O trabalho é a palavra que tomou conta dos discursos e das preocupações das pessoas. Aqueles que o não têm gritam pelo direito ao trabalho, aqueles que o têm gritam pela sua manutenção, por um trabalho a tempo inteiro e para a vida. As pessoas vivem cada vez mais em função do trabalho, deixaram de ter tempo para si próprias e esqueceram-se de si mesmas. A necessidade da manutenção e da defesa dos seus postos de trabalho tornaram-se no melhor polícia de cada um, fizeram com que cada vez mais as pessoas se calem, mantem a constestação social com rédea curta. A automatização tomou conta das pessoas e a ideia dos quase robos nas cadeias de montagem, como mostrou Chaplin nos Tempos Modernos, já esteve mais longe.
Entramos numa tal engrenagem que os tempos livres nos assustam porque não sabemos o que fazer com eles, porque a única coisa que sabemos fazer é matar o tempo daquilo que não é mais tempo livre, mas tempo de recuperação de energias para voltarmos ao tempo do trabalho .Por isso há toda uma industria do tempo livre organizada para nos entreter, para manter o barulho à nossa volta, para não deixar que o silêncio nos perturbe, pois temos horror do silêncio, para que o tempo de contemplação, de troca de ideias, de vagabundagem, o tempo dos eurekas de que falam os grandes inventores, não possa acontecer.
O trabalho tornou-se o deus que comanda cada vez mais esta sociedade, tornou-se uma verdadeira obsessão, e a verdade é que começamos a tomar consciência que nunca mais haverá trabalho a tempo inteiro para tanta gente. Diminuir o tempo de trabalho era a ideia e o objetivo de que presidia aos visionários que inventaram e hoje inventam as máquinas cada vez mais sofisticadas para fazerem o nosso trabalho, para nos aumentar o bem estar e diminuir e redistribuir o tempo de trabalho.
Se vivessemos num tempo em que as tomadas de decisão tivessem um minimo de lógica, hoje o tempo de trabalho era muito mais curto, haveria efetivamente mais tempos livres, mais tempos de lazer, estaríamos a assistir ao fim de uma sociedade centrada no trabalho e ao nascimento de um tempo onde o trabalho ocuparia menos tempo da nossa vida, um tempo onde onde o direito à preguiça, porque tempo de criação e invenção, fosse incentivado, numa sociedade da espiritualidade, do novo renascimento. Uma consciência antiga pois já em 1902 Paul Lafargue defendia o direito à preguiça, o direito a uma sociedade do lazer, e, em 1930, Keynes, em plena crise, dizia que antes do fim do século necessitaríamos só de 3 horas de trabalho produtivo para que a sociedade pudesse responder às suas necessidades.
Pelo contrário, este sisema irracional perpetua o modelo da ainda revolução industrial, do tempo de sermos escravos do dinheiro e do consumo, onde nos esquecemos de nós próprios e do nosso bem. Um sistema que produz uma legião de inúteis, como os donos do mundo chamam aqueles que não têm trabalho, que cada vez mais estão a engrossar, levando a que aos poucos a maior parte deles acabem por desistir da própria vida.
Mas, ao mesmo tempo que estamos a viver um tempo que parece sem saída, um tempo de bloqueios, se trabalharmos no interior da contradição, percebemos que esta sociedade, este modo de vida, tem dentro dela os virus que a vai destruir e vai abrir espaço para a entrada num tempo onde o direito à preguiça deve ter todo o espaço do mundo, um tempo onde o lazer deve ser uma realidade, um tempo onde temos todo o tempo do mundo para a vagabundagem, tempo por excelência onde as invenções se concretizam. onde estamos livres para as novas ideias aparecerem.: Só agora, continuemos a ouvir Agostinho da Silva , com uma economia capitalista há riqueza e saber para se conseguir o desenvolvimento pleno, para acabar com a carência que vem de tão longe, para chegar a um ponto em que haja tudo para todos, tal como na Ilha dos Amores, que Camões tão bem contou nos Lusíadas, em que toda a economia desaparecerá. Economia que será uma recordação do passado, como queriam os tais portugueses do século XIII, onde o Homem possa passar à sua verdadeira vida, que é a de contemplar o mundo, de ser poeta do mundo, de tal forma que ninguém se preocupe por fazer tal e tal obra, mas por ser único no mundo, entre os tais biliões que existem.
Vamos entrar numa coisa parecida como a que os portugueses e alguns italianos intitulavam de Idade do Espírito Santo, a Idade em que as crianças cresceram tanto que a sua espontaneidade e capacidade de sonhar nunca se extinguisse e um dia dia fossem capazes de dirigir o mundo.
Interessa-nos hoje que os tempos de criação e fruição, os tempos de lazer e gratuitidade de que falámos atrás, sejam não só um espaço-tempo de respiração que liga dois tempos afogueados, mas também um espaço-tempo de concepção de projectos que permitam e criem condições para o desenvolvimento e a afirmação das capacidades criativas de cada indivíduo, onde se pode ter todo o tempo do mundo para pensar, desenvolver projectos, experimentar soluções. Efetivamente, procuramos configurar algo que possa potenciar ideias e estratégias capazes de conduzirem à transformação do tempo chamado de trabalho num tempo que estimule a participação e a criatividade de cada indivíduo e que seja factor de desenvolvimento e de realização pessoal.
Procuramos no fundo romper as fronteiras entre os tempos chamados de trabalho e de lazer, e isto porque temos consciência que a própria transformação interna do mundo chamado do trabalho, que passará a exigir outras qualificações das pessoas e uma redistribuição mais solidária, vai implicar não só um aumento dos tempos livres, mas que estes tempos livres sejam não um tempo de fuga mas sim um espaço de afirmação de novas qualificações e de novos desafios. A diferença que passará a haver entre estes dois tempos traduzir-se-á, a nosso ver, no facto de que no trabalho tudo se deverá centrar no produto e na planificação dos tempos de criação-produção desse produto, enquanto que no lazer haverá uma outra liberdade para experimentar os processos e para perder tempo a descobrir outras soluções, para vagabundear tal como Umberto Eco quando se perdia nas bibliotecas em busca do livro que desconhecia, ou melhor, em busca do conhecimento. [Fonte: Carlos Fragateiro]