Habituámo-nos a ver Cavaco Silva como o porta-voz do Governo. Mas nos últimos tempos o Presidente da República decidiu ir mais longe, ocupando o lugar do Dr. Relvas que o ministro Maduro não foi capaz de preencher: o de caceteiro de serviço. Ninguém se expôs tanto, em Portugal ou na Europa, como Cavaco em relação à Grécia (19-1=18).
Cavaco terá por isso surpreendido algumas almas mais inocentes ao requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva de normas do diploma sobre o «enriquecimento injustificado», demarcando-se aparentemente dos propósitos da coligação de direita.
Acontece que a iniciativa da coligação de direita é apenas um expediente populista para desviar as atenções dos desmandos cometidos nos últimos quatro anos (aflorados pelo Tribunal de Contas na auditoria à enxurrada de privatizações). O advogado Magalhães e Silva desmonta de uma forma simples o faz-de-conta da direita:
- «Basta ler o acórdão do Tribunal Constitucional que reprovou a lei anterior para se concluir que, também esta, vai ser reprovada. O que o PSD/CDS bem sabem.
Esta teimosia lembra-me a observação que, a propósito do tema, farei pela enésima vez e que assente como luva à atitude parlamentar da coligação.
No célebre filme de Ettore Scola, a avó, interpelando o neto desempregado, atira-lhe o escárnio: "Andas à procura de emprego e a pedir à Virgem para não encontrares!"»
Não significa isto que não possam ser criados crimes para combater a corrupção. Veja-se o que escrevi há mais de quatro anos:
- «1. O direito criminal português baseia-se num princípio de culpa que tem de estar vertido num facto concreto que é imputado a alguém. No enriquecimento ilícito, esse facto é pressuposto, mas não é exigida a sua concreta prova.
2. Realmente, o enriquecimento ilícito é uma forma indirecta de punir aquilo que se presume ser corrupção. É sintomático que os arautos desta solução a apresentem como uma solução nova para punir a corrupção.
3. Mas aqui é que está o busílis, porque como todos sabemos a presunção de inocência e o in dubio pro reo são princípios constitucionais que não podem ser ignorados. Ao pretender punir a corrupção sem a provar, o legislador estaria a consagrar uma inconstitucionalidade.
4. Invoca-se muitas vezes a imoralidade de alguém aparecer com uma fortuna inexplicada sem que o Estado nada possa fazer. Mas não é assim. É possível criar crimes, que já existem, que obriguem a apresentar declarações de património, devidamente fundamentadas, punindo aqueles que as não apresentarem ou as não fundamentarem.
5. Uma solução que viole os princípios constitucionais, mesmo pelos «melhores» motivos, arrisca-se sempre a instaurar um clima de injustiça e perseguição baseada nas aparências. É nestas épocas que não nos podemos esquecer que Portugal foi um dos países europeus em que a Inquisição foi mais forte e a polícia política (a PIDE) mais activa.