Mostrar mensagens com a etiqueta PAC. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta PAC. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 24 de maio de 2024

Mais de 2.600 cães de gado apoiados no Norte para repelir ataques de lobo ibérico


Um programa comunitário apoiou no Norte 2.662 cães de gado, com um montante de mais de 860 mil euros, para reduzir o conflito entre o pastoreio e o lobo ibérico, ontem revelado à Lusa.

De acordo com dados solicitados pela agência Lusa ao Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP), na região Norte (NUTS II) foram apoiados 1.805 produtores pecuários com o corresponde a 2.662 cães de gado, num montante global de 867.017 mil euros. Estes números dizem respeito à campanha de 2023, cujo período de candidaturas decorreu ente 01 de março e 01 de agosto de 2023.

Segundo o IFAP, o respetivo pagamento deste apoio, integrado no Plano Estratégico da Política Agrícola Comum – PEPAC 2023-2027, que inclui uma intervenção agroambiental com vista à proteção e recuperação de espécies da fauna com estatuto de ameaça associadas a sistemas agrícolas, foi feita em abril de 2024.

Esta medida tem o objetivo de reduzir a conflitualidade entre a atividade de pastoreio extensivo e a necessidade de conservação do lobo ibérico.

Para beneficiar dos apoios, é necessário candidatar um mínimo de três cabeças de ovinos ou caprinos ou 10 cabeças de bovinos e deter cão de proteção de gado, atestado por declaração emitida pelo Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF).

Segundo o IFAP, os montantes e os limites do apoio a conceder, por beneficiário, são determinados de acordo com o número de cães detidos.

O distrito de Bragança foi, dos oito distritos da região Norte, o território que obteve mais apoios com 747 beneficiários, o que corresponde a 1.198 cães de gado, num total de 385.376 euros. Segue-se o distrito de Vila Real, com 670 beneficiários correspondeste a 935 cães de gado e um montante de 307.298 euros.

Já Viana do Castelo é o terceiro distrito desta lista de apoios com 171 beneficiários, 216 cães de gado e apoio de 72.144 euros. Ainda no Minho, Braga contou com apoios de 47.917 euros, para 111 beneficiários e que corresponde a 144 cães.

Já no distrito de Viseu foram apoiados 120 cães de gado (38.844 euros), na Guarda 22 (6.862 euros), no Porto 17 (5.286 euros) e em Aveiro 10 (3.290).

A Lusa questionou o IFAP após os pastores do Planalto Mirandês, no distrito de Bragança, se terem mostrado apreensivos devido ao número crescente de ataques de lobos nas imediações das localidades, tendo desde janeiro sido registadas seis ocorrências tratadas pelas equipas de vigilantes da natureza do Parque Natural do Douro Internacional (PNDI), quatro das quais no concelho de Mogadouro.

A diretora regional do Norte do ICNF, Sandra Sarmento, revelou em 11 abril que, segundo os últimos censos, existem 300 lobos ibéricos na região Norte, predadores “de topo” cujos ataques podem ser repelidos com o apoio de cães de gado.

Sandra Sarmento acrescentou ainda que o ICNF tem que garantir um conjunto de cuidados, para evitar que os lobos se aproximem dos rebanhos e das aldeias onde estes são pastoreados, com recurso a cães de gado ou cerca elétricas.

A responsável garantiu ainda que, com o apoio de cães de gado, os ataques de lobos são repelidos, em grande parte.

Um cão de proteção de gado é um cão do tipo mastim de montanha, em adulto com o peso mínimo de 35 quilos para machos ou 30 quilos para as fêmeas e altura mínima ao garrote de 60 centímetros (machos) ou 55 centímetros (fêmeas), com características físicas e comportamentais adequadas à função de proteção de gado contra ataques de lobo e em exercício da mesma.

As raças portuguesas adequadas à função de proteção de gado contra ataques de lobo são: Cão de Castro Laboreiro, Cão de Gado Transmontano, Cão da Serra da Estrela e Rafeiro do Alentejo.

Os cães são utilizados, há centenas de anos, na proteção de gado, pertencem a raças do tipo mastim de montanha e apresentam características que foram sendo selecionadas de modo a assegurar a missão de proteção contra ataques de predadores como o lobo.

quinta-feira, 9 de maio de 2024

Manifesto para as eleições europeias de 9 de junho


Garantir um Pacto Ecológico Europeu 2.0 reforçado é imperativo para a democracia e a sustentabilidade económica da UE: no dia 9 de junho vamos Votar na Natureza!

O próximo ciclo político europeu 2024-2029 afigura-se de uma importância crucial na construção de um futuro digno, saudável e próspero para todos os  europeus. Para  assegurar que cumprimos a curta janela temporal desta década para reverter o curso atual das emissões carbónicas que comprometem a vida no Planeta até ao final do século e para construir novos paradigmas na mobilidade, na energia, na agricultura, na gestão de recursos e na recuperação de ecossistemas vitais. Será essencial colocar em prática novas formas de trabalhar e de viver com a natureza. É necessário garantir que a União Europeia (UE) assume o compromisso de ser pioneira mundial na descarbonização da economia, na despoluição do planeta, na desintoxicação dos bens que consumimos e na recuperação da natureza.

Medidas e Políticas mais urgentes
Embora o Pacto Ecológico Europeu tenha feito progressos sólidos na abordagem da crise climática e tenha avançado no que respeita à poluição da água e do ar, mostrou-se débil quanto aos tóxicos e profundamente contraditório no que respeita à biodiversidade, renunciando a muitas oportunidades de progresso.

Por isso consideramos prioritário:
  1. Aprovar  e  implementar  com  urgência  a  Lei  de  Restauro  da  Natureza,  financiando  a recuperação da natureza em terra e nos oceanos;
  2. Apresentar uma nova lei sobre resiliência hídrica e climática que dê prioridade ao restauro e à proteção dos ecossistemas de água doce;
  3. Aprovar a lei relativa aos sistemas alimentares sustentáveis (SFS);
  4. Implementar a Estratégia do Prado ao Prato (F2F);
  5. Rever o regulamento relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos (REACH), no sentido de reforçar a sua capacidade de promover um ambiente não tóxico;
  6. Reforçar a Convenção de Minamata, reduzindo o uso, emissões e perdas de mercúrio, bem como o seu comércio e exposição;
  7. Promover  a  Estratégia  para  os  Químicos  Sustentáveis  (CSS)  e  um  ambiente sem tóxicos, eliminando rapidamente os químicos mais perigosos, incluindo os PFAS, os retardantes inflamáveis e o PVC nos plásticos;
  8. Aumentar as ambições de mitigação das emissões GEE através do desenvolvimento de um pacote de medidas de emergência climática adequado ao objetivo 90 até 2040 (fit-for-at-least-90-by-2040), com um conjunto convincente de medidas facilitadoras;
  9. Implementar a Estratégia da UE para o Metano;
  10. Adotar o regulamento relativo à utilização sustentável dos pesticidas;
  11. Rever a Diretiva relativa aos Nitratos, com a finalidade de aumentar a proteção das águas superficiais (rios e albufeiras) e subterrâneas, contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola, restringindo o uso de fertilizantes e reforçando as medidas para reverter a contaminação, em particular nas zonas vulneráveis, promovendo a qualidade das massas de água e prevenindo a eutrofização. Incluindo, de igual modo, a revisão do Código de Boas Práticas Agrícolas (CBPA).
  12. Reformar a PAC para a tornar um instrumento justo da tão necessária e urgente transição e garantir que os agricultores que recorrem a práticas agro-ecológicas sejam adequadamente apoiados e tenham uma vida decente;
  13. Implementar a Estratégia UE para a Biodiversidade 2030 e a Iniciativa para os Polinizadores da União;
  14. Implementar a Estratégia UE para as Florestas 2030 e a lei de monitorização florestal;
  15. Colaborar com as ONGA e contribuir para a negociação internacional com vista à adoção de um tratado internacional vinculativo para acabar com a poluição dos plásticos;
  16. No que toca à mineração, assegurar o direito das populações a dizer não e promover a denúncia de zonas de sacrifício;
  17. Implementar o Regulamento de Matérias primas críticas e a defesa da redução do consumo de minérios e outros recursos, apostando na sua reutilização e no direito à reparação, criando uma verdadeira economia circular;
  18. Rever a Diretiva relativa ao ruído ambiente, reforçando as medidas de avaliação e gestão do ruído ambiente e a melhoria do ambiente acústico ao nível comunitário, de forma a salvaguardar a saúde e o ambiente, garantindo uma informação mais ampla ao público;
  19. Apresentar um pacote de medidas no âmbito do "Acordo sobre o Oceano";
  20. Aplicar plenamente a gestão das pescas baseada nos ecossistemas através da política comum das pescas;
  21. Apresentar o Plano de Ação para a Gestão dos Nutrientes; 
  22. Rever a legislação de bem-estar animal, incluindo o reforço das medidas relativas à proteção dos animais durante o transporte, o regulamento relativo ao bem-estar dos animais detidos para fins económicos e o regulamento relativo à proteção dos animais no momento da occisão/ abate;
  23. Adotar uma agenda para uma economia do bem-estar e de pessoas saudáveis: através do ajustamento do Semestre Europeu, utilizando indicadores de bem-estar além do PIB, que tenham em conta a sustentabilidade;
  24. Promover modelos empresariais que não se baseiem no valor para os acionistas e na maximização dos lucros, mas que tenham em conta a forma como os ecossistemas contribuem para a prosperidade e resiliência;
  25. Aumentar o investimento em competências, formação, criação de emprego e investigação em sectores-chave da economia verde e hipocarbónica;
  26. Acelerar sistematicamente a inovação em produtos limpos e sustentáveis através de regulamentação, incentivos, normas e condições e investigação.
  27. Comunicar e mostrar os múltiplos benefícios da natureza para as pessoas, a sociedade e a economia;
  28. Apresentar um Plano de Ação do 8.º Programa de Ação Ambiental (8EAP) para 2030, a fim de abordar as áreas em que os progressos são insuficientes.
  29. Assumir o compromisso de acelerar a inovação e a substituição de produtos tóxicos por produtos químicos seguros e ecológicos, a fim de criar os produtos químicos certos para o futuro – através da investigação, de uma melhor governação, da fixação de preços e da regulamentação;
  30. Adotar uma agenda para melhorar o cumprimento legislativo, demonstrando uma vontade clara de impedir o desrespeito da legislação comunitária através de uma instauração mais rápida e de uma transparência total dos processos por infração, de um aumento significativo da capacidade do pessoal da CE para fazer cumprir a lei e de sanções financeiras e reputacionais mais dissuasoras para os intervenientes no mercado;
  31. Rever a legislação de Avaliação de Impacte Ambiental no sentido de tornar a sua implementação mais efetiva, por exemplo, através do reforço da dimensão da participação pública, ou de uma mais eficaz monitorização da implementação das medidas de compensação.
Organizações subscritoras
Francisco Henriques |ALAMBI – Associação para o Estudo e Defesa do Ambiente do Concelho de Alenquer
Carlos Cabrita | Almargem – Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental do Algarve
José Carlos Marques | Campo Aberto – Associação de Defesa do Ambiente
Helder Careto | Cidamb – Associação Nacional para a Cidadania Ambiental
Teresa Santos | Dunas Livres
Nuno Gomes Oliveira | FAPAS – Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade
Rogério Ivan | GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território
Paulo Pimenta de Castro | IRIS – Associação Nacional de Ambiente
Guilherme Azambuja | Juntos pelo Sudoeste
Graça Passos |PTF – Plataforma Transgénicos Fora
Alexandra Azevedo | QUERCUS-ANCN – Associação Nacional de Conservação da Natureza 
Gonçalo Carvalho | Sciaena Oceano, Conservação e Sensibilização
Domingos Leitão | SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves 
Francisco Ferreira | ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

É melhor para o Ambiente consumirmos alimentos produzidos localmente?

Por Tiago Domingos
                                    
É uma ideia muito difundida que o consumo de produtos alimentares deve ser “de proximidade”, isto é, que deveremos consumir produtos feitos o mais próximo de nós em termos geográficos. Isto é, aquilo que, em inglês, ficou popularizado como redução das “food miles”. Será que esta ideia é correcta?

Como enquadramento, e focando-nos nas emissões de gases com efeito de estufa (GEE), comecemos por considerar que, globalmente, as emissões associadas ao sistema alimentar representam entre um quarto e um terço do total de emissões.

Vejamos quais são os principais factores que contribuem para estas emissões. Temos o que se designa como “uso do solo” (24%), principalmente associado à libertação de dióxido de carbono com a conversão de florestas e outros usos do solo (como o Cerrado no Brasil) para agricultura, com a consequente perda de carbono da biomassa das florestas e da matéria orgânica dos solos. Temos a produção de culturas agrícolas, para alimentação humana directa (21%) e para alimentos para animais (6%), onde temos principalmente emissões oriundas da emissão de óxido nitroso (N2O) oriundo da aplicação de adubo azotado. Temos as emissões da produção animal (31%), associadas às emissões de metano (CH4) do processo digestivo dos ruminantes e do estrume destes, das aves e dos suínos (neste caso incluindo também emissões de óxido nitroso). Finalmente, temos as emissões da cadeia de abastecimento, com 4% para o processamento dos alimentos, 6% para o transporte, 5% para o embalamento e 3% para o retalho.

Qual é a razão pela qual as emissões do transporte de alimentos são comparativamente tão baixas? É porque a maior parte dos alimentos é transportada por navio, com emissões por quilómetro 10 a 20 vezes inferiores às de camião e 50 vezes inferiores às de avião. Assim, mais de 80% das emissões do transporte de alimentos são oriundas do transporte doméstico (dentro de cada país) por camião (já as emissões do transporte aéreo são só 0,4%).

Podemos assim constatar que as emissões do transporte são uma fracção muito minoritária, sendo muito mais importante, em termos de escolhas alimentares, ter em conta factores que optimizem os outros 94%. Consideremos um exemplo, frequentemente referido neste debate a nível internacional. Comparando a produção de morangos em estufa no Reino Unido, com os correspondentes custos energéticos de aquecimento das estufas, com a produção ao ar livre em Espanha, acrescentando-lhes as emissões de transporte até ao Reino Unido, a conclusão é que o impacte ambiental é mais baixo se a produção for feita em Espanha.

Esta conclusão genérica não impede, no entanto, que haja situações específicas onde as emissões do transporte se revelem significativas, nomeadamente em situações associadas ao transporte aéreo de alimentos frescos.

Entretanto, em 2022, um estudo de uma equipa sino-australiana na revista Nature Food chegou à conclusão bombástica (e destacada em múltiplos meios de comunicação social internacionais) de que o transporte corresponderia a 20% das das emissões de GEE dos sistemas alimentares, assim colocando em causa todos os resultados anteriores e repondo a relevância de “consumir localmente”.

Vejamos então o que está aqui em causa. As emissões do transporte que temos vindo a considerar, e que são as que se associam ao conceito de food miles, são as emissões associadas ao transporte dos alimentos, entre o ponto de produção e o ponto de consumo. A razão pela qual a referida equipa sino-autraliana obteve emissões mais altas foi porque considerou também as (relevantes) emissões associadas ao transporte dos factores de produção agrícola (como fertilizantes ou pesticidas). Na verdade, relativamente às emissões para transporte de alimentos, esta equipa não obteve valores significativamente mais altos. Assim, na realidade, os resultados deste artigo não suportariam “consumir localmente”, só suportariam que se deveria produzir localmente os diferentes factores de produção agrícolas.

No entanto, em relação a este último aspecto, e de forma particularmente preocupante para um artigo publicado na revista com a reputação da Nature Food, constata-se que as emissões do transporte dos factores de produção foram drasticamente sobre-estimadas, pois os seus valores estão baseados numa estimativa de emissões do transporte de mercadorias que é o triplo da estimativa, muito mais credível, da Agência Internacional de Energia.

Em suma, este recente debate não trouxe novas informações, mantendo intacta a conclusão de que não há suporte para o critério de “consumir localmente”, quando consideramos emissões de gases com efeito de estufa.

Para finalizar, fica a observação de que a excessiva importância dada a consumir localmente está muitas vezes associada a visões ideológicas anti-globalização simplistas, que tendem a considerar como intrinsecamente errado que os alimentos sejam transportados de um lado do mundo para o outro, e que promovem, em alternativa, a auto-suficiência como um suposto ideal de sustentabilidade. São abordagens que, entre outras deficiências, esquecem os benefícios ambientais de fazer a produção agrícola nos locais agronomicamente óptimos.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Portugal mantém um consumo de produtos biológicos per capita de apenas € 2,00, refere relatório


Esta semana foi publicado o último relatório da IFOAM e FIBL "The world of organic agriculture" onde podemos ver que Portugal mantém um consumo de produtos biológicos per capita de apenas € 2,00. Na Europa, pior só mesmo a Bósnia Herzegovina, a Federação Russa, a Turquia e a Ucrânia. A vizinha Espanha consome € 54.8, a Grécia € 6.3 per capita, chegando aos € 437,0 per capita na Suíça. As compras pública ecológica, como nas cantinas escolares podem contribuir para o aumento do consumo per capita de produtos biológicos, acrescentando valor ao setor agrícola, contribuindo para a conversão de produtores, introduzindo novos critérios de adjudicação nos contratos públicos, mas sobre isso não ouço nada...O setor agroalimentar é responsável por certa de 1/3 das emissões, mas tudo isto atrás descrito não faz parte dos debates dos partidos para as legislativas.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Momento histórico: Ministério Público chumba minas de lítio em Covas do Barroso



APA viabilizou ambientalmente a exploração de lítio na mina do Barroso, distrito de Vila Real, emitindo uma DIA favorável, em maio, mas que integra um conjunto alargado de condicionantes

O Ministério Público (MP) considera que a Declaração de Impacte Ambiental (DIA) da mina de lítio do Barroso “padece do vício de violação da lei” e “deve ser anulada”, segundo um documento divulgado pela Câmara de Boticas.

O MP foi notificado a pronunciar-se na sequência de uma ação judicial interposta pela Junta de Freguesia de Covas do Barroso, em Boticas, para anular a DIA da mina do Barroso, enviando um requerimento para o Tribunal Administrativo de Fiscal (TAF) de Mirandela onde corre o processo.
No documento, consultado pela agência Lusa, o MP conclui “que a DIA padece de vício de violação de lei e deve ser anulada”.

O presidente da Câmara de Boticas, Fernando Queiroga, reagiu com satisfação e afirmou que as conclusões do MP “vêm dar ainda mais força à luta contra a exploração de lítio” e “demonstram que os argumentos da população contra a mina são totalmente legítimos”.

“Ponto por ponto vem desmontar o parecer que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) dá”, salientou o autarca, referindo que o MP apontou as “ilicitudes do projeto da mina e formulou uma posição clara no processo, sustentada por milhares de documentos”.

A APA viabilizou ambientalmente a exploração de lítio na mina do Barroso, distrito de Vila Real, emitindo uma DIA favorável, em maio, mas que integra um conjunto alargado de condicionantes.

A mina, que a empresa Savannah quer explorar, tem uma duração estimada de 17 anos e a área de concessão prevista é de 593 hectares.

Um aspeto destacado pelo MP é o risco que a ampliação da atividade mineira representa para o Sistema Importante do Património Agrícola Mundial (SIPAM) do Barroso, descaracterizando-o e, consequentemente, podendo levar à sua desclassificação, o que viola os compromissos internacionais que o Estado português assumiu com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), de proteger, apoiar e aumentar a qualidade de vida na região.

“Prevendo e aceitando a hipótese de desintegração do SIPAM, o ato administrativo corporizado na DIA erra manifestamente, nesta dimensão de violação do compromisso internacional do Estado, na apreciação dos factos e do direito, verificando-se vício de violação de lei, que implica anulabilidade”, pode ler-se no parecer do MP.

Refere ainda que a DIA viola legislação em vigor que não permite a revelação e aproveitamento de recursos minerais em território SIPAM, bem como a Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia e o Plano Estratégico da PAC 2023-2027 (PEPAC) para Portugal, colidindo com os objetivos dos financiamentos comunitários do programa SIPAM e investimentos de apoios financeiros do baldio do Barroso.

O projeto da mina do Barroso foi apresentado como uma ampliação, mas o MP entende que se trata de “um conjunto de novos subprojetos, que não foram analisados pela DIA, e cujo efeito, intensidade e complexidade vão muito para além da área a ampliar”.

O Ministério Público entende que a Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) para a ampliação apresenta uma situação de referência para a atividade mineira existente a partir de um contrato prévio (2016) que não foi sujeito a avaliação ambiental, pelo que a DIA recente deveria confrontar a atividade viabilizada com a única DIA precedente (2005) com a que agora se pretende realizar.

É ainda referido que a DIA não faz uma correta avaliação da gestão de resíduos de extração mineira, não define o risco de vulnerabilidade a acidentes e catástrofes das seis barragens previstas nem a contaminação do meio hídrico (rio Covas e águas subterrâneas).

E, segundo o MP, não pondera o real impacto deste projeto cumulativamente com o da mina do Romano, prevista para Montalegre, devido à proximidade e dimensão dos dois projetos.

Relativamente ao lobo-ibérico, o MP aponta que as medidas de minimização previstas “carecem de demonstração de efetividade”.

Outro aspeto referido no documento é o de o promotor admitir que a China possa ser o destino do minério, pelo que não resolveria a problemática da dependência externa do fornecimento de lítio da União Europeia.

“Há muitas incongruências e muitas ilegalidades neste processo”, concluiu Fernando Queiroga, defendendo que o projeto deve ser anulado.

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Portanto, por mais que se torçam, a Ucrânia não vai aderir à UE. As potências agrícolas europeias não vão deixar.


A adesão à UE na potência agrícola Ucrânia resultaria na “morte” da agricultura familiar, alertou o sindicato dos agricultores alemães, no meio de preocupações crescentes sobre a futura direcção do programa de subsídios agrícolas da UE.

Leia o artigo original em alemão aqui .

Na sequência da recomendação da semana passada da Comissão Europeia para iniciar conversações formais de adesão com a Ucrânia , Joachim Rukwied, presidente da Associação Alemã de Agricultores (DBV), alertou para as suas consequências no sector agrícola.

A adesão “levaria ao fim da agricultura familiar na Europa”, disse ele numa conferência de imprensa sobre o futuro da Política Agrícola Comum (PAC) da UE na quarta-feira (15 de Novembro).

Isto deve “permanecer no pano de fundo de todas as discussões políticas”, acrescentou.

Rukwied destacou o grande sector agrícola da Ucrânia e o facto de a exploração agrícola média no país ser muitas vezes maior do que na UE.

A admissão significaria, portanto, “integrar na UE um setor agrícola com estruturas completamente diferentes, até explorações agrícolas da ordem de vários 100 mil hectares”, frisou.

Neste contexto, argumentou que uma Política Agrícola Comum (PAC) que inclua a Ucrânia “não é viável”, a menos que seja à custa das explorações agrícolas nos actuais países da UE.

Um documento de posição para o próximo período de financiamento da PAC, de 2028 a 2034, apresentado pela associação na quarta-feira foi, portanto, baseado no estado atual da UE e não num estado alargado, de acordo com Rukwied – embora a UE tenha mencionado uma meta provisória de estar pronto para a adesão até 2030.

Num impulso ao difícil processo de alargamento do bloco, a Comissão Europeia recomendou na quarta-feira (8 de Novembro) a abertura de negociações de adesão com a Ucrânia e a Moldávia – bem como potencialmente com a Bósnia, numa fase muito posterior – assim que finalizarem a implementação das principais reformas pendentes.

Na verdade, existe um amplo consenso entre os representantes políticos e as organizações de que a PAC não poderia continuar na sua forma actual se a Ucrânia aderisse.

Em particular, os chamados pagamentos diretos, pagos às explorações agrícolas por hectare de terras agrícolas, provavelmente não seriam financeiramente viáveis ​​para as grandes áreas da Ucrânia.

Contudo, ao contrário da DBV, o Ministério da Agricultura alemão, por exemplo, pressionou no sentido de utilizar a próxima adesão como uma ocasião para reformar fundamentalmente a PAC e abandonar os pagamentos por superfície, em grande parte incondicionais.

Vários estados federais alemães , bem como organizações ambientais e representantes da agricultura biológica e de pequena escala, também se manifestaram a favor da preparação de fundos agrícolas da UE para a adesão da Ucrânia.

Entretanto, o governo de Kiev argumenta que a adesão da Ucrânia fortaleceria o sector agrícola da UE e tornaria a União num actor global na agricultura.

Além disso, um estudo recente realizado pelo Instituto de Estudos Económicos Internacionais de Viena concluiu que o sector agrícola ucraniano não se tornaria um “poço sem fundo” para a PAC porque é competitivo sem grandes subsídios – mas ao mesmo tempo, em alguns aspectos, “demasiado competitivo” em comparação com outros países da UE.

Avaliar o impacto da adesão da Ucrânia nos subsídios agrícolas da UE segundo os critérios actuais não é um exercício relevante, uma vez que a adesão de Kiev à UE conduzirá provavelmente ao fim da Política Agrícola Comum tal como a conhecemos hoje, de acordo com o vice-ministro da Economia da Ucrânia, Taras Kachka.

“De facto, graças ao solo negro fértil e à mão-de-obra barata, a agricultura ucraniana produz de forma tão eficiente que representa uma concorrência séria para muitos países da UE, como mostra a disputa sobre as exportações de cereais da Ucrânia para a Polónia e a Hungria”, afirma o estudo.

Rukwied também alertou que a Ucrânia aderiria à UE “como um país cuja agricultura produz muito abaixo dos nossos padrões, por exemplo, no uso de pesticidas” e que, portanto, competiria injustamente com explorações agrícolas de outros países da UE.

Na realidade, porém, a Ucrânia terá de transpor todas as normas da UE para o direito nacional antes de poder aderir à União.

Saber mais:

Leituras Relacionadas

sábado, 18 de novembro de 2023

Bruxelas autoriza a utilização de glifosato na UE por mais 10 anos


A Comissão Europeia autorizou, quinta-feira, a utilização de glifosato na União Europeia (UE) por mais 10 anos, depois de os Estados-membros não terem chegado a acordo sobre proibir a sua utilização.

"A Comissão, com base em avaliações de segurança exaustivas efetuadas pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (AESA) e pela Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA), em conjunto com os Estados-membros da UE, irá proceder à renovação da aprovação do glifosato por um período de 10 anos, sujeita a determinadas condições e restrições novas", afirmou em comunicado.

"Estas restrições incluem a proibição da utilização pré-colheita como dessecante e a necessidade de determinadas medidas para proteger os organismos não visados", acrescentou.

O glifosato é um herbicida de amplo espetro e dessecante de culturas agrícolas, usado para matar ervas daninhas, especialmente as folhosas perenes e gramíneas. A AESA afirmou numa avaliação, em julho passado, que não tinha encontrado "áreas críticas de preocupação" para a renovação da utilização para além de 15 de dezembro, quando expirava o prazo de autorização.

O executivo da UE tem o poder de aprovar a sua própria proposta depois de os Estados-membros não terem conseguido, pela segunda vez, alcançar uma maioria qualificada a favor ou contra o plano apresentado, em setembro.

A bancada dos Verdes no Parlamento Europeu está contra a decisão, tendo a eurodeputada francesa Marie Toussaint dito, à Euronews, que há estudos em sentido contrário ao da AESA.

"A Europa tem uma escolha: ou se envenena ou se protege. E esta votação, esta abstenção dos Estados-membros - que tinham os meios para impedir esta proposta - acaba por contribuir para a deterioração da saúde, para a devastação da natureza. Esta proposta de renovação do glifosato é um drama para a saúde humana, com um número crescente de vítimas que sofrem de cancro e deformações desde tenra idade, e também para outros organismos vivos. Numerosos estudos demonstraram o efeito devastador do glifosato na biodiversidade", explicou.

"A Europa tem uma escolha: ou envenena ou protege. E esta votação, esta abstenção dos Estados-membros - que tinham os meios para impedir esta proposta - acaba por contribuir para a deterioração da saúde, para a devastação da natureza. Agora escondem-se por detrás da sua abstenção, alegando que se opuseram porque se abstiveram, para não passarem um cheque em branco à Comissão Europeia, o que é totalmente hipócrita", concluiu Marie Toussaint.

O presidente da Comissão do Ambiente do Parlamento Europeu, Pascal Canfin, criticou a decisão por ser contrária aos pareceres científicos: “Esta proposta não tem o apoio dos três maiores países agrícolas do nosso continente - França, Alemanha e Itália. Lamento profundamente. Não é a Europa de que gosto."

Aplicação depende de cada país
Embora o executivo comunitário tomado esta decisão, recordou que os Estados-Membros são responsáveis pelas autorizações nacionais dos produtos fitofarmacêuticos que contêm glifosato.

Cada país da UE continuará, por conseguinte, a ter a possibilidade de restringir a sua utilização a nível nacional e regional, se o considerar necessário, "em função dos resultados das avaliações de risco, tendo em conta, em especial, a necessidade de proteger a biodiversidade", afirmou a CE.

Um estudo europeu, divulgado no passado dia 6 de setembro, que envolveu 12 países, revela que Portugal é campeão em termos de concentração tóxica para consumo humano do herbicida glifosato em cursos de água doce. As amostras foram recolhidas em rios, ribeiras e lagos. Uma das amostras em Portugal, recolhida em Idanha-a-Nova, continha três microgramas/litro (µg/L), isto é, 30 vezes mais que o limite legal, tendo sido a mais elevada concentração de glifosato detetada nas amostras analisadas no estudo. O limite de segurança para o glifosato na água potável é de 0,1 µg/L.

Embora a Organização Mundial de Saúde (OMS) tenha alertado, em 2015, para os riscos cancerígenos do glifosato, a Agência Europeia para a Segurança dos Alimentos e a Agência Europeia dos Produtos Químicos afirmaram ter provas científicas para classificar o herbicida como não cancerígeno.

Assim, após dois anos de polémica, o herbicida glifosato (da empresa norte-americana Monsanto) recebeu, em 2017, luz verde para continuar a ser utilizado na UE, embora por um período mais curto do que o habitual, cinco anos em vez dos habituais 15. No ano passado, a licença foi renovada mais uma vez até 15 de dezembro, na pendência de um relatório da EFSA, que foi publicado este verão.

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

A poluição por glifosato ameaça as águas superficiais europeias


A Comissão Europeia quer renovar a autorização de uso do glifosato por mais 15 anos.

De Portugal à Polónia, da Bélgica à Bulgária, a água de rios e ribeiras está contaminada com glifosato e o seu resíduo metabolito de degradação AMPA (1). Mesmo fora da época de aplicação de pesticidas, final de outubro, estas substâncias foram detectadas nas águas superficiais em 11 dos 12 países estudados.

Esta é uma descoberta chocante revelada pelo estudo europeu da ONG Pesticide Action Network-PAN Europe, em colaboração com os Verdes Europeus. Esta contaminação, vaticinada há muito pela sociedade civil, constitui uma séria ameaça para a vida aquática, para a qualidade da água potável e para a saúde humana.

O glifosato está em toda a parte: na urina humana, na poeira doméstica, nos solos e nas águas superficiais. Sabe-se que tanto o glifosato, como o AMPA, constituem riscos graves para os ecossistemas aquáticos (2). Glifosato e AMPA em conjunto foram detectados acima de 0,2 μg/L em 17 de 23 amostras (74%). As amostras recolhidas na Áustria, Bélgica, Bulgária, Croácia, França, Alemanha, Hungria, Países Baixos, Espanha, Polónia e Portugal estavam contaminadas com pelo menos uma das substâncias.

Considerando que o limite de segurança para o glifosato (sem o AMPA), na água potável, é de 0,1 μg/L, 5 das 23 amostras de água (22%) coletadas na Áustria, Espanha, Polónia e Portugal continham glifosato em concentrações tóxicas para consumo humano. Uma das amostras em Portugal, na bio-região (3) de Idanha-a- Nova, continha 3 µg/L, isto é 30 vezes mais que o limite legal, o que confirma estudos anteriores da Plataforma Transgénicos Fora em Portugal (PTF) que revelaram a contaminação da urina humana na grande maioria das pessoas analisadas (4).

O estudo salienta também a grave lacuna existente na regulamentação de salvaguarda dos nossos recursos hídricos devido à inexistência de um sistema europeu de monitorização das águas superficiais e da falta de valores de referência para o AMPA que, embora seja um produto da degradação do glifosato, é também muito tóxico.

O glifosato tem permanecido no mercado, em possível violação das disposições do Regulamento (CE) 1107/2009, segundo o qual os pesticidas (as substâncias ativas e os adjuvantes dos produtos comerciais) colocados no mercado não devem ter efeitos nocivos nas pessoas, nos animais, ou no ambiente.

Em 2018 a utilização do glifosato foi renovada por apenas 5 anos devido às dúvidas sobre a sua segurança. A autorização terminaria em 2022, mas foi prorrogada, também com a aprovação de Portugal, para recolher provas dos impactos ecotoxicológicos.

Entretanto o corpo de literatura científica independente que associa a exposição ao glifosato a doenças graves e a danos ambientais continua a aumentar. Por exemplo, para além do seu potencial carcinogénico identificado pela OMS/IARC (2015), estudos recentes revelam que o glifosato e os produtos à base de glifosato podem ser nocivos para a saúde humana.

Para além disso o glifosato está implicado na alarmante perda de biodiversidade – 65% em 40 anos, a nível mundial, prevendo-se perder 25% da existente nas próximas décadas. Ciente do problema a Comissão Europeia (CE) propôs a redução de pesticidas (incluindo herbicidas) para 50%, até 2030, na nova PAC. Os pesticidas têm de ser substituídos por práticas agrícolas capazes de proteger as culturas e os recursos naturais pois, havendo vontade política, tal é realizável.

No entanto, a CE propõe agora renovar a utilização desta substância ativa, com o risco de não haver o adequado debate científico e escrutíno público (6). Prevendo-se que esta proposta seja votada em meados de outubro. As conclusões recentes da própria EFSA (Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos) identifica lacunas (7)

Notas:
  1. AMPA, ácido aminometilfosfónico, resulta da degradação do glifosato e ele próprio também é tóxico metabolito de degradação AMPA;
  2. Ecotoxicology of Glyphosate-Based Herbicides on Aquatic Environment
  3. Nesta bio-região têm sido instalados amendoais intensivos em produção integrada com uso permitido de Foram subsidiados em medidas agroambientais e, desde 2023, no PEPAC português, são subsidiados em regime ecológico.
  4. Nova et al, Glyphosate in Portuguese Adults – A Pilot Study. Environmental Toxicology and Pharmacology 80 (2020). 
  5. Silva et al, Distribution of glyphosate and aminomethylphosphonic acid (AMPA) in agricultural topsoils of the European Union. Sci Total Environ (2017)
  6. Pesticide Action Network: “Leaked: EU Commission plans to swiftly reapprove glyphosate to avoid scientific and public debatel
  7. EFSA p23. “a data gap for addressing the risk to aquatic macrophytes due to contact exposure via spray drift of glyphosate was identified and this resulted in an assessment not finalised” “For chronic exposure to glyphosate, a proper comparison between fishand amphibians could not be carried out, since relevant and reliable chronic endpoints for amphibians were not available. A full comparability between fish and aquatic stages of amphibians would anyway be hampered by the different response types being measured for the two groups.

sexta-feira, 14 de julho de 2023

Parlamento Europeu dá aval a Lei do Restauro da Natureza


O Parlamento Europeu (PE) aprovou em 12 de Julho por uma escassa maioria de 336 votos a Lei do Restauro da Natureza na União Europeia (UE), que estava sob forte contestação dos conservadores do PPE com o apoio da extrema-direita.

Depois de aprovada a lei, por 336 votos a favor, 300 contra e 13 abstenções, os eurodeputados votam as emendas propostas à legislação, para conseguirem uma posição política para as negociações com o Conselho da UE, que já tinha adotado a sua posição.

Esta primeira votação rejeitou a proposta do Partido Popular Europeu (PPE, que inclui os eurodeputados do PSD e do CDS), que pedia a rejeição da legislação. O grupo conservador, seu líder Manfred Weber e o grupo de lobby da agricultura industrial Copa-Cogeca embarcaram numa chocante campanha de desinformação, que obteve uma votação acirrada. 

As objeções do PPE prendiam-se com alegados prejuízos para os agricultores e pescadores da UE.

Eles não alcançaram o seu objetivo, graças ao enorme impulso de ativistas, comunidade científica, representantes da ONU e até mesmo grupos de setores como caça, agricultura e negócios de toda a Europa.

O autor do relatório do PE, César Luena (S&D, grupo que integra os socialistas portugueses) felictiou a eurocâmara pelo voto e apelou a que a comissão de Ambiente do PE volte a analisar a proposta, de modo a adotar uma posição negocial.

A diretiva proposta pela Comissão Europeia prevê a reparação de 30% dos ecossistemas danificados e uma redução em 50% do uso de pesticidas químicos na UE até 2030.

Os objetivos para a recuperação e conservação das das zonas terrestres e marinhas danificadas pela poluição ou pela exploração agrícola intensiva são vinculativos.

Apesar de aprovada, esta lei foi muito amputada. A politização em torno desta discussão veio mostrar quão difícil tem sido a mudança dos interesses económicos. Não é por acaso que ficou bem explícita a cláusula sobre o adiamento das metas em caso de forte impacto socioeconómico. Apesar de muitos agentes económicos estarem a favor, ao verem a oportunidade de novos negócios ligados ao restauro e melhor gestão da natureza, os interesses ligados à agricultura e pescas foram mais fortes. A segurança alimentar e a quantidade de alimento produzido foram as “armas” usadas em torno desta politização, como se o facto da preservação da biodiversidade fosse afectar a produção alimentar. Muito pelo contrário.

sábado, 15 de abril de 2023

Agricultores espanhóis alertam para seca severa e falam em cenário “catastrófico”


O setor agropecuário de vários pontos de Espanha manifestou esta sexta-feira o receio pelos efeitos da seca no abastecimento de água em geral, alertando para uma situação “dramática” e propondo 50 medidas urgentes para lidar com o cenário “catastrófico”.

Depois de um mês de março sem chuva e de um início de abril seco e sem perspetivas de chuva para os próximos dias, a seca continua a avançar, principalmente em grandes áreas do norte, nordeste e na Andaluzia, noticiou a agência Efe.

Esta seca persistente colocou o setor agrícola da Catalunha em perigo, o que exige que o mecanismo de ajuda seja colocado em funcionamento perante uma situação que qualificam de “dramática”.

Nesse sentido, a União dos Sindicatos de Agricultores e Pecuaristas (UdU) apresentou esta sexta-feira, em Madrid, ao Governo central, um conjunto de 50 medidas urgentes para enfrentar a situação “catastrófica”.

Até 70% das colheitas de inverno podem ser perdidas em certas áreas se continuar sem chuva, estimou a organização agrícola, que solicitou um regulamento que contemple as suas propostas e seja ativado automaticamente com base em certos indicadores.

A UdU também quer, entre outras medidas fiscais devido à situação, que sejam ativados os mecanismos de reserva de crise e declaradas zonas de emergência de proteção civil para todos os afetados pela seca, ao mesmo tempo em que exorta o Governo e as comunidades a apresentarem “medidas concretas e imediatas” na reunião do Comité Nacional da Seca na próxima quarta-feira.

Segundo os seus dados, Andaluzia, Estremadura, Catalunha e Comunidade Valenciana são as regiões mais afetadas pela seca hídrica e meteorológica.

A expectativa é que mais de 40.000 dos 50.000 hectares de cultivo de algodão não tenham possibilidade de irrigação, o que compromete 70% da receita dessas quintas.

Na Estremadura, quase toda a colheita de cereais de inverno foi danificada e mais de 16.000 hectares de milho e 6.000 hectares de arroz ficarão sem plantar devido à falta de abastecimento de água.

A colheita de frutas de caroço na província de Lleida (Catalunha) pode ser comprometida, enquanto 70% da produção de inverno em Castilla y León pode ser perdida se não chover.

As vinhas, os olivais e os cereais de Castilla-La Mancha também sofrem com a seca, assim como os cereais de inverno da Comunidade Valenciana, com perdas possíveis de 35%, segundo a UDU.

Além disso, os agricultores de sequeiro olham para 2024 com medo depois de uma colheita que no sul da Comunidade Valenciana é “desastrosa” devido à seca, com perdas que ultrapassam 90 e 95% dos hectares, e se a chuva não chegar , algumas culturas como a amendoeira terão de ser replantadas.

Os diferentes tipos de cereais que se cultivam no norte da província de Alicante e as amendoeiras e alfarrobeiras de Vega Baja são as principais culturas que se deterioraram.

Na Catalunha, o presidente da organização Jovens Agricultores e Pecuaristas da Catalunha (AJEC), Joan Carles Massot, garantiu à Efe que “foi pedido há um mês à Generalitat [governo regional] que prepare as medidas compensatórias”.

“Porque se não chover estamos perdidos”, alertou.

A Comunidade Geral de Irrigantes do Canal de Urgell (CGRCU) já decidiu solicitar à Generalitat e ao Governo a declaração de área catastrófica devido à “situação dramática, excecional e persistente” de falta de água, a fim de permitir a cobrar indemnização dos irrigantes.

O coordenador das regiões serranas da Unió de Pagesos, Joan Guitart, também já alertou, em declarações à Efe, para a situação em que se encontram as regiões serranas.

“Se não chover em 15 dias, o gado que vai para esses pastos não vai”, indicou.

Muitos produtores de leite podem ser obrigados a abater os animais por não poderem alimentá-los, alertou este sindicato.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Webinar do projecto Proteína Verde - Plantar a Alimentação do Futuro


Assiste ao vídeo para descobrir mais sobre o impacto da alimentação, associada à indústria da pecuária intensiva, nos domínios ambiental, ecológica e social, da pegada ecológica em Portugal, dos benefícios nutricionais das leguminosas, de um possível cenário de transição para proteína vegetal, da política agrícola em Portugal e na Europa, entre outros temas.


5 Organizações apelam ao Governo português pela mudança urgente no sistema alimentar

Após o lançamento do primeiro relatório “Proteína Verde: Plantar a Alimentação do Futuro”, em julho deste ano, o movimento Proteína Verde apresenta agora uma segunda publicação, desta vez especialmente dirigida aos decisores políticos: o Plano Nacional de Incentivo à Produção e Consumo de Proteínas Vegetais, disponível aqui, no site da iniciativa.

Este documento, que resulta de uma colaboração entre Associação Vegetariana Portuguesa (AVP), associação ambiental ZERO, Greenpeace, GEOTA e Associação Portuguesa de Educação Ambiental (ASPEA), argumenta a favor da implementação de 15 medidas políticas pela transição alimentar sustentável e ecológica, essencialmente assente em proteína de base vegetal.

“A urgência em combater a ineficiência do sistema alimentar é de tal ordem que estas organizações uniram forças para mostrar que é preciso alterar o rumo do que produzimos e do que comemos, como forma de evitar o suicídio ambiental e climático, mas também económico”, refere Joana Oliveira, que integra a Associação Vegetariana Portuguesa e a equipa de coordenação e desenvolvimento da iniciativa Proteína Verde.

“Numa época de grandes instabilidades sociais e ambientais, e em que todos os esforços de reequilíbrio são imperativos, a ASPEA (Associação Portuguesa de Educação Ambiental) apoia fortemente iniciativas como esta, que atuam tanto ao nível da saúde humana, como ao nível da saúde planetária. É uma proposta que pretende contribuir para a mitigação de vários problemas ambientais, como as alterações climáticas, e em que todos podem contribuir.”, afirma Anabela Pereira, gestora de projetos da ASPEA.



No Plano Nacional de Incentivo à Produção e Consumo de Proteínas Vegetais, os atores políticos são desafiados a criar condições que permitam a mudança positiva na produção e no consumo alimentares em Portugal, propondo-se 15 soluções concretas que aumentam a abrangência do compromisso climático português para incluir o sistema alimentar, “considerando-se o enorme ónus ambiental que este representa, particularmente em Portugal e no que diz respeito à pecuária intensiva”, defende Nuno Alvim, presidente da Associação Vegetariana Portuguesa.

“Dentro dos grandes contribuintes para a problemática, surge a agricultura intensiva e em particular o sector pecuário intensivo, que representa um impacto particularmente negativo no sistema climático, nos ecossistemas, na manutenção da biodiversidade e na saúde humana”, afirma Pedro Ribeiro, gestor de ação política no projeto Proteína Verde.

“É tempo de alterarmos hábitos e consumos para uma vida mais saudável e mais em harmonia com o planeta. As mudanças na alimentação devem ter por base uma dieta adequada, com base em leguminosas e legumes, que é mais saudável e económica, e que fornece as proteínas necessárias à nossa alimentação, para além da sua produção ser mais sustentável do que a produção de proteínas animais”.Patrícia Tavares, da Comissão Executiva do GEOTA.



Uma mudança geral na alimentação em direção a um maior consumo de proteínas vegetais terá um efeito considerável na mitigação das alterações climáticas, podendo atingir-se uma redução, no limite, de 8 mil milhões de toneladas de CO2 (equivalente), por ano, até 2050.

15 recomendações políticas para a transição alimentar

Entre as 15 recomendações enunciadas, as organizações propõem a criação de mecanismos que incentivem a conversão dos terrenos atualmente destinados à pecuária intensiva em unidades agrícolas de produção de base vegetal, a capacitação formativa para disponibilização de refeições de base vegetal no setor da restauração pública, a ampliação do apoio associado ao cultivo de leguminosas e a consideração dos impactos ambientais que decorrem da agropecuária nos apoios públicos concedidos.

Registo de visita à Assembleia da República, a 12 de outubro, no âmbito de uma reunião com o Partido Socialista para abordar o Plano Nacional de Incentivo à Produção e Consumo de Proteínas Vegetais e o projeto Proteína Verde.

O projeto Proteína Verde apresenta, igualmente, as suas 15 propostas de atuação em Petição Pública, que foi divulgada no passado dia 16 de outubro, Dia Mundial da Alimentação, e está disponível para subscrição aqui.

Segundo este plano nacional conjunto de várias ONGs, existe a necessidade de melhorar a atual estratégia climática do Governo, recomendando-se o direcionamento dos mecanismos específicos do Fundo Ambiental para um maior desenvolvimento de políticas que envolvam a sustentabilidade do setor alimentar (a alimentação é o que mais pesa na pegada ecológica dos portugueses) e, deste modo, coloquem Portugal mais próximo da meta de neutralidade carbónica até 2050.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Universidade de Coimbra coordena projeto que aposta na gestão agroecológica de infestantes e pragas

Fonte: Arc 2020

A Universidade de Coimbra (UC) está a coordenar um projeto internacional que aposta na gestão agroecológica de infestantes e pragas, e que foi contemplado com um financiamento de cinco milhões de euros para os próximos quatro anos.

O projeto internacional GOOD – coordenado pela professora catedrática do Departamento de Ciências da Vida (DCV) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) Helena Freitas – envolve mais de uma dezena de países europeus, tendo como principal ambição promover a transição agroecológica para a gestão de infestantes e pragas em toda a Europa.

“Ao implementar uma abordagem multidisciplinar, o ‘Agroecology for Weeds – GOOD’ pretende criar, implementar e avaliar práticas, sistemas e protocolos de Gestão Agroecológica de infestantes e demonstrar, em condições reais, como a adoção desta gestão pode reduzir fortemente o uso de herbicidas sintéticos, aumentar a sustentabilidade, produtividade e resiliência dos sistemas agrícolas, explicou a coordenadora do projeto.

Em comunicado, a UC vincou que os sistemas agrícolas da União Europeia (UE) enfrentam desafios crescentes de sustentabilidade e produtividade, devido ao impacto das alterações climáticas em toda a cadeia de valor agroalimentar, agravado pelos efeitos negativos da pandemia causada pela covid-19 e, mais recentemente, pelas instabilidades geopolíticas.

“Estes são dois fatores que ameaçam a estabilidade do setor agrícola e enfatizam a necessidade de mudança na perspetiva/agenda agrícola europeia”, apontou Helena Freitas.

Segundo a UC, as infestantes são um dos fatores mais importantes para determinar a produtividade, rendimento e sustentabilidade da produção agrícolas, o que faz com que “os agricultores dependam fortemente de herbicidas devido à sua alta eficácia contra estas ervas nocivas, e constituem a segunda categoria de pesticidas mais vendida na UE-27, representando, de acordo com o EUROSTAT, 35% de todas as vendas de pesticidas em 2020”.

Perante esta realidade e reconhecendo a necessidade de acelerar a transição para sistemas alimentares sustentáveis, seguros e saudáveis, bem como para enfrentar a ameaça da crise da biodiversidade, várias iniciativas políticas da UE, incluindo o EU Green Deal e sua Farm to Fork (F2F) e Estratégias de Biodiversidade, definiram como meta reduzir em 50% o uso de pesticidas sintéticos até 2030.

Estas iniciativas serão transpostas para os Planos Estratégicos dos Estados-Membros da Política Agrícola Comum (PAC) através dos eco-esquemas.

De acordo com a coordenadora do projeto, a nova proposta sobre o uso sustentável de pesticidas pretende que o foco seja direcionado “para a promoção de adoção de métodos alternativos de controle de infestantes”.

“Ao fazê-lo, está a estabelecer-se, pela primeira vez, uma forte iniciativa para atingir os ambiciosos objetivos da Comissão Europeia com metas juridicamente vinculativas para a redução de pesticidas na EU”, acrescentou.

Helena Freitas defendeu ainda que os aspetos socioeconómicos que envolvem a gestão de ervas daninhas – simultaneamente com o papel dos agricultores na tomada de decisão, a preocupação pública com o uso e a resistência a pesticidas, a segurança alimentar, as questões gerais de saúde humana e as regulamentações governamentais resultantes – “exigem a redução da dependência excessiva de herbicidas”.

Para tal, é necessário o desenvolvimento de “abordagens de sistemas alternativos usando estratégias preventivas, mecânicas, culturais e biológicas, combinadas com ferramentas de agricultura de precisão num contexto de gestão agroecológica de infestantes”.

O projeto internacional GOOD vai desenvolver uma Rede Agroecológica, que engloba um ecossistema de 16 Living Labs (LLs), com a intenção de melhorar a cocriação de conhecimento, a decisão dos agricultores – criação e aceitação do utilizador final de abordagens.

“Esta rede de gestão será tanto uma rede física de LLs, permitindo aos utilizadores e parceiros a partilha de conhecimentos e experiências, como uma rede digital de todos os atores relevantes em toda a cadeia de valor agroalimentar, criando ligações com outros projetos e redes que operam no campo da agroecologia e gestão de pragas”, informou.

Para a concretização deste objetivo final, o projeto propõe diversas soluções focadas no “uso de plantas de cobertura em todos os laboratórios e o aumento de sua capacidade competitiva contra infestantes por meio de inoculação com microrganismos benéficos, a combinação de plantas de cobertura com outros métodos de Gestão agroecológica e soluções digitais num esquema integrado para a redução da pressão de pragas e uso de herbicidas nos 16 LLs”.

Coordenado pelo Centro de Ecologia Funcional da FCTUC, o GOOD é um projeto Horizonte Europa e envolve, além de Portugal, países como França, Espanha, Itália, Grécia, Irlanda, Bélgica, Letónia, Países Baixos, Sérvia e Chipre.

Relacionados:

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Petição- Fim à tauromaquia, por favor

Assina e partilha a petição aqui

O Contexto Histórico

Em Portugal, por força de uma incompreensível exceção à Lei de Proteção aos Animais, Lei n.º 91/95, de 12 de setembro, as touradas continuam a ser permitidas, não obstante ser hoje uma evidência científica incontornável que os animais, tal como o ser humano, também são capazes de sentir e como tal, de sofrer.

Isto, ao arrepio da Lei de Proteção aos Animais, que estabelece que “são proibidas todas as violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os actos consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um animal”.

Este princípio choca claramente com o ritual de lide de animais em espetáculos tauromáquicos e que consiste em agredir os animais de forma gradual e com vários tipos de armas letais, provocando-lhes sofrimento, ferimentos profundos e hemorragias, quase até à morte.

A realização de touradas em Portugal nunca foi consensual. Datava o ano de 1821, quando na sessão de 4 de agosto das Cortes Constituintes, as touradas estiveram em debate, no seguimento de um projeto de lei apresentado por Borges Carneiro com vista à proibição dos espetáculos tauromáquicos, entendidos como contrários “às luzes do século, e à natureza humana”. Em causa, estava um entretenimento baseado no sofrimento dos animais, criados para servir o homem, mas não para serem martirizados. Dizia Borges Carneiro, que “Os homens não devem combater com os brutos, e é horroroso estar martirizando o animal, cravando-lhe farpas, fazendo-lhe mil feridas, e queimando-lhe estas com fogo: tão bárbaro espetáculo não é digno de nós, nem da nossa civilização.”

Na altura a iniciativa viria a ser rejeitada. Mas a sua prática chegou a ser proibida em 1836 por ser considerado “um divertimento bárbaro e impróprio das nações civilizadas”, através de um Decreto assinado por Passos Manuel no reinado de Maria Pia (sublinhado nosso).

A proibição foi substituída, meses mais tarde, por uma licença especial para que se pudessem realizar touradas apenas em benefício da Casa Pia e das Misericórdias, situação que se manteve durante os 116 anos seguintes.

A legalização das touradas no nosso país ocorreu apenas em 1953, quando foi publicado o primeiro “Regulamento do Espetáculo Tauromáquico e das Condições de Prestação e Remuneração de Trabalho”, aprovado por Despacho Ministerial de 22/6/1953 (com a inclusão das alterações aprovadas por Despacho Ministerial de 1/5/1954) passando este espetáculo a estar afeto ao Secretariado Nacional de Informação (Comissariado do Turismo).

Em 1991 os espetáculos tauromáquicos passaram para a alçada da Direcção-Geral dos Espetáculos e do Direito de Autor (atual Inspeção Geral das Atividades Culturais), com a aprovação do novo regulamento tauromáquico que, pela primeira vez, reconhecia que “a tauromaquia é, indiscutivelmente, parte integrante do património da cultura popular portuguesa”, colocando a atividade tauromáquica, pela primeira vez, na esfera da cultura.

À medida que foi crescendo na sociedade portuguesa a consciência em relação ao respeito e promoção do bem estar animal e à crueldade inerente a este espetáculo, aumentou consideravelmente a contestação às touradas e o declínio da atividade.

Em 2014, com a revisão do Regulamento do Espetáculo Tauromáquico, o Estado reconheceu o caráter violento da tauromaquia, ao tornar obrigatória a inclusão da advertência nos cartazes de promoção de touradas que “o espetáculo pode ferir a suscetibilidade dos espetadores”. Ao mesmo tempo, o regulamento também consagra no seu preâmbulo a “defesa do bem-estar animal” como um princípio de interesse público.

Através da alteração ao Código Civil, o legislador reconheceu também que os animais são “seres vivos dotados de sensibilidade” (artigo 201.º-B) e que “ o direito de propriedade de um animal não abrange a possibilidade de, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus-tratos que resultem em sofrimento injustificado, abandono ou morte.” (n.º 3 do artigo 1305.º-A).

A perpetuação desta atividade anacrónica não é compatível com os valores do Século XXI, nem com a legislação em vigor em matéria de bem-estar de proteção animal.

O Declínio Das Touradas

Os sinais de evolução da sociedade portuguesa são evidentes, como se demonstra na abolição das tradicionais “Garraiadas Académicas” em diversas Universidades, como Vila Real, Porto, Coimbra, Évora, Tomar, Viseu ou no Algarve. No caso de Coimbra, em 2018 a Associação Académica promoveu um referendo no qual 70,7% dos estudantes votaram contra a realização da Garraiada na praça de touros da Figueira da Foz, numa demonstração clara de que as novas gerações já não aceitam nem se identificam com este tipo de divertimento.

Vários municípios também abdicaram nos últimos anos da realização de espetáculos tauromáquicos evocando o progresso civilizacional da sociedade, principalmente na região norte do país. Viana do Castelo, Póvoa de Varzim e Guimarães são apenas alguns exemplos.

No Algarve, muitos municípios abdicaram da realização de touradas nos últimos anos: Tavira, Loulé, Castro Marim, Faro, Lagoa, Monchique, Portimão, Silves, Tavira, Vila do Bispo e Vila Real de Santo António, são cidades onde se realizavam touradas em praças ambulantes, mas que deixaram de investir neste espetáculo nos últimos anos.

Em Albufeira, a única praça de touros fixa ativa no Algarve, e a que mais touradas organizava por ano em todo o país, fechou as portas em 2020 não resistindo ao declínio da atividade tauromáquica e ao desinteresse do público português e estrangeiro neste tipo de divertimento.

Outro sinal evidente do declínio e repúdio da sociedade pela tauromaquia, é o afastamento das grandes marcas comerciais e de instituições que se recusam a apoiar ou estar de alguma forma associadas à tauromaquia.

A transmissão de touradas na RTP foi durante muitos anos o principal motivo de queixa dos telespectadores. Por várias vezes o Provedor do Telespectador da RTP considerou que a televisão pública se devia abster de transmitir touradas na sua emissão por considerar que a emissão deste conteúdo violento “não era serviço público”. Finalmente em 2021, a RTP ouviu a sociedade portuguesa e decidiu excluir a transmissão de touradas da sua emissão, medida muito saudada pela população e inúmeras figuras públicas.

O Impacto Negativo Nas Crianças

Estão solidamente demonstrados os efeitos negativos da exposição de crianças e jovens à violência da tauromaquia, uma atividade, que além da violência contra animais, inclui acidentes de grande impacto com feridos e mortos.

O caráter violento e sangrento dos espetáculos tauromáquicos realizados em Portugal também foi reconhecido e contestado internacionalmente pelo Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas, que no último relatório de avaliação de Portugal reservou um capítulo à “violência da tauromaquia” advertindo o Estado Português a estabelecer “a idade mínima para participação e assistência em touradas e largadas de touros, inclusive em escolas de toureio, em 18 anos, sem exceção, e sensibilize os funcionários do Estado, a imprensa e a população em geral sobre efeitos negativos nas crianças, inclusive como espectadores, da violência associada às touradas e largadas” (sublinhado nosso).
Apesar deste pronunciamento, em maio de 2022, uma criança de apenas 15 anos morreu de forma extremamente violenta numa largada de touros em Portugal, sendo perfurada na garganta, sem que ninguém tenha assumido a responsabilidade por esta morte, nem sequer cancelado as largadas de touros em respeito à vítima e à sua família.

A assistência a este tipo de violência é também considerada prejudicial para as crianças pelo Comité dos Direitos da Criança e por outras instituições de proteção infantil.

A Ordem dos Psicólogos já se pronunciou sobre o “impacto psicológico da exposição das crianças aos eventos tauromáquicos”, em Junho de 2016, através de um parecer enviado à Assembleia da República, considerando que a exposição das crianças à violência “não é benéfica para as crianças ou para o seu desenvolvimento saudável, podendo inclusivamente potenciar o aparecimento de problemas de saúde psicológica”(sublinhado nosso).

Também a Amnistia Internacional se pronunciou sobre este tema. A instituição de direitos humanos emitiu um parecer onde considera que as crianças e jovens não podem participar em touradas por se tratar de uma atividade violenta e que coloca em risco a sua segurança e saúde. Neste sentido, advertiu a Assembleia da República e os seus constituintes que “considerem e fundamentem sempre o superior interesse da criança nos documentos que a estas digam respeito e que façam cumprir tratados e convenções internacionais assinados pelo Governo da República e ratificados por esta Assembleia”(sublinhado nosso).

Atualmente, crianças de todas as idades continuam expostas ao perigo e à violência, nas bancadas das praças de touros, nas largadas e nas escolas de toureio.

Ler restante: aqui

Livro
Fernando Araújo - A Hora dos Direitos dos Animais

Página pessoal de Jonathan Balcombe 

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Prado de Sequeiro, em Lisboa


Uma cidade verdejante, repleta de relvados, bem regados e com o corte em dia – a imagem que aprendemos a associar à qualidade da estrutura verde da cidade pode estar errada. Prezam-se os relvados, mas, para existirem, paga-se um preço alto. A sua manutenção faz-se através do uso intensivo da água, recurso escasso e cuja boa gestão é particularmente importante em meses secos.

Em Lisboa, a noção da cidade verde está a ser desafiada, assim como a própria perceção da cor. Relvados são substituídos por prados. Será o verde, na cidade, mesmo verde? Talvez seja preciso voltar a treinar o olho. Reformular: talvez o verde não seja o expoente maior da sustentabilidade.

Na ação climática urbana, a cor que dá pelo mesmo nome nem sempre é a resposta. A obsessão pelo relvado, perfeitamente aparado, pode não ser uma expectativa saudável para uma cidade que se quer sustentável no presente e preparada para um futuro marcado pelas alterações climáticas.
No Parque da Bela Vista, onde antes havia relva, existem agora prados. 

No Parque da Bela Vista, os relvados estão a ceder. É verão, os termómetros marcam mais de 30 graus e, onde antes havia relva, estão hoje dois talhões de prado de sequeiro biodiverso. O calor e a secura levam o amarelo a dominar.

No outono e inverno é o verde e, na primavera, todas as cores. A explicação é dada por um sinal vertical, não vá o mais incauto dos transeuntes pensar que o que ali se vê é a incúria na gestão do espaço. Não é. É um prado de sequeiro biodiverso – um espaço renaturalizado, marcado pela presença de “espécies autóctones, da nossa flora, adaptadas ao nosso clima e que têm um período de vida natural”, diz Rui Simão, chefe de divisão de Manutenção e Requalificação da Estrutura Verde da Câmara Municipal de Lisboa (CML).

Não precisam de rega, contribuem para a retenção de água no solo e atraem insetos que promovem o controlo de pragas. Nasceram em 2020, ano em que Lisboa hasteava a bandeira de Capital Verde Europeia, mas as primeiras experiências com estas estruturas naturais aconteceram em 2012, no Corredor Verde de Monsanto, nas traseiras do Palácio da Justiça.

Uma estratégia de todas as cores

“A estratégia não é só verde. É castanha, também”, diz Rui Simão. O ciclo biológico dos prados de sequeiro segue o calendário das estações. “Têm a produção, de sementes durante o verão, a semente cai para o solo, começa a aumentar o seu tamanho e germina, depois, na primavera”. As novas plantas, verdes, “fazem a floração e voltam a produzir a semente”. Assim se fecha o ciclo, explica o responsável.

Só aqui foram substituídos 20 mil metros quadrados – ou dois hectares – de espaço de rega por prados de sequeiro biodiverso. A eliminação da rega traduz-se numa poupança anual de 6 mil metros cúbicos de água – o mesmo que dizer seis milhões de litros, ou, de acordo com a Federação Internacional de Natação (FINA), o suficiente para encher duas piscinas olímpicas e ainda sobrar um milhão de litros.

A iniciativa faz parte do Life Lungs, um projeto de adaptação às alterações climáticas com financiamento europeu e liderado por Lisboa, em parceria com a cidade espanhola de Málaga.

“Temos de nos mentalizar que, com toda a conversa à volta das alterações climáticas, estamos a viver isso na pele e temos de tomar medidas para mudar a forma como interpretamos os nossos espaços verdes, especialmente na zona mediterrânica. Estamos numa área que tem vindo a evoluir para um clima semi desértico, infelizmente. E temos de nos adaptar”.

De acordo com o Plano de Ação Climática, Lisboa traçou, para 2030, uma meta que implica a redução em 70% das emissões de gases com efeito de estufa, relativamente a valores de 2002. Até 2018, a redução terá sido já de 40%, mas até 2040 a cidade pretende alcançar a neutralidade carbónica, dez anos antes da meta traçada pelo continente europeu.

Na estrutura verde urbana, são várias as mudanças que podem ajudar a colocar a cidade no caminho certo. Os prados são apenas uma face de um plano de adaptação e mitigação das alterações climáticas, que compreende ações como o Plano Geral de Drenagem de Lisboa, com um orçamento de 180 milhões de euros e o objetivo de ajudar a cidade a enfrentar inundações, ou a implementação de uma Zona de Emissões Reduzidas (ZER) no centro histórico da cidade, que prevê uma redução da circulação automóvel estimada em 40 mil veículos por dia.

A medida, que prevê restrições à circulação automóvel e uma redução nas emissões de 60 mil toneladas de gases com efeito de estufa por ano, chegou a estar prevista para o verão de 2020, encontrando-se a sua implementação, no entanto, suspensa.