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sábado, 30 de novembro de 2024

Evangelicals and MAGA: Politics of Grievance a Half Century in the Making


Evangelicals and MAGA is a historical case study of the Fulton Cotton Mill neighborhood in Atlanta where Christian nationalism took root in the late 1960s and 1970s as people transitioned out of the Jim Crow era. During the transformative decades between the 1954 (Brown vs Board of Education) and 1973 (Roe vs Wade), the Federal government banned segregation, Bible reading and prayer in schools, and discrimination against women and minorities, producing a White backlash and re-alignment of American politics. I was doing research in Cabbagetown during that time, looking at at racial attitudes, churches and religious life, and gender and family. I saw the messaging of Evangelical leaders becoming more politicized as they protested those bans on their traditional values and called to make America great again by returning to traditional Evangelical values. Preachers used the Christian ontology of good and bad, God and the Devil, as a framework to understand the changes. They saw their lifestyle as God given and good; the changes were bad. Their calls for Christian leadership in government to enact laws based on the Bible would later emerge as elements in the Christian nationalism movement and MAGA.

About the author
Ron Duncan Hart is a cultural anthropologist from Indiana University with postdoctoral work at the University of Oxford on Jewish Studies. He is director of the Institute for Tolerance Studies and is a former University Vice-President and Dean of Academic Affairs.

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Falhada a revanche, em 1975, derrotados de Abril e Novembro tentam a revanche, em 2024


É divertido ver hoje escrito por Pacheco Pereira, Irene Pimentel, José Manuel Fernandes, Helena Matos - e tantos outros, sem nunca citarem - a minha tese de doutoramento sobre o papel do PCP na Revolução. Quando a defendi o júri foi, em parte dele , duríssimo, como eu nunca tinha visto um júri. E a reação destes dois historiadores e dois jornalistas foi de um enorme incómodo, para ser delicada. O tempo é sábio. Foi publicada em 2011. Não precisam de me citar, vivo muito bem com o livro, o que lá está já ninguém apaga. Na inquisição das disputas políticas em geral ataca-se pessoas, ignora-se a sua existência ou finge-se que as ideias são novas. Um país com escassos quadros e todos dependentes do aparelho de Estado é assim. Os quatro apoiaram o 25 de novembro. Não porque, como alguns, foram perseguidos pelo PCP, mas, como o tempo o demonstrou, queriam estar ao lado do aparelho de Estado.
Não, o PCP nunca quis fazer uma revolução em Portugal. Queria Angola e a reforma agrária. O 25 de Novembro foi o cerco à democracia popular com a desculpa - do PS - que era para evitar uma ditadura soviética.
O que acabou em 25 de novembro foram 19 meses de democracia participativa como nunca se viveu antes na história de Portugal. A contra revolução não nos “salvou” de ditadura soviética, impôs sim um regime de democracia formal nas eleições, e ditadura, cada vez mais severa, nos locais de trabalho, retirando a voz a quem nas fábricas, escolas, hospitais e serviços geriu ( com uma eficácia sem paralelo) este país por 19 meses mostrando que era possível viver de outra forma.
Não lhes pergunto onde estavam no 25 de novembro claro, já sabemos, mas onde estão hoje face à NATO e a Israel. Porque é isso que se debate na AR a propósito do 25 de Novembro. Onde estão face ao rearmamento da Europa e ao genocídio em Gaza, hoje?

sábado, 28 de setembro de 2024

Centre for Functional Ecology | Promotional video


O “Centre for Functional Ecology - Science for People & the Planet” (CFE) reúne investigadores de todos os domínios da ecologia, das ciências do ambiente e do território, das ciências sociais e das humanidades. A dimensão multidisciplinar do CFE corresponde aos desafios societais contemporâneos em interação com a complexidade do compromisso global para a sustentabilidade.

Integra conhecimento desde os genes aos biomas, com o objetivo de estudar os mecanismos responsáveis pela conservação da biodiversidade e pela composição, estrutura e funcionamento das comunidades biológicas e ecossistemas, considerando a diversidade disciplinar indispensável à compreensão da relação entre as Pessoas e o Planeta, os territórios e as comunidades.

O CFE apresenta um forte compromisso com a transferência de conhecimento para o público em geral e para o setor produtivo, com ênfase na sustentabilidade dos territórios e bem-estar das comunidades locais.

Desde a sua criação em 2009, o CFE da Universidade de Coimbra apresenta um notável crescimento em dimensão, alcance e impacto. Atualmente, o CFE é composto por 126 investigadores doutorados integrados e um total de cerca de 400 investigadores organizados em 10 grupos de investigação estratégicos:

1. Biodiversidade, Conservação e Capital Natural

2. Ecossistemas Terrestres e Alterações Globais

3. Recursos Marinhos, Conservação e Tecnologia

4. Saúde do Solo

5. Sociedades e Sustentabilidade Ambiental

6. História, Território e Comunidades

7. Uma Só Saúde

8. Antropologia Forense e Paleobiologia

9. Bioeletrónica e Bioenergia

10. Ecologia e Ecotoxicologia Aquáticas

Cada um desses grupos apresenta os seus próprios objetivos claros de I&D, mas com colaborações muito fortes e fluidas entre todos os grupos de investigação, um marco do CFE desde a sua criação. O CFE apresenta também duas linhas temáticas transversais: Cátedra UNESCO em Biodiversidade e Conservação para o Desenvolvimento Sustentável e a Ciência Aberta.

A estratégia do CFE passa pela consolidação da trajetória altamente positiva no plano científico e formativo. A vibrante dinâmica de investigação alcançada nos últimos 5 anos, a incorporação de investigadores altamente qualificados e com forte dimensão internacional, o número e a qualidade dos artigos publicados e dos projetos aprovados, as sinergias estabelecidas com o setor privado e a participação de investigadores do CFE-UC em redes internacionais, incluindo no apoio na tomada de decisões, sustentam uma maior afirmação do CFE-UC a nível nacional e internacional.

O CFE, tendo a ecologia na sua matriz científica, produz conhecimento nas áreas das alterações globais, da gestão dos recursos hídricos e dos bens alimentares, da proteção dos oceanos, da biodiversidade, dos serviços dos ecossistemas, do património e das comunidades, e assumirá um maior compromisso pela sustentabilidade, numa visão concertada, transdisciplinar, transnacional e translacional, apoiada na partilha do conhecimento e na ciência aberta, e incorporando plenamente a Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, com os investigadores estimulados a dar prioridade ao pensamento sistémico com relevância ao nível local, nacional e internacional.

Em respeito pelos princípios orientadores da promoção de uma ciência aberta e socialmente responsável, o CFE-UC aposta em fortalecer algumas áreas prioritárias específicas, principalmente: agroambiental, fitossanidade, dieta mediterrânica, silvicultura, alterações globais, conservação da natureza, segurança alimentar, avaliação do risco ambiental, economia azul, ecossistemas marinhos e costeiros, economia circular, território, comunidades e desenvolvimento sustentável.

A formação avançada e a incorporação de estudantes no início e o desenvolvimento de ideias e projetos, é outra pedra angular da estratégia do CFE, sendo aposta uma forte afirmação no campo da formação técnica especializada e formação avançada, e na cooperação académica internacional, através do envolvimento em programas de Mestrado e Doutoramento internacionais, bem como a promoção do emprego científico.

Além disso, através da Cátedra UNESCO em Biodiversidade e Conservação para o Desenvolvimento Sustentável, as relações com os países de língua portuguesa continuarão a ser fortemente incentivadas. A longa história partilhada com esses países exige e privilegia tais colaborações, com um foco especial na conservação da biodiversidade e nas coleções biológicas, orientação e partilha de conhecimento.

Assim, a missão do CFE-UC é continuar a impulsionar os limites do conhecimento em todas as áreas da Ecologia e suas interfaces com a tecnologia e a sociedade, num compromisso permanente de produzir uma verdadeira Ciência para as Pessoas e para o Planeta.

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Facistol


Na Biblioteca Palafoxiana de Puebla, México, é preservado um Facistol, que é uma ferramenta de biblioteca com 300 anos, que permitia aos pesquisadores manter abertos até sete livros simultaneamente, mantendo-os à mão e organizados. Este engenhoso dispositivo facilitou o estudo comparativo e a pesquisa extensiva, proporcionando acesso prático a vários textos ao mesmo tempo, refletindo um notável avanço na gestão de recursos bibliográficos no século XVIII.

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Como um gene de cão pode ter ajudado o lobo-ibérico a sobreviver: uma história com 3.000 anos


Ao contrário de várias populações de lobo que se extinguiram na Europa, o lobo-ibérico tem resistido e apresenta uma característica muito singular. Esta história começou há mais de 3000 anos e há um gene de cão “perdido” que ajuda a contar o que aconteceu.
“Quando estamos sozinhos na montanha e sentimos um arrepio repentino na nuca é porque o lobo está perto.” Imaginem ouvir isto numa aldeia cheia de gente, onde as crianças brincam na rua, os mais velhos fazem da agricultura o seu sustento, e o som da Natureza se sobrepõe a todos os outros... Assim era a aldeia minhota de Aboim da Nóbrega nos anos 90, onde cresci.

Nos nossos serões em família, os meus avós contavam muitas histórias do passado na aldeia, e o lobo assumia o papel de personagem principal em muitas delas — e não era o de herói. Diziam-me que durante a sua juventude era frequente os lobos descerem da montanha para se alimentarem dos rebanhos: as pessoas assustavam-se e os homens juntavam-se para caçar estes impiedosos predadores. Conseguia perceber nas suas vozes e olhares o medo e o ódio que estas criaturas esquivas e misteriosas despertavam. E eu, ainda com seis anos, dava por mim a temer o lobo e a não o querer por perto.

A verdade é que a situação tinha mudado e o frequente avistamento de lobos tornara-se algo quase fantasioso. Nunca vi um lobo na aldeia, nem indícios da sua presença…

Pode parecer um sentimento inofensivo, mas este medo generalizado na população é fruto de uma história antiga de perseguição ao lobo que quase levou à sua extinção na década de 70. O declínio da população foi muito acentuado: nos anos 50, o lobo existia em praticamente toda a Península Ibérica; vinte anos mais tarde, ficou reduzido a poucas centenas na região Norte.

Há marcos históricos desta perseguição ainda visíveis nas nossas paisagens, como é o caso dos impactantes fojos do lobo – muros em pedra, em forma de “V”, com uma extensão que pode chegar aos dois quilómetros. Os lobos eram atraídos para dentro destas muralhas e perseguidos até uma armadilha: um fosso, onde ficavam aprisionados.

Ao longo dos anos, fui percebendo que o lobo é mais vítima do que vilão — e é importante desmistificar que muito deste medo é infundado.

E, apesar de toda a perseguição, a que se juntava a destruição de habitat, o lobo-ibérico foi capaz de sobreviver e recuperar, contrariando a extinção de várias populações de lobo na Europa. Mas como é que se tornou capaz de sobreviver nestes ambientes tão hostis?

A Diana Lobo que estuda lobos – uma coincidência quase predestinada
Quando era pequena, e ouvia as histórias assustadoras sobre lobos, não imaginava que um dia viria a estudá-los. O receio foi-se transformando em fascínio e essa foi uma das razões, assim como o meu interesse pela evolução das espécies, que me levaram a fazer o mestrado no Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto (Cibio- Ecogen).

Durante as aulas, a investigadora Raquel Godinho, que liderava projectos de investigação do lobo, e que mais tarde viria a ser minha orientadora de doutoramento, explicava como utilizava ferramentas genéticas – que explicarei mais em detalhe nos parágrafos seguintes – para estudar o lobo-ibérico (Canis lupus signatus). Mas foi uma das muitas conversas que se seguiram no laboratório com a Raquel que aguçou a minha curiosidade: “O nosso lobo não se mexe muito!”, dizia-me ela, enquanto mostrava mapas da Península Ibérica com trajectórias dos lobos, obtidas por colares GPS.

Isto era sem dúvida algo único: estava habituada a ouvir casos de lobos que percorrem centenas de quilómetros, não o oposto.

Começámos a questionar-nos se este comportamento poderia estar associado à capacidade de o lobo-ibérico sobreviver; e, se sim, qual seria a razão para o terem desenvolvido? Foram estas questões que deram origem à minha tese de doutoramento e é neste momento que os cães entram na história! Mas para tudo fazer sentido, vamos fazer uma (longa) viagem ao passado…

A domesticação dos nossos melhores amigos
Vamos viajar no tempo e andar uns 40.000 a 20.000 anos para trás, algures entre o continente Europeu e Asiático. Foi aqui que os nossos antepassados fizeram algo que mudaria para sempre a forma como vivemos – domesticaram uma população de lobos, que viria a dar origem aos cães.

Provavelmente, estão a pensar que os vossos cães não podiam ser mais diferentes de um lobo, sobretudo se tiverem um pequeno caniche, como eu. Mas o processo de domesticação (e consequente evolução) não foi instantâneo. Muita coisa mudou…

Os cães desenvolveram uma série de comportamentos, em resposta a uma forte selecção artificial imposta pelos humanos, como a docilidade e a capacidade de se manterem por perto, que os tornou muito díspares dos lobos, mas perfeitamente adaptados a viver com as pessoas. Do ponto de vista evolutivo, 40.000 anos é muito pouco tempo, o que faz com que lobos e cães partilhem cerca de 99% do seu ADN (incluindo os cães mais pequenos).

Esta proximidade genética permite que lobos e cães se possam reproduzir e que os híbridos resultantes deste cruzamento sejam férteis. Em Portugal e Espanha, estes casos de hibridação são eventos raros, mas sabemos que acontecem e, muito provavelmente, sempre aconteceram.

Quando os híbridos se reproduzem novamente com os lobos, há porções de ADN dos cães – os bocadinhos a que chamamos genes – que passam para o ADN dos lobos. Pensem nos genes como uma receita no livro de culinária da vida. Os genes contêm as instruções que dizem ao nosso corpo como fazer proteínas, que são os “ingredientes” necessários para manter o nosso corpo a funcionar, desde os músculos até ao cabelo.

Se genes dos nossos cães passam para o ADN dos lobos, será que alguns comportamentos típicos de cão também podem passar? Esta questão fez-me acreditar que talvez a adaptabilidade do lobo-ibérico e o seu comportamento peculiar de não se dispersar por longas distâncias estivessem associados a genes de cão adquiridos através de hibridação.

À procura do gene perdido
Como fazemos para encontrar genes de cão no ADN dos lobos? É uma tarefa difícil, diria mesmo que é como procurar uma agulha num palheiro de agulhas, porque o ADN de ambos é quase idêntico. Mas, através de técnicas recentes, é possível analisar todo o ADN – o genoma – de vários organismos de forma relativamente rápida.

Foram várias as horas que passei no laboratório, e tantas outras em frente ao computador, para conseguir analisar centenas de amostras de lobo-ibérico. Estas amostras, que normalmente são tecidos extraídos da pele ou do músculo, chegam-nos, sobretudo, de animais encontrados mortos.

No caso dos lobos que vivem nos dias de hoje, obter amostras é relativamente fácil. Mas como podemos estudar os lobos que viveram no passado e analisar o seu genoma? Infelizmente não é possível viajar no tempo, mas há algo muito próximo disso: as colecções de história natural.

Visitei vários museus em Portugal e Espanha onde encontrei colecções muito ricas de grandes carnívoros, que outrora viveram em abundância nas nossas paisagens. E uma quantidade de peles de lobo impressionante!

Foi impossível não ficar fascinada com tudo o que vi e imaginar o que aqueles animais viveram no passado... Tive acesso a amostras de lobos que viveram ainda noutro século e em regiões do país onde seria actualmente inimaginável, como Setúbal e Alentejo.

Seguiu-se um trabalho intensivo no laboratório, e finalmente, a análise dos genomas e a procura de genes de cão no genoma do lobo-ibérico...

Alerta de “spoiler”: encontrámos!

Os resultados dos testes estatísticos eram convincentes e apontavam na mesma direcção: um gene de cão tinha passado para o genoma do lobo-ibérico! A primeira coisa que me ocorreu foi: “Mas, então, qual será a função deste gene?”.

Como muitos genes são idênticos e partilhados entre mamíferos, fui investigar este gene no catálogo genómico dos humanos, visto que somos o organismo mais bem estudado de todos. Descobri que está associado a mecanismos cognitivos e de desenvolvimento, o que me fez pensar que pode ter afectado o comportamento do lobo-ibérico, tornando-o mais juvenil. Ou seja, o lobo-ibérico retém na idade adulta características típicas da sua forma mais jovem, como o facto de não se dispersar por longas distâncias. Este processo é típico de animais domésticos, como o cão.

A longo prazo, este comportamento poderá ter levado a que o lobo se mantivesse mais próximo das alcateias de origem – o que acaba por aumentar as chances de sobrevivência, uma vez que diminui os encontros indesejados com os humanos. Et voilà, tudo parecia fazer sentido!

Ainda assim, faltava responder a uma pergunta: quando é que este evento de hibridação aconteceu?

A próxima parte da história tem mais de 3000 anos
Se tivessem de viver em terras muito áridas, onde a água escasseia e as temperaturas são altas, para onde iriam? Este foi o cenário que os povos da Península Ibérica enfrentaram há cerca de 4000 anos, quando um evento climático extremo atingiu a bacia do Mediterrâneo. Estas condições levaram a que as pessoas (e os seus cães) migrassem para a costa, e regressassem para o interior apenas centenas de anos mais tarde, quando as condições climatéricas normalizaram. Acreditamos que o mesmo tenha acontecido com o lobo.

Sabemos que a hibridação com o cão é mais frequente em locais para onde o lobo se está a expandir, uma vez que são tipicamente indivíduos solitários e não têm par reprodutor. Por isso, o momento de regresso para terras do interior reunia as condições perfeitas para a hibridação acontecer. Através de ferramentas bioinformáticas – programas e algoritmos que usamos para analisar dados biológicos e moleculares –, consegui estimar uma data para este evento de hibridação que pode ter mudado para sempre o comportamento do lobo-ibérico: 3000 anos!

De repente, tudo fez sentido. Esta data coincidia com a expansão após o período de aridez, e as peças do puzzle encaixaram na perfeição. Para mim, este foi o verdadeiro momento “eureka” deste trabalho – o que é um privilégio enquanto cientista, porque nem sempre chegamos a momentos de conclusões evidentes. Ainda temos um longo trabalho pela frente para perceber melhor este fascinante animal, mas essas futuras descobertas ficam para uma próxima história. A verdade é que o lobo tem um papel fundamental no ecossistema e é nosso dever assegurar a protecção de todas as espécies do nosso planeta.

Comecei esta história a dizer que nunca tinha visto nem um lobo na aldeia, nem indícios da sua presença... Pois bem, quero dizer-vos que isso mudou com um belo uivo longínquo que ouvi numa aldeia, perto de Aboim da Nóbrega, numa noite de Verão do ano passado.

Para mim, não foi só um uivo: trazia consigo a mudança dos tempos e a certeza de que os lobos estão de volta. E, desta vez, espero que seja para ficar.

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

O manto da Terra pode revelar as origens da vida


Investigadores descobriram a amostra mais profunda de rocha marinha alguma vez extraída do manto terrestre que poderá ajudar a revelar as condições no início da vida.

O fragmento de rocha foi extraído da Crista Média Atlântica por uma equipa internacional no navio de perfuração JOIDES Resolution e está a ser analisado pelo Professor Gordon Southam da Universidade de Queensland.

”A amostra foi recolhida durante uma expedição do Projeto Internacional Ocean Discovery que conseguiu, pela primeira vez, perfurar 1.268 metros abaixo do fundo do mar em rochas do manto”, disse o Professor Southam.

“É um trabalho incrível, uma vez que as perfurações anteriores neste tipo específico de rocha – peridotito oceânico – só tinham atingido uma profundidade máxima de 201 metros”, sublinhou.

“Estas amostras ajudarão a melhorar a nossa compreensão das ligações entre a geologia da Terra, a química da água, os gases e a microbiologia”, revelou, explicando que “sempre que os perfuradores recuperavam outra secção do núcleo profundo, recolhíamos amostras para cultivar bactérias”.

“Utilizaremos estas amostras para investigar os limites da vida neste ecossistema marinho de subsuperfície profunda, melhorando a nossa compreensão das suas origens e ajudando a definir o potencial de vida para além da Terra”, acrescentou.

Para compreender o percurso da vida na Terra, os investigadores vão analisar a forma como a olivina, um mineral abundante nas rochas do manto, reage com a água do mar, conduzindo a uma série de reacções químicas que produzem hidrogénio e outras moléculas que podem alimentar a vida.

A equipa prepara-se agora para analisar o teor de níquel do núcleo.

“O níquel é necessário para a hidrogenase, a enzima chave que permite que estas bactérias antigas utilizem o hidrogénio nestes ambientes extremos, pelo que estamos atualmente a seguir o seu percurso através da rocha do manto”, disse o Professor Southam.

Os minerais descobertos serão examinados utilizando microscópios eletrónicos no Centro de Microscopia e Microanálise da UQ e o Microscópio Fluorescente de Raios X da ANSTO no Sincrotrão Australiano, para melhor compreender o efeito da circulação da água do mar na carbonatação dos minerais.

Esta investigação é essencial para o trabalho do Professor Southam como líder do Grupo de Geomicrobiologia da UQ.

“Estamos a investigar o papel da microbiologia na transformação do dióxido de carbono em minerais de carbonato estáveis e a forma como podemos reduzir as concentrações de gases com efeito de estufa na atmosfera”, explicou.

Para além de analisar a vida primitiva e melhores formas de sequestrar carbono, os resultados da expedição poderão também ter implicações importantes para a compreensão da formação do magma e do vulcanismo.

“Há descobertas espantosas ainda por descobrir nas profundezas da Terra e os dados desta expedição são apenas o começo”, disse o Professor Southam.

“Os resultados serão tornados públicos, pelo que esperamos que outros cientistas e entusiastas possam contribuir com as suas descobertas sobre o funcionamento do nosso mundo”, concluiu.

A investigação foi publicada na revista Science.

terça-feira, 6 de agosto de 2024

Abutre-preto voa contra a extinção em Portugal


“Estão ali três!”, ouvi atrás de mim, num sussurro entusiasmado, quando já tinha perdido esperança de avistar qualquer abutre-preto (Aegypius monachus). De binóculos cravados nos olhos, o biólogo Eduardo Santos, da Liga para a Protecção da Natureza (LPN), apontava algures para o céu azul, onde, à vista desarmada, um trio de pontos indistinguíveis voava placidamente.

Coloquei os binóculos e sorri. Eram dois abutres-pretos e um grifo (Gyps fulvus), que planavam em círculos, aproveitando as correntes de ar quente para se deslocarem sem terem de gastar muita energia. Dois deles provavelmente eram o casal do ninho que momentos antes tínhamos visto vazio.

Naquela manhã fria de janeiro, andávamos pela Herdade da Contenda, em Moura, em busca de abutres-pretos, para observar os comportamentos dessa espécie ameaçada e para avaliar a ocupação dos ninhos e talvez até descobrir novos, numa altura em que os casais se preparavam para a época de reprodução, que estava prestes a começar.

Até 2027, os conservacionistas querem que, pelo menos, metade das posturas resultem num juvenil voador que seja recrutado para a população.

Foi nessa herdade alentejana, com 5.267 hectares, que é propriedade da câmara de Moura desde 1893 e gerida pela Herdade da Contenda, E.M., que entre 17 e 18 dos cerca de 80 casais de abutres-pretos que nidificam em Portugal foram registados em 2023 pelo projeto LIFE Aegypius Return.

Coordenado pela Vulture Conservation Foundation (VCF), os principais objetivos são estabilizar a população da espécie em Portugal, potenciar a conectividade entre as quatro colónias atuais, que se estabeleça uma quinta colónia e, sobretudo, aumentar o sucesso reprodutivo.

Os abutres-pretos põem apenas um ovo por temporada reprodutiva, o que torna a recuperação da espécie ainda mais desafiante. Das 50 crias nascidas no ano passado, quando arrancou o projeto, apenas entre 35 e 37 sobreviveram e foram recrutadas para a população. Até 2027, os conservacionistas querem que, pelo menos, metade das posturas resultem num juvenil voador que seja recrutado para a população.

“Esse é um número que ajudará a garantir a sobrevivência a longo-prazo da espécie”, disse Milene Matos, coordenadora do projeto em representação da VCF.

O abutre-preto e a sua história em Portugal
No início da década de 1970, o abutre-preto foi dado como extinto em Portugal enquanto espécie reprodutora. Contudo, nunca chegou mesmo a desaparecer totalmente do território. Nos anos 1990, terá havido “algumas tentativas falhadas de reprodução”, contou Eduardo Santos.

Após perto de 40 anos sem reprodução em território nacional, em 2010 “os primeiros casais regressaram e reproduziram-se com sucesso no Tejo Internacional”, apontou, momento que marcou o retorno dos abutres-pretos a Portugal como espécie reprodutora.

Cerca de dois ou três anos depois, o primeiro casal fixou-se no Douro Internacional, onde atualmente se registam 3 casais, que em 2023 recrutaram duas crias para a sua colónia.

E em 2015, estabeleceram-se na Herdade da Contenda, especialmente devido aos esforços de conservação no âmbito do projeto LIFE Habitat Lince|Abutre, coordenado pela LPN. Na Serra da Malcata, estima-se que tal só tenha acontecido mais recentemente, em 2021.

O regresso dos abutres-pretos a Portugal deveu-se a uma série de fatores que tornaram isso possível. Desde logo, a implementação de medidas de conservação dos habitats da espécie foram fundamentais, fruto de esforços públicos e de vários projetos dedicados ao A. monachus, mas também devido à consolidação das colónias de Espanha, sobretudo as da região da fronteira com Portugal, que servem como “fonte” para as colónias lusas.

Os especialistas acreditam que a perseguição pelos humanos e o uso ilegal de venenos terão sido as principais ameaças que quase fizeram desaparecer totalmente os abutres-pretos em Portugal.

Os especialistas acreditam que a perseguição pelos humanos e o uso ilegal de venenos terão sido as principais ameaças que quase fizeram desaparecer totalmente os abutres-pretos em Portugal.

“Esses terão sido os fatores-chave que fizeram declinar as populações, que causaram mortalidade generalizada”, recordou Eduardo Santos, acrescentando que também “as profundas alterações no habitat e na paisagem e as mudanças também ao nível da agropecuária” terão tido influência. Contudo, se não fosse o envenenamento, “teriam sobrado, aqui e acolá, alguns casais”, que teriam ajudado a manter a espécie em Portugal.

O abutre-preto estava classificado como espécie ‘Criticamente em Perigo’ no país, estimando-se, em 2022, antes de este projeto LIFE começar, que existiriam perto de 40 casais reprodutores.

No entanto, os trabalhos aturados de monitorização, e a articulação e partilha de informação e recursos entre as nove entidades parceiras, incluindo a Herdade da Contenda, E.M., e a LPN, e outras, como a Quercus, a Rewilding Portugal e o próprio ICNF, aumentaram para 80 o número de casais registados, permitindo à espécie passar, recentemente, a ser classificada como ‘Em Perigo’, algo que só se esperava alcançar no final do projeto.

Uma das maiores aves de rapina do mundo
O abutre-preto é a maior ave de rapina de Portugal e da Europa, e uma das maiores e mais pesadas do mundo, com uma envergadura que pode chegar aos três metros, da ponta de uma asa à outra.

Não há traços marcantes que permitam distinguir entre machos e fêmeas, pelo que os cientistas o deduzem através da observação dos comportamentos de cópula dos casais.

Em cada época reprodutiva, põem apenas um ovo, um fator que dificulta, mas não impossibilita, a recuperação da espécie em locais onde tenha sofrido sérias perdas populacionais. As posturas habitualmente ocorrem entre meados de fevereiro e finais de abril.

Após um período de incubação de cerca de 55 dias, nascem os pequenos abutres, que recebem cuidados de ambos os progenitores, que participam igualmente nessa tarefa para dar à sua prole a melhor hipótese de sobrevivência até atingir a independência.


Cria de abutre-preto, anilhada, a testar as asas. Crédito: Pinto Moreira – Herdade da Contenda
Com quatro meses, as crias começam a aventurar-se nos seus primeiros voos de aprendizagem, acompanhadas de perto pelos progenitores. Só se tornam verdadeiramente independentes entre outubro e janeiro ou fevereiro do ano seguinte, sobretudo quando o casal tem um novo ovo no qual tem de verter toda a sua atenção e esforços.

“Tal como outras espécies, incluindo nós, alguns juvenis tornam-se independentes mais tarde do que outros”, afirmou Eduardo Santos. Mesmo depois de deixarem o ninho dos pais, alguns, por vezes, ainda regressam a casa para tentarem receber alimento.

O abutre-preto é a maior ave de rapina de Portugal e da Europa, e uma das maiores e mais pesadas do mundo, com uma envergadura que pode chegar aos três metros, da ponta de uma asa à outra.

Considerada uma espécie gregária, o abutre-preto tende a formar colónias, mas os ninhos são instalados a vários metros uns dos outros. Disse-nos o biólogo que estas aves gostam de viver em comunidade, mas não demasiado perto dos seus conspecíficos. “Perto, mas não muito perto”, gracejou, indicando que “normalmente fazem os ninhos onde não possam ser vistos pelos outros abutres”.

Após se lançarem na vida adulta e de realizarem os chamados ‘voos de emancipação’, é frequente os juvenis regressarem ao local onde nasceram para aí se fixarem e se reproduzirem, um comportamento designado por filopatria.

Enquanto aves de grande porte, os abutres-pretos constroem os seus ninhos no topo de árvores altas, e são obras da mais extraordinária engenharia. Com a forma semelhante à de um grande sino virado de cabeça para baixo, os ninhos podem chegar a pesar 300 quilogramas.

Isso acontece, porque os abutres-pretos, que tendem a usar os mesmos ninhos de ano para ano, vão juntando cada vez mais ramos e folhas para melhorar as condições da estrutura, que pode ter dois metros de diâmetro e três de altura. Contudo, a altura não corresponde necessariamente à profundidade, uma vez que muitos materiais acumulados tornam a área interior mais pequena do que pode parecer à primeira vista.

Em algumas colónias, é possível observar uma preferência por determinadas espécies de árvores para nidificar. Por exemplo, na Herdade da Contenda, os abutres-pretos tendem a preferir fazer os ninhos em pinheiros-bravos antigos, geralmente com várias dezenas de anos de idade.

Embora não se saiba ao certo se se trata realmente de uma escolha feita pelos casais ou se é simplesmente devido à maior abundância de um tipo de árvore, é possível, ainda sem respaldo científico, sugerir que possa existir uma cultura, com os ensinamentos sobre como e onde construir os ninhos em segurança a serem transmitidos de uma geração para a seguinte.

Ninhos artificiais para promover a reprodução
Uma das ações do projeto LIFE Aegypius Return incide especificamente sobre os ninhos, cujo bom estado de conservação é essencial para promover o sucesso reprodutivo da espécie.

Os conservacionistas pretendem construir, no mínimo, 120 ninhos artificiais, ou plataformas, em áreas onde se estima haver um alto potencial para reprodução. Além disso, reparar e manter cerca de 105 ninhos existentes, naturais ou não, faz também parte do rol de ações previstas.

Para a construção dos ninhos artificiais, os cientistas têm de se pôr no lugar dos abutres e tentar ver o mundo como eles o veem. Para isso, escolhem locais com características semelhantes às de outros onde os abutres fizeram ninhos, e usam os mesmos materiais.

De olhar atento e experiente, Eduardo Santos esquadrinhava a cobertura florestal da Contenda em busca de sinais de abutres e de ninhos. Aos olhos destreinados, os ninhos, tanto os naturais como os artificiais, mal se veem por entre os ramos das árvores.

O que poderá distinguir os ninhos naturais dos artificiais é o facto de estes últimos serem suportados por uma forte malha metálica, que ajuda a tornar a estrutura mais resistente a intempéries que podem destruí-la e literalmente deitar por terra a possibilidade de esse casal gerar descendência num qualquer ano.

Pedro Rocha, administrador da Herdade da Contenda e que nos acompanhou durante a visita, recordou que, há menos de quatro anos, a tempestade Bárbara abateu-se fortemente sobre a propriedade, destruindo vários ninhos de abutres. A empresa municipal teve de contratar serviços externos para reparar as estruturas danificadas.

Já no âmbito deste projeto LIFE, em 2023 foram construídas 14 novas plataformas-ninhos e intervencionados 20 ninhos, para melhorar as suas condições e tentar assegurar o sucesso reprodutivo da espécie.

Combater o chumbo e os crimes ambientais
A contaminação continua a ser uma das grandes ameaças aos abutres-pretos, e a tantas outras espécies, e uma das maiores barreiras à sua recuperação em Portugal. Sendo animais necrófagos, que se alimentam dos cadáveres de animais e, assim, prestam um serviço vital para a saúde dos ecossistemas ao evitarem a propagação de doenças, os abutres estão particularmente expostos ao envenenamento por chumbo.

segunda-feira, 22 de julho de 2024

Elefantes machos dão o sinal de “vamos” com sons profundos


Os elefantes reúnem-se na frescura da noite para beber. Depois de algum tempo, um macho sénior levanta a cabeça e afasta-se do charco. Com as orelhas a abanar suavemente, solta um ruído profundo e ressonante.

Os outros respondem, um a um, e as suas vozes sobrepõem-se num coro sonoro e infrasónico que sussurra por toda a savana. Este quarteto de barbearia de elefantes transmite uma mensagem clara: É altura de seguir em frente.

Gradualmente, os elefantes mudam de posição, os seus corpos maciços balançam à medida que seguem o seu líder ruidoso para a próxima paragem nas suas deambulações noturnas.

Pela primeira vez, cientistas da Universidade de Stanford e de outras instituições documentaram elefantes machos a usarem sons de “vamos” para assinalar o início da partida de grupos do charco de Mushara, no Parque Nacional de Etosha, na Namíbia.

As vocalizações são iniciadas pelos machos mais integrados socialmente, e frequentemente os mais dominantes, em grupos sociais muito unidos.

As descobertas, apresentadas em pormenor na revista de acesso livre PeerJ, são surpreendentes porque se pensava que este comportamento era exclusivo das elefantes fêmeas em grupos familiares.

“Ficámos espantados ao descobrir que os elefantes machos, normalmente considerados como tendo laços sociais frouxos, se envolvem numa coordenação vocal tão sofisticada para desencadear ações”, disse a autora principal do estudo, Caitlin O’Connell-Rodwell, uma investigadora associada do Centro de Biologia da Conservação da Universidade de Stanford.

“Estas chamadas mostram-nos que há muito mais a acontecer na sua comunicação vocal do que se sabia anteriormente”, acrescentou.

Um projeto de 20 anos
O’Connell-Rodwell gravou pela primeira vez o estrondo do macho “ vamos lá” em 2004, enquanto realizava trabalho de campo à noite para compreender como as vocalizações dos elefantes se propagam pelo solo.

“Fiquei muito entusiasmada quando o consegui gravar”, recorda, sublinhando que “foi emocionante perceber que estes machos estavam a usar uma coordenação vocal complexa, tal como as fêmeas.”

De 2005 a 2017, a equipa recolheu dados no charco de Mushara, principalmente durante as estações secas. Utilizaram equipamento de gravação de alta tecnologia, incluindo microfones enterrados e câmaras de vídeo de visão noturna, para captar as vocalizações infrasónicas, inaudíveis aos ouvidos humanos, e os comportamentos dos elefantes machos.

Os investigadores analisaram as vocalizações em busca de propriedades e padrões acústicos e utilizaram a análise de redes sociais para compreender as relações e a hierarquia entre os machos, registando quais os elefantes que iniciavam os estrondos, como os outros respondiam e a sequência de acontecimentos que conduziam às partidas coordenadas.

Um ritual transmitido
Os ruídos de “vamos embora” observados nos elefantes machos têm semelhanças impressionantes com os anteriormente registados nas elefantes fêmeas. De facto, O’Connell-Rodwell e a sua equipa colocam a hipótese de os elefantes machos aprenderem o comportamento quando são jovens.

“Eles cresceram numa família onde todas as líderes femininas participavam neste ritual”, disse O’Connell-Rodwell. “Pensamos que à medida que amadurecem e formam os seus próprios grupos, adaptam-se e utilizam estes comportamentos aprendidos para se coordenarem com outros machos”, acrescentou.

No caso dos elefantes machos e fêmeas, o grito do iniciador é seguido pelo ruído do indivíduo seguinte, com cada elefante a esperar que o som anterior quase termine antes de acrescentar a sua própria voz. Isto cria um padrão harmonioso e rotativo semelhante a um quarteto de barbearia, disse O’Connell-Rodwell.

“É muito sincronizado e ritualizado. Quando um vai alto, o outro vai baixo, e eles têm esse espaço vocal onde estão coordenando”, explicou.

Este estudo segue-se a outro estudo inovador que utilizou a IA para revelar que os elefantes selvagens têm nomes únicos uns para os outros, o que indica a utilização de substantivos na sua comunicação.

“No nosso artigo, mostramos que os elefantes estão a usar verbos na forma deste grito de ‘vamos embora’. Se eles estão a usar combinações de substantivos e verbos em conjunto, isso é sintaxe. Isso é linguagem”, disse O’Connell-Rodwell.

Mentoria de elefantes
Para além destes conhecimentos linguísticos, o estudo também revela que alguns elefantes machos dominantes desempenham papéis cruciais nos seus grupos sociais, ajudando a manter a coesão e a estabilidade.

“Estes indivíduos assumem papéis de mentores”, afirmou O’Connell-Rodwell. “Preocupam-se com estes jovens que são muito carentes e querem sempre estar em contacto físico. Os machos mais velhos estão dispostos a tomá-los sob a sua asa, a guiá-los, a partilhar recursos com eles e a participar nos seus altos e baixos emocionais”, acrescentou.

Nos países onde a caça é permitida, deve ter-se o cuidado de evitar caçar os elefantes machos mais velhos, socialmente ligados, acrescentou, uma vez que a sua remoção poderia perturbar a coesão social e as estruturas de tutoria nas populações de elefantes.

A investigação também sugere que fortes laços e interacções sociais são essenciais para o bem-estar dos elefantes machos em cativeiro e semi-cativeiro, salientando a necessidade de ambientes que apoiem estas estruturas sociais.

“As nossas descobertas não só sublinham a complexidade e a riqueza da vida social dos elefantes machos”, disse O’Connell-Rodwell, ”como também aumentam a nossa compreensão da forma como utilizam as vocalizações em rituais e coordenação e, na verdade, aproximam-nos da ideia de linguagem dos elefantes”, conclui.

sábado, 8 de junho de 2024

Tese de doutoramento em Biologia da FCUP, que relata os efeitos de um herbicida potencialmente mais tóxico do que o glifosato, entre as melhores do ano


A tese de Cristiano Soares, doutorado em Biologia pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), foi considerada umas das melhores teses de doutoramento de 2022 pela revista científica Plants, do grupo de publicações suíço Multidisciplinary Digital Publishing Institute (MPDI).

Desenvolvido sob orientação das docentes e investigadoras Fernanda Fidalgo e Ruth Pereira, o trabalho do investigador da FCUP e do GreenUPorto – Centro de Investigação em Produção Agroalimentar Sustentável constitui um dos primeiros estudos em Portugal e no mundo que relatam os efeitos de um herbicida potencialmente mais tóxico do que o glifosato e que é apontado como potencial substituto.

“O flazassulfurão faz parte de uma família mais abrangente de herbicidas, a classe das sulfunilureias, que se reconhece não serem tão tóxicos. No entanto, a avaliação de uma bateria de ensaios ecotoxicológicos, conduzidos com espécies vegetais e invertebrados terrestres, revelou que este agroquímico era muito mais nocivo do que o glifosato”, refere Cristiano Soares.

“As concentrações testadas de flazassulfurão eram cerca de 1000 vezes inferiores às de glifosato e incluíam a dose de aplicação recomendada, e mesmo assim, os efeitos eram bem mais significativos”, acrescenta o jovem investigador. Além disso, estudos focados na avaliação da capacidade de retenção do solo revelaram também que o flazassulfurão, nas condições testadas, poderá representar uma ameaça para os cursos de água presentes nas proximidades dos campos contaminados.

Os investigadores da FCUP alertam, por isso, para a necessidade de estudar outros herbicidas presentes no mercado e que começam a ser utilizados em alternativa, ou em complemento, ao glifosato.

“Embora o grande objetivo da Estratégia do Prado ao Prato da União Europeia seja a redução, pelo menos em 50% do uso de pesticidas, existem ainda vários herbicidas aprovados para uso agrícola e urbano, para os quais ainda existem poucos estudos acerca do seu potencial impacto ambiental”, denota Cristiano Soares.

Para quem quiser ler/aprender um pouco mais sobre herbicidas e, nomeadamente, sobre glifosato, pode ler a tese de doutoramento aqui

quarta-feira, 5 de junho de 2024

Música do BioTerra: Klangstabil - Cinecitta


Abbiamo la più bella lingua del mondo
ma la parliamo con amarezza e senza forza
e questo fa male
dando vita all'arte come nessun altro popolo
ci accontentiamo di copie sbiadite
ma quanto fa male

Abbiamo inventato l'università
e ci facciamo prendere per scemi
ma guarda che stupidi
Abbiamo creato un paese come nessun altro
e poi ci facciamo rubare la nostra abilità
e questo fa pena

La luce illumina
la facciata rimasta
tenuta da piloni
colonne di cartapesta
dipingete il cielo se fosse realtà
viverci nonn vuole nessuno
in questa, cinecittà

Ridotti a figuranti in una scadente tragicommedia
recitiamo e paghiamo
ma non ti interessa?
Ci lasciamo gestire da un regista da show spazzatura
che ci adopera e ci sfotte, mentre il mondo ci deride
ma non lo vuoi sapere?

Più nessuno ha la spinta di cambiare qualcosa
nessuno combatte, si andrà avanti come sempre
dipende da te

Le quinte marcie non reggeranno più a lungo
i topi di fogna abbandonano la nave che affonda
portandosi via tutto ciò che ha valore
ma vuoi solo stare a guardare, come scompare la tua identità?

quanto dolciume puoi sopportare prima di vomitare?
la frutta colorata e marcia
la dolce vita esiste solo per chi paga

la natura annientata e calpestata e chi se ne frega?
gli appalusi coprono le urla di soccorso
ma sul serio vuoi vivere veramente in mezzo a questa menzogna?

distruggi questo palcoscenico e ricostruisci questo paese
non permettiamo di farci separare
da gelosie ed ingiustizie impiantate nelle nostre teste

La luce illumina
la facciata rimasta
tenuta da piloni
colonne di cartapesta

Italia, culla degli artefici
siamo noi che possiamo creare tutto dal niente
perché non iniziamo a farlo
cacciando via quelli
che dal tutto, hanno creato il nulla

segunda-feira, 3 de junho de 2024

Ideia peregrina- bisontes europeus em Portugal


Texto de Luís Vicente, Biólogo

Esta vai ser longa porque me tirou do sério.
Por definição, uma ideia peregrina é uma solução ou proposta muito estranha ou desadequada.
Tento traduzir para inglês e o melhor que consigo é “a peculiar form of madness”.
Acho que serve!
Pode haver ideias peregrinas inofensivas (pelo menos para a comunidade) e que só afectam o idiota. Confesso que pensei que “idiota” poderia ser uma pessoa com ideias. Contudo, consultados os dicionários, concluo que o termo se aplica apenas a quem denota estupidez. Pronto. Em inglês poderia ser “jerk” ou “asshole”.
E até existem os Prémios Darwin para essas pessoas.
Para quem não sabe, os Prémios Darwin sãoatribuídos àqueles que cometem erros tão estúpidos que levam à incapacidade de legar aos seus descendentes as suas características, dessa forma contribuindo para melhorar o pool genético da humanidade e para a diminuição da estupidez.
Uma ideia peregrina inofensiva para a humanidade é, por exemplo, um tipo atirar-se do Cabo Girão acreditando que consegue voar. Só o afecta a ele e talvez entristeça os que lhe são mais próximos.
Eu também já tive ideias peregrinas. Recordo-me de, ainda no liceu, tomar anfetaminas para um exame. Era um exame escrito, de História. Creio que nunca escrevi tanto na vida e... chumbei... os disparates foram mais do que muitos.
Mas há as ideias peregrinas perigosas e que nos põem a todos em perigo.
As ideias peregrinas perigosas geram confusões e calafrios. Vêm de gente que, afirmando-se cientistas, desconhecem as diferenças entre ciência básica, ciência aplicada, técnica e indústria.
Não submetem as suas especulações a qualquer prova, são dogmáticos, negam a crítica, utilizam argumentos “ad hominem” e “ad verecundiam” em vez de argumentos honestos. É, por exemplo, afirmar que a sua teoria (pobre teoria), se baseia no “estudo de uma universidade!” Poderíamos dizer que vendem “gato por lebre”!
E os incautos caiem na esparrela.
Mas atenção, as ideias peregrinas podem ser muito perigosas quando, com argumentos pseudocientíficos, são postas em prática. O estalinismo e o nazismo foram pródigos nestas coisas.
Confunde-se ciência com pseudociência… e no fim actuam com base em nada.
Recordo-me, há uns anos, do extermínio de ratos e coelhos na Berlenga... com base em nada.
Agora tornam-se moda as introduções, ou reintroduções.
A notícia fantástica, segundo o DN (e passo a citar): “A primeira manada de bisontes europeus, constituída por oito animais, foi instalada em Portugal, numa herdade em Castelo Branco, anunciou hoje a organização responsável pela operação. De acordo com a Rewilding Portugal, a presença dos animais vai estimular a biodiversidade e apoiar o crescimento do turismo de natureza”.
Fiquei boquiaberto... com base em quê?
Uma reintrodução? Não! Não há registos fósseis de bisonte europeu (Bison bonasus) no nosso território. O que terá ocorrido por aqui terá sido o bisonte-da-estepe (Bison priscus), provavelmente um antepassado do Bison bonascus. Há uma imagem lindíssima nas paredes de Altamira.
Mas terão os promotores do projecto reflectido sobre a extinção aqui do bisonte-da-estepe após o pleniglaciar de Würm? Talvez valesse a pena.
E introduz-se assim à Lagardère?
[A expressão “à Lagardère” é utilizada quando alguém faz algo com atrevimento, mas sem medir bem as consequências. Esta expressão refere-se a Lagardère, herói da obra de Paul Féval intitulada Le Bossu (O Corcunda) e publicada em França em 1858.]
Na mesma lógica do Rewilding Portugal (nome da entidade responsável pela ideia peregrina) poderíamos pensar noutras introduções ou reintroduções com vista ao turismo ou a uma pseudo-conservação da Natureza.
No Plistocénico havia por aqui Mamutes (Mammuthus primigenius) os quais, como os elefantes actuais pertencem à família Elephantidae incluída nos proboscídeos. Cá por mim proponho o Elefante-da-floresta (Loxodonta cyclotis), talvez nas zonas de olival intensivo do Baixo Alentejo. Que turístico seria ir vê-los a chafurdar nas margens do Alqueva. Como já houve hienas por aqui, como a Hiena-das-cavernas (Crocuta crocuta spelaea), porque não, no meio dos rebanhos da Serra da Estrela introduzir Hiena-malhada (Crocuta crocuta)? A diferença é apenas subespecífica (interrogo-me sobre se os promotores do Rewilding Portugal serão capazes de me explicar, à luz do Código Internacional de Nomenclatura Zoológica, o que é uma sub-espécie).
E obviamente há mais. Para a Mata da Margaraça mandava Rinocerontes. Há registos fósseis do género Dicerorhinus na nossa península. Talvez aquela malta do sul da Ásia queira negociar connosco a venda de alguns Rinocerontes-de-Sumatra (Dicerorhinus sumatrensis). Que giro seria levar os turistas à Fraga da Pena para se deliciarem com os rinocerontes.
E tantos mais. Também há registos fósseis de leões e leopardos por aqui. Porque não? E crocodilos no Douro? Os fósseis também existem.
Mas falemos mais a sério. Será que as gentes do Rewilding Portugal sabem alguma coisa sobre evolução ou sobre ecologia? Sabem o que é um ecossistema? Sabem o que são zonas adaptativas? Terão algumas noções sobre nicho ecológico? Não me parece, mas talvez não lhes fizesse mal estudar.
De acordo com a Rewilding Portugal, a presença dos animais vai estimular a biodiversidade e apoiar o crescimento do turismo de natureza.
Saberão o que é biodiversidade? Saberão medi-la? Saberão que grande parte da nossa biodiversidade depende dos extratos herbáceo e arbustivo. Micromamíferos, aves, anfíbios, répteis, insectos, muitos polinizadores?
Saberão que os riscos de incêndio resultam, maioritariamente, de desordenamento do território e de péssimas políticas florestais, em particular na região mediterrânica onde os fogos são recorrentes?
Dizem eles: “Como grandes herbívoros, os animais diminuirão o risco de incêndios catastróficos, ao reduzirem a vegetação inflamável e criando corta-fogos naturais, enquanto abrem áreas florestais, o que permite a entrada de mais luz e o crescimento de erva em vez de mato”. Só uma perguntinha de biólogo, o que é “mato”?
Chegam a dizer que os bisontes são sequestradores de carbono e emissores de metano... fantástico. Afinal sempre vamos cumprir as metas da descarbonização! Isso é bom?
Bom, perdi a paciência. Já descarreguei.
Poderia escrever tanto aqui que todos perderiam a paciência de ler o meu texto.
Vivam as ideias peregrinas!!!
E fica uma pergunta: quem lucra com elas?

sexta-feira, 17 de maio de 2024

Margaret Mead - O fémur curado


Anos atrás, uma estudante perguntou à antropóloga Margaret Mead o que ela considerava ser o primeiro sinal de civilização numa cultura. O aluno esperava que Mead falasse sobre anzóis, potes de barro ou pedras de amolar.
Mas não. Mead disse que o primeiro sinal de civilização numa cultura antiga foi um fémur que foi quebrado e depois curado. Mead explicou que no reino animal, se você quebrar a perna, você morre. Você não pode fugir do perigo, ir ao rio para beber ou caçar para comer. Você é carne para feras rondantes. Nenhum animal sobrevive a uma perna quebrada por tempo suficiente para que o osso cicatrize.
Um fémur partido que cicatrizou é evidência de que alguém reservou um tempo para ficar com aquele que caiu, tratou o ferimento, carregou a pessoa para um local seguro e cuidou dela durante a recuperação. Ajudar alguém em dificuldades é onde a civilização começa, disse Mead."
Damos o nosso melhor quando servimos aos outros. Seja civilizado.

Fonte: Forbes

sábado, 4 de maio de 2024

A intifada que Israel tem de encarar. E o Velho Mundo também


Alexandra Lucas Coelho
"1. Eu ia começar este texto pela Califórnia. Só que ontem à noite o meu amigo W. escreveu a dizer que tinha conseguido sair de Gaza. Meio morto mas incrivelmente vivo, ao fim de sete meses de um horror sem precedentes no nosso tempo. Contarei adiante o que ele quiser contar, a partir do Egipto. Para já, vai dormir, ser tratado e reencontrar a filha mais nova, que conheci pequenina há 19 anos e agora terá o pai na sua festa de casamento. 
2. Quando W. estava prestes a atravessar o Sinai, no longo êxodo de Gaza, muitos milhares de estudantes, ainda mais novos do que essa filha dele, estavam acampados em mais de cem campus por toda a América, num apoio também sem precedentes à Palestina, contra a participação dos EUA na guerra e para exigir às universidades o fim dos apoios a Israel. Um dos maiores acampamentos era o da UCLA (Universidade da Califórnia, em Los Angeles). E de repente, na terça-feira à noite, véspera de feriado, jovens a 12.200 quilómetros de Gaza, com vidas mais ou menos confortáveis, estavam ali numa barricada, a serem atacados por uma milícia pró-Israel com bastões, ferros, foguetes, objectos pesados, gás-pimenta. Não era um confronto entre duas facções. Foi um raide bélico contra um acampamento pacífico. Dezenas de estudantes ficaram feridos. Há inúmeros vídeos com os atacantes a destruir e espancar. Dois dias antes, provocadores já tinham desafiado o acampamento, muitos falando hebraico. Havia bandeiras israelitas. 
Na terça, os atacantes foram mascarados, mas não há dúvida de que eram pró-Israel. “Em 33 anos na UCLA, nunca vi nada tão aterrorizador”, escreveu David N. Myers, “Distinguished Professor” de história e cultura judaica, no Forward, jornal com mais de cem anos, feito por judeus americanos. Um “falhanço total da universidade, da cidade de L.A. e do estado da Califórnia”, porque os atacantes agiram “com impunidade durante três horas”, apesar de a UCLA ter a sua própria força policial e de a polícia de L.A. estar algures no campus. Havia sinais de perigo desde domingo e nada foi feito para evitar a escalada. Então, além de “condenar a violência chocante”, a universidade tem de “investigar como os manifestantes antiguerra foram deixados sem defesa durante horas”, aponta Myers. Mas não só: “Tornar claro que exprimir oposição à guerra em Gaza é legítimo, que anti-semitismo e islamofobia não têm lugar no campus, e que a retórica irresponsável sobre o perigo que representariam manifestantes pacíficos contribuiu para horror”. Com a força de ser quem é, Myers desafia ainda os líderes da comunidade judaica a denunciarem atacantes que agem em nome de uma suposta protecção dos estudantes judeus. Quando há incontáveis judeus em protesto nos campus, e eles mesmos foram alvos do ataque de 30 de Abril. No dia seguinte, a UCLA ainda viveu a brutalidade do desmantelamento policial dos acampados. Com balas de borracha: sim. Com 200 estudantes detidos. Ao todo, vamos em mais de dois mil detidos desde que a repressão policial na Universidade de Colúmbia acendeu o levante por todo o país. Toda a América do Norte, já, porque nos últimos dias sucederam-se acampamentos no Canadá, e também na Universidade Autónoma do México, que tem memórias vívidas de repressão. Como Colúmbia e outras universidades têm. Gaza é o novo Vietname nos campus da América, desta vez em directo. Esta geração vê o horror nos seus telefones há sete meses, e viu agora o que a polícia fez a estudantes. E professores. 
Eu vi filósofas de cabelo branco serem atiradas ao chão, imobilizadas à bruta, levadas polícia, na universidade de Emory. Não só milhares de estudantes foram feridos, detidos, como suspensos, impedidos de assistir às aulas, ameaçados de expulsão, ou banidos, mesmo. E, ainda assim, estão determinados a não parar. A, por exemplo, mostrar um cartaz com a palavra genocídio na cara de responsáveis de Harvard. Sim, têm coisas a perder, e já pagaram um preço, físico e académico. É o próprio futuro da universidade que está em risco longo ensaio de Louis Menand há dias na New Yorker). Chamar a polícia para reprimir estudantes no campus é uma linha vermelha. Ser presidente numa universidade e marioneta de um tribunal público é incompatível. Tenho amigos em várias universidades americanas. 
Um deles, João José Reis, dos mais importantes historiadores brasileiros, está há meses numa visita a Princeton (depois de temporadas noutros campus, desde há décadas). “Essa é a guerra da vez, e é uma guerra também americana, pelo nível de engajamento dos EUA”, escreveu-me, quando perguntei se gostaria de dizer algo. “Já tínhamos lido e visto o jornalismo daqui adoptar essa atitude entre autocondescendente e covarde, mas ver acontecer nas universidades é chocante, por se apresentarem ao mundo como o paraíso da liberdade e do pensamento crítico. A máscara caiu. Prevalece o poder dos doadores pró-Israel, apesar de muitas universidades terem dinheiro por anos e séculos. Então vale tudo, vale ter seus alunos ameaçados de expulsão e também seus professores, apesar de empregos teoricamente estáveis. Vale as universidades se calarem e até aplaudirem a violência e a prisão.” Enquanto isso, duas universidades tão prestigiadas como a Rutgers e a Brown mostraram como era possível dialogar com os estudantes, e os acampamentos serem desmontados pacificamente. Na Rutgers, os estudantes conseguiram, entre outras vitórias, bolsas para jovens de Gaza. Oito em dez pontos aceites, num clima de alegria. E a universidade aceitou debater os restantes, incluindo o desinvestimento em Israel. Contraste total entre as imagens ali e a militarização em Colúmbia ou na UCLA. Ou seja, havia boas alternativas a chamar a polícia. Outro amigo, Pedro Schacht Pereira, está como visitante em Yale, e em contacto permanente com a Ohio State University, onde éprofessor Æxo, tem um filho estudante e a polícia também actuou. Aí, raparigas foram forçadas a tirar o hijab. Professores e pais questionaram a universidade. Entretanto em Yale, um provocador de megafone, com um discurso de ódio contra os palestinianos, insultava os manifestantes. Pedro não testemunhou qualquer resposta anti-semita, ao contrário, uma organização empenhada em impedir que isso acontecesse. Eu vi centenas de imagens e relatos de várias universidades. E vi também um provocador pró-israelita de megafone, desta vez na Califórnia, que dizia: “Tirem os vossos hijabs e arranjem um emprego! Vocês são gordas, feias e falidas.” Islamofobia desbragada. Como dizer “Voltem para a Polónia” é anti-semitismo, e li no Haaretz que isso aconteceu num campus. Também li, e foi amplamente noticiado na imprensa americana, que a universidade de Colúmbia baniu um estudante do campus porque ele tinha dito “os sionistas não merecem viver”. Quando dei uma primeira olhada nas notícias, pensei que ele tinha dito aquilo agora no campus. Lendo mais, ficávamos a saber que era um post no Instagram. Feito em Janeiro. De que ele se retractara. Mas no retrato geral que me chegava de Israel era como se os campus da América estivessem a gritar ao megafone que os sionistas não mereciam viver. A palavra campus passara a estar atrelada à palavraanti-semitismo. É a forma favorita e Israel não pensar no seu próprio problema. Estava resolvido: o que se passava nos campus da América era anti-semitismo. Mas esta intifada também é contra isso: a exploração do anti-semitismo. O que está a acontecer nos campus da América não é pequeno, e não é anti-semitismo. Embora haja anti-semitas por toda a parte, como há racistas por toda a parte, nenhum mais importante que outro, todos criminosos. E todos para levar a sério. O anti-semitismo mata, como os judeus sabem. Incluindo os que estão nos campusda América agora a lutar pela vida. O futuro dos judeus não está no governo de Israel. Está na mão deles." (este texto continua amanhã)

sexta-feira, 3 de maio de 2024

Grigori Yakovlevich Perelman - um génio da Matemática que escolheu uma vida simples e recatada


Parece um vagabundo? Mas na verdade é o maior matemático do mundo.
Na verdade, o russo Grigorij "Grisha" Jakovlevich Perelman foi o único homem que conseguiu resolver um dos sete "Problemas do Milénio", demonstrando a Conjectura de Poincaré e rejeitou o prémio milionário que lhe tinha dado pelo Clay Mathematics Institute por esta descoberta.
A Conjectura de Poincaré é um problema complexo de topologia e quando encontrou a solução disse: "Para mim é completamente irrelevante, porque se a solução for a certa, não há necessidade de outro reconhecimento".
Mora num mini apartamento dentro de um prédio popular de São Petersburgo, daqueles construídos durante o socialismo. Para ele, dinheiro não significa nada: "Não quero ser um cientista de exposição, mas sim um que estuda a ciência para o bem dos outros".
Ele anda com o cabelo e a barba despenteados e tênis desportivo sem forma, as imagens mais recentes retratam-no com um aspecto desleixado: um blogueiro o localizou no metro e o imortalizou com o celular para depois carregar as fotos dele na internet.
Dizem que na sua cidade, que foi a capital dos czares, está na moda usar uma camiseta com a sua cara e a inscrição: "Neste mundo... Nem tudo pode ser comprado.

Saber mais: 

domingo, 28 de abril de 2024

Discurso de Rui Tavares na Sessão Solene dos 50 anos do 25 de Abril

A mais extraordinária homenagem ao 25 de Abril
A revolução dos cravos foi a mais bela e marcante do século XX. E mudou muita coisa, desde uma guerra colonial sem sentido à autodeterminação das mulheres, que finalmente puderam votar e deixarem de ter donos. Os detractores, porque os há - basta ver os que não bateram as palmas impossíveis -, convivem mal com este dia. São os que escrevem livros sobre a família tradicional e que dizem que o lugar das mulheres é de avental na cozinha, em suma, os mesmos que cristalizaram no 24 de Abril.
Rui Tavares deu uma aula de História ao vivo. Depois deste discurso, what else?

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Impeachment ao Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa! Demita-se!


Bom, ele a mim nunca me enganou. Os meus sentimentos aos burlados. Está a mais no cargo!

Marcelo não me representa mais: não é cata-vento. Está ao nível do Chega. É racista, salazarento, incita o ódio. Está um arrivista! Escolheu a dedo o energúmeno, extremista de direita e esquizóide João Miguel Tavares para discurso do dia 10 de Junho. Não me esqueci!!

Marcelo está a passos largos de ser o pior Presidente da República que já tivemos. Ultrapassou Cavaco Silva!

Somos 9 milhões de democratas! Estamos na véspera do 25 de Abril. Está na altura de nos impormos e mobilizarmo-nos para o impeachment a Marcelo Rebelo de Sousa.

Em Portugal, a destituição teria início por proposta de um quinto dos deputados da Assembleia da República, sendo necessária uma maioria qualificada de dois terços – a mesma que permite a revisão constitucional – para o processo ser julgado no STJ. Só após a condenação do Chefe de Estado por crime de responsabilidade, cometido no exercício das funções, ter transitado em julgado, caberia ao juiz-presidente do STJ enviar a certidão da decisão condenatória para o Tribunal Constitucional. Este reuniria em sessão plenária no dia seguinte e, verificada a autenticidade da certidão, declararia o Presidente da República destituído.

quinta-feira, 11 de abril de 2024

Quem é Paulo Otero, co-autor do livro "Identidade e Família" e amigo de Pedro Passos Coelho



Paulo Otero identifica-se como Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Professor Decano de Direito Público.
Consultor jurídico de entidades públicas e privadas.
Autor de mais de uma centena de títulos publicados nos domínios do Direito, da Ciência Política e da História. Exerceu já funções como Presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Direito e de Coordenador do Centro de Investigação da Faculdade de Direito.
Nesta palestra que decorreu num Jantar Conferência da TEM/CDS, 1º de Dezembro de 2018, Guimarães, Paulo Otero afirma que "Família é o exemplo de Maria, José e Jesus". Ora vamos lá verificar isto:
1º A Maria tinha 14 anos e o José cerca de 80 
2º Maria concebeu virgem Jesus, filho de Deus. Portanto o José não é pai. Quanto muito padrasto.

Se isto é o conceito de família "tradicional", algo de errado se passa.

E quanto ao 25 de Abril está muito enganado. O 25 de Abril acabou com:
A censura
A tortura
A prisão e execução arbitrárias
A guerra colonial
A bufaria e a PIDE
O partido único
A repressão dos trabalhadores

Portanto não, não acho estranho que quem se afirme de direita seja contra. Acho estranho que aceitemos a antidemocracia.

segunda-feira, 8 de abril de 2024

Nova árvore da vida das Aves


Um novo estudo genético dá agora uma ideia mais clara sobre a árvore genealógica das aves. Todas têm um ancestral comum, que viveu há cerca de 90 milhões de anos, que se dividiu em 3 grupos: o das aves que nas voam, como a ema, o kiwi e a avestruz, o dos patos, galinhas de água e afins, e o das Neoaves, que inclui mais de 95% das aves actuais. Mas só há cerca de 61 milhões de anos, após a extinção dos dinossaurios seus parentes 5 milhões de anos antes, é que as aves se diversificaram. O mesmo aconteceu com os mamíferos, cujas linhagens ancestrais remontam ao Jurássico, mas que que se mantiveram na sombra até à extinção dos dinossaurios.

Uma ave, o hoatzin da América do Sul, não se parece com nada e é a única representante da sua linhagem, mantendo-se a sua origem um mistério. Curiosa é a associação dos falcões com os papagaios. Já os passeriformes, que representam mais de 50% de todas as aves, terão surgido na Austrália e daí se expandido para todo o mundo. São o grupo mais recente e diverso do planeta.

O estudo do genoma é o produto de quase uma década de pesquisa, conduzida como parte do Projeto Bird 10.000 Genomes. O objetivo final deste projeto é sequenciar os genomas de todas as 10.000 espécies de aves vivas.

sábado, 30 de março de 2024

Canibalismo era um ritual fúnebre comum na Europa há 15 mil anos, segundo estudo

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Sítio fúnebre de Herxheim, Alemanha

O canibalismo era uma prática funerária rotineira na Europa há cerca de 15 mil anos, quando as pessoas comiam os seus mortos não por necessidade, mas sim como parte da sua cultura, de acordo com um novo estudo.

Embora os pesquisadores tenham encontrado anteriormente ossos roídos e crânios humanos que foram transformados em taças na caverna de Gough, na Inglaterra, um estudo publicado na revista Quaternary Science Reviews sugere que este não foi um incidente isolado.

A pesquisa se concentrou no período Magdaleniano do final do Paleolítico Superior. Os magdalenianos viveram há cerca de 11 mil a 17 mil anos.

Especialistas do Museu de História Natural de Londres analisaram a literatura para identificar 59 sítios magdalenianos que contêm restos humanos. A maioria estava na França, mas há sítios também na Alemanha, Espanha, Rússia, Reino Unido, Bélgica, Polónia, República Checa e Portugal.

Eles foram capazes de interpretar os comportamentos funerários em 25 sítios. Quinze mostraram evidências de restos humanos com marcas de mordidas, ossos de crânio com marcas de corte e ossos quebrados propositalmente em um padrão associado à extração de medula óssea em busca de nutrientes, indicando que o canibalismo era praticado.

Também houve evidências que sugerem que, em alguns casos, restos mortais humanos foram misturados com restos de animais.

A manipulação ritualística de restos mortais humanos e a sua ocorrência frequente em locais do norte e oeste da Europa sugerem que o canibalismo era uma prática funerária – e não um complemento à dieta – difundida na cultura magdaleniana, disseram os pesquisadores.

“[É] inegável que a frequência de casos de canibalismo entre os sítios magdalenianos excede qualquer incidência desse comportamento entre grupos de hominídeos anteriores ou posteriores, e sugere que o canibalismo mortuário era um método que o povo magdaleniano usava para se livrar de seus falecidos”, disse o estudo.

“Em vez de enterrar seus mortos, essas pessoas os comiam”, disse a coautora do estudo Silvia Bello, paleoantropóloga e pesquisadora principal do Museu de História Natural, em um comunicado à imprensa.

Ela acrescentou que o canibalismo “não era praticado simplesmente por necessidade”. “Isso por si só é interessante, porque é a evidência mais antiga de canibalismo como prática funerária conhecida até agora”, acrescentou Bello.

Comportamento funerário associado à ancestralidade genética
Os pesquisadores também conseguiram obter informações genéticas de oito sítios e combiná-las com evidências arqueológicas para identificar uma relação entre o comportamento funerário e a ancestralidade genética.

Eles descobriram que havia dois grupos ancestrais distintos presentes na região durante esse período – um da cultura magdaleniana e outro chamado epigravetiano, uma cultura humana europeia diferente e geograficamente distinta.

Os pesquisadores descobriram que aqueles pertencentes à cultura magdaleniana no noroeste da Europa preferiam comer os seus mortos, enquanto os humanos da cultura epigravetiana preferiam enterrar os seus mortos sem canibalismo.

“Houve uma mudança no sentido de as pessoas enterrarem os seus mortos, um comportamento amplamente observado em todo o centro-sul da Europa e atribuído a uma segunda cultura distinta, conhecida como Epigravetiana”, disse o Museu de História Natural no comunicado.

A presença de sepultamentos regulares durante o Magdaleniano Superior deveu-se à migração de indivíduos com ascendência relacionada com o Epigravetiano para áreas anteriormente habitadas por pessoas com ascendência relacionada com o Magdaleniano que praticavam o canibalismo funerário, sugeriu o estudo.

“Acreditamos que a mudança no comportamento funerário aqui identificada é um exemplo de difusão dêmica onde essencialmente uma população entra e substitui outra população e isso provoca uma mudança de comportamento”, disse William Marsh, pesquisador de pós-doutorado do museu, no comunicado à imprensa.

Estes são resultados preliminares e é necessária uma análise mais aprofundada dos resultados em maior escala para examinar completamente as descobertas, disseram os autores do estudo.

Thomas Booth, cientista sénior de pesquisa de laboratório do Instituto Francis Crick que não esteve envolvido no estudo, disse à CNN: “Estamos sentindo falta dos restos mortais da maioria das pessoas que viveram na Europa durante o Paleolítico e por isso pode sempre ser complicado ter certeza do que as pessoas faziam com os seus mortos”.

“No entanto, este estudo fornece evidências bastante convincentes de que o canibalismo ritual funerário era praticado por pessoas em toda a Europa há 20 mil – 14 mil anos atrás”.