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quinta-feira, maio 15, 2014

O respeitinho não é bonito


O médico desaconselhou-me a leitura da obra bissemanal de João Miguel Tavares. Eu procuro cumprir, mas há leitores que me fazem chegar fragmentos das suas crónicas num jornal de referência. Escreveu ele anteontem a propósito de Rosa, a doente com cancro abandonada na escadaria de uma igreja no Porto:
    «Lamento, mas martelar uma notícia para a fazer encaixar numa narrativa pré-definida tem qualquer coisa de obsceno. Travestido de amor pela humanidade, está-se apenas a manipular o sofrimento alheio para alcançar ganhos políticos. Eu não tenho dúvidas de que a austeridade tenha originado inúmeras injustiças, que merecem ser denunciadas – mas denunciem-nas decentemente, se faz favor. E não transformem a austeridade no bode expiatório de todos os males do mundo, como se ela fosse a serpente que veio estragar o Paraíso.(…)»
Tavares condescende: a austeridade pode ter «originado inúmeras injustiças», mas esses violentos atropelos à condição humana devem ser denunciados «decentemente». Não é o caso da história de Rosa, porque, se há alguém culpado pela miséria extrema em que vive, é a própria Rosa, como é explicado no artigo: «o Instituto da Segurança Social esclareceu que a prestação do RSI de Rosa havia sido “suspensa pela entrega tardia dos documentos necessários à sua renovação”.» O respeitinho é, afinal, bonito.