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segunda-feira, dezembro 07, 2015

Fazer a economia crescer


• João Galamba, Fazer a economia crescer:
    «O PIB do terceiro trimestre, cujos detalhes foram conhecidos na passada segunda-feira, mostra que a tese segundo a qual a economia estaria em aceleração até às eleições não tem qualquer fundamento. O crescimento homólogo passou de 1,6% para 1,4%, sendo nulo o crescimento entre os segundo e terceiro trimestres. Isto é o oposto de uma economia em recuperação.

    dMais do que desmentir a narrativa eleitoral de PSD e CDS, se há algo que estes dados tornam evidente, é a absoluta necessidade de executar, quanto antes, as medidas de estímulo à economia que constam do programa do novo Governo. O que explica a desaceleração da economia é o comportamento menos favorável do consumo (crescimento passou de 3,2% para 2,3%) e da formação bruta de capital fixo (crescimento passou de 5,3% para 1,9%).

    Depois de vários trimestres a crescer acima dos dois dígitos, a compra de automóveis desacelerou, o que mostra que, mais do que um consumo assente na recuperação sustentável e duradoura do rendimento, tínhamos um consumo que se limitava a recuperar da forte queda ocorrida entre 2011/3 e que não tinha condições de sustentabilidade para perdurar no tempo.

    Para garantir que o consumo mantém taxas de crescimento robustas no futuro, é necessário apostar na recuperação sustentável e duradoura do rendimento. E é isso que o programa do Governo propõe. Ao contrário da compra de automóveis, que é feita essencialmente recorrendo ao crédito e que tem um forte conteúdo importado; o consumo corrente, que é aquele que tem uma ligação mais directa ao rendimento disponível das famílias, tem um conteúdo importado menor que o consumo de bens duradouros. A aceleração da reposição do rendimento das famílias, com particular incidência nos escalões mais baixos de rendimento, tem, pois, um duplo objectivo: maximiza o efeito no PIB e minimiza o impacto negativo na balança externa.

    A formação bruta de capital fixo (FBCF), que recuou ao nível de meados dos anos 80, não está a recuperar. A tese segundo a qual bastaria aumentar a rentabilidade do capital (baixando salários, desprotegendo trabalhadores e reduzindo o IRC) pode funcionar em alguns modelos, mas, na realidade, limita-se apenas a agravar a já desigual repartição do rendimento, sem efeitos visíveis na FBCF. Como não se cansam de dizer os empresários portugueses no Inquérito da Conjuntura publicado pelo INE: sem procura não há investimento. O aumento do rendimento das famílias é, pois, uma importante componente de qualquer retoma da FCBF, porque é a única forma de garantir que os empresários têm clientes a quem vender. Esta aposta no rendimento, como é evidente, não esgota as medidas para estimular a FCBF que constam do programa de Governo, mas é um pilar essencial a qualquer recuperação dessa componente do PIB.

    Constatar que a realidade económica é pior do que sustentavam PSD e CDS antes das eleições não é uma desculpa. É a mera constatação da urgência de uma mudança de políticas, que assegure o que as políticas anteriores manifestamente não foram capazes de assegurar

quarta-feira, junho 03, 2015

Voltar ao ponto de partida, mas agora de tanga


Em jeito de balanço de 2014, Passos Coelho sustentou que o país estava viver uma «recuperação saudável», sem retorno a «velhas políticas»: «O nosso crescimento é saudável e sustentável quer quando olhado por via da procura interna — consumo sem endividamento — quer do lado investimento, que está no essencial a ser dirigido para equipamentos, maquinaria, que acabará por produzir um aumento do produto potencial a prazo.» E para que não subsistissem dúvidas, o alegado primeiro-ministro acrescentou: «tudo isto sem acrescentar dívida, quer às famílias, quer às empresas, sem qualquer modelo económico que esteja condenado ao fracasso no médio prazo».

A cantilena com que Passos & Portas se vão aventurar a ir a votos é linear: a economia deu a volta e agora assiste-se a um crescimento sem endividamento. Acontece que isto é falso.

É certo que o Tribunal Constitucional deu um leve empurrão ao consumo quando chumbou os cortes inconstitucionais do Governo. Mas agora sabe-se, através do Banco de Portugal, que o crescimento, mesmo medíocre, foi impulsionado pelo crédito ao consumo, que regressou a níveis do início de 2011. E que o investimento de que fala o alegado primeiro-ministro («equipamentos, maquinaria») é, como mostra o INE, em automóveis.

Mas não é caso para a coligação de direita desanimar. O PSD e o CDS podem ousar apresentar-se às eleições erguendo a grande reforma estrutural do Governo: uma redução brutal dos salários e a constituição de um monstruoso exército de desempregados como Portugal não conhecia.

quarta-feira, maio 20, 2015

Ministra das Finanças na Assembleia da República

A ministra das Finanças esteve hoje na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública. As notas que João Galamba publicou no Facebook dão uma ideia da forma como Maria Luís Albuquerque se comporta no parlamento, ora fugindo às perguntas, ora respondendo ao lado:

    «A ministra das Finanças que apenas conseguiu fazer a economia crescer à custa do consumo privado (porque foi forçada pelo Tribunal Constitucional a devolver salários e pensões) e que, no horizonte 2015-19, prevê que o consumo privado continue a ser o principal motor do crescimento da economia portuguesa tem o descaramento de dizer que crescimento com base no consumo é horrível e já deu provas de não ser sustentável.»
    «Quando perguntei como é possível haver uma aceleração do PIB em 2016 se o governo pretende cortar 600 milhões de euros em pensões, a ministra responde com as previsões da OCDE, que não incluem qualquer corte nas pensões.»
    «A Ministra das Finanças insiste em brincar com as palavras em torno do corte de 600 milhões em pensões previsto para 2016. Instada a clarificar os detalhes desse corte e, sobretudo, a explicar como é possível haver um corte que contribui para reduzir o défice mas (misteriosamente) não tem qualquer impacto negativo no défice, Maria Luís Albuquerque recorre à opacidade e não responde.

    Ou seja, temos um governo que apresenta a estratégia orçamental para o período 2015-2019 e que acha normal não incluir qualquer explicação ou detalhe sobre a medida de austeridade mais importante do próximo ano.»

quarta-feira, abril 08, 2015

Da série "Frases que impõem respeito" [904]


Temos mais dívida e mais desemprego e temos um país que perdeu capacidade de crescimento. Destruímos e perdemos capacidade produtiva, mas, ainda pior, no tecido social abriu-se uma ferida que ainda está aberta e a sangrar, com o desemprego e a emigração.

segunda-feira, abril 06, 2015

«A destruição que se limitou a ser destrutiva»


• João Galamba, Competitividade e desenvolvimento:
    «Depois de divulgar dados que mostram que o investimento recuou a valores pré-adesão à CEE, o INE informa que o desemprego está a aumentar há 5 meses, tendo já ultrapassado os 14%, e que a população empregada, em fevereiro de 2015, foi estimada em 4399,9 mil pessoas, um pouco menos do que em 1987.

    Desde que o actual Governo entrou em funções há menos 420 mil empregos em Portugal. Só em 2012 foram destruídos cerca de 190 mil empregos, mais do que os 150 mil verificados em 2009, o auge da crise financeira internacional.

    Se a opção de ir para além da Troika teve resultados ruinosos no crescimento, no investimento, no emprego, transformando uma recessão que se previa pouco intensa e muito curta numa gravíssima crise económica e social, a agenda alegadamente reformista do governo não parece ter criado qualquer tipo de dinâmica positiva na economia portuguesa.

    Para além da destruição, que foi muito maior do que o previsto, tardam em chegar quaisquer tipos de sinais de recuperação, muito menos sinais de uma recuperação sustentável. Tudo leva a crer que a destruição se limitou a ser destrutiva.

    Baixar salários, tornar o emprego mais precário e reduzir a taxa de IRC - que são as grandes apostas do actual governo em matéria de competitividade - podem tornar o país mais barato e, por essa via, mais competitivo para certo tipo de investidores, mas não são apostas sustentáveis, porque não apostam no desenvolvimento e na modernização do país.

    Portugal tem atrasos estruturais em matéria de qualificações da sua população e em matéria de stock de capital e de inovação. Porém, uma estrutura produtiva atrasada não se transforma liberalizando as relações laborais e tornando o país mais barato para investidores; aliás, o efeito dessa aposta estratégica, que é a do actual Governo, pode mesmo bloquear qualquer tipo de transformação estrutural, cristalizando o país no seu actual modelo de especialização produtiva.

    O país precisa de investir nas qualificações da sua população jovem e adulta; precisa de investir em ciência e em inovação; precisa de combater a pobreza e a desigualdade; precisa de dignificar o trabalho. O país precisa de políticas públicas que contribuam positivamente para o esforço de superação dos seus principais bloqueios estruturais; não precisa de uma cartilha liberal segundo a qual todos os problemas se resolvem desregulando, privatizando e deixando o mercado funcionar.

    Olhemos para a experiência de sectores que, tendo passado por dificuldades, são hoje casos de sucesso, como o calçado, o têxtil ou a agricultura. A transformação destes sectores envolveu recursos públicos e privados e teve como objectivo aumentar o valor acrescentado nacional. Não foram projectos sacrificiais e miserabilistas, foram projectos de investimento e modernização, foram apostas no futuro - o oposto daquilo que o Governo, todos os dias, e de todas as formas, garante ser a única alternativa para o país

segunda-feira, março 30, 2015

Crónica de uma retoma não anunciada


• João Galamba, Crónica de uma retoma não anunciada:
    «Na passada sexta-feira, a ministra das Finanças decidiu entrar em modo farsa e acusou a oposição de falhar todas as previsões. E fez isso sem se rir. Vejamos o que o actual Governo, no seu primeiro Documento de Estratégia Orçamental (DEO), apresentado no final de Agosto de 2011, anunciava ao país. A recessão ia durar apenas um ano, com o PIB a cair 1,8 em 2012; em 2013, vinha a retoma, com a economia a crescer de forma robusta e sustentável. O que verdadeiramente aconteceu foi que a economia colapsou, caindo 4% em 2012 e 1,8% em 2013; e a dívida pública, que o Governo disse que ia aumentar apenas seis pontos percentuais (pp), cresceu mais de 20 pp, ultrapassando os 130% do PIB.

    O objectivo inicial de regressar aos níveis de endividamento de 2011 logo em 2015 foi adiado lá para 2020. Para além de uma recessão muito maior e mais duradoura do que o previsto, com os custos económicos e sociais que todos conhecemos, a retoma que o Governo está a celebrar consegue a dupla proeza de ser anémica e insustentável...segundo os critérios de sucesso definidos pelo próprio governo no seu primeiro DEO. Em vez de um crescimento de 2,5% assente na estagnação do consumo e inteiramente dependente do investimento e da procura externa líquida, temos um crescimento que é um terço do previsto e que depende quase exclusivamente do consumo, uma vez que a procura externa líquida foi negativa, e o investimento, em vez de crescer em torno dos 4%, cresceu apenas 2,3%, desacelerando no último trimestre, devido à forte travagem do investimento público.

    Crescimento do consumo superior ao crescimento do PIB, crescimento das exportações que é metade do previsto, crescimento das importações muito acima do previsto, investimento que regressou a níveis pré-adesão à CEE, mais concretamente a 1984 - o ano de 2014 mostra que o Governo está á celebrar uma retoma que é o contrário do que o próprio governo sempre defendeu. Esta retoma, embora insustentável, é, no curto prazo a melhor do ponto de vista orçamental: o crescimento assente no consumo, sobretudo na compra de automóveis, é o que mais faz crescer as receitas fiscais, que é o que explica toda a redução do défice de 2014.

    Sim, a economia cresce, como crescem todas as economias em que um governo é obrigado a recuar na austeridade que previa executar. Mas 2014 não é o ano do sucesso das políticas do governo: é o ano em que a economia portuguesa se libertou de parte das políticas de austeridade da maioria e também é o ano em que se confirma que não houve qualquer tipo de transformação estrutural que assegure a sustentabilidade futura da economia portuguesa. Um crescimento de 0,9%, que degrada a balança externa em 30% e que depende quase exclusivamente do consumo, é a prova disso mesmo.

    2014 não é o ano do sucesso das políticas do governo: é o ano em que a economia portuguesa se libertou de parte das políticas de austeridade da maioria.»

sexta-feira, novembro 14, 2014

O teste de Juncker


• Pedro Silva Pereira, O teste de Juncker:
    «Jean-Claude Juncker esteve longe de ser convincente nas explicações que deu sobre as práticas fiscais do Luxemburgo e menos ainda sobre as iniciativas que vai tomar para combater a evasão fiscal na Europa. Mas o seu teste decisivo será outro e vem já a seguir: o plano de investimento que prometeu para relançar a economia europeia.

    Ao comparecer voluntariamente perante o Parlamento Europeu para responder sobre o escândalo dos contratos secretos que permitiram ao Governo do Luxemburgo, sob a liderança do próprio Juncker, proporcionar uma escapatória fiscal milionária a centenas de grandes empresas, o Presidente da Comissão Europeia reconheceu duas coisas: primeiro, o poder de fiscalização política do Parlamento Europeu e a sua crescente relevância no funcionamento democrático das instituições europeias; segundo, o enorme embaraço causado pelo caso "LuxLeaks" e pelas chocantes revelações sobre as práticas da chamada "tax avoidance" no Luxemburgo. Se o problema da conformidade destas práticas fiscais com o direito europeu foi remetido para uma "investigação aprofundada" a cargo da própria Comissão (com juras de não interferência por parte de Juncker), o programa de acção que o Presidente da Comissão Europeia esboçou para o futuro ficou muito aquém das expectativas, apesar das proclamadas intenções de mais transparência e do enigmático propósito de maior harmonização das regras fiscais "sem eliminar a competitividade fiscal". Uma coisa é clara: Juncker vai ter de fazer bastante mais e melhor. E é bom que perceba que os cidadãos europeus, a quem foram pedidos enormes sacrifícios ao longo destes anos, têm todo o direito a exercer "tolerância zero" perante estes esquemas obscuros que, no fim de contas, acabam por obrigar os mesmos de sempre a pagar os impostos que deviam ser pagos por quem mais pode. Sem prejuízo da centralidade deste tema da equidade fiscal, o teste político verdadeiramente decisivo para a nova Comissão Europeia é o que se prevê para as próximas semanas: a apresentação do plano de investimento de 300 mil milhões de euros que Juncker anunciou para antes do Natal. Na verdade, jogando-se aí a credibilidade do programa de Jean-Claude Juncker para a recuperação da economia europeia, é também aí que se joga o futuro da nova Comissão - e, em boa parte, do próprio projecto europeu.

    A experiência de recuperação de crises financeiras, bem documentada por abundante literatura económica, e as especificidades da situação que se vive na Europa, permitem concluir que há cinco condições essenciais que o plano de investimento de Juncker deve preencher para estar à altura da ambição de provocar o impulso de que a economia europeia precisa: primeiro, é preciso que seja suficientemente volumoso e que seja capaz de mobilizar, com eficácia, as diversas fontes de financiamento relevantes (não basta mudar o nome aos envelopes financeiros já existentes...); segundo, é preciso que inclua uma componente significativa de investimento público, devidamente articulada com a prometida "flexibilização inteligente" das regras orçamentais (única forma de não ficar prisioneiro da falta de confiança e de iniciativa do sector privado, bem como das limitações do crédito bancário); terceiro, é preciso que saiba definir as prioridades estratégicas certas, orientadas para a criação de emprego e para o futuro da competitividade da economia europeia (na linha da Estratégia 2020 e de um novo pacote ambicioso para o Clima e Energia); quarto, é preciso que assuma uma aposta clara na coesão social e territorial (contrariando o agravamento das divergências económicas e sociais na União Europeia e na zona euro, que estão a minar o projecto europeu); quinto, é preciso que promova uma célere implementação dos projectos de investimento (articulando-se, onde necessário, com a simplificação dos procedimentos burocráticos), de modo a permitir um suficiente sentido de urgência na resposta aos desafios do crescimento e do emprego.

    Em breve saberemos se o plano de investimento de Juncker está à altura do desafio. E nessa altura ficaremos a saber também se a nova Comissão Europeia tem futuro.»

sexta-feira, novembro 07, 2014

Os Cinco na casa em ruínas

• Pedro Silva Pereira, O fiasco do ajustamento:
    «O Orçamento para 2015 chumbou com estrondo no teste da credibilidade: não há ninguém, em Portugal ou no estrangeiro, que acredite nas contas do Governo. Mas é preciso perceber a razão de fundo, que é tremenda: já não é possível continuar a disfarçar o fiasco do ajustamento.

    A Comissão Europeia diz que os cálculos da Ministra das Finanças estão errados e prevê que o Governo falhe por muito a meta do défice, que deverá ficar afinal bem acima dos 3%, violando os compromissos assumidos. O BCE confirma. E se o FMI discorda é apenas porque acha que será ainda pior: antecipa para 2015 um défice "marcadamente superior" ao do Governo (3,4% do PIB) e avança que, por este andar, nem em 2016 teremos um défice abaixo de 3%. Até o caseiro e sempre prestável Conselho das Finanças Públicas, órgão criado para validar a credibilidade do exercício orçamental, desta vez não conseguiu evitar dois "pequenos" reparos: não acredita no corte da despesa e não acredita na estimativa das receitas. E todos, incluindo a UTAO e o Conselho Económico e Social, liderado pelo social-democrata Silva Peneda — esse famigerado cabecilha da "brigada do resgate" — parecem concordar nisto: o cenário macroeconómico em que assenta todo o Orçamento é uma pura fantasia. A saraivada foi de tal ordem que, antes ainda deste Orçamento ser votado, a Ministra das Finanças já teve de admitir "ajustar" o ajustamento.


    Seria um erro, todavia, resumir as divergências a um mero problema contabilístico quanto ao rigor na estimativa das receitas ou das despesas. O que está em causa e resulta das análises da Comissão Europeia, do BCE e do FMI é um duplo problema muito mais fundo: o falhanço na redução estrutural da despesa e o falhanço no ajustamento estrutural da economia. Em suma, o fiasco do ajustamento e o fracasso da política de austeridade. Bem vistas as coisas, o empolamento das receitas em que se baseia a previsão irrealista do défice, vigorosamente denunciada pelas instituições internacionais, destina-se a compensar a incapacidade do Governo para operar a prometida consolidação orçamental pelo lado da despesa, cumprindo a sempre adiada agenda de reformas estruturais e de corte nas "gorduras do Estado". Por outro lado, o facto de termos um (escasso) crescimento económico suportado não pelas exportações (que perdem força à medida que se vai esbatendo o valor económico acrescentado dos projectos industriais lançados ainda pelo Governo socialista) mas pela procura interna (implicando o crescimento das importações e dos tradicionais desequilíbrios externos) desmente de forma eloquente a fantasia da "transformação estrutural" da economia portuguesa, que o Governo andou a alimentar com a conivência da "troika".

    O desencanto das previsões de Outono da Comissão Europeia não diz apenas respeito a Portugal. Ao fim de três anos de austeridade, o crescimento económico, que já era baixo, é revisto em baixa, desfazendo a ilusão de uma retoma sustentável da economia europeia. E constata-se, não sem esconder alguma estranheza, que a procura interna ainda é o único motor que impede uma recessão generalizada. O falhanço da política de austeridade é geral. As palavras da Comissão Europeia dão que pensar: "A recuperação na União Europeia parece ser particularmente fraca, não apenas em comparação com outras economias avançadas mas também com os exemplos históricos de recuperações após crises financeiras". Falta agora que a Comissão Europeia medite nas suas próprias palavras e tire daí as devidas conclusões. Mas não é certo que isso tenha acontecido. A única resposta que se encontra nestas previsões de Outono da Comissão Europeia ao apelo de Mário Draghi para uma mudança na política orçamental é esta: a actual política orçamental é "neutral". Por outras palavras: não há problema, a austeridade acabou. Por outras palavras ainda: não perceberam nada.»

sábado, novembro 01, 2014

Dez pontos sobre a dívida

Dez pontos sobre a dívida é o título do artigo que Augusto Santos Silva hoje publica no Jornal de Notícias. O Autor, através do Facebook, considera haver «uma imprecisão no ponto 7: correto é dizer que, se o PIB nominal crescer a uma taxa superior à taxa implícita de juro, com saldo primário equilibrado o peso da dívida cai.»

sexta-feira, outubro 17, 2014

«A melhor coisa que há para dizer
do último orçamento deste Governo é que é o último»


• Pedro Silva Pereira, A charada fiscal:
    «Depois do choque fiscal, morto e enterrado pelo enorme aumento de impostos, a direita decidiu agora ir a votos com uma estreia absoluta: A charada fiscal. Parece um programa eleitoral para especialistas de Sudoku.

    A primeira originalidade da proposta do Governo está bem à vista: o Orçamento para 2015 não é só para 2015. Na verdade, o engenhoso esquema elaborado ao fim de horas de maturação no Conselho de Ministros assenta neste princípio bastante simples: "primeiro pagas, depois logo se vê". Certo é que em 2015 os portugueses voltarão a pagar, por inteiro, o (enorme) IRS e só depois, em 2016, se verá se têm direito a recuperar alguma coisa a título de crédito fiscal, numa criativa modalidade de "reembolso de despesas", agora tão em voga. Com três particularidades, todas dignas de nota: primeiro, o reembolso fiscal previsto para 2016 está tudo menos garantido, ficando dependente de resultados mais do que incertos; segundo, só haverá lugar a crédito fiscal se as receitas do IRS e do IVA forem consideravelmente superiores ao esperado (mas não se a margem orçamental resultar de outros impostos ou se vier da redução da despesa, o que mostra bem como já nem o Governo acredita no seu velho compromisso de cortar nas "gorduras" do Estado); e terceiro, ‘last but not the least', em 2016 o Governo já será outro. Quer dizer: será o Governo seguinte a ter de suportar orçamentalmente os custos das promessas eleitorais agora feitas pela direita.

    Resolvido o enigma da charada fiscal, a verdade fundamental deste Orçamento é a que sempre pontuou estes últimos três anos de governação: austeridade. Salvo o benefício que os pensionistas poderão tirar das decisões do Tribunal Constitucional e uma ou outra medida pontual desenhada para colorir o discurso de propaganda do Governo, o Orçamento para 2015 mantém, no essencial, o rumo da política de austeridade, embora com a notória preocupação de conter, em vésperas de eleições, o ritmo de agravamento do esforço de consolidação orçamental. Ainda assim, por incrível que pareça, o Governo conseguiu agravar ainda mais neste Orçamento o pacote de medidas de austeridade, quer por via do aumento de vários impostos, designadamente impostos sobre o consumo (a ponto de elevar a carga fiscal para um recorde histórico de 37%), quer por via de ainda mais cortes nas prestações sociais e nos serviços públicos, com destaque para a educação. A tudo isto há ainda que juntar um factor da maior importância: o impacto brutal que vai ter o fim da cláusula de salvaguarda que limitava, para a maior parte das situações, os aumentos do IMI, implicando assim, para muitas famílias, um encargo adicional verdadeiramente insuportável, com consequências imprevisíveis do ponto de vista económico e social.

    Com o falhanço na consolidação da recuperação económica e os sinais negativos que se acumulam no quadro europeu, do que Portugal precisava era de um Orçamento bem diferente: um Orçamento que deixasse de estrangular a economia e que enviasse sinais claros aos agentes económicos, em vez de os remeter para uma charada fiscal de que só têm razões para desconfiar. Precisávamos, para isso, de um Governo que soubesse colocar-se do lado daqueles governos que hoje, na Europa, e em especial na zona euro, lutam por uma mudança na política orçamental, correspondendo ao apelo de Mario Draghi e à exigência crescente dos cidadãos europeus. Precisávamos, em suma, de outro Governo. Felizmente, já estivemos mais longe. A melhor coisa que há para dizer do último orçamento deste Governo é que é o último.»

quarta-feira, outubro 01, 2014

Escavar mais devagar ou parar de escavar?


Declaração política do PS a cargo de Ana Catarina Mendes

«O PS não é pela austeridade feita mais devagar, mas pela saída rápida do ciclo de austeridade que levou ao empobrecimento e à recessão.»

segunda-feira, setembro 08, 2014

«O discurso de Draghi em Jackson Hole consegue ser
simultaneamente revolucionário e conservador»

• João Galamba, Um passo em frente não basta para sair do lugar:
    «(…) O discurso de Jackson Hole marca uma nova fase deste processo, mas também o seu esgotamento. Constatando que a retoma do emprego e do crescimento económico continuam a ser uma miragem, Draghi veio dizer, não que a austeridade é um erro e não está a funcionar, não que as reformas estruturais não fazem aquilo que era esperado, mas que a austeridade e as reformas estruturais são insuficientes se nada for feito para promover a procura agregada. Acontece que Draghi não pode dizer isto sem entrar em contradição, porque a austeridade e as reformas estruturais, embora complementares entre si, são ambas incompatíveis com qualquer tipo de política que vise aumentar (no curto e no longo prazo) a procura agregada numa economia.

    No contexto actual não é possível recalibrar nem ajustar, é preciso admitir o erro que foram certas opções políticas, recuar e apostar em verdadeiras alternativas. E isso começa pelo reconhecimento de que o pacto de estabilidade e crescimento e o tratado orçamental, nas suas actuais configurações, deprimem necessariamente a procura e têm de ser revistos. Uma solução, por exemplo, passaria por excluir o investimento público (por exemplo, todas os montantes necessários para garantir a comparticipação nacional dos fundos europeus) do cálculo do défice relevante para o cumprimento das regras orçamentais. Outra passa por recalcular o défice estrutural, reforçando a componente cíclica. Seja qual for a opção seguida, uma coisa é certa: pensar em políticas orçamentais de austeridade "mais amigas do crescimento" ou em "reformas estruturais que aumentem a procura", como tenta fazer Draghi na parte propositiva do seu discurso, é ilógico. Se a procura agregada é um problema, a actual política europeia não está incompleta, está errada; e a estratégia da fuga para a frente que havia sido seguida até aqui está esgotada.»

segunda-feira, junho 23, 2014

Não é defeito, é feitio

• João Galamba, Não é defeito, é feitio:
    «(…) À semelhança de 2013, o único efeito relevante das decisões do TC parece ser o seu impacto positivo na economia e no emprego. Tendo em conta os resultados económicos do primeiro trimestre, o aumento dos salários pode mesmo muito bem ser a única forma do governo cumprir os objectivos previstos em termos de crescimento da economia. Na frente orçamental, como já referiu Manuela Ferreira Leite, a situação também não parece ser problemática, porque basta usar parte da dotação provisional e da reserva orçamental para acomodar essa despesa adicional. Perante isto, não há nenhuma boa razão para se insistir na necessidade de encontrar medidas substitutivas que mantenham o nível de austeridade inicialmente previsto.

    Se, como se tem visto, a austeridade não serve a economia, não serve o emprego, não garante a sustentabilidade da dívida e não parece ter grande influência nos juros, então ela não serve verdadeiramente para nada. Mas, para o Governo, a austeridade continua a ser a única alternativa e parece servir para tudo.

    Para quem acredita que a crise que vivemos é, na sua origem, uma crise de finanças públicas causada por despesismo do Estado, a austeridade tem de ser, necessariamente, a única solução imaginável. Enredado nas suas próprias contradições, o Governo, pura e simplesmente, não sabe fazer de outra forma. Não sabe e não quer. Se, como disse Maria Luís Albuquerque "a despesa pública só gera dívida, não gera crescimento, não gera rendimento", então é natural que a austeridade, independentemente dos seus resultados de curto prazo, seja entendido de modo salvífico. Trata-se, no fundo, de resolver um problema moral. Para quem pensa assim, o conflito constitucional não é um mero acidente de percurso. É um destino.»

segunda-feira, junho 16, 2014

O sistema político é o sintoma, o problema são as políticas


• João Galamba, O sistema político é o sintoma, o problema são as políticas:
    «No meio de uma crise económica e social sem precedentes não pode deixar de causar alguma estranheza ver um partido da esquerda democrática eleger a reforma do sistema político como uma das suas principais prioridades estratégicas.

    A luta pelo aprofundamento e pelo melhoramento da nossa vida democrática é e sempre foi uma bandeira do Partido Socialista. Mas, no momento actual, esse combate faz-se criando (directa e indirectamente) emprego; faz-se defendendo direitos sociais e, se possível, e quando necessário, criando novos direitos sociais; faz-se combatendo as pobreza e as desigualdades; faz-se investindo; faz-se devolvendo alguma segurança e previsibilidade à vida das pessoas; faz-se construindo uma estratégia política que responda aos bloqueios do presente e, por essa razão, seja capaz de projectar um futuro diferente. Faz-se, em suma, retomando (e renovando) os valores tradicionais da esquerda democrática que sempre foram e têm de continuar a ser os do Partido Socialista.

    A insatisfação com a política e os políticos pode e deve ser combatida, mas não se resolve um problema, que existe, atacando sintomas. Para desempenhar essa função, infelizmente, já temos o presidente da república, que, com a sua fixação na palavra consenso, mais parece estar a exorcizar os fantasmas que têm marcado toda sua a vida política: a desconfiança dos políticos, a desconfiança dos partidos, o horror ao dissenso; em suma, o desconforto com uma parte central da vida política de toda e qualquer sociedade democrática.

    Olhar para o sistema político como a causa dos nossos problemas - sobretudo ver no sistema político a razão pela qual os partidos do chamado arco da governação tiveram menos de 60% dos votos nas últimas eleições - é não perceber que o que as pessoas esperam hoje dos políticos é que estes lhes apresentem uma alternativa à actuais políticas. Uma alternativa na qual eles acreditem e que os mobilize. É isso que as pessoas querem. E é por a política e os políticos não serem capazes de responder, de forma credível, a essa aspiração que vivemos hoje não apenas uma crise económica e social mas, também, e de forma mais grave, uma crise de representatividade.

    A redução do número de deputados dos actuais 230 para 180 - para dar apenas um exemplo das propostas que António José Seguro tem defendido - tem como único objectivo agradar aos que acham que temos deputados a mais, mas não resolve verdadeiramente nenhum problema; pode, aliás, criar bastantes problemas: ao reduzir a representação dos pequenos partidos, o PS (e o PSD) estaria a tentar ganhar na secretaria o que não lhe foi dado pelos eleitores.

    Não se resolve uma crise de representatividade agravando os problemas de representatividade que lhes estão subjacentes. Resolve-se uma crise de representatividade apresentando uma liderança e um projecto que, representando os interesses e as aspirações da enorme maioria que se apõe às políticas deste governo, se constitua como uma alternativa credível e, consequentemente, mobilize o país.

    A agenda da reforma e regeneração do sistema político pode parecer popular, mas está condenada a agravar a insatisfação dos portugueses e a aprofundar a crise actual, porque é uma falsa solução, que não resolve nada.É a solução de quem não tem solução.

    Os cidadãos não querem ser aplacados na sua ira. Querem uma alternativa. E têm direito a ela. A responsabilidade de um partido político é, em primeiro lugar, perceber e saber responder a este desafio.»

quarta-feira, junho 11, 2014

«Uma bola de neve com uma bomba-relógio acoplada»

• Alexandre Abreu, A máquina de criar dívida:
    «(…) Para Portugal e para as periferias europeias, a moeda única significou uma escolha entre estagnação e endividamento. Neste momento, já nem sequer há escolha: significa estas duas coisas ao mesmo tempo.

    E agora? Agora temos nas mãos o Euro, a dívida externa (só no primeiro trimestre de 2014, a PII aumentou de -196 mil milhões de Euros para -205 mil milhões) e a dívida pública (reflexo secundário do problema principal, e que anda pelos 130% do PIB). O emprego e o investimento estão no estado que se conhece. E poucos são os que reconhecem a dimensão ou a verdadeira natureza do problema: a maior parte dos políticos, economistas e comentadores preferem contar-nos histórias de encantar, politicamente convenientes, sobre o que se passou para trás e o que se vai passar para a frente. (…)»

segunda-feira, maio 19, 2014

Falhar, falhar de novo, falhar pior

• João Galamba, Falhar, falhar de novo, falhar pior:
    «Tudo indica que Passos Coelho seguiu o seu próprio conselho e decidiu emigrar. Na realidade paralela em que parece ter assentado arraiais, Passos teve uma visão e decidiu vertê-la num documento intitulado The Road to Growth - a medium term reform strategy for Portugal.

    Nesse documento, Portugal é apresentado como um país que se tornou mais competitivo, mais sustentável, mais equitativo; enfim, mais tudo, porque o ajustamento foi um enorme sucesso e permitiu regenerar o país (e os portugueses). É isso que justifica que Passos escreva que we are different country today (...) Portugal is finally back to growth.

    Acontece que, no exacto dia em que o governo apresentou este documento, o INE publicou um outro, intitulado Contas Nacionais Trimestrais - Estimativa Rápida, que (mais uma vez) mostra que a retoma que o governo decretou existir não passa de uma (recorrente) ficção: no primeiro trimestre de 2014, quando comparado com o trimestre anterior, a economia caiu 0.7% em termos reais. Portugal, portanto, is not back to growth.

    Para além da queda (em cadeia) do PIB, e segundo os últimos indicadores, o emprego cai (-40 mil), a população activa cai (-60 mil), a produção industrial cai (-3.6%), o índice de volume de negócios da indústria transformadora cai (-17.4%).

    E o que já se sabe do mês de abril não augura nada de bom: o consumo de electricidade - que é um indicador que está fortemente correlacionado com a actividade económica - depois de cair (-3.6%) em março, voltou a cair em abril (-0.9%). Os indicadores de confiança da indústria, da construção, do comércio dos serviços e dos consumidores, depois de sucessivas melhorias ao longo de 2013, estagnaram em 2014, realidade que se manteve em abril. Se a isto juntarmos os dados do investimento - que caiu mais de 30% desde o início do programa e não consta que vá recuperar de forma robusta - rapidamente percebemos que o futuro, seja ele qual for, não inclui seguramente uma road for growth. (…)»

terça-feira, abril 15, 2014

O «soldado disciplinado» Pires tem boa imprensa

Pires de Lima foi alçado a ministro da Economia após uma bem-sucedida campanha contra o malogrado Álvaro. Perdeu logo a seguir a grande batalha do IVA da restauração e meteu a viola no saco, assumindo-se como um «soldado disciplinado».

Para se manter à tona, foi criando, a partir de então, um mundo paralelo, salpicado aqui ou ali por umas graçolas de gosto duvidoso. O ponto de partida foi a aparição de um «milagre económico». Foi essa súbita visão do Além que permitiu ao «soldado disciplinado» Pires construir uma explicação para a queda menor do que se previa da procura interna (que se deveu aos chumbos do Tribunal Constitucional) que o coloca como potencial candidato ao Nobel da Economia.

De acordo com o «soldado disciplinado» Pires, cortar rendimentos às famílias provoca tanta confiança que, no final, é como se estas tivessem mais dinheiro, dispondo-se, assim, a consumir mais. Se não acredita, é só ler a sua tese mágica: «Como foi possível estabilizar o consumo privado com tão agressivo aumento de impostos que levou a que, só em sede de IRS, a receita do Estado crescesse 30%? A única explicação que encontro será a de que a sensação de angústia em relação ao futuro foi cedendo espaço à confiança.» É certamente a fada da confiança do Caldas, uma conhecida milagreira, com evidentes poderes místicos.

Cerca de quatro meses depois, tendo a realidade entrado de rompante no seu mundo paralelo, o «soldado disciplinado» Pires viu-se constrangido a retractar-se: o «milagre económico» de que havia falado foi um «excesso de linguagem».

Acontece que, para não ser tomado por um espectro do Álvaro, o «soldado disciplinado» Pires teve de cerzir o rasgão que a realidade havia provocado no seu mundo paralelo. O «milagre económico» apareceu agora sob novas roupagens: «passámos da condição de patinhos feios para cisnes elegantes aos olhos dos investidores.»

O «soldado disciplinado» Pires tem boa imprensa. Com a confiança plena de que ninguém o questiona, pode dizer tudo o que lhe vem à cabeça. A sua mais recente «ambição é continuar a reduzir o desemprego de modo a que os nossos níveis se aproximem dos países da Europa central», ou seja, de taxas de 4% ou 5%. O «soldado disciplinado» Pires rapa, mais uma vez, do seu pensamento mágico para escamotear os efeitos da estratégia do empobrecimento, que está a provocar um desemprego estrutural muito superior à «ambição» enunciada por estes dias, como se pode ver neste gráfico elaborado pelo insuspeito governador do Banco de Portugal:


Há gente assim: podem dizer as maiores barbaridades, porque estão protegidos por um escudo invisível. Por muito menos, o Álvaro foi trucidado.