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quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Helena Freitas: “A natureza devia ser central na economia de uma forma geral, e não apenas nas áreas protegidas”

Correjola (Corrigiola litoralis)

Qual a importância de ambientes de biodiversidade na natureza?
A biodiversidade é o legado biológico que temos à nossa disposição e que resulta de milhões de anos de evolução. Permitiu que connosco co-existissem um conjunto muito amplo de espécies de diferentes grupos. Neste momento conhecemos cerca de dois milhões de espécies, sendo que isso representará talvez um quinto do conjunto de espécies que podem existir. A ciência conhece, e identificou em algum tempo da história uma espécie, que agora também devia ser objeto de reanálise. Muitas destas espécies estão hoje em gavetas de museus, portanto não voltaram a ser estudadas, porque infelizmente também não temos capacidade, recursos humanos suficientes ou especialistas nos diferentes grupos de organismos à escala do que seria necessário. Hoje percebemos cada vez mais a importância da biodiversidade. Cada espécie é um repositório evolutivo fantástico de um processo longo, muitas vezes muito mais longo que o nosso, de grupos de organismos que são relevantes.

No essencial conhecemos as plantas superiores, organismos mais visíveis, mais fáceis de reconhecer. Há grupos de organismos que conhecemos pior, mas nas últimas décadas o que temos percebido claramente é que essas espécies têm uma relevância extraordinária na composição e no funcionamento dos sistemas vivos. Aliás, também nós temos um conjunto de diversidade, microbiana nomeadamente, que é essencial para o nosso equilíbrio e bem-estar. É inequívoco que o nosso microbioma é uma parte essencial da nossa saúde.

Temos uma intenção muito grande de continuar a estudar a biodiversidade, todos os dias descobrimos espécies novas em muitos locais do mundo. Continuamos com esse objectivo de estudar e conhecer. Há grupos que também hoje percebemos que são da maior relevância e conhecemos mal, por exemplo os fungos. Conhecemos talvez 2% ou 4% dos fungos que poderão existir. Os fungos têm uma relevância incrível quer na relação com as plantas, na forma como podem intervir na cadeia alimentar, na simplificação dos sistemas, como podem decompor, são os únicos organismos capazes de decompor a matéria vegetal e com isso contribuir para o ciclo da vida.

Na ciência, o grupo mais expressivo do que conhecemos são os insectos. Têm uma expressão muito significativa no conjunto da vida. Mas é certo que se conseguíssemos ter acesso à diversidade bacteriana ou fúngica por ventura teríamos ainda muito mais em termos de número.

Quais são as principais razões da perda de biodiversidade aqui em Portugal?
Havia um grande biólogo, o Edward Wilson – a ele se deve esta ideia da biodiversidade -, que dizia que são cinco as grandes ameaças. Em inglês é hippo. H para a perda do habitat, o I para a invasive species, as espécies invasoras, ou exóticas, que são levadas para outros ambientes e ameaçam as espécies nativas (no caso português 20% da flora já é exótica), o P para poluição, o outro P para população, a expansão demográfica – tendemos a anexar activamente  as grandes florestas tropicais, os grandes habitats para a expansão das nossas cidades, agrossistemas da monocultura industrial -, e o O para overexploitation, o abuso de utilização de recursos.

Essas são as grandes causas, no mundo inteiro e em Portugal também, para a perda da biodiversidade. Há uma destruição enorme dos habitats naturais, designadamente aqueles que dependem da água, as nossas zonas húmidas, os nossos rios, mas também as áreas protegidas. Nas nossas florestas, com os incêndios sucessivos, a expansão das espécies exóticas é visível, o que significa que as espécies nativas não têm condições de competição, porque não são espécies de crescimento rápido.

Em relação às zonas húmidas e aos rios, existe uma preocupação particular no papel que têm no ecossistema?
Há uma preocupação enorme. Estamos a perder as zonas húmidas, e as zonas húmidas mais temporárias, que eram muito características. Os charcos no sul de Portugal, no Alentejo, estão tremendamente ameaçados, desde logo porque os cenários climáticos também impõem uma nova realidade. Os sistemas dependentes da água sofrem uma alteração no seu ciclo de vida. Não é por acaso que é maior a susceptibilidade a doenças de vários anfíbios. Isso é visível à escala global, e em Portugal também. Não temos uma monitorização tão regular que permita ter essa ideia muito assertiva para Portugal, mas é notório e são vários os investigadores que transmitem isso.

Ainda há dias vi nas notícias o desaparecimento de um pequeno peixe que era endémico de uma ribeira no Alentejo – as águas estão poluídas, o fluxo hídrico não é o mesmo e o caudal não é o mesmo.

Em Inglaterra estão neste momento a oxigenar artificialmente muitas massas de água para conseguir manter a vida lá dentro. As formas de vida, sejam plantas, sejam peixes, que vivem na água precisam de oxigénio, tal como nós. Havendo um aumento muito grande da poluição, diminuindo o fluxo hidrológico e com isso a oxigenação destes sistemas, as formas de vida ressentem-se.

Nós estamos a entrar numa rota de colapso da biodiversidade, que resulta de uma conjugação muito grande de fatores, mas que tem tudo a ver com as opções que temos tidos. Aquela intenção de “do not harm”, na verdade não estamos a conseguir implementar. Não é monitorizado, não é penalizado quem não o faz, portanto é verdade que estamos a destruir os recursos biológicos e a vida, sendo que nós somos parte dela. É chocante a forma como nos desligámos.

Para começar a haver essa proteção da biodiversidade, e conseguir que ela se desenvolva mais em certas áreas, onde iria demorar muitos milhares de anos e podemos proporcionar um aceleramento, é preciso mais legislação ou consciencialização?
Tipicamente o que temos feito para conservar a biodiversidade é identificar áreas que ficam consignadas à conservação da natureza, e acreditamos que os parques naturais e as áreas protegidas de uma forma geral é um sistema que nos garante que essas áreas estão intocáveis ou que pelo a biodiversidade está salvaguardada. Se formos honestos, sabemos que não é bem assim.

Há uma série de estatutos e classificações que foram criadas com o desígnio de conservar a natureza, mas é verdade também que não tem havido o investimento necessário para garantir ao nível da governança, da monitorização, do cumprimento da legislação. Sabemos que há muita permeabilidade no sistema.

Hoje, em resultado da Convenção para a Biodiversidade, que aconteceu em Montreal no final do ano passado, assinámos um acordo que tem como um dos objectivos ter 30% de terra e mar consignado à conservação da natureza. São mais de 190 Estados signatários que se comprometeram, é um desafio para todos. Mas mais importante do que a área em si seria garantir a sua eficácia. Infelizmente sabemos que isso é mais difícil, mas a minha esperança é sempre que a natureza seja cada vez mais parte da forma como equacionamos quaisquer soluções de progresso, seja num meio urbano ou parque natural, na forma como planeamos as novas construções, tendo em atenção as soluções baseadas na natureza, no reforço de mitigar a questão climática. A natureza devia ser central na economia de uma forma geral, e não apenas nas áreas protegidas. Na economia e na nossa forma de pensar o mundo e a vida.

A agroecologia pode ser uma das soluções?
A agroecologia é tremendamente importante para conseguir a transição ecológica, que penso que é uma inevitabilidade, e consagrar a civilização ecológica, aquela capaz de viver em harmonia com a natureza. Só essa consagração permitirá a própria sobrevivência da espécie humana. E para que isso aconteça a transição ecológica é fundamental a alteração do sistema alimentar.

O sistema alimentar depende dos ecossistemas. A forma como nós produzimos alimento atualmente é perversa a todos os níveis. Desde logo socialmente, quando temos grande parte do mundo que não tem acesso a alimento, e outra parte que sofre de doenças causadas por alimentos que são nocivos, ou porque incorporam elementos poluentes, ou porque nos fazem mal, ou porque consumimos em excesso. É um sistema que nós construímos e que está nas mãos de um conjunto de corporações que escolhem aquilo que nós comemos. Nós vamos ao supermercado comprar aquilo que escolhem por nós. Com isto abdicamos de uma atividade que nos ligava à terra.

Sou cientista, acho que a ciência nos vai ajudar, que a tecnologia e a inovação nos vão ajudar, mas a agroecologia diz-nos que nós temos de ser capazes de produzir alimento sem fazer mal aos solos, à água, à biodiversidade, e contando com a biodiversidade para nos ajudar neste processo. Por outro lado, é fundamental que as soluções agro-ecológicas também penetrem na agricultura convencional e industrial.

domingo, 26 de novembro de 2023

Coração Verde. Green Heart


“Este mundo curioso que nós habitamos é mais maravilhoso do que conveniente, mais bonito do que útil, mais para ser admirado e apreciado do que usado.”
Henry Thoreau (1817-1862)

“O bem-estar e o florescimento da vida humana e da não-humana sobre a terra têm valor em si próprios (valor intrínseco, valor inerente). Esses valores são independentes da utilidade do mundo não-humano para os propósitos humanos.”
Arne Næss e George Sessions (1984)

“Em suma, o papel da ecologia profunda na sociedade contemporânea é libertador, transformador e questionador. Há uma utopia na ecologia profunda, uma utopia baseada não na contínua e intensificada conquista ou domínio da natureza não-humana pelo homem, mas baseada na busca pela auto-realização.” 
Bill Devall (1980 - artigo científico no Journal of Natural Resources)

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Festival Míscaros em versão alargada vai ser decorado com lixo da serra da Gardunha


O Míscaros – Festival do Cogumelo volta a realizar-se no Alcaide, aldeia do concelho do Fundão, com uma decoração feita a partir de lixo recolhido na serra da Gardunha e numa versão alargada além dos habituais três dias.

Entre os dias 17 e 19 realiza-se o habitual evento, centrado na gastronomia, animação de rua, artes, ‘workshops’, concertos e exposições, mas, nesta 14.ª edição, a organização “prolonga a experiência” a um “Míscaros nas Calmas”, de 24 a 26 e, até 09 de dezembro, continuam a ser dinamizados os passeios micológicos.

“Vai ser um primeiro fim de semana que é uma algazarra completa, e um outro, que vai ter também animação, mas mais calmo, para dar oportunidade às pessoas de desfrutarem mais tranquilamente, sem filas”, salientou, em declarações à agência Lusa, Fernando Tavares, o presidente da Liga dos Amigos do Alcaide (LAA), que organiza o Míscaros em parceria com a Câmara do Fundão.

Segundo Fernando Tavares, a decisão de ter o Mês do Cogumelo deveu-se à necessidade de dar resposta à habitual elevada procura, que nem sempre permitia a todos os visitantes experimentarem tudo o que pretendiam.

O responsável deu o exemplo das 180 vagas abertas para os primeiros passeios micológicos, que esgotaram em dois dias, e abriram esta semana as inscrições para mais três fins de semana em que é possível participar nestas visitas orientadas por especialistas, para identificar algumas das mais de 500 espécies existentes na serra da Gardunha, e também um passeio com cães.

“Queremos promover o respeito pela natureza e o conhecimento do nosso património micológico”, realçou o presidente da LAA.

A sensibilização ambiental é outra das prioridades, afirmou Fernando Tavares, segundo o qual o Míscaros não utiliza plástico desde 2015.

Este responsável explicou que foi feita uma recolha de lixo na serra da Gardunha, que vai ser reaproveitado para fazer as instalações e a decoração, em parte por crianças da escola do Alcaide, para envolver e consciencializar toda a comunidade.

“É importante saber que, por um lado, limparam-se zonas da Gardunha e, por outro, reutilizou-se e passou-se uma mensagem de sustentabilidade”, vincou.

Fernando Tavares frisou que, após 14 edições, os visitantes vão continuar a ser surpreendidos e destacou tratar-se de um evento “feito em casa das pessoas, que abrem as suas portas para os visitantes entrarem e experimentarem as refeições confecionadas por si, não é numa tenda, com vários expositores”.

O dirigente da LAA destacou que o Festival do Cogumelo vai ter à venda vinte espécies, através de produtores certificados, para garantir a segurança alimentar.

O habitual almoço comunitário de arroz de míscaro volta a realizar-se no dia 19, um domingo, e este ano vão estar a cozinhar ao vivo, entre outros, dois ‘chefs’ com estrela Michelin: Alexandre Silva e António Loureiro.

O vice-presidente da Câmara do Fundão, Miguel Gavinhos, enfatizou o impacto muito significativo que o Míscaros tem na economia e turismo locais, nomeadamente na hotelaria, já com a lotação esgotada no concelho e a notar-se a pressão nas unidades dos municípios vizinhos.

De acordo com o autarca, em declarações à agência Lusa, o Festival do Cogumelo representa uma circulação de “cerca de meio milhão de euros”, entre as transações feitas no evento e a hotelaria e espaços de restauração locais.

Este ano vai ser instalado um compostor comunitário no Alcaide para fazer o aproveitamento dos biorresíduos, que darão origem a fertilizantes.

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Mais de 90% das espécies de fungos continuam a ser desconhecidas da Ciência


Podemos não vê-los, mas eles estão lá. Formando imensas redes subterrâneas, que podem cobrir áreas muito extensas, vivendo como seres unicelulares ou em grupos, ou ainda exibindo o que conhecemos como cogumelos para dispersarem esporos, os fungos são dos grupos mais diversos de seres vivos.

De acordo com o mais recente relatório do ‘Estado das Plantas e dos Fungos do Mundo 2023’, elaborado pelos especialistas do Real Jardim Botânico de Kew (Reino Unido), existem na Terra perto de 2,5 milhões de espécies de fungos. No entanto, mais de 90% desse total estimado não é ainda conhecido da Ciência, pelo que apenas 155 mil espécies de fungos estão hoje descritas cientificamente.

Dizem os autores do documento que agora é uma corrida contra o tempo para “encontrar, descrever e nomear essas espécies – que podem conter compostos medicinais valiosos ou possuir outras propriedades úteis – numa altura em que a perda de biodiversidade atingiu um ponto crítico”.

“Nomear e descrever espécies é um primeiro passo vital para documentar a vida na Terra”, declara Tuula Niskanen, ex-investigadora sénior do Jardim Botânico de Kew e atual curadora do Museu Finlandês de História Natural, em Helsínquia. “Sem sabermos que espécies existem e sem lhes darmos nomes, não seremos capazes de partilhar informação sobre aspetos-chave da diversidade de espécies, fazer quaisquer avaliações sobre o seu estado de conservação para sabermos se estão em risco de extinção ou explorar o seu potencial para benefício das pessoas e sociedade”, comenta a especialista.

Sobre os fungos, em particular, Niskanen diz que é “essencial” saber que espécies existem na Terra e “o que podemos fazer por elas, para que não as percamos para sempre”.

Em termos do número de espécies, os fungos são um dos grupos mais diversos, perdendo o primeiro lugar apenas para os animais invertebrados, estimando-se que, no total, existam 8,5 milhões de espécies diferentes, embora só se conheçam, até ao momento, cerca de 1,4 milhões.

Por isso, calcula-se que, ao atual ritmo de descrição de novas espécies, seriam precisos entre 750 e mil anos para os cientistas descreverem totalmente todas as espécies de fungos que se pensa existirem hoje na Terra.

Os fungos podem assumir, assim, múltiplas formas e feitios. Há os multicelulares, que formam filamentos finos chamados hifas, que, juntos e enredados, criam redes conhecidas com micélios, que se estende no subsolo, e os unicelulares, como a levedura, com formas esféricas.

A maioria dos fungos dispersa os seus esporos, que carregam o seu material genético e que darão origem à sua descendência, no ar, no corpo dos animais ou em gotículas de água. Para tal, constroem estruturas, como os conhecidos cogumelos, as trufas ou outras, para libertarem os esporos no ambiente. Existem ainda alguns fungos que criam relações simbióticas com algas, originando líquenes, ‘híbridos’ alga-fungo.

Nesses casos, os fungos absorvem nutrientes dos seus parceiros fotossintéticos, pelo que não dependem de ambientes húmidos para subsistirem.

Estima-se que em apenas uma colher de chá de solo possam estar presentes centenas de espécies diferentes de fungos, pelo que os cientistas dizem mesmo tratar-se de “uma nova fronteira fúngica”, todo um mundo ainda por desvendar que existe mesmo quando por ele não damos. Só desde 2020, foram descritas cerca de 10.200 novas espécies de fungos e ainda há muito trabalho para fazer.

domingo, 12 de fevereiro de 2023

'Uma ameaça crescente para a saúde humana': estamos mal equipados para os perigos das infecções fúngicas

Cerca de 2 milhões de pessoas morrem por ano como resultado de um grupo central de fungos, e a OMS está preocupada por não estarmos preparados para o futuro.


O ano é 2003, e uma espécie de fungo Cordyceps passou de formigas para humanos, transformando seus hospedeiros em zumbis frenéticos e sedentos de sangue que espalham a infecção para todos que mordem. A solução proposta por uma importante micologista em Jacarta, na Indonésia, onde foram detectados os primeiros casos, é radical, mas, a seu ver, essencial: bombardear a cidade inteira e todos os que estão nela para interromper o contágio. , comumente conhecido como “fungo formiga-zumbi”, a se adaptar para sobreviver em temperaturas mais altas, tornando os humanos um hospedeiro alternativo.

O roteirista e produtor Craig Mazin – que também nos deu a minissérie de Chernobyl – defendeu a premissa do programa, explicando que tudo o que sugere que os fungos fazem, eles já fazem e vêm fazendo desde sempre – incluindo sequestrar o cérebro das formigas e obrigá-las a propagar seus esporos dos assassinos. Outros fungos já podem produzir efeitos que alteram a mente em humanos (pense em cogumelos mágicos).

The Last of Us se passa 20 anos após a civilização moderna ter sido destruída por uma infecção fúngica. Fotografia: HBO/Warner Media

The Last of Us ainda é muito ficção científica, mas há muitos outros motivos para se preocupar com fungos. As infecções fúngicas já matam cerca de 2 milhões de pessoas por ano – mais do que a tuberculose ou a malária – e o número está crescendo. Os fungos também estão se tornando cada vez mais resistentes ao pequeno número de tratamentos disponíveis, e há muito poucas alternativas em andamento. O mundo estava relativamente despreparado para uma pandemia viral quando a Covid atingiu, mas pelo menos os cientistas já estavam desenvolvendo vacinas contra o coronavírus. Não existem vacinas humanas contra fungos.Em outubro, a Organização Mundial da Saúde divulgou sua lista de patógenos fúngicos prioritários, o primeiro esforço global para criar uma lista micológica “mais procurada” dos 19 fungos mais perigosos para os seres humanos. “Apesar de representar uma ameaça crescente à saúde humana, as infecções fúngicas recebem muito pouca atenção e recursos globalmente”, disse o relatório. “Tudo isso torna impossível estimar a carga exata de infecções fúngicas e, consequentemente, dificulta a galvanização de políticas e ações programáticas”.

Os fungos são a forma de vida mais populosa do planeta, com cerca de 12 milhões de espécies existentes em todo o mundo. A maioria nunca foi categorizada. Apenas uma fração dessas espécies infecta humanos, mas são responsáveis ​​por cerca de um bilhão de infecções a cada ano. “A maioria são coisas superficiais, como pé de atleta, com as quais ninguém se preocupa particularmente, mas há um grupo principal que causa infecções com risco de vida, principalmente em populações suscetíveis, como os muito velhos ou jovens, e aqueles com sistemas imunológicos que não funcionam adequadamente”, diz Mark Ramsdale, professor associado de micologia no Centro MRC de Micologia Médica em Exeter.

Cerca de 1,5 milhão de pessoas morrem por ano como resultado dessas infecções, diz Ramsdale – embora isso possa ser uma subestimação, porque os fungos infectam predominantemente pessoas que já têm grandes problemas de saúde. “A principal causa de morte provavelmente será leucemia ou transplante de coração, ou qualquer outra coisa”, diz ele. “Mas o que realmente mata o paciente é uma infecção fúngica, então há um forte elemento de subnotificação acontecendo.”

No topo da lista da OMS estão três formas de levedura patogénica, além do Aspergillus fumigatus, um fungo comum encontrado no solo e na vegetação em decomposição que pode causar uma infecção com risco de vida chamada aspergilose em pessoas com imunidade comprometida, como aquelas com HIV, doença pulmonar crónica, ou receptores de transplante de órgãos.

Alguns dos fungos da lista da OMS também podem afetar pessoas saudáveis. Coccidioides , conhecidos coloquialmente como “Cocci”, são fungos que vivem no solo encontrados no sudoeste dos EUA, México e partes da América do Sul que causam uma doença semelhante à gripe chamada febre do vale em um subconjunto de pessoas que os respiram. a 10% dos indivíduos infectados desenvolverão problemas pulmonares graves ou de longo prazo, enquanto em cerca de 1% dos casos a infecção se espalha para outras partes do corpo, incluindo o cérebro, onde pode ser fatal. Cerca de 150.000 pessoas nos EUA são infectadas a cada ano e cerca de 75 morrem por causa disso.

O alcance de algumas dessas infecções também está aumentando. Casos de febre do vale foram recentemente detectados no norte do estado de Washington. O número de infecções relatadas também aumentou 400% entre 1998 e 2015, possivelmente devido às mudanças climáticas.

Outras infecções fúngicas parecem ter aumentado como resultado da Covid, incluindo aspergilose e mucormicose, ou “síndrome do fungo preto”, uma infecção rara, mas perigosa, que pode fazer com que o tecido infectado morra e fique preto. Como essas infecções são mais comuns em pessoas com imunidade suprimida ou danos pulmonares, os médicos suspeitam que estejam capitalizando os danos físicos causados ​​pela Covid.

Um médico se prepara para realizar uma cirurgia em um paciente com mucormicose em Allahabad, na Índia. A mucormicose apresenta elevada prevalência no país. Fotografia: Ritesh Shukla/Getty Images

Os sintomas da mucormicose podem ser terríveis. Frequentemente começando nos seios da face, a infecção pode se espalhar para tecidos e órgãos vizinhos, incluindo olhos e cérebro, resultando em pele enegrecida, inchaço facial, visão turva, consciência alterada ou coma. Alguns pacientes perderam a visão em ambos os olhos ou tiveram que fazer uma cirurgia para remover ossos e tecidos mortos ou infectados.

Por mais horríveis que sejam essas doenças, uma graça salvadora é que a maioria das doenças fúngicas não é transmitida de pessoa para pessoa. Em vez disso, eles geralmente são retirados do meio ambiente, o que tende a limitar sua propagação. A mucormicose, por exemplo, é 70 a 80 vezes mais prevalente na Índia do que no resto do mundo.

No entanto, existem excepções a esta regra. Uma delas é Candida auris , um parente mortal da levedura que causa aftas. Está na lista “crítica” da OMS, pois está superando rapidamente nossos melhores tratamentos antifúngicos. Como muitos patógenos fúngicos, Candida auris ataca predominantemente pessoas com sistema imunológico enfraquecido; se entrar no sangue ou invadir outros órgãos e tecidos, suas hipóteses de sobrevivência são de aproximadamente 50-50.

Semelhante ao fungo em The Last of Us, Candida auris veio até nós do nada. Era desconhecido da ciência até que foi encontrado no canal auditivo de uma japonesa de 70 anos em Tóquio em 2009. Em alguns anos, infecções foram relatadas na Ásia, África e Oriente Médio.

“Agora está em todo o mundo e é um pesadelo absoluto nos hospitais porque é resistente a muitos dos medicamentos antifúngicos da linha de frente”, diz o professor Matthew Fisher , do Centro MRC para Análise Global de Doenças Infecciosas do Imperial College London. Também é parcialmente resistente a desinfetantes e ao calor, o que o torna extremamente difícil de erradicar. Sua detecção pode desencadear o fechamento temporário de enfermarias hospitalares inteiras.

De onde veio Candida auris é incerto. “Estamos supondo que, na profunda biodiversidade de fungos que existe, essa espécie em particular teve sorte”, diz Fisher. Alguns fatores podem ter contribuído. A mudança climática pode ter promovido a mudança desse organismo de um hospedeiro desconhecido para nós, e é até possível que, como em The Last of Us, temperaturas mais altas tenham selecionado variantes que podem crescer na temperatura do corpo humano.

Outra possibilidade é que o uso excessivo de medicamentos antifúngicos na medicina ou na agricultura tenha suprimido o crescimento de organismos concorrentes, abrindo nichos nos quais cepas de Candida auris resistentes a medicamentos e outros fungos potencialmente nocivos podem prosperar. Para agravar o problema, existem apenas quatro classes de drogas antifúngicas, e há muito poucas em andamento.

Fungo Cordyceps atacando uma mosca. Fotografia: Nature Picture Library/Alamy

O desenvolvimento de novos medicamentos será um desafio. “Como os fungos estão realmente intimamente relacionados aos animais, quaisquer drogas que possam interferir no crescimento e desenvolvimento de um fungo são frequentemente tóxicas para nós”, diz Ramsdale. Apesar dessas preocupações, os fungos atualmente recebem menos de 1,5% de todo o financiamento de pesquisa de doenças infecciosas. O relatório da OMS pede maior vigilância e desenvolvimento de antifúngicos, bem como melhores ferramentas de diagnóstico, para garantir que os pacientes sejam tratados prontamente com os medicamentos corretos. A educação também é crítica, diz Ramsdale: “Muitos médicos recebem apenas uma ou duas palestras [sobre patógenos fúngicos] durante todo o treinamento na faculdade de medicina”.

A OMS disse que era importante não sensacionalizar a ameaça representada pelos fungos. Bactérias resistentes a antibióticos apresentam uma ameaça mais imediata e quantificável. “Este é um apelo para aumentar a conscientização, gerar evidências e gerar ciência – não apenas a pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, mas também a ciência básica para entender a dinâmica da doença, epidemiologia, ecologia e distribuição global de infecções fúngicas, ” diz o Dr. Hatim Sati, da divisão de resistência antimicrobiana da OMS, que ajudou a escrever o relatório.

No entanto, a ameaça representada pelos fungos não se limita necessariamente às espécies que desenvolveram a capacidade de nos infectar. Cerca de 6.000 espécies de fungos são conhecidas por causar doenças em plantas comerciais e, a cada ano, 40% das safras de arroz do mundo são perdidas para uma doença fúngica chamada brusone do arroz. “Esse é um grande problema de segurança alimentar”, diz Ramsdale.

Doença fúngica da podridão parda em maçãs. Fotografia: Sabena Jane Blackbird/Alamy

O relatório da OMS também não lida com ameaças fúngicas desconhecidas – aquelas que ainda não chegaram aos humanos. Desde a década de 1990, os biólogos conservacionistas observam horrorizados espécies após espécies de anfíbios sucumbirem a uma doença causada por fungos quitrídios que tem sido associada ao declínio de pelo menos 500 espécies de anfíbios e à extinção de 90. Semelhante ao cenário imaginado em The Last of Us, não há nenhuma medida eficaz conhecida para controlar a doença.

Com tantas espécies de fungos por aí, ficar atento a ameaças emergentes é uma tarefa assustadora. “Não há micologistas suficientes no mundo para acompanhar tudo isso”, diz Ramsdale. Treinar mais deles seria um bom lugar para começar. Mas tanto quanto os fungos representam um perigo para nós, eles também apresentam oportunidades. O primeiro antibiótico do mundo, a penicilina, foi descoberto em um molde. Quem sabe que outros truques químicos eles têm em seus micélios? “Como bactérias ou vírus, os fungos são antigos e estão por toda parte”, diz Fisher.

Subestimá-los seria um erro.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Mushrooms Provide Hope for Our Plastic Planet


As soluções de embalagem nem sempre exigem inventar coisas novas, mas sim perceber quais coisas úteis já existem e colocá-las para funcionar. Quando fazemos embalagens de cogumelos aproveitamos a incrível “tecnologia” da natureza. Ao utilizar recursos que normalmente são considerados resíduos e de baixo valor - como cascas de milho, cascas de sementes e serragem - e combiná-los como matéria-prima com micélio de cogumelo, podemos criar substitutos naturais e compostáveis para espumas plásticas que, em vez de poluir o planeta, nutrem a Terra. Meghan Olson, Diretora, Embalagem Mushroom® da Ecovative

Como Diretora de Comercialização do negócio de Embalagens Mushroom® da Ecovative, Meghan lidera o desenvolvimento de negócios, vendas, desenvolvimento de produtos e sucesso do cliente para Embalagens Mushroom®. Meghan está focada em acelerar o crescimento e construir participação no mercado global para o produto Mushroom® Packaging por meio de vendas diretas, parcerias e licenciamento, ao mesmo tempo em que avança a visão estratégica da Mushroom® Packaging e cultiva uma rede de parceiros estratégicos. Meghan é responsável por garantir o sucesso comercial integrado das embalagens Mushroom® e de outros produtos MycoComposite™.

Meghan possui um MS. em Engenharia Mecânica e um duplo B.S. em Engenharia Mecânica e Design, Inovação e Sociedade pelo Rensselaer Polytechnic Institute e é apaixonada por tecnologias de micélio há mais de uma década, desde que conheceu os fundadores da Ecovative e a sua história com o seu falecido mentor e antigo campeão da Ecovative, Burt Swersey. Meghan traz experiência técnica em vendas e desenvolvimento de negócios da empresa de tecnologia Vyv e iniciou a sua carreira numa função de design de engenharia de sistemas de fluidos na GE Power, após o seu mestrado em Engenharia Mecânica com foco em fabricação aditiva de compósitos.

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Pele de cogumelo pode ser usada para criar chips eletrónicos biodegradáveis


O mundo está em constante mudança e nós, claro está, temos que mudar a avançar com ele. Neste sentido, as investigações trazem novidades com regularidade, como, por exemplo, novas formas mais sustentáveis de criar os produtos que usamos no nosso dia-a-dia.

Assim, dados mais recentes indicam que a pele dos cogumelos pode ser usada como substrato para a criação de chips eletrónicos biodegradáveis.

Pele de cogumelo para fazer chips biodegradáveis

Com a exigência da produção de cada vez mais chips eletrónicos para responder às necessidades do mercado, a indústria depara-se com um problema a curto e longo prazo relacionado com a poluição desses mesmos componentes. Como tal, é fundamental que sejam encontradas soluções para lidar com este problema que nos afeta a todos.

Assim, as investigações científicas realizadas por cientistas austríacos podem agora ter encontrado uma alternativa amiga do ambiente. Trata-se de uma pesquisa designada MycelioTronics e consiste no uso de pele de fungos como forma de substrato para a criação de PCBs (Printed Circuit Boards) biodegradáveis. Os investigadores descobriram que assim que a pele é removida e seca, esta consegue desenvolver muitas das propriedades encontradas nos PCBs que são usados em todos os dispositivos eletrónicos do mercado.

A pesquisa baseia-se no fungo Ganoderma lucidum para a criação de chips e PCBs, cuja pele é fina, flexível e pode ser dobrada mais de 2.000 vezes, preservando ainda assim a sua integridade estrutural. Para além disso é também um bom isolante e pode suportar temperaturas acima dos 200 graus, o que é mais do que os PCBs conseguem suportar.

Mas, como é normal, tudo isto tem que ser aplicado na prática para ver se é ou não viável. Assim, os investigadores já realizaram várias experiências onde revestiram a pele seca do fungo com uma camada de cobre, crómio e ouro de forma a melhorar a condutividade. Por cima usaram um laser para imprimir trilhos condutores e descobriram que o produto se comportava como um PCB, tendo ainda como vantagem o facto de ser biodegradável.


O fungo Ganoderma lucidum é uma espécie de cogumelo muito popular na Ásia, sendo também conhecido pelo nome Reishi e usado na medicina tradicional chinesa há mais de 4.000 anos. Há quem o descreva como cogumelo da imortalidade.

Assim, quem sabe daqui a uns anos os chips dos nossos equipamentos tecnológicos não serão baseados neste cogumelo, evitando assim enormes quantidade de resíduos?

domingo, 23 de outubro de 2022

Como assegurar a diversidade de cogumelos (e outros fungos) num espaço verde

Cogumelos do choupo (Cyclocybe aegerita)

Em Portugal, estima-se que há cerca de 3.000 espécies diferentes de macrofungos (os fungos que produzem cogumelos), embora ainda sem certezas sobre o número exato. Susana Gonçalves, investigadora ligada ao Centro de Ecologia Funcional e ao MyCoLAB da Universidade de Coimbra e bióloga que se dedica à investigação sobre estes pequenos seres, lembra que são muitas vezes olhados como “o parente pobre” da vida na Terra, mas têm um papel importantíssimo: são os principais decompositores da natureza, reciclando as árvores e outra matéria vegetal, e estabelecem parcerias de mútuo benefício com 80 a 90% das plantas do globo. “Sem fungos, a vida no planeta não existiria tal como a conhecemos”, sublinha a investigadora, que no passado dia 23 de outubro realizou uma visita orientada sobre “Jardins, cogumelos e o fantástico reino fungi”, no Jardim Gulbenkian.

Mas afinal, o que são os fungos? Susana Gonçalves adianta que são seres eucariotas, pois tal como os animais e as plantas possuem células com núcleo. Por outro lado, precisam de carbono para sobreviver, que conseguem ir buscar “por absorção”. “Emanam enzimas que decompõem a matéria em redor, que depois absorvem.”

A grande maioria dos fungos é filamentosa, pois possuem uns filamentos muito fininhos a que se dá o nome de hifas, que por sua vez formam conjuntos que têm o nome de micélio. À laia de comparação, Susana explica que o micélio é como se fosse o nosso cabelo e cada um dos cabelos que o compõem fosse uma hifa.

Ao contrário do nosso cabelo, no entanto, o micélio costuma estar bem escondido, muitas vezes debaixo da terra. Só os cogumelos que irrompem do solo ou das árvores, o que acontece mais no outono, sinalizam que por ali há fungos, e é graças a isso que “podemos observar os heróis invisíveis do jardim alguns dias por ano”. Mas o que são cogumelos? São “estruturas reprodutoras que alguns fungos produzem”, descreve a investigadora, e estão para aqueles “como as maçãs estão para uma macieira”.

Agaricus sp. © Paula Côrte-Real

Agaricus sp. © Paula Côrte-Real

O que podemos fazer
Susana Gonçalves indica várias medidas para assegurarmos a conservação e a diversidade das espécies deste grupo, ao cuidarmos de um espaço verde:
  1. Planear jardins com diferentes micro-habitats (prado, bosquete, alternar bordaduras e áreas de cultivo) e com plantas diversificadas e autóctones.
  2. Evitar fertilizantes inorgânicos, que prejudicam um grupo importantíssimo de fungos do solo, os fungos micorrízicos, presentes nas raízes de 80-90% das plantas. Estes fungos exploram o solo em busca de nutrientes naturalmente existentes no solo e passam-nos para as plantas em troca de carbono que aquelas produzem através da fotossíntese.
  3. Não utilizar fungicidas, pois usados em excesso contribuem para a evolução de fungos multi-resistentes, que podem constituir ameaças para a saúde pública. Para além disso, frequentemente têm efeitos nefastos em espécies que não são as espécies-alvo.
  4. Deixar madeira morta no terreno, pois pequenos ramos, touças e troncos caídos são fundamentais para os fungos decompositores da madeira, e além disso, se forem inoculados com espécies apropriadas, podem proporcionar cogumelos para alimentação. A madeira em decomposição, por seu turno, é fundamental para sustentar toda uma comunidade de organismos, nomeadamente as larvas de muitos insetos.
  5. Deixar árvores veteranas de pé, desde que não haja perigo de queda, que deverá ser avaliado e monitorizado ao longo dos anos. As cavidades existentes em árvores velhas resultam da ação de fungos parasitas e, por sua vez, constituem abrigo para muitos outros seres vivos, como aves que aí nidificam ou pequenos mamíferos que aí dormem ou hibernam (morcegos, ouriços-cacheiros, texugos, esquilos).
  6. Não mobilizar excessivamente o solo antes das plantações/sementeiras para não “romper” as redes subterrâneas de micélio.
  7. Não deixar o solo nu, prevenindo a erosão e a dessecação.
  8. Evitar a compactação do solo, não pisando sempre nos mesmos locais, o que tem efeito negativo sobre as redes subterrâneas de micélio.
  9. Plantar árvores e arbustos diversos e autóctones nos jardins e bordaduras, o que vai trazer fungos ectomicorrízicos para o jardim e com eles belos cogumelos silvestres. Se houver o perigo de ingestão por crianças ou animais de companhia, basta cortar e descartar os cogumelos que forem aparecendo.
Brigada de lixo e parceiros das árvores
Nem todos os fungos vivem da mesma forma. Entre os fungos filamentosos, desde logo, existem três tipos principais, incluindo os saprófitas, “a brigada de lixo da natureza”. “Um tronco que caia ao chão já não está lá ao fim de algum tempo, porque entretanto os fungos fizeram o seu trabalho”, menciona a investigadora da Universidade de Coimbra, que sublinha que estes seres “são os únicos capazes de decompor os polímeros complexos que constituem a madeira”. No Jardim Gulbenkian, por exemplo, podem ver-se cogumelos do choupo (Cyclocybe aegerita), que se alimentam das partes mortas das raízes dos choupos estão num relvado ali perto. Dentro do mesmo grupo, neste espaço verde também se podem ver cogumelos do género Ganoderma e ainda o curioso gaiola-de-bruxa (Clathrus ruber).

Cogumelo do choupo Cyclocybe aegerita © Paula Côrte-Real

Pormenor do cogumelo do choupo Cyclocybe aegerita © Paula Côrte-Real

Já os fungos micorrízicos vivem em associação com as raízes das plantas, numa parceria em que estas sintetizam e fornecem carbono aos primeiros, que por sua vez exploram o solo e lhes dão os elementos minerais de que precisam. “Muitas das plantas em Portugal são dependentes de fungos micorrízicos”, afirma Susana, que distingue entre vários tipos de relações, diferentes consoante o tipo de fungos e plantas envolvidos.

Entre estas, uma das relações mais fascinantes são as ectomicorrizas, descobertas no final dos anos 1880. Nesses casos, “as pontas das raízes parece que calçaram uma meia de fungos”, brinca Susana, que esclarece que existem “imensos fungos que investiram neste tipo de relação”. Muitas vezes envolvendo árvores, as ectomicorrizas costumam associar fungos que frutificam como cogumelos silvestres muito apreciados – como boletos ou cantarelos – a carvalhos, pinheiros, abetos, bétulas e castanheiros, exemplifica.

Por fim, os fungos parasitas, ao contrário dos micorrízicos, são os únicos que beneficiam das relações que estabelecem. “Podem ser parasitas de árvores, insetos ou mesmo de outros fungos”, indica Susana, que esclarece que a morte do hospedeiro muitas vezes não é imediata. “Num sistema em equilíbrio, um fungo parasita e uma árvore podem coexistir por muitas décadas. Só quando a árvore fica fragilizada é que pode acabar por sucumbir.”

Aliás, sublinha a investigadora, alguns parasitas são muito importantes porque se alimentam da parte central da árvore, onde não passa seiva. “Devemos lembrar-nos que uma árvore pode viver infectada por um fungo parasita durante décadas antes de mostrar sintomas de doença e sucumbir. Esse mesmo fungo pode, por exemplo, contribuir para a criação de cavidades que, por sua vez, são importantes para insetos, aves e pequenos mamíferos.”

A relação dos fungos com outras espécies num jardim não se fica por aqui. Muitos cogumelos servem de casa a diferentes invertebrados. Já os esquilos e as lesmas preferem comê-los, tal como muitos humanos.

Chapéu-leitoso Lactarius torminosus © Paula Côrte-Real

Cogumelo esquizófilo-comum Schizophyllum commune © Paula Côrte-Real

Se for apanhar cogumelos
Quanto à apanha destas “maçãs” dos fungos para a alimentação, Susana deixa também alguns conselhos gerais:
  1. Não apanhar todos os cogumelos (apanhar 1/3 é uma boa regra) que estão a frutificar numa dada área. Por um lado, para que dispersem os esporos; por outro, para que outros (humanos e outros animais) também possam usufruir deles.
  2. Apanhar apenas cogumelos maduros, que já libertaram os esporos (e que também são mais difíceis de ser confundidos com espécies tóxicas).
  3. Não usar ancinhos ou outras ferramentas que perturbem o solo.
  4. Repor sempre folhas mortas, musgos ou ramos que possam ter sido remexidos durante a apanha para prevenir a dessecação do solo e promover a integridade do habitat.
  5. Não apanhar sempre na mesma área para evitar a compactação do solo devido ao pisoteio.
  6. Usar cestos, que permitem a dispersão dos esporos e promovem o arejamento.
E por último, termos sempre certeza absoluta da espécie que apanhámos, pois a ingestão do cogumelo errado pode levar à morte, o que já sucedeu a famílias inteiras. “Em caso de dúvida, não coma!!”, alerta a mesma responsável.

O Jardim Gulbenkian promove um conjunto de visitas sobre como tornar os nossos jardins, parques e terrenos, tanto no interior das cidades como fora, em espaços mais acolhedores para vida silvestre – fundamental para a vida na Terra! Estas visitas são acompanhadas pela revista Wilder que, em parceria com a Fundação Gulbenkian, publica artigos sobre cada um dos temas.

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

O potencial inexplorado do cogumelo comedor de plástico da Amazónia


Muito antes de haver árvores, a Terra foi invadida por cogumelos gigantes. Os fungos apareceram pela primeira vez há mais de um bilhão de anos como dedos de fungos de três metros de altura que dominavam a paisagem, enquanto as plantas existem há meros 700 milhões de anos, estreando como arbustos desalinhados. Cerca de um bilião de anos depois, o humilde cogumelo é um campeão improvável na guerra contra o lixo plástico, graças à descoberta de um cogumelo comedor de plástico.

O maravilhoso cogumelo comedor de plástico

Nos 100 anos desde que foi inventado, o plástico deixou de ser um material maravilhoso para economizar tempo e se tornou um flagelo moderno, entupindo nossos aterros sanitários, matando a vida marinha e girando em torno de nossos oceanos em enormes giros de lixo do tamanho de países. Quando os alunos da Universidade de Yale encontraram Pestalotiopsis, nas florestas tropicais do Equador em 2011 , eles descobriram o primeiro fungo que não só tem um apetite voraz por plástico, mas também pode prosperar em ambientes com falta de oxigênio, como aterros sanitários. Eles têm um gosto bom também. A designer austríaca Katharina Unger se uniu a cientistas da Universidade de Utrecht, na Holanda, para desenvolver o Fungi Mutarium , que usa vagens de gelatina de ágar que nutrem o fungo com açúcares e amido até que o plástico tratado com UV seja colocado no meio. Leva alguns meses para o fungo digerir completamente o plástico, deixando uma xícara inchada, semelhante a um cogumelo, com sabor doce e cheiro de alcaçuz . Os cientistas prevêem que as famílias possuam uma versão em menor escala para reciclar seus resíduos plásticos e centros comunitários de reciclagem com sistemas maiores.

O sistema radicular dos cogumelos, micélio, é intrincado e pode se estender por quilômetros. A maior coisa viva na Terra é a rede micelial de um fungo de cogumelo de mel em Oregon, nos EUA, que cobre 8,8 quilômetros quadrados apenas alguns centímetros abaixo do solo da floresta e tem cerca de 2.400 anos de idade. Todo outono, o ' Humonous fungus ' aparece centenas de cachos de belos cogumelos amarelo-mel do chão da floresta. Mais de 90% das plantas estão entrelaçadas com redes miceliais que estão intimamente entrelaçadas em todo o seu ciclo de vida. Os fungos simbióticos podem até ligar as plantas em uma rede intrincada conhecida como “teia da madeira”, que compartilha água e nutrientes. As plantas, por sua vez, "alimentam" os fungos com carboidratos.

Usando cogumelo como uma alternativa de plástico

No grande sucesso de 1967 The Graduate , o graduado da faculdade de Dustin Hoffman, Benjamin, de 21 anos, é encurralado em sua festa de formatura por um amigo bem-intencionado de seus pais, que oferece conselhos sobre uma futura carreira com apenas uma palavra: plásticos. Ironicamente, hoje em dia, essa palavra poderia muito bem ser cogumelos. Em março de 2021, a estilista britânica Stella McCartney estreou um top corpete preto de 'couro' e calças feitas com micélio . Mas McCartney não é o único estilista que faz roupas com fibra de cogumelo. Grandes marcas como Adidas, Lululemon e Hermés anunciaram que lançarão linhas de roupas feitas de micélio, uma alternativa de couro mais saborosa do que a infame 'pele' derivada do plástico.

Cogumelos também estão sendo cultivados como materiais de construção alternativos em Seattle. A dupla Eben Bayer e Gavin McIntyre está transformando o material de cogumelos em um produto popular multiuso. Depois de se formar em engenharia mecânica e design de produtos em 2007, a dupla criou um novo processo para ligar partículas usando cogumelos. Naquele ano, eles fundaram uma empresa chamada Evocative Design, e logo depois os jovens de 26 anos lançaram chinelos que são 100% biodegradáveis. Eles seguiram com o Greensulate, uma placa orgânica resistente ao fogo feita de água, farinha, esporos de cogumelo ostra e um mineral chamado Perlita. A Bayer e a McIntyre dizem que o produto será tão bom quanto a maioria das marcas de isolamento porque é tão resistente ao fogo quanto o isolamento de fibra de vidro comercial. A empresa chama seu processo de crescimento de 'biologia programável'. Em uma semana a 10 dias, são cultivados quilômetros de fibra de cogumelo fina e superaderente que pode ser moldada em praticamente qualquer formato. “Os produtos literalmente crescem sozinhos. No escuro. Com pouco ou nenhum contato humano”, diz McIntyre. A Evocative Design até deu uma nova virada nos substitutos da carne, cultivando placas de micélio, que podem ser cortadas em bacon.

Os potenciais inexplorados dos cogumelos
Cogumelos podem até mesmo substituir herbicidas desagradáveis. O botânico irlandês Brian Murphy descobriu em 2015 que o cultivo de fungos pouco conhecidos chamados endófitos dentro das plantas ajuda a defendê-los contra doenças, mas não danifica as plantas. Em vez de comprar sementes revestidas com um inseticida contendo neonicotinóides, que dizima as colónias de abelhas, os agricultores comprariam sementes contendo esporos de endófitos, que entrariam na plantação e aumentariam a tolerância à seca, insetos e patógenos, uma técnica chamada 'bio- priming '. A descoberta é uma benção para os agricultores que lutam contra patógenos resistentes a herbicidas. Os endófitos também ajudam as plantas a crescer em condições inóspitas, onde poucos organismos podem sobreviver. Os endófitos foram testados nas areias betuminosas de Athabasca, na Antártica e a 21.000 pés no Monte Everest.

O empresário original dos cogumelos, Paul Stamets, é um especialista improvável. Começou sua carreira na floresta como madeireiro, não como cientista. Em seu livro inovador Mycelium Running , Stamets escreve liricamente sobre sua paixão, descrevendo o micélio como “a rede neurológica da natureza”, uma “membrana senciente” que tem “em mente a saúde a longo prazo do ambiente hospedeiro”. Em 1980, fundou uma empresa chamada Fungi Perfecti que vende produtos de cogumelos e desenvolve aplicações de cogumelos para remediação ambiental. Em 1997, Stamets teve um palpite de que os cogumelos poderiam absorver o óleo, então ele se uniu a pesquisadores do estado de Washington para conduzir experimentos usando cogumelos para decompor o solo contaminado com diesel. Eles descobriram que, após dois meses, os cogumelos haviam removido 97% de uma substância química pesada que outros métodos falharam consistentemente em quebrar. Após o acidente de Chernobyl em 1986, os pesquisadores ficaram surpresos ao descobrir algumas espécies de fungos que prosperam em partículas radioativas. “É prejudicial para os tecidos vegetais e animais, mas esses fungos de alguma forma o capturam [urânio] como as plantas capturam a luz do sol e a usam para alimentar seu metabolismo”, escreveu Jim Wells em Sound Consumer. Quando o derramamento de óleo da Deepwater Horizon cobriu o Golfo do México,micobooms 'feitos de cânhamo, uma fibra natural resistente à podridão em ambientes marinhos. As barreiras foram preenchidas com palha e micélio para absorver e digerir o óleo na superfície do oceano.

Cogumelo comedor de plástico e o dilema de desenvolvimento do Equador

De volta ao Equador, o cogumelo comedor de plástico define o dilema do desenvolvimento daquele país. Presos entre a Scylla da destruição da floresta tropical para a riqueza do petróleo e os Charybdis de gerações intermináveis ​​de pobreza esmagadora para preservar a floresta tropical de graça, os líderes do Equador só foram capazes de olhar impotentes para as ricas corporações ocidentais, especialmente farmacêuticas, fazendo bilhões com produtos derivados da Amazónia. Em 2007, o então presidente Rafael Correa tentou monetizar a preservação da Amazônia com um plano único e ambicioso para persuadir os países ricos a pagar ao Equador por uma moratória na exploração de petróleo no remoto Parque Nacional Yasuní, que foi declarado reserva mundial da biosfera pela ONU em 1989. Correa buscou US$ 3,6 bilhões em contribuições, metade dos estimados US$ 7,2 bilhões em reservas comprovadas do parque. Mas ele suspendeu a moratória em 2013, depois que o Equador levantou apenas US$ 13 milhões.

A atração da riqueza do petróleo no Equador dividiu duas irmãs que eram inseparáveis ​​quando crianças na remota comunidade de Sana Isla no rio Napo, no Equador. Três gerações atrás, a tribo Kishwa de Sana Isla ainda usava zarabatanas e só recentemente fez contato com o mundo exterior. A pequena comunidade está em um dos lugares mais biodiversos da Terra. Os cientistas dizem que um único hectare nesta parte da Amazônia, na interseção dos Andes, Equador e bacia amazônica, contém uma variedade de vida maior do que em toda a América do Norte, incluindo o cogumelo comedor de plástico Pestalotiopsis microspor. Mas por baixo de toda essa vida está perto de um bilião de barris de petróleo. Quando a maior empresa petrolífera do Equador, Petroamazonas, fez uma oferta em 2011 para iniciar pesquisas sísmicas em sua terra natal,os petrodólares são vitais para o futuro da comunidade . A empresa finalmente recuou diante de uma forte oposição.

A gigante petrolífera americana Texaco chegou ao Equador em 1964. Quando partiu, quase 30 anos depois de ser comprada pela Chevron, extraiu 1,5 biliões de barris de petróleo do Equador, mas deixou para trás o que ficou conhecido como 'Amazónia Chernobyl', um poço de 1.700 - zona de desastre ambiental de milha quadrada, onde admitiu despejar 72 bilhões de litros de água tóxica que invariavelmente acabavam no abastecimento de água e abrir 1.000 poços de lixo sem revestimento no chão da selva. Incrivelmente, a Chevron perdeu o processo inevitável e reuniu uma equipe de 2.000 advogados para apelar ferozmente da multa de $ 9,5 bilhões, prometendo “… lutar até o inferno congelar, e então vamos lutar no gelo”.

Enquanto o combate legal se alastrava, as taxas de câncer disparavam e milhares de hectares de solo intocado foram envenenados, ameaçando os quase 4.000 tipos de plantas documentados em torno de Sana Isla, incluindo o maravilhoso cogumelo comedor de plástico do Equador.

terça-feira, 19 de abril de 2022

Os cogumelos comunicam entre si



Quando pensamos em cogumelos, pensamos em pequenos fungos encontrados no meio da floresta, ou na maior parte das vezes, já no supermercado prontos para consumo. Mas a verdade é que são mais do que isso: são organismos que sabem comunicar.

Uma investigação da Universidade do Oeste da Inglaterra (UWE), financiada pelo programa europeu Horizonte 2020, indica que os cogumelos utilizam sinais elétricos, idênticos à linguagem humana, para comunicar e passar informações entre si. Esta atividade foi analisada em quatro espécies de fungos: Flammulina velutipes, Schizophyllum commune, Omphalotus nidiformis e Ophiocordyceps sinensis. Os picos da atividade elétrica agrupavam-se e eram semelhantes a um vocabulário de até 50 palavras. As espécies Schizophyllum commune e Omphalotus nidiformis apresentaram o maior vocabulário, tendo a primeira criado as frases mais complexas.

Os autores são sabem justificar a descoberta, no entanto, reconhecem que não se trata de algo aleatório. Ainda assim, não querem, para já, definir esta atividade como uma verdadeira linguagem.

“Apesar de interessante, a interpretação como linguagem parece demasiado e iria exigir muito mais investigações e testes de hipóteses críticas antes de vermos a ‘Fungus’ no Google Tradutor”, afirma Dan Bebber, membro do comité de investigação de biologia fúngica da British Mycological Society, ao The Guardian.

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

O que procurar no Outono: Cogumelos no bosque


Há mais de 3.000 espécies de cogumelos registadas em Portugal, a maior parte delas mais visíveis no Outono. A Wilder pediu ajuda a Rute Rainha Pacheco, engenheira agrícola e técnica de micologia que realiza passeios guiados, e dá-lhe a conhecer dez espécies que pode observar nos bosques portugueses.

Alguns cogumelos são comestíveis, mas o melhor é arriscar apenas a apanha quando for acompanhado por técnicos certificados. Até lá, delicie-se a encontrá-los nos troncos das árvores e escondidos entre a vegetação e tente adivinhar a que espécies pertencem.



Frade (Macrolepiota procera) – Este cogumelo é conhecido por frade, roca, fuso ou chapeuzinho. Tem um anel que se move e muitas escamas no chapéu bege, que é muito grande e chega a ter o tamanho de um prato. O pé tem também muitas escamas. Nasce sempre aos pares e encontra-se muito facilmente, normalmente ao pé de pinheiros, em terrenos férteis.

O frade é um cogumelo comestível e o mais conhecido em Portugal. Em Trás-os-Montes, muitas vezes é comido assado nas brasas. É necessário cuidado pois pode confundir-se com o Macrolepiota venenata, tóxico quando ingerido. Neste último, há algumas diferenças, como o facto de o pé não ter escamas e de o anel não se mover.

Foto: Rute Rainha Pacheco

Boleto (Boletus edulis) – Este é outro cogumelo muito conhecido em Portugal. Tem um pé muito gordo e com chapéu grande e de cor clara, mas acastanhado nas margens. O pé parece ter o rendilhado de uma meia de vidro e quando se abre não oxida.

São cogumelos grandes, que chegam a pesar um quilo, e comestíveis, aproveitando-se tudo. Normalmente ocorrem nas raízes de carvalhos, castanheiros, sobreiros e coníferas. Já o Boletus pinophilus é outro do mesmo género que ocorre ao pé de pinheiros, também comestível.

Foto: Andreas Kunze / Wiki Commons

Cantarelos (Cantharellus cibarius) – Também apelidados de rapazinhos, estes cogumelos frutificam tanto no Outono como na Primavera, normalmente por baixo de carvalhos, mas também ao pé de pinheiros.

São amarelos ou alaranjados e pequeninos, com um cheiro doce, apresentando pregas em vez de lâminas por baixo do chapéu. Sendo comestíveis, há quem os cozinhe para compota.

Foto: Petitrap / Wiki Commons

Sanchas (Lactatus deliciosus) – Podem observar-se no Outono. Estes cogumelos são muito conhecidos em Trás-os-Montes e muito apreciados. A margem do chapéu, que pode medir de 5 a 15 cm de diâmetro, é enrolada para baixo. São alaranjados, com algumas zonas mais vermelhas.

Encontram-se por baixo ou ao pé de pinheiros e aparecem sempre em grupos. Oxidam muito facilmente. Se se cortar o pé para cozinhar e deitarem um latex branco ou amarelo, devem-se rejeitar. Se o latex for laranja ou vermelho, são Lactatus sanguinophorus, igualmente comestíveis e muito apreciados.

Foto: Rute Rainha Pacheco

Língua de vaca (Fistulina hepatica) – Este cogumelo é curioso: parece realmente uma língua de vaca, tal como o nome comum indica, podendo confundir-se também com um fígado. Observa-se nos troncos de castanheiros e carvalhos, em soutos mais antigos, e o chapéu é gelatinoso e pode atingir até 25 centímetros de diâmetro. Não tem pé.

Na zona inferior do baixo do chapéu, este cogumelo tem uma esponja que se retira quando se pretende cozinhar. Pode ainda ser consumido crú, cortado em pequenas fatias.

Foto: Selso / Wiki Commons

Pé-de-cabra (Hydnum repandum) – Os pés-de-cabra aparecem em meses mais frios, já no final do Outono e durante o Inverno. Têm os chapéus de cor branca com tons de beje, que por baixo apresentam uma espécie de agulhinhas, em vez de lâminas. São pequeninos, com cerca de cinco centímetros de diâmetro, e têm a forma de um pezinho – daí o nome comum pelo qual são conhecidos.

Estes cogumelos não são muito fáceis de encontrar, mas os seus locais favoritos são bosques de carvalhos e de pinheiros. São comestíveis mas é necessário retirar as agulhas todas, com uma faca, pois estas são muito amargas.
Foto: Rute Rainha Pacheco

Cogumelo-dos-césares (Amanita caesarea) – Estes cogumelos parecem quase sempre nascer de um pequeno ovo, conhecido como vulva, de onde sai o pé. A parte de baixo fica como que partida ao meio. Encontram-se em bosques de carvalhos e de castanheiros.

Na altura da Roma Antiga, eram já um manjar muito apreciado pelos imperadores. Todavia, é necessário cuidado, pois podem confundir-se com os Amanita muscaria, que pertencem ao mesmo género.

Alguns cogumelos tóxicos:

Foto: Rute Rainha Pacheco

Cicuta verde (Amanita phalloides) – É provavelmente o cogumelo que mata mais pessoas na Península Ibérica. Confunde-se muito com o Tricholoma equestre, este último mais conhecido por míscaro e igualmente tóxico – mas de uma forma diferente, pois envenena por acumulação. Esta espécie está presente em todos os tipos de bosques.

Quando se apanha deve ver-se a parte de baixo, pois parece nascer de um pequeno ovo (conhecido por vulva), o que o distingue dos míscaros. Pode ser fatal quando é ingerido, especialmente devido aos problemas que causa no fígado e que só se manifestam através de sintomas quando os danos são já irreversíveis.

Foto: Rute Rainha Pacheco

Amanita mata-moscas (Amanita muscaria) – De chapéu vermelho e com pintinhas brancas, é a espécie que inspira as ilustrações os livros infantis em que se fala de cogumelos.

Também conhecido por rebenta-boi, o Amanita mata-moscas pode causar alucinações a quem o ingere. Provoca também distúrbios alimentares muito abundantes. Encontra-se tanto em pinhais como em bosques de carvalhos.

Foto: Jerzy Opiola / Wiki Commons

Míscaros (Tricholoma equestre) – É o cogumelo utilizado nos festivais de míscaros que se realizam por norma no Outono, tendo vários nomes comuns, incluindo míscaro amarelo e também tortulho. Costuma aparecer em pinhais.

No entanto, em países como Espanha e França a apanha é proibida por lei, pois desde há vários anos que se sabe que é um cogumelo tóxico.

“Não mata de uma vez só, mas sim por acumulação”, explica Rute Pacheco. Em causa está uma doença muscular degenerativa, a rabdomiolise, que surge por vezes apenas passados alguns anos, quando esta espécie é consumida em doses sucessivas.

Quais os cuidados que deve ter na apanha de cogumelos?
Antes de tudo, deve ter certeza sobre as espécies que está a apanhar e limitar a quantidade com base no que pretende consumir. Rute Rainha Pacheco sublinha que nunca se devem arrancar cogumelos, mas sim cortá-los junto ao solo, para deixar os micélios debaixo da terra e assim permitir que não sequem. Para isso, também é útil cobrir a zona na qual se apanhou o cogumelo.

Outro cuidado a ter é utilizar cestos de vime na apanha e não sacos de plástico ou outros recipientes. “Os cogumelos desta forma não se deterioram e vão espalhando os esporos através dos buraquinhos no cesto, enquanto são transportados”, explica.

Se quiser conhecer mais sobre estes fungos, pode também ler as informações que constam deste artigo, sobre uma exposição que se realizou esta semana no Museu Nacional de História Natural e da Ciência.

segunda-feira, 28 de junho de 2021

Esta é a Lista das Espécies Perigosas em Portugal

Portugal é o habitat de algumas espécies perigosas, apesar de ser um dos países com o menor número. Da flora à fauna, algumas das espécies podem oferecer grande perigo para os humanos, especialmente para as crianças e idosos ou doentes crónicos e com hipersensibilidade, incluindo traumatismos irreversíveis e até a morte.

Conheça a lista com algumas das espécies mais perigosas em Portugal, que inclui animais, vegetais e até fungos.

Espécies venenosas e potencialmente letais
No grupo de ofídios, as atenções viram-se para a Víbora-cornuda e para a Víbora-de-seoane. Com apenas uma mordida destas duas cobras, na região da cabeça, pescoço ou tórax pode causar graves danos, especialmente a crianças, idosos e doentes crónicos. Os sintomas podem ser vários e com níveis de gravidade distintos, desde uma dor local, a taquicardia, hipotensão, raramente, morte por infeção ou hemorragia.

Os cogumelos também fazem parte da lista de espécies perigosas em território nacional, sendo consideradas venenosas e potencialmente letais. O Chapéu-da-morte, Anjo-destruidor-europeu e Anjo-da-morte, logo pelos nomes atribuídos indicam que podem trazer graves problemas para a saúde do ser humano.

Nas primeiras horas de ingestão destes fungos, ocorrem normalmente náuseas, vómitos, diarreia, hipotensão, desequilíbrio. Entre as 24 e 48 seguintes, podem surgir sintomas gastrintestinais e degeneração das funções dos rins e do fígado, sendo estes danos irreversíveis e levar à morte, em situações mais graves.

No que diz respeito a plantas, podemos encontrar várias espécies perigosas. Destacamos a Cicuta e a Dedaleira.

A primeira existe espalhada por todo o país, pelo que merece especial atenção. Uma vez que toas as partes da planta são extremamente venenosas por causa da cicutina que a compõe, apresenta inúmeros perigos aquando ingerida. Ardor na boca, vómitos, paralisia progressiva dos músculos, convulsões e paragem cardiorrespiratória são alguns deles.

A Dedaleira também pode ser encontrada em todo o país, mas a Serra da Estrela (e o Parque Natural de Sintra-Cascais, em menor quantidade) é o seu habitat preferido. Se está a pensar viajar até lá, preste atenção e não se deixe seduzir pela beleza desta planta!

Apesar ser utilizada para fins medicinais, o seu consumo desinformado e em alta dosagem pode ser letal, devido ao veneno que possui. Alguns dos sintomas podem passar por ardor na boca e garganta, vómitos, náuseas e, em casos agravados, paragem cardiorrespiratória.
Dedaleira, uma das espécies de plantas mais perigosas em Portugal.
FOTOGRAFIA DE © JOSÉ VENTURA, INSTITUTO DA CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E DAS FLORESTAS – ICNF


Espécies Traumatogénicas
As espécies traumatogénicas são potencialmente letais devido à suscetibilidade de ataques deliberados.

De todos os mamíferos, destacamos o Lobo-ibérico, também conhecido como Canis lupus signatus, que se encontra em vias de extinção e foi um dos animais portugueses fotografado por Joel Sartore. Este animal pode ser encontrado essencialmente no Minho, em Trás-os-Montes e na Beira Alta.

Pode pesar até 40kg e a sua mordedura pode causar lesões traumatogénicas graves, ou fatais. Contudo, em Portugal os registos dos seus ataques estão essencialmente ligados a gado, e não a humanos, de acordo com o Life MedWolf.

Quanto aos peixes, a Moreia-pintada e a Moreia-preta, geralmente existentes na Costa de Portugal Continental, Açores e Madeira, também podem causar lesões traumatogénicas.

As mordeduras destes dois peixes podem dar origem a ferimentos grandes, dolorosos e, até mesmo, irreversíveis.
Víbora Cornuda
FOTOGRAFIA DE ©PARQUE DE SINTRA - MONTE DA LUA | CASA DA IMAGEM


Espécies potencialmente perigosas
Desde aracnídeos, quilópodes, peixes, insetos e cnidários e Equinodermes, são várias as espécies potencialmente perigosas em Portugal.

Dentro dos aracnídeos, as atenções vão para a famosa Viúva-negra-mediterrânica, que predomina a região do Alentejo e Algarve, especialmente nas zonas rurais. O veneno desta aranha é transmitido para si através de uma picada e pode atingir vários níveis de gravidade, que vão desde dor intensa, cãibras, rigidez muscular, dificuldade respiratória, hipertensão, choque e até morte.

Dentro do grupo de quilópodes, encontramos as centopeias mediterrânica e comum. Uma picada desta espécie possui veneno de baixa toxicidade para os seres humanos, mas que provoca dores intensas, vermelhidão e edema. Das duas, a centopeia-comum é a menos perigosa.

Na categoria dos peixes, cnidários e equinodermos, temos vários animais perigosos, incluindo o peixe-aranha, a caravela portuguesa e os ouriços do mar.

O peixe-aranha não é um animal agressivo e as suas picadas são o resultado de qualquer ataque que eles sintam por parte do ser humano, normalmente quando são pisados. Posto isto, a zona dos pés é a região mais afetada do corpo.

Se for picado por um peixe-aranha, é comum que sinta uma dor intensa no local que sofreu o ataque, vermelhidão, dormência, náuseas, dores de cabeça, cólicas ou tremores.

A caravela portuguesa, tal como as alforrecas, com as suas picadas, transmite um veneno tóxico para os seres humanos, deixando-os com dores, caibras, queimaduras e bolhas. Para pessoas com hipersensibilidade, os danos podem ser mais graves, com risco de vida.

O ouriço do mar é um equinoderme que também afeta os seres humanos com um veneno de baixa toxicidade, através de picadas. Raramente causam sintomas, mas os seus espinhos são bastante dolorosos e muito difíceis de retirar do corpo.

A lista completa possui ainda mais espécies do que as mencionadas no artigo e pode sofrer alterações a qualquer momento, devido ao perigo de extinção de alguns dos animais e plantas, por exemplo.