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sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Boas notícias! Os casais de abutre-preto triplicaram em dois anos em Portugal



Seriamente ameaçado, em Portugal, o abutre-preto (Aegypius monachus) esteve, durante os últimos dois anos, sob a vigilância apertada de um programa nacional de conservação. Em 2022, a Volture Conservation Foundation colocou no terreno o projeto LIFE Aegypius. Financiado pela União Europeia, a iniciativa é apoiada pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, contando ainda com a colaboração de ONG como a Rewilding Portugal ou a Quercus.

A espécie foi monitorizada, a população local sensibilizada para a sua proteção, e as aves, quando feridas, tratadas em cativeiro e devolvidas à Natureza. Os esforços foram finalmente recompensados. Há dois anos, os casais que podiam ser vistos a sobrevoar os céus do território nacional eram apenas 40.
O número subiu agora para, pelo menos,108, podendo chegar até 116 casais. A ave, que se encontrava na cetegoria “criticamente em perigo” na lista vermelha da União Internacional da Conservação da Natureza, desceu um nível e está atualmente em “perigo de extinção”.

Os resultados mostram que os objetivos foram largamente ultrapassados. A duplicação da espécie estava apenas prevista para 2027, data do fim do projeto, mas o seu número triplicou em dois anos. Em 2023, quando foram contabilizados entre 78 e 81 casais nidificantes, o balanço já era animador. O aumento, no entanto, foi encarado com prudência e considerado como um possível reflexo do esforço de monitorização. Apesar dos resultados animadores, o abutre-preto continua muito vulnerável a eventos como incêndios florestais ou tempestades. 
A incerteza pairava ainda no ar, mas a contagem de 2024 trouxe alguma confiança de que o acréscimo se deve à expansão natural da espécie e é uma clara consequência das medidas de conservação que têm vindo a ser aplicadas. São boas notícias, mas é cedo para cantar vitória. O abutre-preto continua demasiado exposto aos perigos e há um longo caminho ainda a percorrer.

Expectativas para os próximos anos
Será, por enquanto, arriscado prever que, em 2028, a ave possa entrar na categoria “vulnerável”. A manter-se esta evolução, era o expectável, mas os técnicos envolvidos no projeto advertem que há demasiadas variáveis que não podem ser controladas. Basta um incêndio, uma grande tempestade ou qualquer outro evento que provoque um desequilíbrio acentuado nos habitats para todo o trabalho cair por terra.

É preciso ter ainda em conta a taxa de sobrevivência, um indicador que também melhorou em 2024, alcançado 51%. As cinco colónias do país registaram 48-49 crias que conseguiram ultrapassar o período mais crítico e se tornaram independentes.

Dado o achado tardio, a contagem das aves, neste local em particular, é ainda provisória, entre um e cinco casais e, pelo menos, uma cria. Vidigueira é a agora a quinta colónia de abutres-pretos em Portugal e que se junta às restantes localizadas no Douro Internacional, na fronteira com Espanha, na Serra da Malcata, na Beira Interior, no Tejo Internacional, entre Castelo Branco e Idanha-a-Nova, e na Herdade da Contenda, no Alentejo.

Em Portugal, o abutre-preto nidifica em cinco colónias. 

A colónia do Douro Internacional, a mais isolada, passou de três para oito casais nidificantes e expandiu-se para lá da fronteira, sendo também monitorizada pelos técnicos espanhóis.
Na Serra da Malcata o número de casais passou de quatro, em 2021, para 14, em 2023, e para 18 este ano. No Tejo Internacional, onde se encontra a mais antiga colónia (dois casais em 2010), foram monitorizados entre 61 e 64 casais, que tiveram este ano entre 24 e 25 crias. Destes casais, um quarto assentou arraiais em terras espanholas.
A Herdade da Contenda, no município de Moura, conta atualmente com 20-21 casais. Na Vidigueira, distrito de Beja, há cinco ninhos confirmados, mas falta ainda apurar o número total de crias. O projeto, que termina em dezembro de 2027, prevê ainda a monitorização do abutre-preto em zonas protegidas de Espanha, onde foram registados este ano 153 casais.

Mais medidas de proteção nos próximos meses
O balanço de 2024 está feito, mas o trabalho é para continuar. Duas novas medidas vão ser postas em prática já nos meses que se seguem para assegurar que o abutre-preto não volta a desaparecer do país, enquanto espécie nidificante, como aconteceu na década de 1970.O abutre-preto é a maior ave de rapina da Europa. 

Com a colaboração de criadores de gado e agricultores, o projeto irá criar campos de alimentação para a espécie, com vigilância sanitária implementada. A estratégia também inclui o setor da caça, que irá apoiar a transição para o uso de munições sem chumbo.

As munições sem chumbo vão ser, como tal, gratuitamente disponibilizadas para acelerar o processo. Sendo aves necrófagas, de resto, os abutres aguentam tudo, carne em avançado estado de decomposição, raiva e todo o tipo de bactérias que provocam infeções mortais em qualquer outro animal.

Uma espécie (quase) invencível
O superpoder do abutre para resistir a quase todas as doenças está no suco gástrico produzido pelo aparelho digestivo. Chega a ser até mil vezes mais ácido do que o nosso, dissolvendo cerca de 60% das toxinas ingeridas. Tudo o que escapa à lavagem gástrica é depois eficazmente combatido por um sistema imunológico à prova de bala. Alterações climáticas, caça e envenenamento por chumbo são alguns dos perigos a ameaçar os abutres. 

As bactérias agarradas às penas, no entanto, poderiam ser um problema para os outros animais em contacto com os abutres. Mas é precisamente por isso que as aves são carecas. Conseguindo enfiar a cabeça nas carcaças sem contaminar as penas, anulam o perigo de espalhar doenças. Além disso, ao urinarem sobre os pés, o ácido úrico trata de desinfetar tudo à sua volta, tornando-os inofensivos para o meio ambiente.

Não fossem as alterações climáticas e a atividade humana, o abutre seria praticamente invencível. Além do chumbo das munições da caça, os fármacos, em especial os antibióticos, usados na pecuária, podem enfraquecer o seu sistema imunológico e serem fatais para uma espécie vital no equilíbrio do ecossistema das zonas rurais. Fonte

domingo, 13 de outubro de 2024

Crise de dispersão de sementes pode afetar futuro das plantas na Europa


A dispersão de sementes é crucial para a persistência dos ecossistemas, mas as ameaças de extinção e alterações populacionais entre os animais que a realizam poderão impedir a recuperação das populações de plantas em declínio no continente europeu.

Um estudo da Universidade de Coimbra publicado na revista Science indica que 30% das espécies de plantas têm a maioria dos seus dispersores na categoria de elevada preocupação, noticiou na quinta-feira a agência Efe.

Os investigadores focaram-se na forma como a perda de espécies animais na região poderá afetar o processo de dispersão das sementes, uma vez que pouco se sabe sobre a forma como estas duplas dispersores-plantas são interrompidas pela perda de espécies.

A equipa, liderada pela investigadora Sara Beatriz Mendes, reviu a literatura sobre duplas de dispersão entre animais e plantas para reconstruir a primeira rede europeia de dispersão de sementes.

Um terço destas interações cruciais são altamente preocupantes, o que significa que as espécies nelas envolvidas estão listadas como quase ameaçadas, em perigo ou com populações em declínio, de acordo com a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).

Os dados indicam que cada espécie animal dispersou em média 13 espécies de plantas, enquanto cada espécie de planta teve em média nove dispersores, resume a revista.

O estudo "revela uma crise de dispersão de sementes em desenvolvimento na Europa" e destaca grandes lacunas de conhecimento em relação aos dispersores e ao estado de conservação das plantas cujas sementes são dispersas por animais, "o que exige um maior escrutínio e ação para conservar o serviço de dispersão de sementes", referiu a equipa.

Os investigadores reconhecem que existem lacunas significativas nos dados sobre as relações de dispersão, mas acreditam que as suas descobertas podem ser utilizadas para orientar os esforços de conservação para preservar as relações de dispersores de grande preocupação.

Este é o primeiro estudo abrangente sobre a vulnerabilidade das espécies dispersoras de sementes, realçou o investigador Daniel Montoya, do Centro Basco para as Alterações Climáticas (BC3), citado pelo Science Media Centre, uma plataforma de recursos científicos para jornalistas.

Os autores compilaram uma extensa base de dados de 11.414 interações entre 1.902 espécies de plantas e 455 espécies de animais dispersores de sementes, incluindo 283 aves, 85 artrópodes, 69 mamíferos, 11 répteis, 4 moluscos, 2 peixes e um verme anelídeo.

A perda da função de dispersão "reduz a capacidade de recuperação dos ecossistemas, um fator chave face à recente aprovação da Lei Europeia de Restauração", acrescentou Montoya.

O investigador salientou que os resultados do estudo podem subestimar a vulnerabilidade de algumas espécies dispersoras, para as quais não existe informação sobre as suas tendências populacionais e vulnerabilidade.

domingo, 11 de agosto de 2024

Procura pela selfie perfeita coloca a Natureza em risco


A necessidade de uma selfie impressionante ou de uma fotografia da paisagem perfeita está a revelar-se prejudicial para a natureza, revela uma nova investigação.

Os investigadores da Universidade Edith Cowan (ECU), da Universidade Curtin, da Universidade Murdoch e do programa Kings Park Science do Departamento de Biodiversidade, Conservação e Atração identificaram vários impactos diretos e indiretos que o avanço e a proeminência dos meios de comunicação social tiveram no ambiente natural, incluindo perturbações nos padrões de reprodução e alimentação dos animais e o atropelamento de espécies vegetais ameaçadas.

“O avanço dos meios de comunicação social criou um impacto ambiental que, de outro modo, nunca teria existido”, afirmou Rob Davis, professor catedrático de Biologia de Vertebrados na Universidade do Equador.

“Os grupos de redes sociais facilitaram a identificação da localização de espécies vegetais ameaçadas ou dos locais de reprodução de espécies de aves ou de animais selvagens, sendo a informação divulgada rapidamente e provocando um grande afluxo de pessoas a uma área que, de outro modo, teria permanecido intocada”, explicou.

“Como resultado, os padrões de reprodução e alimentação dos animais são perturbados e há um risco acrescido de predação. Além disso, a utilização de reprodução de chamadas, ou de drones, ou a manipulação de animais selvagens para fotografias tem um impacto duradouro”, acrescentou Davis.

Os impactos indiretos incluem a propagação de doenças e o aumento da caça furtiva da flora e da fauna.

O Professor Associado Bill Bateman, da Faculdade de Ciências Moleculares e da Vida da Universidade de Curtin, afirmou que uma gama diversificada de animais e plantas estava a sentir os impactos negativos do comportamento relacionado com as redes sociais.

O risonho-de-coroa-azul é uma espécie de ave criticamente ameaçada que mostrou comportamentos de nidificação alterados devido a perturbações dos fotógrafos”, disse Bateman.

Também sabemos que as orquídeas são altamente suscetíveis ao pisoteio e às alterações do habitat, com muitos grupos ameaçados pelo aumento do turismo e das atividades recreativas promovidas através dos meios de comunicação social”, sublinhou.

“Mas não é só em terra e no ar: a fotografia com flash e as perturbações dos mergulhadores podem afetar negativamente a vida marinha, como os tubarões-baleia e outros organismos aquáticos sensíveis”, acrescentou.

A cientista de investigação do Departamento de Biodiversidade, Conservação e Atrações do programa Kings Park, Belinda Davis, referiu que, de toda a flora, as orquídeas eram um conteúdo particularmente popular para publicações nas redes sociais, havendo mesmo grupos de redes sociais dedicados à publicação de fotografias de orquídeas nativas.

Estes grupos podem ter mais de 10.000 membros, pelo que a rápida divulgação dos locais de floração e o tráfego pedonal gerado em sítios-chave devem ser considerados uma ameaça emergente”, explicou.

As orquídeas podem ter interações altamente específicas com uma única espécie de polinizador e de fungo. A sobre-visitação não só tem um impacto direto nas orquídeas devido ao pisoteio, como também pode ter um impacto indireto na integridade das suas interações ecológicas, deixando as orquídeas vulneráveis ao colapso da população”, apontou.

O lado do Sol
Apesar da desvantagem de os utilizadores das redes sociais invadirem habitats naturais, a fotografia pode ser uma ferramenta de conservação incrivelmente poderosa, cultivando e reforçando o ativismo ambiental, as ligações baseadas na natureza ou as oportunidades de gestão e educação, explicou Davis.

O amplo alcance das redes sociais significa que os conteúdos também podem ser aproveitados por cientistas e profissionais de gestão de terras para fins de conservação, essencialmente através da “extração de dados” de conteúdos ou do envolvimento ativo de “cientistas cidadãos” na recolha de dados como subproduto das suas actividades nas redes sociais”.

As redes sociais também resultaram diretamente na identificação de várias novas espécies de plantas.

No entanto, a investigação defendeu a instituição de códigos de ética e controlos mais rigorosos em torno da utilização e promoção da flora e da fauna nas redes sociais.

“Propomos um quadro que considera as espécies em maior risco devido às atividades das redes sociais, especialmente as que são raras, sésseis e têm áreas de distribuição restritas”, afirmou Davis.

“A utilização crescente e a natureza omnipresente dos meios de comunicação social significam que é impossível controlar ou restringir o acesso a espécies ou a pontos de interesse natural que são alvo de conteúdos dos meios de comunicação social. Consequentemente, a melhor esperança assenta numa combinação de gestão no terreno ou de restrições de acesso em sítios públicos fundamentais, na adesão de uma variedade de partes interessadas e num aumento da educação que promova um comportamento adequado nas zonas naturais”, acrescentou.

Muitos grupos e sociedades da natureza já dispõem de códigos de ética bem estabelecidos para uma conduta responsável, incluindo para atividades como a observação de aves, a fotografia de aves e a fotografia de orquídeas. Esses códigos de conduta são um excelente ponto de partida, mas não são vinculativos e dependem da atuação correta dos indivíduos e/ou da pressão dos pares para que se pronunciem sobre comportamentos inadequados”, disse ainda.

“No entanto, esta pode continuar a ser a base mais realista para reduzir os impactos na biodiversidade e podem ser colocadas questões a todos os grupos que não tenham ou não adiram a esses códigos de conduta”, concluiu.

terça-feira, 6 de agosto de 2024

Abutre-preto voa contra a extinção em Portugal


“Estão ali três!”, ouvi atrás de mim, num sussurro entusiasmado, quando já tinha perdido esperança de avistar qualquer abutre-preto (Aegypius monachus). De binóculos cravados nos olhos, o biólogo Eduardo Santos, da Liga para a Protecção da Natureza (LPN), apontava algures para o céu azul, onde, à vista desarmada, um trio de pontos indistinguíveis voava placidamente.

Coloquei os binóculos e sorri. Eram dois abutres-pretos e um grifo (Gyps fulvus), que planavam em círculos, aproveitando as correntes de ar quente para se deslocarem sem terem de gastar muita energia. Dois deles provavelmente eram o casal do ninho que momentos antes tínhamos visto vazio.

Naquela manhã fria de janeiro, andávamos pela Herdade da Contenda, em Moura, em busca de abutres-pretos, para observar os comportamentos dessa espécie ameaçada e para avaliar a ocupação dos ninhos e talvez até descobrir novos, numa altura em que os casais se preparavam para a época de reprodução, que estava prestes a começar.

Até 2027, os conservacionistas querem que, pelo menos, metade das posturas resultem num juvenil voador que seja recrutado para a população.

Foi nessa herdade alentejana, com 5.267 hectares, que é propriedade da câmara de Moura desde 1893 e gerida pela Herdade da Contenda, E.M., que entre 17 e 18 dos cerca de 80 casais de abutres-pretos que nidificam em Portugal foram registados em 2023 pelo projeto LIFE Aegypius Return.

Coordenado pela Vulture Conservation Foundation (VCF), os principais objetivos são estabilizar a população da espécie em Portugal, potenciar a conectividade entre as quatro colónias atuais, que se estabeleça uma quinta colónia e, sobretudo, aumentar o sucesso reprodutivo.

Os abutres-pretos põem apenas um ovo por temporada reprodutiva, o que torna a recuperação da espécie ainda mais desafiante. Das 50 crias nascidas no ano passado, quando arrancou o projeto, apenas entre 35 e 37 sobreviveram e foram recrutadas para a população. Até 2027, os conservacionistas querem que, pelo menos, metade das posturas resultem num juvenil voador que seja recrutado para a população.

“Esse é um número que ajudará a garantir a sobrevivência a longo-prazo da espécie”, disse Milene Matos, coordenadora do projeto em representação da VCF.

O abutre-preto e a sua história em Portugal
No início da década de 1970, o abutre-preto foi dado como extinto em Portugal enquanto espécie reprodutora. Contudo, nunca chegou mesmo a desaparecer totalmente do território. Nos anos 1990, terá havido “algumas tentativas falhadas de reprodução”, contou Eduardo Santos.

Após perto de 40 anos sem reprodução em território nacional, em 2010 “os primeiros casais regressaram e reproduziram-se com sucesso no Tejo Internacional”, apontou, momento que marcou o retorno dos abutres-pretos a Portugal como espécie reprodutora.

Cerca de dois ou três anos depois, o primeiro casal fixou-se no Douro Internacional, onde atualmente se registam 3 casais, que em 2023 recrutaram duas crias para a sua colónia.

E em 2015, estabeleceram-se na Herdade da Contenda, especialmente devido aos esforços de conservação no âmbito do projeto LIFE Habitat Lince|Abutre, coordenado pela LPN. Na Serra da Malcata, estima-se que tal só tenha acontecido mais recentemente, em 2021.

O regresso dos abutres-pretos a Portugal deveu-se a uma série de fatores que tornaram isso possível. Desde logo, a implementação de medidas de conservação dos habitats da espécie foram fundamentais, fruto de esforços públicos e de vários projetos dedicados ao A. monachus, mas também devido à consolidação das colónias de Espanha, sobretudo as da região da fronteira com Portugal, que servem como “fonte” para as colónias lusas.

Os especialistas acreditam que a perseguição pelos humanos e o uso ilegal de venenos terão sido as principais ameaças que quase fizeram desaparecer totalmente os abutres-pretos em Portugal.

Os especialistas acreditam que a perseguição pelos humanos e o uso ilegal de venenos terão sido as principais ameaças que quase fizeram desaparecer totalmente os abutres-pretos em Portugal.

“Esses terão sido os fatores-chave que fizeram declinar as populações, que causaram mortalidade generalizada”, recordou Eduardo Santos, acrescentando que também “as profundas alterações no habitat e na paisagem e as mudanças também ao nível da agropecuária” terão tido influência. Contudo, se não fosse o envenenamento, “teriam sobrado, aqui e acolá, alguns casais”, que teriam ajudado a manter a espécie em Portugal.

O abutre-preto estava classificado como espécie ‘Criticamente em Perigo’ no país, estimando-se, em 2022, antes de este projeto LIFE começar, que existiriam perto de 40 casais reprodutores.

No entanto, os trabalhos aturados de monitorização, e a articulação e partilha de informação e recursos entre as nove entidades parceiras, incluindo a Herdade da Contenda, E.M., e a LPN, e outras, como a Quercus, a Rewilding Portugal e o próprio ICNF, aumentaram para 80 o número de casais registados, permitindo à espécie passar, recentemente, a ser classificada como ‘Em Perigo’, algo que só se esperava alcançar no final do projeto.

Uma das maiores aves de rapina do mundo
O abutre-preto é a maior ave de rapina de Portugal e da Europa, e uma das maiores e mais pesadas do mundo, com uma envergadura que pode chegar aos três metros, da ponta de uma asa à outra.

Não há traços marcantes que permitam distinguir entre machos e fêmeas, pelo que os cientistas o deduzem através da observação dos comportamentos de cópula dos casais.

Em cada época reprodutiva, põem apenas um ovo, um fator que dificulta, mas não impossibilita, a recuperação da espécie em locais onde tenha sofrido sérias perdas populacionais. As posturas habitualmente ocorrem entre meados de fevereiro e finais de abril.

Após um período de incubação de cerca de 55 dias, nascem os pequenos abutres, que recebem cuidados de ambos os progenitores, que participam igualmente nessa tarefa para dar à sua prole a melhor hipótese de sobrevivência até atingir a independência.


Cria de abutre-preto, anilhada, a testar as asas. Crédito: Pinto Moreira – Herdade da Contenda
Com quatro meses, as crias começam a aventurar-se nos seus primeiros voos de aprendizagem, acompanhadas de perto pelos progenitores. Só se tornam verdadeiramente independentes entre outubro e janeiro ou fevereiro do ano seguinte, sobretudo quando o casal tem um novo ovo no qual tem de verter toda a sua atenção e esforços.

“Tal como outras espécies, incluindo nós, alguns juvenis tornam-se independentes mais tarde do que outros”, afirmou Eduardo Santos. Mesmo depois de deixarem o ninho dos pais, alguns, por vezes, ainda regressam a casa para tentarem receber alimento.

O abutre-preto é a maior ave de rapina de Portugal e da Europa, e uma das maiores e mais pesadas do mundo, com uma envergadura que pode chegar aos três metros, da ponta de uma asa à outra.

Considerada uma espécie gregária, o abutre-preto tende a formar colónias, mas os ninhos são instalados a vários metros uns dos outros. Disse-nos o biólogo que estas aves gostam de viver em comunidade, mas não demasiado perto dos seus conspecíficos. “Perto, mas não muito perto”, gracejou, indicando que “normalmente fazem os ninhos onde não possam ser vistos pelos outros abutres”.

Após se lançarem na vida adulta e de realizarem os chamados ‘voos de emancipação’, é frequente os juvenis regressarem ao local onde nasceram para aí se fixarem e se reproduzirem, um comportamento designado por filopatria.

Enquanto aves de grande porte, os abutres-pretos constroem os seus ninhos no topo de árvores altas, e são obras da mais extraordinária engenharia. Com a forma semelhante à de um grande sino virado de cabeça para baixo, os ninhos podem chegar a pesar 300 quilogramas.

Isso acontece, porque os abutres-pretos, que tendem a usar os mesmos ninhos de ano para ano, vão juntando cada vez mais ramos e folhas para melhorar as condições da estrutura, que pode ter dois metros de diâmetro e três de altura. Contudo, a altura não corresponde necessariamente à profundidade, uma vez que muitos materiais acumulados tornam a área interior mais pequena do que pode parecer à primeira vista.

Em algumas colónias, é possível observar uma preferência por determinadas espécies de árvores para nidificar. Por exemplo, na Herdade da Contenda, os abutres-pretos tendem a preferir fazer os ninhos em pinheiros-bravos antigos, geralmente com várias dezenas de anos de idade.

Embora não se saiba ao certo se se trata realmente de uma escolha feita pelos casais ou se é simplesmente devido à maior abundância de um tipo de árvore, é possível, ainda sem respaldo científico, sugerir que possa existir uma cultura, com os ensinamentos sobre como e onde construir os ninhos em segurança a serem transmitidos de uma geração para a seguinte.

Ninhos artificiais para promover a reprodução
Uma das ações do projeto LIFE Aegypius Return incide especificamente sobre os ninhos, cujo bom estado de conservação é essencial para promover o sucesso reprodutivo da espécie.

Os conservacionistas pretendem construir, no mínimo, 120 ninhos artificiais, ou plataformas, em áreas onde se estima haver um alto potencial para reprodução. Além disso, reparar e manter cerca de 105 ninhos existentes, naturais ou não, faz também parte do rol de ações previstas.

Para a construção dos ninhos artificiais, os cientistas têm de se pôr no lugar dos abutres e tentar ver o mundo como eles o veem. Para isso, escolhem locais com características semelhantes às de outros onde os abutres fizeram ninhos, e usam os mesmos materiais.

De olhar atento e experiente, Eduardo Santos esquadrinhava a cobertura florestal da Contenda em busca de sinais de abutres e de ninhos. Aos olhos destreinados, os ninhos, tanto os naturais como os artificiais, mal se veem por entre os ramos das árvores.

O que poderá distinguir os ninhos naturais dos artificiais é o facto de estes últimos serem suportados por uma forte malha metálica, que ajuda a tornar a estrutura mais resistente a intempéries que podem destruí-la e literalmente deitar por terra a possibilidade de esse casal gerar descendência num qualquer ano.

Pedro Rocha, administrador da Herdade da Contenda e que nos acompanhou durante a visita, recordou que, há menos de quatro anos, a tempestade Bárbara abateu-se fortemente sobre a propriedade, destruindo vários ninhos de abutres. A empresa municipal teve de contratar serviços externos para reparar as estruturas danificadas.

Já no âmbito deste projeto LIFE, em 2023 foram construídas 14 novas plataformas-ninhos e intervencionados 20 ninhos, para melhorar as suas condições e tentar assegurar o sucesso reprodutivo da espécie.

Combater o chumbo e os crimes ambientais
A contaminação continua a ser uma das grandes ameaças aos abutres-pretos, e a tantas outras espécies, e uma das maiores barreiras à sua recuperação em Portugal. Sendo animais necrófagos, que se alimentam dos cadáveres de animais e, assim, prestam um serviço vital para a saúde dos ecossistemas ao evitarem a propagação de doenças, os abutres estão particularmente expostos ao envenenamento por chumbo.

quarta-feira, 31 de julho de 2024

Sabe quantas aves são mortas pela pesca na Europa? O número vai chocá-lo


Cerca de 200 mil aves marinhas morrem todos os anos por captura acidental na pesca em águas europeias, incluindo seis espécies em risco de extinção na região, indica um estudo hoje divulgado.

Da responsabilidade da organização internacional de defesa das aves “BirdLife International” com a colaboração da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), o estudo alerta que os números podem ser só “a ponta do iceberg”, porque muitos países costeiros não têm estimativas e quando existem raramente incluem toda a frota pesqueira do país.

Das 200.000 aves marinhas, 150.000 são mortas em águas da União Europeia, nota-se no documento.

“Este estudo vem reforçar, não só a importância, mas também a urgência de criar o Plano Nacional de Ação para a minimização das capturas acidentais na pesca”, diz Ana Almeida, técnica de conservação marinha na SPEA, citada num comunicado da associação portuguesa.

E acrescenta: “Estamos a colaborar com as entidades governamentais responsáveis no desenvolvimento deste plano que deve estar pronto até ao final do ano. A monitorização deste problema tem sido muito importante, mas é insuficiente. Encontrar e aplicar soluções que mitiguem este problema é determinante para garantir que a atividade de pesca seja sustentável e que os recursos marinhos se mantenham disponíveis para as gerações futuras.”

Também num comunicado sobre o estudo, a “BirdLife International” alerta que as aves marinhas são dos grupos de aves mais ameaçados na Europa, com mais de um terço das espécies a sofrerem declínios populacionais.

Entre as ameaças às colónias de reprodução em terra, a organização fala das espécies invasoras e perturbações no ‘habitat’, e dá como exemplos de outras ameaças, no mar, a sobrepesca e as infraestruturas de energia renovável (como as eólicas).

As alterações climáticas, acrescenta, estão a “aumentar a pressão ao longo do ciclo de vida” das aves.

A organização nota que as ameaças são fáceis de gerir e que em muitos casos “alterações relativamente simples nas práticas de pesca ou modificações nas artes de pesca podem reduzir significativamente o número de aves” que morrem.

“Esperamos que esta análise possa ajudar os investigadores, os gestores das pescas, os governos e muitas outras partes interessadas no setor marinho a compreender a escala das capturas acidentais de aves marinhas na Europa. Os números são alarmantes e confirmam que as capturas acidentais são uma das principais ameaças para as aves marinhas migratórias que se reproduzem ou visitam as águas europeias”, diz a “BirdLife International”.

Segundo a organização, os números mais alarmantes de capturas acidentais são registados nas redes de emalhar no mar Báltico e no Atlântico Nordeste e nos palangres (arte de pesca à linha) no Atlântico Nordeste e no Mediterrâneo.

quinta-feira, 4 de julho de 2024

ICNF identifica nova colónia de abutre-preto nidificante no Alentejo


Uma nova colónia de abutres-pretos (Aegypius monachus), constituída por dez indivíduos adultos, foi identificada na Herdade do Monte da Ribeira, no concelho da Vidigueira (no Alentejo), no âmbito das ações de monitorização realizadas pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), revelou este instituto em comunicado.

A mesma fonte estima que esta colónia seja constituída por quatro ou cinco casais reprodutores, embora só tenham sido observados quatro ninhos. A colónia foi identificada em plena época de reprodução, período especialmente sensível para esta espécie, existindo reprodução comprovada em, pelo menos, um dos ninhos, no qual foi possível observar um indivíduo juvenil já emplumado.

A Direção Regional de Conservação da Natureza e Florestas do Alentejo encetou os procedimentos necessários para monitorizar e salvaguardar esta colónia, em colaboração com os proprietários da Herdade do Monte da Ribeira.

O abutre-preto é uma ave necrófaga com o estatuto “Criticamente em Perigo” em Portugal, sendo, igualmente, considerada de interesse comunitário e prioritária no contexto da Diretiva Aves. É a maior ave de rapina da Europa, podendo atingir os três metros de envergadura de asa.

A época de reprodução ocorre entre fevereiro e agosto e cada casal produz um ovo por ano.

Após mais de meio século de declínio demográfico e ausência como nidificante no país, o abutre-preto restabeleceu a condição de nidificante em Portugal em 2010 com várias pequenas colónias, a maioria em áreas protegidas, como o Parque Natural do Tejo Internacional, a Serra da Malcata e o Parque Natural do Douro Internacional. Mais recentemente, em 2019, surgiu uma nova colónia na Herdade da Contenda, em Moura, que conta, atualmente, com 11 casais.

Com esta descoberta passa para cinco o número de colónias conhecidas de abutre-preto no país.

O ICNF tem vindo a apoiar a conservação da população nacional de abutre-preto em Portugal. De 2022 a 2027, o projeto “Aegypius return – Consolidação e expansão da população de abutre-negro em Portugal e no oeste de Espanha”, que tem a colaboração do ICNF, conta com o cofinanciamento do instrumento financeiro europeu LIFE, com vista a melhorar e acelerar a recolonização natural em curso da espécie.

sábado, 22 de junho de 2024

Cientistas descobrem população de ursos polares que sobrevive com pouco gelo


Um grupo de cientistas da Universidade de Washington descobriu uma subpopulação de ursos-polares (Ursus maritimus) que vive com pouco gelo marinho no sudeste da Gronelândia. Com as alterações climáticas e cada vez menos gelo no Ártico, a sobrevivência das populações de ursos polares tem sido um tema cada vez mais preocupante. A equipa decidiu estudar esta população isolada, de forma a compreender como é que se adapta a este ambiente – o que pode trazer novas respostas para o futuro da espécie nesta região, que é cada vez mais afetada pelo aquecimento global.

Foram recolhidos dados que compreendem um período de sete anos, tendo os mesmos sido cruzados com dados históricos dos últimos 30 anos. Sabe-se, agora, que têm uma grande diferença genética das outras populações de ursos polares.“São a população de ursos polares mais geneticamente isolada do planeta. Sabemos que esta população vive separada de outras populações de ursos polares há pelo menos várias centenas de anos e que o tamanho da sua população ao longo do tempo permaneceu pequeno”, explica a investigadora Beth Shapiro, da Universidade da Califórnia em Santa Cruz.

Uma das características que os distingue é serem “caseiros” e manterem-se sempre no mesmo local. Mesmo quando se deslocam para caçar, estes ursos regressam a casa. Para caçar as focas, eles recorrem aos blocos de gelo que se desprendem do manto de gelo e flutuam pela água doce, saltando depois na hora de regressar. Outra diferença está no seu tamanho: comparativamente a outras populações, as fêmeas adultas são menores e têm menos crias.

“Se estiver preocupado em preservar a espécie, então sim, as nossas descobertas são esperançosas – acho que nos mostram como alguns ursos polares podem persistir sob as alterações climáticas”, refere a autora principal do estudo, Kristin Laidre. “Mas não acho que o habitat das geleiras vá sustentar um grande número de ursos polares. Simplesmente não existe o suficiente. Continuamos a esperar grandes declínios de ursos polares no Ártico”.

quinta-feira, 30 de maio de 2024

A destruição do património natural da região de Coimbra avança de vento em popa!

Mesmo com os alertas de várias de instituições e organizações especializadas em conservação da natureza, ações de protesto e caminhadas promovidas por coletivos e cidadãos preocupados, a construção da central fotovoltaica na Serra de Brasfemes foi mesmo aprovada pela Câmara Municipal de Coimbra (CMC).

Apesar do estado crítico de grande parte das áreas florestais da região de Coimbra, e com centenas, se não milhares, de hectares de localizações alternativas na envolvente e que teriam um impacto ecológico muito menor, a central foi aprovada no coração de um dos mais importantes hotspots de biodiversidade da região, a Serra de Brasfemes. Isto acontece poucos meses após a própria CMC, em colaboração com a Milvoz, ter identificado a área como prioritária para conservação da natureza, destacando valores naturais únicos, incluindo endemismos ibéricos e espécies com estatuto de conservação. Esta área foi alvo de vários estudos de flora pela Universidade de Coimbra e está na quadrícula com mais espécies de flora identificadas em Portugal, conforme o portal Flora-on, sendo que não se poderá alegar desconhecimento da riqueza do local. Além disso, projetos financiados por fundos comunitários estão em curso para a criação de rotas interpretativas, como a Rota das Orquídeas, que serão afetados pela construção da central.

É incompreensível o que está a acontecer. Os valores naturais da região de Coimbra continuam a saque. Esta é a segunda central fotovoltaica aprovada em mais uma importantíssima área para a conservação da natureza do concelho, mais uma vez sem devido diálogo com a população e entidades. Onde está a ambição do executivo da CMC no que diz respeito à conservação e valorização do património natural de Coimbra?

Para além dos impactos resultantes da sua exploração, é também preocupante a facilidade com que a Cimpor consuma a devastação de um dos mais importantes ativos de lazer e turismo ecológico da área. A destruição da área, antes mesmo da aprovação do projeto, evidencia práticas duvidosas que não podem ser ignoradas e atestam a falta de formalidade deste processo.

Não questionamos a importância da produção de energia renovável e da redução de emissões, mas não em plenos hotspots de biodiversidade, especialmente quando existem várias alternativas viáveis.

A Serra de Brasfemes pode e deve ser protegida e valorizada! A Milvoz compromete-se a procurar melhores horizontes para esta serra e, em breve, publicará um manifesto aberto à assinatura de todos os que defendem a preservação e salvaguarda deste local.

terça-feira, 21 de maio de 2024

Colapso dos peixes migratórios ameaça alimentação de milhões de pessoas


O colapso das populações de peixes migratórios ameaça a segurança alimentar de milhões de pessoas e os ecossistemas críticos de água doce, indica um relatório ontem divulgado.

Em vésperas do Dia Mundial da Migração de Peixes, no próximo sábado, 24 de Maio, o documento salienta que desde 1970 se registou um declínio de 81% das populações de peixes migradores, sendo as quedas mais acentuadas na América Latina (91%), Caraíbas (91%) e Europa (75%).

No entanto a diminuição dos peixes de água doce regista-se em todo o mundo, o que põe em risco a segurança alimentar e os meios de subsistência de milhões de pessoas, a sobrevivência de muitas outras espécies, e a saúde a resiliência dos rios, lagos e zonas húmidas.

Os alertas fazem parte de um novo relatório do Índice Planeta Vivo, sobre peixes migratórios de água doce, publicado pela organização “World Fish Migration Foudation” e outras entidades, incluindo a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) e a “World Wide Fund for Nature” (WWF).

O Índice Planeta Vivo é um indicador global sobre o estado da biodiversidade, administrado pela Sociedade Zoológica de Londres em cooperação com a WWF.

No documento explica-se que metade das ameaças aos peixes migradores se relaciona com a degradação dos habitats, incluindo a construção de barragens e de outras barreiras nos rios, e a conversão das zonas húmidas para a agricultura. A sobre-exploração, o aumento da poluição e o agravamento dos impactos das alterações climáticas, estão também a diminuir as espécies de peixes migradores.

“O declínio catastrófico das populações de peixes migratórios é uma chamada de atenção para o mundo. Temos de atuar agora para salvar estas espécies fundamentais e os seus rios”, afirmou, citado num comunicado sobre o relatório, Herman Wanningen, da “World Fish Migration Foudation”.

O especialista considera que os peixes migratórios “são fundamentais para as culturas de muitos povos indígenas, alimentam milhões de pessoas em todo o mundo e sustentam uma vasta rede de espécies e ecossistemas”, alertando que não se pode “continuar a deixar que eles escapem silenciosamente”.

Os autores do documento salientam também que os peixes migratórios de água doce são vitais para a alimentação de milhões de pessoas, especialmente na Ásia, África e América Latina, e que são meio de subsistência para dezenas de milhões através da pesca local, comércio, indústria e pesca recreativa.

E destacam pela positiva que um terço das espécies monitorizadas aumentou, nomeadamente por melhor gestão de recursos, recuperação de habitats e remoção de barragens.

Na Europa e nos Estados Unidos já foram removidas milhares de barragens, diques, açudes e outras barreiras fluviais. No ano passado a Europa removeu um recorde de 487 barreiras, um aumento de 50 % em relação ao máximo anterior de 2022.

Os decisores de todo o mundo devem acelerar os esforços para proteger e restaurar os caudais dos rios, investindo em alternativas sustentáveis às barragens hidroelétricas que estão planeadas. E lembram os objetivos saídos da cimeira mundial sobre a biodiversidade Kunming-Montreal, no Canadá no final de 2022, de recuperação de 300.000 quilómetros de rios degradados.

A “World Fish Migration Foudation” promove desde 2014 o Dia Mundial da Migração de Peixes, para aumentar a consciencialização sobre os peixes migratórios. Este ano celebra os rios livres e já conta com mais de 65 países participantes.

quarta-feira, 15 de maio de 2024

Rinoceronte branco do Quénia extinto


Imagine viver 55 milhões de anos, passando por várias eras glaciais, terramotos, eventos de extinção, impactos de meteoritos e asteroides. Então o homem se torna uma forma de vida bípede, aqui sozinho por cerca de 220.000 anos como humanos, e é cúmplice da extinção deste magnífico e longevo rinoceronte branco. O rinoceronte branco do norte está oficialmente extinto do planeta Terra.

sábado, 20 de abril de 2024

Visão Europeu - Criticamente Em Perigo de Extinção


Actualmente existem menos de 500 indivíduos da espécie em Espanha, no País Basco, Navarra, La Rioja, extremo noroeste de Aragão e extremo nordeste de Castela e Leão. É possível que tenha ocorrido no nordeste transmontano; ainda hoje se debate a origem do visão do Velho Mundo na Península Ibérica e a sua área máxima de distribuição.

Actualmente existe um programa de reprodução em cativeiro na região de Toledo para tentar recuperar o nosso visão no nordeste de Espanha. A espécie está classificada como Criticamente Em Perigo de extinção na Lista Vermelha da UICN. Existem apenas três população viáveis, na Rússia, Roménia, e sudoeste de França e nordeste de Espanha. Uma das maiores ameaças a este mamífero é a competição com o visão-americano (Neovison vison), uma espécie exótica e invasora, que tem proliferado um pouco por todo o continente europeu, e está também presente no Norte de Portugal. Outras ameaças incluem a poluição de cursos de água, a destruição de habitat e humanização das paisagens.

domingo, 3 de março de 2024

Sexta extinção em massa do planeta está em curso e o alerta é dado em forma de arte




O Dia Mundial da Vida Selvagem celebra-se hoje com um alerta gritante: a perda de espécies animais e vegetais é cada vez maior. A Associação Natureza Portugal e o World Wide Fund juntam-se no projeto The Endangered Typeface, que apresenta 26 serigrafias, uma por cada letra do alfabeto e de animais em risco, para dar voz às espécies ameaçadas. 

O alarme tem soado ao longo dos últimos anos, mas cada vez a realidade obriga-nos a olhar para a Natureza com mais urgência: os últimos dados mostram que desde 1970 as populações de animais selvagens têm caído 69%.

Se por um lado são os países desenvolvidos que mais poluem é nos países em desenvolvimento e nos tropicais que o impacto é maior. Em 2013, a ONU proclamou o 3 de março como o Dia Mundial da Vida Selvagem, numa tentativa de consciencializar as pessoas para as ameaças que as espécies enfrentam no planeta e hoje este dia é o evento anual mais importante dedicado à vida selvagem.

Para ajudar a dar voz a esta mensagem, a campanha The Endangered Typeface aposta na arte. Ao todo são 26 serigrafias, com a inicial de cada letra do alfabeto, a representar um animal em risco e o número de indivíduos que restam no planeta dessa espécie.

Esta iniciativa, da Associação Natureza Portugal (ANP) em conjunto com o World Wide Fund (WWF), tem como base a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da International Union for Conservation of Nature.

A edição de serigrafias é limitada e ao fazer uma doação de 50 euros, qualquer pessoa poderá receber um dos posters em casa, contribuindo para tentar reverter a perda da biodiversidade do planeta.

Todos os donativos podem ser feitos aqui e revertem para os projetos de conservação da ANP | WWF.

Saber mais:

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Humanos já causaram a extinção de 1.430 espécies de aves


Os seres humanos causaram a extinção de um total de 1.430 espécies de aves, um número duas vezes maior do que aquele que se pensava, revelou um novo estudo publicado na revista científica Nature Communications.

Muitas das ilhas do planeta eram paraísos intocados. Mas a chegada dos seres humanos a locais como os Açores, Tonga ou o Havai tiveram, ao longo do tempo, grandes impactos como a desflorestação, sobre-caça e a introdução de espécies invasoras. Como consequência, muitas espécies de aves desapareceram.

Se o desaparecimento de muitas aves desde os anos 1500 já está registado, o nosso conhecimento sobre o destino das espécies dependia, até agora, de fósseis. Acontece que estes registos são limitados porque os ossos das aves, muito leves, se desintegram com o passar do tempo. Este facto tem mascarado a verdadeira extensão da extinção mundial das aves.

Os investigadores acreditam agora que 1430 espécies de aves, quase 12%, desapareceram durante a história moderna, desde o final do Pleistoceno há cerca de 130.000 anos. A grande maioria dessas aves extinguiu-se directa ou indirectamente por causa da actividade humana.

O estudo, coordenado pelo Centro Britânico para a Ecologia e Hidrologia (UKCEH, sigla em Inglês), usou modelos estatísticos para estimar as extinções de aves até agora desconhecidas.

Rob Cooke, principal author do estudo e investigador do UKCEH, disse, em comunicado, que este estudo “demonstra que houve um impacto humano muito superior na diversidade das aves do que o que era reconhecido até agora”.

“Os humanos devastaram rapidamente populações de aves através da perda de habitat, sobre-exploração e introdução de ratos, porcos e cães que destruíam os ninhos das aves e competiam com elas por alimento. Mostramos que muitas espécies se extinguiram antes de haver registos escritos delas; não deixaram nenhum rasto, perderam-se na História.”

Estas extinções históricas têm hoje “grandes implicações na actual crise da biodiversidade”, alertou Søren Faurby, da Universidade de Gotemburgo e um dos autores da investigação.

“O mundo pode não apenas ter perdido muitas aves fascinantes mas também os seus papéis ecológicos que poderiam ter tido funções cruciais como a dispersão de sementes e a polinização. Isto terá efeitos negativos em cascata nos ecossistemas. Por isso, além das extinções das aves teremos perdido muitas plantas e animais que dependiam daquelas espécies para sobreviver.”

Observações e fósseis mostram que 640 espécies de aves foram empurradas para a extinção desde o final do Pleistoceno, 90% destas em ilhas. Estas incluem espécies como o icónico dodô (Raphus cucullatus) das ilhas Maurícias ou ainda o arau-gigante (Pinguinus impennis) do Atlântico Norte.

Mas os investigadores estimaram que houve mais 790 extinções até agora desconhecidas, elevando para 1430 o número de espécies perdidas, deixando apenas menos de 11.000 nos nossos dias. Cooke alerta que é provável que apenas 50% destas espécies se tivessem extinguido naturalmente.

Os cientistas afirmam que o seu estudo revelou a maior extinção de vertebrados causada por humanos da História quando, durante o século XIV, 570 espécies de aves desapareceram com a chegada dos primeiros povos ao Pacífico Leste, incluindo ao Havai e às Ilhas Cook. Esse número é quase 100 vezes maior do que a taxa natural de extinção.

Acreditam ainda que houve um grande evento de extinções no século nove, causado pela chegada do ser humano ao Pacífico Oeste, incluindo às Ilhas Fiji e às Ilhas Mariana, bem como às Ilhas Canárias.

Os investigadores apontam ainda o evento de extinções que hoje vivemos e que começou em meados do século XVIII. Desde então, além do aumento na desflorestação e da disseminação de espécies invasoras, as aves estão ameaçadas por ameaças adicionais como as alterações climáticas, agricultura intensiva e poluição.

Trabalhos anteriores destes autores sugerem que nos arriscamos a perder entre 669 e 738 espécies de aves no próximo século.

“Está nas nossas mãos se mais espécies de aves se irão extinguir ou não. Recentes projectos de conservação salvaram algumas espécies e devemos agora aumentar os esforços para proteger as aves com o restauro de habitats liderado pelas comunidades locais”, defendeu Cooke.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Mina de lítio em Montalegre poderá pôr em causa sobrevivência do lobo na região


A mina de lítio do Romano, em Montalegre, está prevista para locais que o lobo-ibérico escolhe, há 30 anos, para se reproduzir por terem condições únicas. A exploração pode mesmo fazer desaparecer toda uma alcateia já a sofrer de furtivismo, destruição de habitat e com sucesso reprodutor muito baixo, alertam os conservacionistas.

O lobo-ibérico (Canis lupus signatus) é uma espécie protegida e o único membro que resta da família dos grandes predadores de Portugal. Estará reduzido a entre 50 a 60 alcateias.

Até aos anos 30 do século XX, o lobo-ibérico distribuía-se por todo o país, até ao Algarve. Com o passar dos anos, foi sendo empurrado para norte, concentrando-se hoje em núcleos no Alto Minho, Trás-os-Montes e numa região a Sul do Douro.

Este carnívoro sempre enfrentou dificuldades para a sua sobrevivência, mas nos últimos anos essa fasquia tem vindo a subir. Mais recentemente, as notícias da luz verde dada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) à Mina de Lítio do Romano, em Montalegre, trouxeram um problema extra a juntar ao furtivismo e à perda dos seus territórios.

Em 21 de Dezembro, a plataforma Lobo-Ibérico, recentemente criada por quatro conservacionistas – incluindo três biólogos que têm dedicado a sua vida ao estudo e à conservação do lobo-ibérico – alertou que esta mina poderá ditar o fim de toda uma alcateia: a alcateia do Leiranco. Esta alcateia, sublinham, é “um dos grupos reprodutores de lobo com maior estabilidade que existe fora de áreas protegidas na região central de Trás-os-Montes”, com um território de cerca de 150 quilómetros quadrados.

Os conservacionistas alertam que a área de concessão da mina com 30 hectares – incluindo as zonas de exploração a céu aberto e a refinaria – poderá afectar cerca de 20% do espaço vital necessário para a sobrevivência deste grupo reprodutor. A isso junta-se a perturbação humana, sonora e visual “numa envolvente considerável”.

Segundo a plataforma, a área de exploração mineira localiza-se numa das principais zonas de actividade e refúgio daquela alcateia, “uma vez que se sobrepõe, na sua íntegra, com locais utilizados pelo lobo para se reproduzir ao longo das últimas três décadas, onde a presença de crias tem vindo a ser detectada entre 1995 e 2021”. A área prevista para a mina tem, então, “condições para refúgio e reprodução do lobo que são únicas e sem paralelo” na região, “face à reduzida disponibilidade de locais alternativos adequados”.

Os conservacionistas alertam que o projecto terá “um impacte negativo de elevada magnitude sobre o lobo-ibérico, levando à destruição do actual local de cria, à expectável redução no sucesso reprodutor e a alterações no uso do espaço que, no seu conjunto, poderão impossibilitar a sobrevivência deste grupo reprodutor de lobos”.

A plataforma recorda ainda que estes lobos poderão ser afectados por outros projectos de exploração mineira na região, como a Mina do Barroso, no concelho de Boticas, a menos de 15 quilómetros de distância, e por parques eólicos, centrais solares, albufeiras, aproveitamentos hidroeléctricos e rede viária.

“Os locais de reprodução do lobo-ibérico, espécie protegida por Lei, têm de ser áreas de conservação importantíssimas para salvaguardar”, comentou esta sexta-feira Francisco Álvares, contactado pela Wilder. Este biólogo estuda a espécie desde 1994, actualmente no BIOPOLIS-CIBIO, e é um dos membros da plataforma Lobo-Ibérico.

Além do mais, o Plano de Acção para a Conservação do Lobo-ibérico em Portugal, aprovado em 2017, define como objectivo geral assegurar as condições necessárias de integridade e tranquilidade das áreas de reprodução do lobo, prevendo vários objectivos operacionais e acções prioritárias. No entanto, adverte a plataforma, “até à data ainda nada foi implementado”.

Francisco Álvares acrescenta que, segundo a monitorização que tem sido feita aos lobos da região, “este ano poucas alcateias se reproduziram e a mortalidade foi enorme por causa do furtivismo”. “Os lobos têm cada vez menos sucesso reprodutor”, alerta. Além disso, “tem havido muita perturbação por causa da abertura da rede primária de acessos”, no âmbito dos trabalhos para combater os incêndios florestais, “feita em plena época de reprodução do lobo, com crias”.

Na sua opinião, além da conservação dos locais de reprodução do lobo, já identificados, importa trabalhar a médio e longo prazo, nomeadamente “melhorando as florestas nativas para poderem albergar uma comunidade diversa e abundante de presas silvestres”.

O lobo-ibérico tem em Portugal, desde 1990, o estatuto de ameaça Em Perigo. É a única espécie da fauna portuguesa que tem uma legislação específica, pela qual é protegida. É uma espécie Em Perigo de extinção, segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal Continental, com cerca de 300 indivíduos, menos de metade dos quais são animais reprodutores capazes de contribuir para a continuidade da população.

Saber mais:
E-Livro
Legislação

terça-feira, 28 de novembro de 2023

Íbis-eremita regressa ao continente europeu!

Após 400 anos, o íbis-eremita, uma ave extraordinária, da família dos Treschiornitidi, considerada em sério risco de extinção, voltou a nidificar em várias zonas da Europa, incluindo a Suíça e a Itália.

Convém esclarecer que já nidificam no sul de Espanha há alguns anos, também no âmbito de um projecto de reintrodução.

Esta é uma notícia sensacional, que surpreendeu também os mesmos investigadores que há anos acompanham a espécie.

A história do íbis-eremita
O Íbis-eremita é uma ave pelecaniforme da família dos Treschiornitid. Há vários séculos, esta espécie de ave encontrava-se espalhada pelas zonas rochosas de todo o sul da Europa, do norte de África e do Médio Oriente. Era também muito comum em Itália.

Infelizmente, nos últimos séculos, a população sofreu um drástico declínio demográfico que a levou ao limiar da extinção, no início dos anos 900. De facto, só em 900, a população de íbis-eremita sofreu uma queda drástica, igual a cerca de 98%, devido a vários fatores.

O principal foi, sem sombra de dúvida, a caça, implacável para com esta ave. Depois, a rápida destruição dos habitats, a agricultura intensiva e a utilização de pesticidas, também contribuíram para amplificar este declínio demográfico.

Segundo alguns ornitólogos, a perda de habitats e as perturbações decorrentes de uma antropização excessiva contribuíram para uma redução significativa da população, especialmente no território europeu.

Até agora, nenhum exemplar de íbis-eremita tinha conseguido nidificar em estado selvagem, mas graças a projetos de reintrodução, confirmou-se que a espécie está a voltar a povoar o nosso habitat e o da vizinha Suíça.

Esta é uma notícia verdadeiramente extraordinária que poderá inverter o processo de declínio desta espécie na natureza, favorecendo nos próximos anos o crescimento de indivíduos em ambiente natural.

O íbis-eremita regressa ao ninho em Itália
"Alguns de vós já sabem, através das nossas newsletters, que este ano tivemos 2 ninhadas bem sucedidas em Itália! Já nos anos anteriores, alguns dos nossos íbis-eremitas tinham tentado reproduzir-se em Itália, mas até agora não tínhamos registado crias. Este ano, no entanto, correu bem e dois casais (em Friuli e na Toscana) tiveram crias", foi o que escreveu um grupo de investigadores que monitoriza o comportamento destas aves no primeiro post publicado no Facebook.

A cria nasceu perto de Udine a partir de dois exemplares adultos que fazem parte do projeto de reintegração da espécie. Com o primeiro projeto LIFE de 2014 a 2019, uma população migratória de íbis-eremita foi reinstalada nos Alpes e em 2019 havia 142 aves em três colónias de reprodução, todas com uma área de invernada comum na Toscana.

O nascimento na natureza deste pequeno exemplar devolve a esperança a toda uma espécie, caçada pelo homem durante anos. Entretanto, há esperança de novos nascimentos futuros.

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Golfinhos da espécie burrunan sofrem os mais elevados níveis conhecidos de poluentes tóxicos


De acordo com uma nova investigação, os golfinhos em perigo de extinção nas águas ao largo de Melbourne e Gippsland apresentam as concentrações mais elevadas de produtos químicos PFAS registadas em golfinhos em todo o mundo.

O estudo conjunto realizado por cientistas da Marine Mammal Foundation, da RMIT e da Universidade de Melbourne revelou concentrações alarmantes destes produtos químicos – amplamente utilizados em embalagens de alimentos, espuma de combate a incêndios e utensílios de cozinha antiaderentes e notoriamente conhecidos como “produtos químicos eternos” por não se decomporem – nos golfinhos da espécie burrunan de Victoria, que se encontram em perigo crítico de extinção.

Foram recolhidas amostras de 38 golfinhos de várias espécies encontrados encalhados ao longo da costa de Vitória, mas foram encontradas concentrações hepáticas de PFAS especialmente elevadas nas populações de golfinhos da espécie burrunan de Port Phillip Bay e Gippsland Lakes.

As concentrações médias de alguns produtos químicos nestas populações eram mais de 10 vezes superiores ao que os cientistas acreditam causar toxicidade hepática e uma série de problemas de saúde.

Um golfinho-burrunan juvenil da Baía de Port Phillip tinha uma concentração hepática de PFAS de 19 500 nanogramas por grama – o nível mais elevado registado num golfinho a nível mundial.

A autora principal do estudo, Chantel Foord, afirmou que estes resultados são simultaneamente muito preocupantes e globalmente significativos.

“Não só encontrámos os níveis mais elevados destes tóxicos artificiais numa espécie que já está criticamente ameaçada – incluindo em recém-nascidos e juvenis – como também encontrámos um golfinho da Baía de Port Phillip com concentrações de PFAS quase 30% mais elevadas do que qualquer outro golfinho individual registado a nível mundial”, afirmou Foord, que é investigadora de doutoramento conjunta do Grupo de Investigação em Ecotoxicologia da RMIT e da Marine Mammal Foundation.

Foord adiantou que estes resultados não significam necessariamente um risco para os seres humanos nas águas vitorianas: os golfinhos ingerem peixe inteiro, incluindo o fígado, que acumula estes poluentes, enquanto nós apenas comemos tecido muscular de peixe.

As principais fontes de PFAS no ambiente aquático foram atribuídas a efluentes de fabrico, descargas de estações de tratamento de águas residuais, escoamento urbano e de aterros e espumas de combate a incêndios utilizadas em terra perto de cursos de água.

Embora exista regulamentação internacional para alguns destes produtos químicos, a Austrália ainda não ratificou na íntegra a Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes, o que permite a sua importação para utilização numa série de produtos ao longo de décadas.

A investigação inovadora, publicada na revista de topo Science of the Total Environment, realça o mistério por detrás desta poluição dos mamíferos marinhos, uma vez que não há fabrico de PFAS na Austrália.

Foord sublinhou a necessidade de identificar as fontes e de compreender o comportamento destes produtos químicos no ambiente.

“Embora fosse de esperar concentrações mais elevadas nos locais onde estes produtos químicos são fabricados, não foi isso que este estudo encontrou”, afirmou, acrescentando “portanto, se o fabrico não ocorre na Austrália, porque estamos a registar estes níveis alarmantes de PFAS?”

“Mais importante ainda, como é que vão afetar a viabilidade destas populações de golfinhos?”, questionou.

O estudo também revelou contaminantes emergentes no ambiente, indicando que os produtos químicos de substituição mais recentes já estão a ser bioacumulados através da rede alimentar até aos golfinhos.

Um golfinho criticamente ameaçado
O golfinho-burrunan foi descrito pela primeira vez como uma espécie separada em 2011 pela Diretora da Marine Mammal Foundation, Kate Robb, também coautora deste estudo. Infelizmente, já está criticamente ameaçado de extinção.

Robb disse que as duas únicas populações conhecidas – na Baía de Port Phillip e nos Lagos Gippsland – são ambas pequenas e já estão em alto risco de extinção localizada.

“Com apenas 250 indivíduos nestas populações, aumentar a nossa compreensão dos processos de ameaça é absolutamente crucial para a conservação e proteção do golfinho-burrunan, bem como para a gestão e mitigação dessas ameaças”, afirmou.

Kate Robb disse ainda que, “dados os atuais riscos de comprometimento imunitário e impactos na saúde associados à exposição a PFAS, é incrivelmente preocupante que estes golfinhos da espécie Burrunan estudados tenham o nível mais elevado de PFAS documentado em todo o mundo, especialmente devido à sua elevada vulnerabilidade e risco de extinção.”

“Este estudo realça o quão crucial é continuarmos a nossa investigação vital para garantir o futuro da espécie”, concluiu.

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segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Ações humanas estão a eliminar “ramos inteiros da árvore da vida”

Um par de lobos-da-tasmânia no Zoológico de Hobart antes de 1921

A extinção em massa provocada pelo ser humano está a eliminar espécies, mas também “ramos inteiros da árvore da vida”, alertam os autores de um estudo da Universidade norte-americana de Stanford.

Uma análise feita em conjunto com a Universidade Nacional Autónoma do México, publicada na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, mostra que os humanos estão a fazer desaparecer espécies, mas também géneros, a categoria superior em que os taxonomistas classificam os seres vivos.

Os cientistas dão como exemplo três vítimas recentes do que muitos consideram ser a sexta extinção, uma vez que as ações humanas estão a eliminar espécies de animais vertebrados centenas de vezes mais depressa do que se não existissem essas ações.

Falam do pombo-passageiro, uma espécie extinta no início do século passado e que era endémica da América do Norte, falam do lobo da Tasmânia, um marsupial da Austrália também extinto no século passado, e falam do Baiji, o golfinho do rio Yang-tze, na China, uma das espécies de golfinho de água doce e também extinto. Cada uma destas espécies foi também o último membro do seu género.

Até agora, o interesse público e científico tem incidido na extinção das espécies. Mas no estudo agora divulgado, Gerardo Ceballos, da universidade mexicana, e Paul Ehrlich, de Stanford, descobriram que géneros inteiros também estão a desaparecer, naquilo a que chamam uma “mutilação da árvore da vida”.

“A longo prazo, estamos a fazer uma grande mossa na evolução da vida no planeta”, diz Gerardo Ceballos, alertando que por isso, neste século, se vai causar “muito sofrimento à humanidade”.

Paul Ehrlich, noutra abordagem, salienta que as ações do Homem estão a fazer com que este perca os únicos companheiros vivos conhecidos em todo o universo.

Os dois investigadores usaram bases de dados de entidades como a União Internacional para a Conservação da Natureza ou a “Birdlife International” e examinaram 5.400 géneros de animais vertebrados terrestres, abrangendo 34.600 espécies.

E concluíram que desde o século XV foram extintos 73 géneros de vertebrados terrestres, com as aves a sofrerem as maiores perdas, com 44 géneros extintos, seguindo-se os mamíferos e depois os anfíbios e depois os répteis.

Com base na taxa histórica de extinção de géneros entre os mamíferos, estimam os responsáveis que a atual taxa de extinção de géneros de vertebrados exceda em 35 vezes a do último milhão de anos.

Ou seja, sem a influência humana, a Terra teria perdido apenas dois géneros nesse período. Em cinco séculos as ações humanas extinguiram géneros que sem elas levariam 18.000 anos a desaparecer.

“Como cientistas, temos de ter cuidado para não sermos alarmistas”, afirma Gerardo Ceballos, acrescentando que a gravidade das descobertas exige “uma linguagem mais forte do que o habitual”.

“Não seria ético não explicar a magnitude do problema, uma vez que nós e outros cientistas estamos alarmados”.

O responsável explica que a muitos níveis as extinções de géneros são mais graves do que as extinções de espécies, porque quando uma espécie se extingue outra do mesmo género pode preencher esse papel no ecossistema. Em termos de árvore da vida é como se um único galho caísse e à sua volta outros se ramificassem.

O pior, acrescenta, é quando ramos inteiros (géneros) caem, o que “deixa um enorme buraco na copa das árvores” que pode demorar milhões de anos a ser tapado.

“A humanidade não pode esperar tanto tempo pela recuperação dos seus sistemas de suporte de vida”, já que “a estabilidade da nossa civilização depende dos serviços prestados pela biodiversidade da Terra”, frisa.

Gerardo Ceballos dá o exemplo da doença de Lime (transmitida por carrapatos), que está a aumentar: os ratos de patas brancas, principais portadores da doença, costumavam competir com os pombos-passageiros por alimentos e com o desaparecimento destes as populações de ratos aumentaram e com eles os casos da doença.

Neste caso, está envolvido o desaparecimento de um único género, mas uma extinção em massa de géneros pode significar uma explosão proporcional de desastres para a humanidade, avisa o responsável.

Para se evitarem novas extinções e consequentes crises sociais, os dois investigadores apelam a uma ação política, económica e social imediata e a uma escala sem precedentes.

Os esforços de conservação, dizem, devem ser prioritários nas regiões tropicais, uma vez que estas apresentam a maior concentração de extinções de géneros e de géneros com apenas uma espécie remanescente.

De acordo com o sistema que organiza os seres vivos, a espécie é definida como um grupo de organismos que se podem reproduzir e originar novos seres e o género é um conjunto de espécies.