Exploração de lítio, cobalto, terras raras? Votações do regulamento das matérias-primas essenciais na União Europeia iniciam-se na próxima semana.
Face à aceleração das discussões e negociações no Parlamento Europeu, várias comissões votarão o Regulamento relativo às matérias-primas essenciais (CRMA na sigla em Inglês) na próxima semana. No contexto deste rápido progresso, 42 organizações não-governamentais, entre as quais a ZERO, levantaram uma bandeira vermelha, expressando sérias preocupações de que as agendas económicas e industriais possam ofuscar a importância das regulamentações ambientais e dos direitos das comunidades locais. Esta decisão crucial pode abrir um precedente – será favorecida a indústria ou defender-se-á a integridade ambiental e os direitos das comunidades?
Matérias-primas críticas: importância económica e riscos de aprovisionamento
A Comissão Europeia considera que as matérias-primas essenciais (CRM) são elementos-chave na economia europeia, tendo por base a identificação das CRM em função da sua importância económica e dos riscos de aprovisionamento. A União Europeia (UE) depende de materiais importados, provenientes, na sua maioria, de poucos países.
A dependência de matérias-primas estrangeiras foi colocada sob os holofotes pela pandemia de COVID-19 e as subsequentes crises energéticas, enfatizando a vulnerabilidade da UE a interrupções na cadeia de abastecimento. Olhando para o futuro, espera-se que a procura de CRM aumente, alimentando a concorrência pelos recursos à escala global.
A UE reconhece 34 CRM, entre as quais seleciona um grupo de 16 materiais considerados matérias-primas estratégicas. Estes elementos não são apenas críticos para as indústrias atuais, mas são também parte integrante de setores emergentes como a tecnologia verde, a transformação digital, a defesa e a indústria aeroespacial.
Para fazer face a estes desafios, a Comissão Europeia propôs, em 16 de março de 2023, o EU Critical Raw Materials Act (CRMA). Esta legislação foi elaborada para reforçar a capacidade da União para extrair, processar e reciclar estas matérias-primas estratégicas e diversificar as suas fontes de importação fora das fronteiras da UE, criando assim uma cadeia de abastecimento mais resiliente e sustentável.
Equilibrar Desenvolvimento e Responsabilidade: um Imperativo para a Mudança
O setor de mineração continua a apresentar ameaças significativas aos direitos humanos, à integridade ambiental e às comunidades locais. As comissões estão prestes a dar um passo decisivo no sentido de reconhecer as graves consequências das atividades mineiras sem controlo. A mudança pode ser orientada para uma gestão sustentável dos recursos através da circularidade e contrariando o aumento descontrolado da procura. É essencial que estes votos façam face às questões prementes que afetam desproporcionalmente os povos indígenas, as mulheres e os trabalhadores. Estes grupos suportam frequentemente o peso das violações dos direitos humanos, da degradação ambiental e da corrupção inextricavelmente ligadas às atividades mineiras. O Business and Human Rights Resource Centre regista 510 denúncias de abusos de direitos humanos no setor de mineração ocorridas nos últimos 12 anos, envolvendo recursos críticos como cobalto, cobre, lítio, manganês, níquel e zinco.
Apelamos a que o Parlamento Europeu corrija as deficiências dos sistemas de certificação na legislação proposta. As atuais disposições para a certificação de Projetos Estratégicos carecem de uma abordagem multilateral e de limites claros que garantam as questões ambientais e os direitos humanos. Defendemos que se vá além da dependência exclusiva da certificação, elevando as estruturas de governação e conferindo poder à Comissão Europeia para realizar análises independentes. A certificação deve complementar as avaliações rigorosas dos direitos humanos e do desempenho ambiental e não substituí-las. Estas medidas podem ajudar o Parlamento Europeu a garantir normas de sustentabilidade escrupulosas e a salvaguardar os direitos humanos e o ambiente no âmbito de Projetos Estratégicos.
Face às mudanças geopolíticas mundiais, à diminuição da produção de minério e ao aumento dos custos da energia, a UE precisa de reduzir a sua dependência das matérias-primas primárias. As políticas de suficiência, como o CRMA, podem diminuir a procura na UE e contrariar o desperdício no consumo. Ao moderar a procura, a UE pretende reforçar a resiliência, atenuar os riscos de violações dos direitos humanos e de danos ambientais, cumprir os objetivos climáticos da UE, promover a inovação e melhorar o bem-estar dos cidadãos europeus.
Os deputados ao Parlamento Europeu podem então criar um caminho para um futuro definido pela sustentabilidade e resiliência, onde os ecossistemas são preservados e uma economia global justa e sustentável é promovida.
Para Francisco Ferreira, Presidente da ZERO, “As votações nas várias comissões da próxima semana serão fundamentais na defesa dos direitos humanos e da proteção ambiental nas políticas de matérias-primas. A visão com impactes líquidos zero implica uma abordagem das causas profundas dos problemas, não apenas dos sintomas. A ação decisiva e a redução da procura podem estimular a inovação, reduzir a extração e conduzir-nos a um futuro sustentável protegendo as pessoas e o planeta.”
A ZERO, em linha com outras organizações de toda a europa apela ao respeito por seis princípios:
- A UE deve reduzir ativamente o consumo de matérias-primas em, pelo menos, 10 % até 2030 através de medidas como a eliminação progressiva dos produtos descartáveis que contêm matérias-primas essenciais, a implementação de um sistema de passaporte dos materiais e a promoção da eficiência dos materiais e de materiais alternativos.
- O CRMA não deve basear-se apenas em sistemas de certificação, mas deve realizar uma avaliação rigorosa dos direitos humanos e do desempenho ambiental, incluindo a governação multilateral, o cumprimento de normas, as regras de divulgação, os mecanismos de reclamação e as auditorias públicas.
- O foco do CRMA na segurança do abastecimento da UE deve priorizar as normas, a participação da sociedade civil e a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente em países terceiros, alinhando parcerias com acordos internacionais, implementando mecanismos de monitorização, apoiando a industrialização doméstica, envolvendo a sociedade civil e os povos indígenas, garantindo transparência e evitando o desrespeito pelos compromissos.
- A aceleração dos procedimentos de licenciamento para projetos de matérias-primas essenciais deve equilibrar a proteção ambiental, a participação pública com a agilização dos prazos, incorporando elementos como o consentimento livre, prévio e informado (FPIC), os direitos indígenas e fazendo referência a acordos internacionais, alocando recursos, garantindo transparência e proibindo a mineração em alto mar.
- Dar prioridade a uma abordagem de economia circular no CRMA é crucial para o sucesso do Pacto Ecológico Europeu e para a autonomia da UE, através da implementação de uma estratégia de reciclagem, coerência com a hierarquia de resíduos, metas mais ambiciosas para a capacidade de reciclagem, otimização da recolha e separação de componentes, metas de conteúdo reciclado, medidas para contratos públicos e regulamentos abrangentes para a recuperação e remediação de resíduos mineiros.
- O CRMA deve incluir regras abrangentes para o cálculo e a verificação da pegada ambiental das matérias-primas essenciais, considerando os critérios relativos à pegada ambiental significativa, à circularidade e ao impacto da reciclagem, as normas internacionais, a consulta das partes interessadas, os pareceres científicos, as declarações sobre a pegada ambiental e o estabelecimento de classes de desempenho através de atos delegados.
Um apelo aos eurodeputados
À medida que se aproximam as próximas votações nas comissões do Parlamento Europeu, mantemo-nos atentos e expectantes. Estas decisões terão implicações profundas na proteção ambiental e dos direitos humanos e na gestão sustentável dos recursos. Aos eurodeputados das várias comissões é confiada a responsabilidade de fazer escolhas que moldarão não só a paisagem económica, mas também o futuro do nosso planeta e das suas comunidades. Esperamos que estejam à altura, aproveitando as suas funções para defender a redução do consumo de recursos, padrões de sustentabilidade mais fortes e uma avaliação abrangente dos direitos humanos e do desempenho ambiental. As suas ações podem abrir um precedente para um mundo mais sustentável e equitativo, garantindo o bem-estar do ambiente e das pessoas. Fazemos votos de que possamos testemunhar uma escolha pela sustentabilidade, resiliência e justiça.