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sexta-feira, julho 03, 2015

«Andas à procura de emprego
e a pedir à Virgem para não encontrares!»


Habituámo-nos a ver Cavaco Silva como o porta-voz do Governo. Mas nos últimos tempos o Presidente da República decidiu ir mais longe, ocupando o lugar do Dr. Relvas que o ministro Maduro não foi capaz de preencher: o de caceteiro de serviço. Ninguém se expôs tanto, em Portugal ou na Europa, como Cavaco em relação à Grécia (19-1=18).

Cavaco terá por isso surpreendido algumas almas mais inocentes ao requerer ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva de normas do diploma sobre o «enriquecimento injustificado», demarcando-se aparentemente dos propósitos da coligação de direita.

Acontece que a iniciativa da coligação de direita é apenas um expediente populista para desviar as atenções dos desmandos cometidos nos últimos quatro anos (aflorados pelo Tribunal de Contas na auditoria à enxurrada de privatizações). O advogado Magalhães e Silva desmonta de uma forma simples o faz-de-conta da direita:
    «Basta ler o acórdão do Tribunal Constitucional que reprovou a lei anterior para se concluir que, também esta, vai ser reprovada. O que o PSD/CDS bem sabem.

    Esta teimosia lembra-me a observação que, a propósito do tema, farei pela enésima vez e que assente como luva à atitude parlamentar da coligação.

    No célebre filme de Ettore Scola, a avó, interpelando o neto desempregado, atira-lhe o escárnio: "Andas à procura de emprego e a pedir à Virgem para não encontrares!"»

Não significa isto que não possam ser criados crimes para combater a corrupção. Veja-se o que escrevi há mais de quatro anos:
    «1. O direito criminal português baseia-se num princípio de culpa que tem de estar vertido num facto concreto que é imputado a alguém. No enriquecimento ilícito, esse facto é pressuposto, mas não é exigida a sua concreta prova.

    2. Realmente, o enriquecimento ilícito é uma forma indirecta de punir aquilo que se presume ser corrupção. É sintomático que os arautos desta solução a apresentem como uma solução nova para punir a corrupção.

    3. Mas aqui é que está o busílis, porque como todos sabemos a presunção de inocência e o in dubio pro reo são princípios constitucionais que não podem ser ignorados. Ao pretender punir a corrupção sem a provar, o legislador estaria a consagrar uma inconstitucionalidade.

    4. Invoca-se muitas vezes a imoralidade de alguém aparecer com uma fortuna inexplicada sem que o Estado nada possa fazer. Mas não é assim. É possível criar crimes, que já existem, que obriguem a apresentar declarações de património, devidamente fundamentadas, punindo aqueles que as não apresentarem ou as não fundamentarem.

    5. Uma solução que viole os princípios constitucionais, mesmo pelos «melhores» motivos, arrisca-se sempre a instaurar um clima de injustiça e perseguição baseada nas aparências. É nestas épocas que não nos podemos esquecer que Portugal foi um dos países europeus em que a Inquisição foi mais forte e a polícia política (a PIDE) mais activa.

domingo, maio 31, 2015

«O caminho a seguir devia ter sido criar um dever de declarar
bens e rendimentos e criminalizar a sua violação»


• Fernanda Palma, Novo Enriquecimento:
    «A Assembleia da República aprovou ontem uma lei que criminaliza o enriquecimento injustificado. O crime consiste em "adquirir, possuir ou deter património incompatível com os rendimentos e bens declarados ou que devam ser declarados" e pode ser praticado por qualquer pessoa, embora as penas, cujo máximo vai até oito anos de prisão, sejam agravadas para titulares de cargos políticos ou altos cargos públicos.

    Mas existe um precedente que torna a medida duvidosa. Por acórdão de 4 de abril de 2012, o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional uma lei que previa o crime de enriquecimento ilícito. A lei nunca entrou em vigor, porque o Presidente da República pediu a fiscalização prévia da constitucionalidade e a votação do acórdão foi categórica: só se registou um voto de vencido e mesmo esse foi parcial.

    Esta decisão do Tribunal Constitucional nem sempre é compreendida pela opinião pública. Afinal, um político (ou outra pessoa) que exibe uma fortuna inexplicável não pode ser obrigado a provar a sua origem, sob pena de ser sancionado? A dificuldade reside em a nossa Constituição consagrar o direito ao silêncio e a presunção de inocência do arguido e atribuir à acusação o "ónus da prova" em processo penal.

    Em 2012, o Tribunal Constitucional entendeu ainda que não havia um bem jurídico claramente definido. Agora, a lei afirma que o crime atenta contra o Estado de Direito. Duvido de que essa proclamação baste. Porém, o maior problema resulta de a norma legal configurar um estado de coisas e não um facto. O caminho a seguir devia ter sido criar um dever de declarar bens e rendimentos e criminalizar a sua violação.

    No entanto, se a lei entrar em vigor, uma última questão que se coloca é a do seu âmbito de aplicação temporal, que deveria ser limitado pela proibição constitucional de retroatividade das normas que preveem crimes e penas. Se o crime for punível abstraindo do facto que originou o enriquecimento, a lei poderá ser aplicada ao passado e o procedimento criminal não estará sujeito a um regime de prescrição

domingo, março 08, 2015

Campeonato para a desqualificação da política


aqui se fez alusão ao último programa de Augusto Santos Silva na TVI 24. Tendo a Assembleia da República, na sexta-feira, aprovado, na generalidade, as diferentes propostas de criminalização do enriquecimento ilícito ou injustificado, vale muito a pena rever o que sobre o assunto disse Augusto Santos Silva:

Via Dimas Pestana

    (…) Acho que a discussão deve fazer-se, mas queria deixar aqui um alerta, em particular na discussão a propósito do enriquecimento, seja ilícito, desproporcionado, injustificado ou o que seja. Há quatro regras sagradas no Direito Penal. A primeira é que nós somos inocentes até prova em contrário. A segunda é que a prova compete a quem nos acusa. A terceira é que na dúvida deve decidir-se a favor do réu. E a quarta é que ninguém deve ser obrigado a auto-incriminar-se e, portanto, o silêncio não é crime. Ora espero que estas regras básicas do Direito Penal sejam cumpridas, porque não foram cumpridas quando a Assembleia da República aprovou o enriquecimento ilícito — o Tribunal Constitucional travou —, mas temo muito estes campeonatos demagógicos e populistas, em particular em períodos imediatamente pré-eleitorais. (…)»

quarta-feira, março 04, 2015

Vida errante de um cidadão de Massamá

Às terças-feiras, Augusto Santos Silva na TVI 24: o programa pode ser visto aqui. Eis uma breve passagem:

Via Dimas Pestana

    Augusto Santos Silva — A primeira dimensão é o padrão, o desenho que se vai compondo. Há ali um período na vida pessoal e profissional de Passos Coelho que é um período que suscita dúvidas do ponto de vista de padrões de comportamento. Basicamente…

    Paulo Magalhães — Tecnoforma, é disso que está falar?

    Augusto Santos Silva — Tecnoforma, uma organização não-governamental que servia de fachada para tentar obter fundos comunitários chamada Conselho Português para a Cooperação, no qual, quando deputado, Passos Coelho trabalhou e recebeu dinheiro, diz ele que para custear despesas em circunstâncias em que estava em exclusividade no parlamento, e uma actividade de lobbying político-empresarial junto de companheiros políticos que estavam então no Governo. Para beneficiar o país com quê? Com a qualificação de técnicos para aeródromos. Lembra-se?

    Paulo Magalhães — Sim.

domingo, dezembro 14, 2014

Riqueza e crime

• Fernanda Palma, Riqueza e crime:
    «Se o crime de "enriquecimento ilícito", que o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional, num acórdão em que apenas um dos seus treze juízes votou (parcialmente) vencido, estivesse previsto no Código Penal, a investigação dos processos mediáticos com que se confronta o sistema judicial estaria facilitada? E a decisão seria, previsivelmente, mais justa?

    Em casos de corrupção, fraude fiscal e branqueamento, a primeira dificuldade da investigação criminal pode ser descobrir o dinheiro e o seu proprietário. Ora, nessa perspetiva, a existência de um crime de enriquecimento ilícito pouco ou nada adiantaria. A maior dificuldade situa-se num estádio anterior, em que é necessário desvendar o circuito do dinheiro.

    Neste domínio, é oportuno recordar uma afirmação muitas vezes repetida mas frequentemente incompreendida: o Direito Penal é o último recurso da política criminal do Estado. Para prevenir a criminalidade económica e financeira, é essencial, antes de tudo, fiscalizar com eficácia a atividade bancária e financeira e extinguir os paraísos fiscais.

    Por outro lado, as penas propostas para o crime de enriquecimento ilícito (até três ou até cinco anos de prisão, no caso de funcionários) não eram, nem poderiam ser, tão severas como as cominadas para a corrupção, a fraude fiscal ou o branqueamento agravados. Nestes crimes, as penas podem ter o limite máximo de oito ou até de doze anos de prisão.

    Assim, o crime base de enriquecimento ilícito não admitiria escutas telefónicas nem prisão preventiva. E ao enriquecimento agravado, cometido por funcionário, só seria aplicável prisão preventiva no caso de se contemplar uma exceção ao regime geral, que reserva tal medida de coação aos crimes puníveis com pena de prisão de limite superior a cinco anos.

    Por conseguinte, o novo crime reprovado pelo Tribunal Constitucional não parece constituir o meio adequado para reforçar a luta contra a corrupção. No entanto, a objeção decisiva à criação desta nova incriminação continua a ser a presunção de inocência, associada à exigência de tipificação da conduta incriminada – e não só de uma sua possível consequência.

    A luta contra o enriquecimento ilícito passa pela previsão de deveres de declarar rendimentos e a sua proveniência, cuja violação pode ser punida com sanções idênticas às que se preconizavam para o novo crime. E, aliás, o "enriquecimento lícito" também pode resultar de condutas que merecem ser incriminadas, como a gestão danosa no setor privado.»

sexta-feira, novembro 28, 2014

quinta-feira, dezembro 05, 2013

O brinde e a fava

• Rui Pereira, O brinde e a fava:
    ‘(…) a nova moda, que confina os apreciados bolos ao reino dos frutos secos e cristalizados, não se estendeu ao campo social. Em Portugal, continua a haver beneficiados pelos brindes e estigmatizados pelas favas, mesmo quando a massa do bolo parece estar reduzida à expressão mínima. Neste Natal, o brinde saiu, por exemplo, a Américo Amorim e Belmiro de Azevedo, que lograram duplicar as suas fortunas em tempos de crise. A fava foi direitinha, entre outros, para os 609 trabalhadores despedidos dos Estaleiros de Viana do Castelo.

    (…)

    Talvez nunca deixe de haver brindes e favas. Talvez o nosso mundo nem sequer passe da lotaria gigantesca que traça secretamente o destino de cada um, descrita por Jorge Luís Borges e confirmada pela Física Quântica. Mas os seres humanos têm inscrito, no seu ADN, um ideal de Justiça e continuam a ser atraídos pelas utopias. Talvez isso os distinga dos outros animais. Por agora, na falta de um presente de Natal que abra a janela aos sonhos, eu ficaria satisfeito com esta explicação: porque engordam os mais ricos e emagrecem os mais pobres com a crise?’