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sexta-feira, julho 10, 2015

Constituição da República Portuguesa,
esse empecilho que azucrina a moleirinha de Passos


Passos Coelho escreveu no Twitter em 2 de Maio de 2011: «Vamos ter de cortar em gorduras e de poupar. O Estado vai ter de fazer austeridade, basta de aplicá-la só aos cidadãos

O alegado primeiro-ministro confessou hoje que tinha em mente um objectivo que fracassou: «Mais de dois terços da despesa pública concentram-se justamente nas prestações sociais e nos salários. Temos limitações óbvias do ponto de vista constitucional para lidar com o problema dos salários¹.» Daí que o pantomineiro-mor conclua ser uma «ilusão» pensar-se que reforma do Estado traz «profundas» poupanças.

Nesta conferência da CIP onde discursou, o alegado primeiro-ministro procurou explicar aos patrões como pretende superar este imbróglio. O que Passos Coelho lhes disse é que, para resolver «o problema dos salários» — ou seja, a redução dos salários —, necessita de previamente resolver «limitações óbvias do ponto de vista constitucional» — ou seja, virar do avesso a Constituição da República, como o projecto de revisão encomendado a Paulo Teixeira Pinto, que foi preciso esconder em 2011, preconizava.

No fundo, em período de eleições, Passos Coelho tem agora de suavizar o que disse, em 2013, na «Universidade» de Verão do PSD: «Não acredito que se possa persistir neste absurdo»… de ter um Tribunal Constitucional que obriga o alegado primeiro-ministro a governar de acordo com a Constituição. Mas, como se vê, ele não descansa enquanto não rasgar a Constituição — para «cortar em gorduras» (salários, pensões e outras prestações sociais).

ADENDA — Se Passos Coelho já tinha concluído que a reforma do Estado não resolvia o «problema dos salários», escusava de ter obrigado Paulo Portas à tristíssima figura de mostrar que não faz ideia nenhuma do que como está estruturado o Estado.

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¹ Já o sabíamos, mas é bom que o pantomineiro-mor o confirme: quando ele se referia em 2011 aos «cidadãos», estava a excluir os pensionistas, os funcionários públicos e todos aqueles que, por estarem desempregados ou serem pobres, auferem prestações sociais.

segunda-feira, maio 25, 2015

Uma maioria viciada em enganos

• João Galamba, Uma maioria viciada em enganos:
    «A Ministra das Finanças, discursando num evento da JSD, voltou à tese de que cortar a fundo na despesa pública é essencial para a consolidação orçamental e para a recuperação da economia e para o emprego. E alertou para os perigos de quem ousa dizer o contrário:
      "Quando alguém diz que vai ter tantas mais despesas e que vai conseguir um crescimento económico que vai permitir que não haja mais impostos ou até que eles baixem não dá para acreditar porque simplesmente não é verdade".

    Acontece que discordar da Ministra não é um acto de irresponsabilidade financeira, é uma questão de respeito pelos factos e pela experiência dos últimos 4 anos.

    No orçamento para 2012, o Governo PSD-CDS duplicou a austeridade acordada no memorando inicial. O resultado foi uma recessão de 4%, mais do dobro do que o Governo previa inicialmente.

    Em Outubro de 2012, em pleno debate do Orçamento para 2013, o Primeiro-Ministro, depois de já ter cortado cerca de 7 mil milhões de euros em salários, pensões e investimento público (e de ter aumentado os impostos em 2 mil milhões de euros), e com a economia em colapso, diz que é essencial voltar a cortar 4 mil milhões de euros na despesa. Sem isso, garantia Passos Coelho, teríamos um segundo resgate.

    Na verdade, e se excluirmos a despesa com juros, o que acabou por acontecer foi que a despesa não baixou, como pretendiam o Primeiro-Ministro e a Ministra das Finanças. A despesa aumentou, passando de aproximadamente 73 mil milhões de euros em 2012 para 76 mil milhões de euros em 2014. Só no ano de 2013, com a devolução dos subsídios de férias e natal, cujo corte foi considerado inconstitucional, a despesa ficou quase 3 mil milhões de euros acima do que o governo previa no orçamento desse ano.

    E qual foi o resultado?

    Ao contrário das previsões catastrofistas do Primeiro-Ministro, não consta que não se ter cortado 4 mil milhões de euros na despesa tenha levado a um segundo resgate. Como reconheceu, no Parlamento, o próprio Secretário de Estado do Orçamento: o aumento da despesa pública resultante da intervenção do Tribunal Constitucional - que aumentou o rendimento disponível de pensionistas e funcionários públicos - levou uma melhoria da actividade económica.

    E foi assim que, depois de bater no fundo no primeiro trimestre de 2013, a economia iniciou a sua (lenta) trajectória de recuperação - à boleia de uma recuperação do consumo privado e de um corte no consumo público muito abaixo das pretensões iniciais do governo. Foi o recuo na austeridade e nos cortes na despesa que permitiram à economia respirar e sair da recessão.

    Não é possível olhar para o que se passou a partir de 2013 e não reconhecer que o recuo (forçado) no corte de 4 mil milhões de euros em despesa pública teve efeitos positivos na economia portuguesa. Teve efeitos positivos em 2013, com a devolução dos subsídios de férias e natal. Teve efeitos positivos em 2014, porque o TC voltou a travar mais um corte de pensões e salários e fez com que, durante três meses, não houvesse quaisquer cortes salariais na função pública. E está a ter efeitos positivos em 2015: para além da devolução de 20% dos cortes salariais, o fim da Contribuição Extraordinária de Solidariedade devolveu cerca de 600 milhões de euros aos pensionistas. Como é evidente, tudo isto tem impacto positivo no Consumo, que é a variável que explica a saída da recessão (mas não da crise). Se juntarmos os efeitos positivos da queda do preço do petróleo, da queda dos juros e da desvalorização do euro, é fácil perceber por que razão cresce a economia portuguesa.

    Se, para além da despesa em salários e pensões, incluirmos o dinheiro público gasto a financiar estágios e todas as políticas activas de emprego, que são o que explica grande parte da criação de emprego nos últimos anos, é fácil concluir que, ao contrário do que nos é dito pelo Primeiro-Ministro e pela Ministra das Finanças, o aprofundamento dos cortes na despesa pública não gera prosperidade. Cortar nos salários, nas pensões, na saúde, na educação, no investimento em ciência e cortar em tudo o que cheire a Estado não é seguramente o caminho para criar emprego e crescimento económico. É o que nos mostra a experiência dos últimos anos. E é o que manda o bom senso.

    Depois de ter sido obrigado a devolver 600 milhões de euros aos pensionistas em 2015, o Governo já anunciou que, se os portugueses deixarem, quer voltar a cortar esses mesmos 600 milhões já em 2016. PSD e CDS não aprendem com a experiência e não têm nada a oferecer ao país.»

sexta-feira, maio 22, 2015

PS devolve "conselho amigo" a Portas sobre a Segurança Social

    «O membro do secretariado nacional do PS João Galamba devolveu hoje o "conselho amigo" da véspera ao vice-primeiro-ministro, defendendo as medidas de dar sustentabilidade à Segurança Social dos socialistas, face ao "rombo financeiro" protagonizado pelo actual Governo.

    "Venho aqui deixar um conselho amigo ao nº 2 do Governo, Paulo Portas. Antes de fazer críticas a terceiros sobre a Segurança Social, devia olhar muito bem para o seu currículo e o dos governos a que pertenceu. Este Governo destruiu mais de 400 mil empregos, cortou pensões, ameaça voltar a cortar, baixou salários", afirmou o deputado do PS numa declaração aos jornalistas no parlamento, acrescentando que as "quedas de salários e do emprego" são o "maior rombo financeiro na Segurança Social".

    (...)

    "O PS, fiel à sua história, defende a Segurança Social pública e reconhece que a única maneira é rejeitar o corte de pensões em pagamento para manter a confiança no sistema", além de "assegurar as fontes de financiamento do sistema - salários e pensões. É essa a proposta do PS: aumentar salários, a criação de emprego, dinamizar a economia", resumiu o parlamentar socialista.

    João Galamba lembrou ainda que a proposta de aplicar até 10% do fundo de estabilização financeira da SS na reabilitação urbana e na política de rendas acessíveis é apenas "dar cumprimento à portaria 1273/2004, aprovada por Bagão Félix, ministro da Segurança Social de um Governo de Paulo Portas".

    "Todas as preocupações de pessoas que levantaram críticas às propostas foram acauteladas. Não há qualquer descapitalização da Segurança Social. O que há é uma aposta muito forte na criação de emprego e aumento de salários, as duas principais fontes de financiamento. Com as propostas do PS, a sustentabilidade e o pagamento de pensões, presentes e futuros, estão plenamente assegurados", garantiu, ao ser questionado por algumas dúvidas e discordâncias internas relativamente a esta matéria.»

terça-feira, maio 19, 2015

A arma secreta de Passos
denuncia o programa para os próximos quatro anos

— Deixa, Pedro, que eu preparo-os para os cortes.

Eduardo Catroga foi o responsável pelo programa eleitoral do PSD em 2011. Como recompensa, o Partido Comunista da China foi alertado de que lhe deveria ser dada, após a privatização, uma prateleira dourada na EDP. Assim aconteceu.

Agora, a coligação da direita pede a Catroga um último serviço: abrir caminho a novos pacotes de austeridade, especificamente para promover mais e mais cortes na despesa pública. Para isso, ele assentou arraiais no Público: na semana passada, uma inesperada entrevista e, hoje, um artigo de «opinião».

A tese de Catroga é simples: a consolidação orçamental está a ser feita sobretudo pelo aumento de impostos e não por cortes na despesa. Esta tese tem um problema: não corresponde à realidade, como Pedro Adão e Silva o demonstrou no Expresso.

Ora, ao continuar a insistir que o Governo não foi «além da troika», Eduardo Catroga acaba é por anunciar o programa que os estarolas colocariam em prática, caso vencessem as eleições: cortar (ainda mais) salários e pensões. A ministra das Finanças já disse, de resto, que os pensionistas CGA sofreriam um corte de 600 milhões de euros.

sexta-feira, maio 15, 2015

Martelar (n)as auditorias


• Fernanda Câncio, Martelar (n)as auditorias:
    «Pôr o Conselho de Finanças Públicas e a Unidade Técnica de Apoio Orçamental do Parlamento a auditar programas de partidos (na verdade, só de um partido e aquilo que nem é ainda formalmente um programa), eis a última da maioria. Giro, mas que tal ver antes como auditaram as contas do governo? Comecemos pela medida mais paradigmática, o corte dos subsídios de Natal e férias de funcionários públicos e reformados.

    O OE 2012 diz que a medida vale 1800 milhões de euros líquidos, 1200 dos quais correspondentes aos funcionários. Mas quando no OE 2013 o governo apresenta a devolução dos subsídios como um "buraco causado pela decisão do TC que era preciso compensar", orça-a assim: "O aumento de despesa decorrente da reposição parcial de subsídios aos funcionários públicos e pensionistas vale cerca de 1700 milhões de euros." Ou seja, em 2012, quando eram apresentados como "poupança", os dois subsídios de funcionários e pensionistas valiam 1800 milhões líquidos, portanto, pouco mais de 2000 milhões brutos; no ano seguinte, à reposição parcial dos mesmos, que corresponde grosso modo a metade do cortado no ano anterior, é imputado um valor quase igual. À época, a Lusa resumia: "O valor bruto da reposição feita neste ano [2013] de um subsídio aos funcionários públicos e de 1,1 aos pensionistas é de cerca de 1650 milhões de euros segundo o OE. (...) A reposição do outro subsídio aos funcionários públicos e de 90% do subsídio de férias aos pensionistas pode chegar aos 1495 milhões de euros." Somando as duas parcelas o resultado é 3145 milhões. Pelo menos mil milhões mais do que o anunciado em 2012 pelo governo como "poupança" associada ao corte dos subsídios.

    Ou seja: total trapalhada (para dizer o mínimo). E a UTAO e CFP, que dizem? Pois que nada. Nem sequer no ano seguinte, quando o OE 2014 aprofunda o corte de salários dos funcionários públicos que, por decisão do governo Sócrates, estava em vigor desde 2011. Apesar de baixar a fasquia dos salários afetados e de ser muito mais severa (o corte de 2011 iniciava-se nos 1500 euros, diminuindo-lhes 3,5%; este começava nos 675, com 2,5%, sendo que 1500 perdiam 8,6% e a partir dos 2000 a redução era de 12%), a "alteração salarial" de 2014 é apresentada como "valendo" 643 milhões ilíquidos quando a anterior, no OE 2011, correspondia a 1190 milhões. Ante a incongruência, o DN questionou o Ministério das Finanças - sem resposta. Mas a UTAO viria a concluir ser preciso somar os dois valores para chegar ao correto: o corte de 2014 (que o Tribunal Constitucional chumbou) corresponderia assim a 1700 milhões. Ora se à ablação dos subsídios - 14% no mesmo universo salarial - o governo tinha atribuído, recorde-se, o valor líquido de 1200 milhões, como é que cortar entre 2,5% e 12% poderia valer mais? São só três orçamentos do Estado que não batem certo - pequeno pormenor no qual nem UTAO nem CFP (nem a tal de troika, lembram-se?) repararam. Mais que fazer, com certeza

terça-feira, maio 05, 2015

E é isto


    «(…) Em Portugal, o Governo compara muitas vezes a descida do défice entre 2010 e 2014, esquecendo que mais de metade dessa descida acontece de 2010 para 2011. E o Orçamento de 2011 não é do actual Governo, é do anterior. O PS foi muito mais eficaz em 2011 do que a Maioria em 2012 e 2013 juntos – e com muito menos austeridade. Uma das coisas mais ridículas da estratégia deste Governo foi a compressão salarial para aumentar exportações. Olhemos para os dados: 2014 foi o ano em que as exportações cresceram menos desde 2009. E em 2015 está a ser pior.»
      Passagem da entrevista de Manuel Caldeira Cabral dada ontem ao Jornal de Notícias (já referida aqui)

quarta-feira, abril 22, 2015

A palavra à UTAO

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    «Segundo a UTAO [Unidade Técnica de Apoio Orçamental da Assembleia da República], o PEC do Governo assenta todo o seu otimismo no crescimento da procura interna, sobretudo consumo privado. A acusação de que o PS privilegia a procura e os rendimentos das famílias torna-se, por esta razão, uma acusação absurda e contraditória com as próprias previsões do governo.

    A grande diferença entre os documentos do Governo e do PS é a seguinte: enquanto o PS tem políticas para apoiar rendimentos e procura interna, o que justifica as suas previsões, o Governo tem o oposto. Não há maior descredibilização do que isto: o Governo prevê crescimento da procura interna, mas assume políticas que a penalizam, como o corte de pensões (600 milhões) e o adiamento da reposição dos cortes salariais e da sobretaxa para o fim da legislatura.»

segunda-feira, abril 20, 2015

Estado empreendedor

— A inovação cabe-nos a nós, a vocês basta comprar o que produzimos.

• João Galamba, Estado empreendedor:
    «Todos concordam que um dos desafios do país é produzir mais e de forma mais justa. O problema vem a seguir. Podemos dizer que uma economia de um país é tanto mais produtiva quanto mais produtivo for o conjunto dos seus trabalhadores e quanto mais produtivo for o seu stock de capital*. Mas esta afirmação, embora verdadeira, pode induzir em erro, porque dá a ideia que faz sentido olhar para uma realidade chamada produtividade dos trabalhadores e uma outra chamada a produtividade do capital, como se qualquer uma delas pudesse ser analisada independentemente da outra. Quando isso acontece, e quando crê nos axiomas de uma certa vulgata liberal, o resultado é trágico.

    Olhemos para a produtividade dos trabalhadores portugueses e dos trabalhadores alemães. Os alemães são mais produtivos que os portugueses, mas não são mais produtivos porque trabalham mais ou porque são mais esforçados, nem são mais produtivos porque trabalham melhor ou pior do que os portugueses. Mesmo que os portugueses fossem trabalhadores piores ou menos qualificados que os alemães, a principal razão por que os alemães (ou japoneses ou americanos) produzem mais do que os portugueses é porque a economia portuguesa é diferente da economia alemã. Os trabalhadores portugueses exercem a sua actividade no contexto de economia que tem um perfil produtivo que, por muito que os trabalhadores se esforcem, por muito que tentem, não permite atingir os níveis de produtividade da economia alemã. Num certo sentido, a produtividade dos trabalhadores tem muito pouco a ver com os trabalhadores propriamente ditos.

    Portugal nunca poderá aumentar a produtividade dos seus trabalhadores forçando-os a trabalhar mais horas, com menos direitos e com menores salários. No contexto europeu, os portugueses já trabalham mais horas do que outros países mais produtivos, não consta que tenham mais direitos do que na generalidade dos países europeus, e não têm seguramente salários demasiado elevados. Se o objectivo for o subdesenvolvimento do país, podemos sempre apostar nessa via, como é evidente. Não consta que seja uma opção viável, muito menos aceitável.

    A actual maioria, prisioneira de uma visão da economia onde o Estado é visto como um entrave ao dinamismo, criatividade e capacidade de inovação da iniciativa privada, não concebe outra política económica que não a fragilização da situação do trabalhador (quanto menor a protecção maior o incentivo a trabalhar) e a entrega de recursos ao sector privado, prioritariamente reduzindo o IRC e reduzindo os custos salariais. Tudo isto financiado por desinvestimento público, para evitar aumentar o défice. Na cabeça de alguns, isto é o caminho para a prosperidade.

    Os crentes nesta estratégia acham que, se o Estado desinvestir na educação, desinvestir na ciência e na tecnologia, a iniciativa privada toma conta do recado. E se, por qualquer razão, essa verdade axiomática não se estiver a verificar, então é porque o Estado ainda não facilitou o suficiente. Trata-se uma espécie de visão mecânico-liberal do desenvolvimento: Estado recua, privados emergem, mais fortes, mais pujantes e mais criativos, e o milagre acontece. O PCP defende algo semelhante, mas ao contrário.

    Em alternativa a esses dois extremos encontra-se a realidade da grande maioria dos países desenvolvidos, onde o Estado e a iniciativa privada foram e são parceiros no desenvolvimento do país, cada um desempenhado a sua função, de forma complementar, e onde o trabalho não é uma mera variável de ajustamento económico. O Estado não se resume a ser facilitador, como se bastasse o seu recuo ou não intervenção para produzir milagres. Mas também não é um simples regulador de mercados, fornecendo os meios para o seu regular e justo funcionamento. Faz mais do isso e também cria mercados.

    É uma ilusão pensar que basta investir na regulação pública dos mercados e nas qualificações dos trabalhadores (presentes e futuros) para que a produtividade aumente. Trata-se de um investimento essencial, sobretudo num país como Portugal, mas está longe de ser suficiente. Se não houver investimento na qualificação e na modernização do contexto onde exercem a sua actividade, o investimento em qualificações, por si só, servirá de pouco e, por falta de oportunidades internas, tenderá a ser exportado, via emigração. É o que tem acontecido.

    É por esta razão que, para além de investimento em qualificações, é fundamental investir em ciência, na inovação e na modernização do nosso tecido produtivo. Todos estes investimentos requerem - directa ou indirectamente - o Estado e dependem da existência de políticas públicas adequadas. Não se trata de nacionalizar ou privatizar, mas de reconhecer uma política que mobilize todos os actores - administração pública, laboratórios e centros tecnológicos público e privados, instituições de ensino superior, empresas e sindicatos - com o objectivo de alterar e qualificar o perfil produtivo da economia nacional. Isto envolve necessariamente financiamento público directo e indirecto. E é uma estratégia que não é compatível com a ideia de um Estado meramente facilitador e muito menos com a diabolização do investimento público que tem sido e continua a ser uma das bandeiras da actual maioria.

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* O conceito de stock de capital é problemático, porque, ao contrário do stock de trabalhadores, não é algo mensurável em unidades físicas. Podemos somar trabalhadores, não podemos somar uma fábrica de automóveis com uma cimenteira ou com um cabeleireiro. Para fazê-lo, precisamos de uma unidade de valor monetário, sem o qual o conceito de capital não tem significado. Isto leva a que a função matemática que a generalidade dos economistas usa para representar o lado da oferta de uma economia tenha graves problemas metodológicos.»

segunda-feira, abril 13, 2015

«Uma competitividade sem futuro»


• João Galamba, Uma ideia errada de competitividade:
    «Como Passos Coelho não tem outra ideia de competitividade que não a de um país baratinho e desqualificado, a sua política económica é sempre uma versão qualquer de desvalorização salarial e descida dos impostos para as empresas. E é por isso que, quando confrontado com o não arranque do investimento e do emprego, Passos Coelho recorra ao mantra do costume: é preciso baixar os custos salariais e reduzir impostos às empresas. Como não concebe outra possibilidade, até ameaça repetir o episódio TSU, desta vez, se necessário, recorrendo a ajuda externa da Europa.

    Apesar redução dos salários que já ocorreu, quer por alterações ao Código do Trabalho, que por pressão do desemprego, Passos Coelho parece achar que os salários ainda não baixaram o suficiente para o país ser competitivo. Se o remédio aparenta não estar a resultar, é preciso insistir e reforçar a dose. O facto de o remédio poder não ser o mais adequado é algo que nunca ocorre ao Primeiro-Ministro.

    Os custos salariais são, como é evidente, uma variável importante no funcionamento de uma economia. Mas não é reduzindo ainda mais os salários que Portugal vai passar a produzir produtos de maior valor acrescentado. Não é reduzindo ainda mais os salários que as empresas vão investir no aumento da sua capacidade produtiva e na criação de novos bens e serviços.

    O nosso desafio económico não é tornar mais barato o que já produzimos, mas sim alterar o nosso perfil produtivo e qualificar os nossos recursos. Tudo isto requer investimento, e não consta que as empresas que não estão hoje a investir passem a fazê-lo porque gastam menos em salários. Nem porque paguem menos IRC, já agora. Sobre este tema, basta ver o que dizem os próprios empresários, no Inquérito da Conjuntura publicado pelo INE.

    Num país onde os salários são bastante inferiores à média europeia, insistir na redução dos custos de trabalho como estratégia para ganhar competitividade é ignorar os verdadeiros bloqueios estruturais do país. Nós não precisamos de uma desvalorização interna: precisamos de desenvolver e investir no país. E não podemos esperar que outros o façam por nós, como contrapartida de o país entrar em saldos.

    Para além de apostar na queda dos salários, Passos Coelho também tem apostado no desinvestimento na qualificação, no desinvestimento na ciência, no desinvestimento na inovação. Com o que "poupa" com este desinvestimento todo, Passos Coelho investe em sucessivas reduções da taxa de IRC. Este desinvestimento público não se tem traduzido num aumento do investimento das empresas, como previa a teoria, mas sim a um reforço da distribuição de dividendos.

    Esta política económica pode permitir a Passos Coelho imaginar que está a construir o país "mais competitivo do mundo". Mas trata-se de uma competitividade sem futuro.»

quinta-feira, abril 09, 2015

Intervenções no âmbito da Interpelação ao Governo (pedida pelo PCP)
centrada na continuação da política da troika



Pedro Nuno Santos: «Como é que explica que há seis meses o emprego esteja a cair de forma ininterrupta, Senhora Ministra [Miss Swaps]? O que é que está a acontecer?»


João Galamba: «A Senhora Ministra das Finanças [Miss Swaps] disse uma coisa espantosa que, de facto, resume grande parte da dissonância cognitiva deste governo: numa mesma intervenção disse que o Governo foi obrigado a aumentar impostos por causa do Tribunal Constitucional (e que queria era ter cortado salários e pensões) e terminou a sua intervenção vangloriando-se da devolução de salários e pensões.»

sexta-feira, março 13, 2015

Atrair emigrantes ou caçar votos?

• Helena Garrido, Atrair emigrantes ou caçar votos?:
    «(…) Não podemos dizer que de facto se vai gastar muito mais dinheiro em Portugal porque temos de admitir que as pessoas, em geral, são mais racionais do que os governos. Ninguém, no seu perfeito juízo, vem para Portugal receber uns apoios se tiver emprego no estrangeiro ou mesmo se estiver desempregado. Em Portugal, o desemprego ainda atinge (no mínimo) 13,5% da população activa.

    Os incentivos implícitos naquilo que o Governo anunciou são igualmente aterradores. A mensagem subjacente é: se é emigrante e desempregado venha para Portugal que nós damos-lhe dinheiro para criar um negócio ou entregamos dinheiro às empresas para o contratar. E quando o apoio acabar o que é que acontece? Fica de novo desempregado?

    Num avaliação ainda mais global, medidas para atrair emigrantes são ainda mais absurdas. Políticas para atrair emigrantes de países com elevadas taxas de desemprego contribuem para elevar ainda mais o desemprego e pressionar ainda mais a queda dos salários. A Zona Euro, sem a mobilidade fácil e confortável das pessoas, torna-se ainda mais desequilibrada.»

segunda-feira, novembro 03, 2014

“O Presidente é parcial com o Governo
e não acrescenta nada ao sistema”

Em entrevista ao Público, o constitucionalista Jorge Reis Novais considera que Cavaco Silva e o Governo tiveram uma estratégia de facto consumado durante os anos da troika.

quarta-feira, outubro 22, 2014

Fizeram uma escolha

• Pedro Nuno Santos, Fizeram uma escolha:
    «Nos debates sobre dívida pública, o governo português apresenta-se como querendo honrar os compromissos do Estado e pagar tudo o que deve. Tem moral quando o faz? - Não, não tem. Na realidade, o governo português decidiu "não pagar" parte dos salários dos funcionários públicos e parte das pensões de muitos pensionistas, em vez de tentar negociar a flexibilização das metas orçamentais ou uma nova estrutura para a nossa dívida pública.

    Negociar não significa conseguir o resultado pretendido, mas nem sequer tentar significa fazer uma escolha à partida - para honrar os compromissos internacionais, o governo escolheu não honrar os compromissos com uma parte significativa dos cidadãos portugueses. É uma opção política legítima, não podem é apresentar-se como os que honram todos os compromissos e contratos assumidos pelo Estado português.

    O haircut unilateral imposto sobre salários e pensões são uma violação dos contratos assumidos entre o Estado e os seus trabalhadores e pensionistas - podem alegar que se tivessem escolhido outra opção teria sido pior, não podem é dizer que "pagam" tudo. Também relativamente aos credores, o governo tem dois discursos diferentes, consoante sejam externos ou nacionais. Se por um lado não prevêem nenhuma negociação com os credores internacionais, já relativamente aos credores das câmaras municipais o governo entende que qualquer programa de resgate, no âmbito do Fundo Apoio Municipal, deve implicar uma negociação prévia, que pode implicar (i) alongamento dos prazos de pagamento, (ii) perdão de juros de mora, (iii) redução das taxas de juro ou (iv) perdão de capital em dívida.

    É o próprio secretário de Estado, António Leitão Amaro, que diz que "se os contribuintes fazem um esforço, é natural que os credores também o façam e, se calhar, é melhor receber 70% agora do que 100% daqui a três anos". E tem toda a razão. O governo não pode é acusar os outros de "não quererem pagar" quando é isso que faz com funcionários públicos, pensionistas e credores de autarquias. Fizeram uma escolha, têm de viver com ela.»

sexta-feira, setembro 26, 2014

«Os dias do fim»: uma retrospectiva [3]

Numa acção de campanha a 30 de Julho, António Costa mostrou por que o PS não era visto como alternativa ao governo mais extremista que o regime democrático conheceu: «A direita falhou no diagnóstico e na resposta, mas o PS tem tido dificuldade em ser visto pelos cidadãos como alternativa. Essa dificuldade resulta de se ter dado a entender que o que o distinguia do Governo era uma questão de ritmo e de dose.» E o próximo secretário-geral acrescentava: «O que o país exige não é que mudemos o ritmo nem diminuamos a dose, o que o país nos pede é que façamos diferente, com uma alternativa clara a este Governo».

Seria possível citar inúmeros exemplos de como António José Seguro aprisionou o PS nesta estratégia de se limitar a procurar refrear a política do Governo de «ir além da troika» (sem nunca denunciar que tais cortes não constavam do memorando). Recorde-se o caso do Orçamento do Estado para 2012, em relação ao qual, perante a decisão do Governo de cortar os subsídios de férias e de Natal, António José Seguro sugeriu que apenas fosse cortado um dos subsídios. O Tribunal Constitucional arrumou a questão, tendo declarado inconstitucionais ambos os cortes. Seguro festejou como se tivesse contribuído para o resultado.

quarta-feira, setembro 24, 2014

«Os dias do fim»: uma retrospectiva [1]

É conhecida a oposição da direcção do PS ao pedido de fiscalização sucessiva do Orçamento do Estado para 2012 que um grupo de deputados levou a cabo. Passados estes anos, António José Seguro fala de alto das derrotas que o Governo averbou por o Tribunal Constitucional ter travado a violação da Constituição da República por parte de Passos & Portas.

Acontece que António José Seguro manifestou também em relação ao Orçamento do Estado para 2013 sérias reservas a que os deputados do PS recorressem ao Tribunal Constitucional para impedir que os cortes anticonstitucionais dos rendimentos dos funcionários públicos e dos pensionistas se consumassem. Disse ele então aos jornalistas à margem do debate do Orçamento: «É no terreno político que continuarei a lutar contra este orçamento».

Se os deputados do PS tivessem seguido a vontade e as orientações de António José Seguro, o Governo de Passos & Portas teria conseguido levar a austeridade a patamares inimagináveis. É este homem que quer agora conduzir o país à «mudança».

sábado, setembro 13, 2014

O inimigo público n.º 1 dos funcionários públicos


O Governo de Passos & Portas fez a promessa de, em 2015 (ano de eleições legislativas), repor 20 por cento dos cortes efectuados nos salários dos trabalhadores do Estado. Na entrevista que hoje abrilhanta o i, António José Seguro é muito mais comedido do que o Governo de Passos & Portas.

Sobre a reposição dos cortes nos salários, Seguro diz: «Destruir pode fazer-se num dia, construir leva tempo. Este governo empobreceu e destruiu o país. Não estou em condições de prometer que no dia seguinte reponho tudo em matéria de rendimentos para todos os portugueses, isso seria vender ilusões e eu não digo coisas que não tenha a certeza de poder cumprir. O meu compromisso em relação aos salários da função pública é de uma recuperação em função da evolução da economia. Em relação aos reformados, fui mais imediato: acabar com a contribuição da sustentabilidade e isso foi resolvido pelo Tribunal Constitucional.»

Portanto, Seguro não será tão «imediato» com os funcionários públicos como diz ter sido com os reformados. E dá uma pista de que a recuperação dos salários dos trabalhadores do Estado estará dependente da «evolução da economia» (seja lá isso o que for).

Uma coisa é certa: com Seguro, «não haverá cortes adicionais». Mas só «há uma recuperação dos rendimentos, em função do crescimento da economia.» Quem diria que se iria assistir na campanha das eleições primárias a uma ultrapassagem pela direita do Governo de Passos & Portas — por António José Seguro?

domingo, agosto 24, 2014

Cortes constitucionais


• Fernanda Palma, Cortes constitucionais:
    «A jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de "cortes " salariais bebeu a cicuta que o Governo e o Presidente da República lhe forneceram. Na verdade, fê-lo ao admitir como regra que, em situações excecionais e temporárias, não serão inconstitucionais os "cortes" dos salários da Função Pública, por não violarem desproporcionadamente a igualdade.

    Não formulou um critério de justiça material. Apenas se declara impedido de deixar passar pelo crivo da Constituição reduções salariais apresentadas como definitivas ou que funcionem como tais. Converteu o anterior critério especial, baseado na urgência, na temporalidade e na ausência de alternativas, num critério formal, generalizante e de pendor "político".

    O Tribunal Constitucional sente a necessidade de se referir ao Tratado Orçamental (ou a outro facto político idêntico) para fazer juízos de necessidade e excecionalidade, apesar de tal facto nem sequer ser determinante das concretas opções orçamentais. Tornou-se refém de políticas orçamentais que desvalorizam o trabalho prestado em funções públicas.

    O que funciona em termos macroeconómicos como despesa é, ao nível jurídico, o salário dos trabalhadores e condição de realização dos seus direitos. Como referem dois votos vencidos, não se pode pressupor a proporcionalidade dos " cortes " salariais num quadro de discriminação continuada, abstraindo do significado constitucional do direito à remuneração.

    Após as hecatombes que se têm registado no setor privado, tido como a parte sã da economia e fonte do crescimento, menos se compreende a discriminação dos funcionários públicos como alvo dos "cortes". Nada legitima, por exemplo, as indemnizações ou pensões multimilionárias atribuídas a administradores de grupos arruinados e financiados pelo Estado.

    A Justiça define-se na relação de cada pessoa com as outras e com o Estado e não em termos macroeconómicos, como uma visão utilitarista propõe. Na sua jurisprudência, o Tribunal Constitucional cai nos riscos decorrentes de considerar a igualdade uma mera fórmula coletiva sem conteúdo e a necessidade um argumento que se extrai das opções políticas.

    Compreende-se, pois, o " elogio " indireto da agência Fitch ao Tribunal Constitucional. Porém, é justo que se diga que este se tem oposto às soluções mais iníquas (sobretudo dirigidas a pensionistas). Causa perplexidade que haja votos de vencido que não reconhecem essas inconstitucionalidades óbvias e anulam o papel da Constituição em matéria orçamental.«

quinta-feira, agosto 21, 2014

Falar de cortes fora do contexto

Hoje na Visão

É verdade que o governo anterior aprovou cortes nas remunerações dos trabalhadores do Estado para tentar evitar a tragédia que estamos a viver. Mas como é que é possível invocar que agora o Governo está a repor tais cortes, quando procedeu, entretanto, ao maior aumento de impostos de que há memória (para além do agravamento das condições de vida das pessoas por força do incessante ataque ao Estado social)?

segunda-feira, julho 07, 2014

«A deflação não é um acidente»

• João Galamba, (Mais) um beco sem saída:
    «(…) Se as actuais políticas económicas e orçamentais se mantiverem, não há instrumento nem política que o BCE possa pôr em prática que inverta ou anule os efeitos que o desemprego, a compressão salarial e a austeridade têm nos preços. O BCE pode dar dinheiro barato e ilimitado aos bancos para estes emprestarem, mas há uma coisa que não consegue fazer: não cria procura do nada. Sem procura, e com o euro a não desvalorizar, não há maneira do BCE criar inflação.

    A deflação não é um acidente, é o resultado inevitável da actual estratégia europeia. As únicas políticas que podem combater a deflação são as que travam as suas causas, isto é, são as que combatem o desemprego, são as que invertem a actual dinâmica salarial, são as que apostam no investimento; são, em suma, as que aumentam a procura.

    Se queremos mesmo evitar uma espiral deflacionária, resta-nos reconhecer que a política monetária, sozinha, não pode nada; e que só uma inversão da política orçamental, juntamente com uma política económica que abandone a actual obsessão com a competitividade salarial, pode verdadeiramente tirar-nos do beco sem saída em que estamos metidos.»