Nas primeiras horas desta quarta-feira, depois de uma longa noite de intensas negociações, a presidência da 28.ª cimeira global do clima (COP28) anunciou que, por fim, se havia chegado a um
acordo.
No documento que avalia os progressos feitos até ao momento para combater as alterações climáticas e o que precisa ainda de ser feito, conhecido como Global Stocktake (GST), o texto volta a fazer referências a um eventual fim da produção e consumo de combustíveis fósseis como a melhor forma de manter o aquecimento do planeta abaixo dos 1,5 graus Celsius face a níveis pré-industriais.
Recorde-se que na segunda-feira, a presidência da COP28 tinha divulgado uma proposta de texto que não fazia qualquer menção ao fim do fóssil e apenas apresentava uma série de ações que os Estados podiam, à escolha, tomar para reduzir as suas emissões. Essa versão gerou uma torrente de críticas, que acusavam os Emirados Árabes Unidos, responsáveis pela redação do texto, de ceder aos interesses dos países e empresas da indústria fóssil e de ignorar os inúmeros apelos a uma linguagem forte e clara que declarasse, pela primeira vez, o fim, ainda que progressivo, da produção e uso de todos os combustíveis fósseis.
Aquela que é a versão final do documento reconhece também que, para limitar o aquecimento global a 1,5 graus, “são precisas reduções rápidas e sustentadas das emissões globais de gases com efeito de estufa em 43% até 2030 e 60% até 2035 relativamente ao nível de 2019”, com o objetivo de se alcançar a neutralidade carbónica em 2050.
A Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou, em
comunicado, que o acordo “manter-nos-á em linha com os objetivos do Acordo de Paris” e permitirá acelerar “a transição para uma economia mais limpa e saudável”.
Por sua vez, António Guterres, Secretário-geral das Nações Unidas, que lançou apelos sucessivos ao fim progressivo dos combustíveis fósseis, escreveu na rede social Twitter que a declaração aprovada é “um momento decisivo na luta contra as alterações climáticas” e que “pela primeira vez, existe o reconhecimento da necessidade de se fazer uma transição para além dos combustíveis fósseis”.
Contudo, deve atentar-se na expressão “transição para além dos combustíveis fósseis”, ou ‘transitioning away from fossil fuels’ na redação original em inglês, e como surge no texto.
Isto, porque versões anteriores equacionavam uma linguagem muito mais clara e definitiva, como “abandono progressivo”, ou ‘phaseout’.
Reações menos efusivas vieram de vários lados, incluindo do próprio responsável das Nações Unidas para as alterações climáticas, Simon Stiell.
Salientando os “avanços genuínos” alcançados pela cimeira no que toca a triplicar as energias renováveis, a duplicar a eficiência energética e a operacionalizado o Fundo de Perdas e Danos, Stiell diz, no entanto, que “não virámos a página da era dos combustíveis fósseis”, ainda que afirme que “este resultado é o princípio do fim”.
As reações de desilusão vieram também de Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos da América, que escreveu no Twitter que a decisão a que se chegou é “um marco importante”, “mas é também o mínimo indispensável”.
“A influência do Estados petrolíferos continua a ser evidente em metade das medidas e nas lacunas incluídas no acordo final”, afirmou, acrescentando que “se este é um ponto de viragem que verdadeiramente marca o início do fim da era dos combustíveis fósseis depende das ações que venham a ser tomadas e da mobilização financeira necessária para alcançá-las”.
Mary Robinson, presidente da organização Elders, considera que “o acordo da COP28, embora assinale a necessidade de se acabar com a era dos combustíveis fósseis, peca por não se comprometer com um total abandono progressivo”.
Porém, reconhece que esta versão é melhor do que a anterior e saúda os países por terem sido capazes de encontrarem “terreno comum suficiente no Dubai para manter a ação climática em movimento”.
Recorde-se que Mary Robinson esteve envolvida numa troca de palavras duras com o presidente da COP, Al Jaber, quando esse último afirmou que não havia evidências científicas que sustentassem as declarações de que acabar com os combustíveis fósseis permitiria travar as alterações climáticas. Al Jaber veio depois dizer que o que disse foi mal interpretado.
A organização internacional Oxfam é mais dura nas críticas que faz ao desfecho da COP28. Numa declaração divulgada nas redes sociais, Nafkote Dabi, responsável de alterações climáticas, afirma que “a COP28 foi sem dúvida uma desilusão, porque não pôs dinheiro em cima da mesa para ajudar os países em desenvolvimento na transição para as energias renováveis”.
“E uma vez mais os países ricos renegaram as suas obrigações para ajudar as pessoas que estão a ser atingidas pelos piores impactos da degradação climática”, acusou.
Do lado da Greenpeace, Kaisa Kosonen, que liderou a delegação da organização ambientalista na COP28, declara que “esta não é ainda a decisão de que o mundo precisa ou merece, mas há algumas melhorias com o apelo à transição para além dos combustíveis fósseis”.
A responsável destaca que “o sinal que a indústria fóssil temia está aqui: acabar com a era dos combustíveis fósseis, bem como um apelo para escalar massivamente as renováveis e a eficiência nesta década”. Mas alerta que essas medidas estão “enterradas sob muitas distrações perigosas e sem meios suficientes para alcançá-las de forma justa e rápida”.
Do lado de Portugal, também se ouviram já reações. Francisco Ferreira, da associação ambientalista Zero, reconhece como positivo o acordo firmado, mas diz que a cimeira terminou com “sabor agridoce”. Num vídeo publicado na rede social Twitter, diz que “a mensagem principal é muito clara: estamos no fim da era dos combustíveis fósseis”.
Ainda assim, alerta que o texto contém “falsas soluções que nos vão distrair deste objetivo do investimento no triplicar das energias renováveis entre 2022 e 2020 e no duplicar da eficiência energética”.
Salienta ainda “necessidades prementes” no que toca ao financiamento climático e à adaptação, outros grandes temas desta cimeira, avisando que “conseguir uma transição justa é um elemento que ficou aquém do desejável”.
Por parte do Governo português, o ministro do Ambiente e Ação Climática, Duarte Cordeiro, afirmou à agência Lusa que o acordo a que se chegou “
fecha com chave de ouro a participação de Portugal na COP” e “dá-nos também uma perspetiva de esperança, que é muito necessária na política climática”.
O governante considera que “do ponto de vista daquilo que é o texto e a sua ambição”, está “muito mais em linha” com o que diz a ciência, com uma linguagem “do fim dos fósseis”.