou áreas urbanas, enquanto em 2021 essas áreas atingiam 10,4% do território (cerca de 13,5 milhões de hectares).

A Amazónia foi a região que apresentou as maiores mudanças nos últimos 37 anos, com uma perda total de 2,6 milhões de hectares (3,6%) da sua vegetação natural.

O estudo, coordenado pelo IBC, a Rede MapBiomas e a RAISG (Rede Amazónica de Informações Socioambientais Georreferenciadas), foi apresentado esta sexta-feira em Lima.

A investigadora do IBC e coordenadora do MapBiomas Peru, Sandra Ríos, realçou que “esta primeira recolha permite preencher uma grande lacuna de informação em regiões fora da área amazónica do país”.

“Somaram-se novas categorias de análise àquelas que o IBC vinha a tratar para o mapeamento das coberturas naturais da bacia amazónica. A iniciativa analisa formações florestais de todos os tipos, cerrados, manuseais, glaciares, áreas agrícolas, áreas urbanas e áreas de mineração”, sublinhou.