Fonte: http://migre.me/3XXQI
Para falar sobre essa notícia, o grande desafio é resistir ao impulso de chamar esse povo todo de louco. Não é nenhuma reserva moral ou inabilidade diagnóstica que justifica essa resistência. Ela é necessária pelo simples fato de ser fácil demais. Não generalizo, mas tenho a inclinação de desconfiar de tudo o que é fácil assim.
Neste caso específico, creio que minha inclinação se justifica. Rotulá-los de loucos (independentemente de o serem ou não) é uma atitude cômoda. Tudo aquilo que sai dos limitados e limitantes padrões sociais vigentes é taxado de loucura/anormalidade. Isso ajuda a nós, os ditos normais, a sentirmo-nos mais seguros. Traçamos uma linha imaginária entre a nossa suposta normalidade e a loucura (sempre dos outros). Assim nos sentimos bem e seguimos enlouquecendo "calmamente, viciosamente sem prazer", como diz o Lobão na música "Essa Noite Não". Além disso, rotular do que quer que seja qualquer uma das múltiplas possibilidades do funcionamento mental humano é simplesmente fechar as portas para uma compreensão mais profunda sobre nós mesmos.
Portanto, é preciso ir mais além. É preciso analisar (mesmo que rápida e superficialmente, como é o caso deste texto) as nuances, sutilezas e singularidades de cada situação. Diante da notícia que temos em pauta, penso que é possível engendrarmos duas perspectivas de análise: (1) o lado das mulheres que, nas palavras da matéria, se submeteram à "ordenha" e (2) o lado dos consumidores do referido produto. Proponho, aqui, pensar um pouquinho nos consumidores do tal sorvete. Teríamos um terceiro lado, a saber, a perspectiva de quem teve a ideia de produzir esse sorvete. Nesse caso, sim, acho que podemos simplificar e asseverar que as motivações financeiras (até mesmo em decorrência da publicidade, positiva ou negativa, em torno da exótica iguaria) explicam de modo relativamente satisfatório tal empreitada.
A psicanalista austríaca Melanie Klein (1882 - 1960), em seus estudos e casos clínicos, postulou que as primeiras experiências humanas de satisfação, frustração, saciação, privação, acolhimento e desamparo são as bases nas quais a personalidade de cada indivíduo se alicerçará. E, na maioria das vezes, essas (e outras) experiências primordiais, antes de serem atribuídas e vivenciadas como se fossem em relação à mãe (ou a quem exerce a função materna), são sentidas na relação com a amamentação e o seio materno. O ser humano nasce, cresce, se reproduz e morre fundamentalmente em busca de uma suposta completude paradisíaca perfeita e perdida. Em outras palavras - pois sempre precisamos de outras palavras -, vivemos movidos pela tentativa incansável de preenchermos uma falta incurável, como bem falou, marcou e contornou o psicanalista francês Jacques Lacan (1901 - 1981).
Teria, portanto, a busca humana (desenfreada e inconsciente) pelo paraíso perdido algo a ver com tal sucesso de vendas? Estariam todos desesperadamente em busca do leite materno primordial, tentando saciar o desamparo irremediável ao qual todo ser humano está sujeito?
Evidentemente, este texto rápido, simples e superficial não pretende responder a essas questões, mas contenta-se perfeitamente em, por hora, realizar a tarefa de levantá-las.