• Miguel Sousa Tavares, Quem foi que não pediu a troika? [hoje no Expresso]:
- «1. (…) Porém, o segundo Governo Sócrates apanhou em cheio com as consequências da crise das dívidas soberanas, desencadeada pelo estouro da economia de casino fomentada nos Estados Unidos. Foi Sócrates quem ouviu então, da boca de Merkel, que os tempos não estavam para cortes, mas sim para políticas de expansão que evitassem uma crise global, como a de 29. E foi ele que, logo a seguir, ouviu a orientação oposta: cortar, cortar, cortar, só o controlo do défice público interessava. Durante esses anos de inconsciência final, não me lembro de ter ouvido alguém - partidos, empresários, banqueiros, gente da cultura, das FA - que pregasse consistentemente o corte da despesa do Estado. Pelo contrário: se os governos de Sócrates fizeram auto-estradas e criaram uma imensa massa salarial no Estado, os governos de Cavaco haviam feito bem pior; se o Governo Sócrates sonhou com uma linha de TGV assumidamente condenada ao prejuízo, o Governo de Durão Barroso chegou a projectar seis (!). Alguém se lembra de ter ouvido o país ou os seus representantes pedirem menos hospitais, menos estradas, menos gastos com medicamentos, menos autarquias, menos institutos públicos? Julgo que todos nos lembramos do que aconteceu no estertor final do segundo Governo Sócrates. Ele tinha vindo de Bruxelas e de Berlim com o apoio da UE e de Merkel ao PEC 4. Ninguém pode saber se mais um PEC teria sido suficiente para evitar o pedido de assistência e a vinda da troika, como sucedeu em Espanha. Mas, no imediato, que o teria evitado, isso é incontestável. Mas o PEC 4 foi chumbado no Parlamento por uma coligação contranatura entre a direita e a extrema esquerda. O PSD votou contra porque sabia que isso significava a queda do Governo e a possibilidade de voltar ao poder - o que de há muito constitui o único substracto ideológico do partido; o CDS votou contra porque Portas sentiu que tinha uma oportunidade rara de, através de eleições, arrumar com o fantasma do "partido do táxi" por alguns anos; o PCP votou contra e aliado à direita, porque, vivendo ainda em 1917, tem como principal inimigo qualquer governo do PS e como principal pesadelo o sucesso de um governo PS; e o BE votou contra porque Louçã não teve coragem nem liberdade para se abster. Derrotado o PEC 4 e derrubado o Governo, a situação financeira entrou, como era de prever, em descontrolo acelerado. Mesmo assim, José Sócrates ainda quis resistir e não se cansou de avisar o que significaria a vinda da troika. Mas, finalmente, já não havia nada a fazer: era chamar a troika ou cessar pagamentos.
Basta ler os jornais de então para relembrar uma quase unanimidade nacional no apelo à troika - com excepção, é claro, do PCP e do BE, que, por direito divino, estão sempre dispensados de terem alternativas sérias para apagar os incêndios que ateiam. Foi isto que aconteceu há quatro anos e meio. A discussão sobre os factos históricos então ocorridos só pode ser feita num quadro de desonestidade intelectual chocante. Concedo que a actual maioria foi exímia em distorcer os factos e apagar memórias ao longo destes anos, até chegar ao ponto em que Passos Coelho é capaz de exclamar, com um ar ofendido, que dizer que o PSD também chamou a troika é uma grosseira mentira. Mas, chamou sim, chamaram- -na todos. Chamaram-na todos os partidos e, de certa forma, todos nós. Pelo menos, todos os que nunca cessaram de exigir mais e mais dos dinheiros públicos, sem quererem saber quem e como pagará a factura. Nem é tanto a tão criticada afirmação de que vivemos acima das nossas possibilidades. Não sei se vivemos ou não, cada um sabe de si e das suas dívidas. Mas sei que o Estado vive acima das nossas possibilidades. E é essa verdade que ninguém quer enfrentar.
(…)
3. (…) Ora, falemos claro: o "caso Sócrates" não tem que ver com a culpabilidade ou inocência dele, que é coisa que, pelo menos para mim, só se apurará em tribunal, produzida a prova e a contraprova. O "caso Sócrates", no que tem de importante, não é, por enquanto, a questão de fundo, mas a questão instrumental: pode alguém ser preso com as televisões a filmar em directo, pode ficar preso com requintes de humilhação, como a história das botas ou do cachecol do Benfica, pode ficar preso nove meses sem acusação, enquanto todos os dias é publicamente linchado num julgamento popular feito nos jornais, através de uma indecente e descarada violação do segredo de Justiça e da banal presunção de inocência? O "caso Sócrates" é isto, e isto merece ser discutido, em quaisquer circunstâncias, aproveite a quem aproveitar, prejudique quem prejudicar. Escudado na hipócrita frase de "à justiça o que é da justiça", o PS não apenas abandonou Sócrates à sua sorte, como finge não ver aquilo que é essencial: a questão de saber se para a Justiça vale tudo e qualquer método é aceitável, desde que escudado no julgamento popular - que é a forma como a investigação dos chamados "processos mediáticos" tantas vezes supera a sua incompetência investigatória. Que o PS queira que o homem fique muito caladinho para não prejudicar a campanha em curso, é entre eles e ele. Que queiram que todos os outros fiquem também muito caladinhos, ao serviço dos interesses circunstanciais do partido, é pedir de mais e sem vergonha.»
12 comentários :
Brilhante!
Amen!!
Brilhante!
Bem haja!
Ainda há jornalistas que os têm no sítio. Este artigo merece um excerto de um artigo de Eça de Queiroz sobre o jornalismo:
"Que o jornalismo possa sempre dizer: comigo está a razão e a justiça!E de feito, com estas forças, pode-se lutar e sofrer: por elas pode o corpo ser martirizado, a honra e a pureza caluniadas; podem os homens de alma, por uma triste perseguição, languescer na mediocridade e na sombra; pode o escritor andar roto, ter fome e sede, sofrer, chorar; porque elas lhe dão uma cousa que tudo isso compensa - a nobre serenidade da consciência!" (Eça de Queiroz)
Divulguem este artigo de MST pelas vossas páginas facebook, pelos vossos blogues, nas redes sociais - por todo o lado. É o que vou fazer.
Aos socialistas aconselho a sua afixação nas salas de reuniões das secções e concelhias. Convoquem assembleias de militantes, alarguem-nas aos simpatizantes, especialmente aqueles que participaram nas primárias, os quais (parece-me) foram completamente esquecidos para esta campanha eleitoral. Façam política! Discutam política em reuniões muitas (em vez de almoços e petiscadas)! Promovam ações de campanha junto das pessoas! E se não tiverem traquejo para elaborar panfletos, sirvam-se deste artigo - ou inspirem-se nele. Os mídia estão ostensivamente mancomunados com os bandos, com os aldrabões, com as quadrilhas e com demasiados traidores que campeiam na nossa Pátria.
Vamos lá vencer estas eleições!
BEM HAJA Miguel Sousa Tavares !
Obrigada por escrever o que eu penso e sinto.
Muito bom. Mesmo muito bom.
Divulguem por favor. Não nos podemos calar.É urgente!
Este GRANDE SENHOR não foi!
https://www.youtube.com/watch?v=jQwARzWs5y8
Dignidade e lucidez, lucidez e dignidade. O Miguel Sousa Tavares sente na pele o processo da imbecilização do país que as televisões, os jornais e a rádio andam a fabricar, ao serviço de uma elite política feita de Relvas, Passos Coelhos, Cavacos, Portas. O maior ato de traição que pode ser feito a um povo, é imbecilizá-lo. Por isso, o Miguel Sousa Tavares, neste artigo, é dignidade e lucidez, é lucidez e dignidade. É PATRIOTISMO.
Bravo! Assim é que é de Homem. Não é a reles paneleirice do Correio da Manha, do Sol, do Observador e do "I".
A diferença (consubstanciada na personalidade de Miguel Sousa Tavares e na sua seriedade intelectual)entre aquilo que simboliza um Homem e a Pulhice que campeia neste país à beira mar plantado.
Miguel Sousa Tavares,está anos luz acima da merda reinante nas redações de jornais,rádios e televisões que hoje existem em Portugal.Felizmente,não está sozinho,há mais uma mão cheia de gente que honra e dignifica uma atividade profissional que devia ser um dos faróis da comunidade que somos:Ferreira Fernandes,Fernanda Câncio,Constança Cunha e Sá,Nicolau Santos,Clara Ferreira Alves e pouco mais.O resto,bom,o resto são serventuários de quem dá mais a cada circunstância e esquina da vida.
Este brilhante artigo,escrito com a verdade e a frontalidade a que MST nos habituou,se lido por portugueses independentes das mordomias do pote ou libertos de fanatismos ideológicos e partidários,uma só conclusão se lhes impõe,tivemos um governo de crápulas,mentirosos e totalmente destituído do mínimo sentido de Estado e do respeito por todos os que sendo os mais vulneráveis foram covardemente os escolhidos para serem espoliados, enxovalhados e reduzidos infamemente à miséria.E que a continuação desta cáfila no poder e tal como afirmou o Bispo D.Januário e com ele muitos portugueses que espero serem a maioria,é uma tragédia.Pese embora a crise de azia que reina nas hostes pafirosas do "espesso"em que incluo o respectivo director e não só,bem haja Miguel,ainda é dos poucos jornalistas que honra com letra grande a profissão.
Concordo com o Morgado de Basto. Mas ainda há mais uns 2 ou 3 jornalistas a incluir.Pedro Adão e Silva, Pedro Lopes (não me lembro do nome do meio),...
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