E foi depois da Marcha para Jesus, da fala de Dom Luiz Gonzaga Bergonzini (bispo da diocese de Guarulhos) sobre o estupro de mulheres e do discurso de Myrian Rios que equivocadamente relacionou pedofilia e homossexualidade, que parei para pensar no que estava acontecendo.
São três situações diferentes, que envolvem pessoas distintas, no entanto, há algumas características semelhantes e que muito me preocupam. A intenção desse texto não é “julgar” a orientação sexual ou religiosa de ninguém, deixemos esse assunto para outro dia, quem sabe. Quero apenas discutir ou levantar alguns pontos que me intrigam, como o discurso pautado na religiosidade velando preconceitos e ideias equivocadas. Até onde demonstrar e defender o que você acredita não ultrapassa aquela faixinha de respeito que não pode ultrapassar a liberdade de outro? Questiono.
No último dia 23 ocorreu a marcha para Jesus. Segundo os organizadores do evento essa teve como objetivo a difusão da paz, o amor, a solidariedade, o respeito, a tolerância. Bonito, né? Mas não foi isso que se viu, necessariamente. Além daqueles fieis que estavam ali claramente PARA Jesus, alguns resolveram falar sobre união homoafetiva (que muitos veem como anormalidade) e até maconha (devido à legalização da marcha da maconha). Curioso foi ver a fala de Silas Malafaia, que atacou a decisão do STF de liberar as marchas do tipo no Brasil: "Amanhã se alguém quiser fazer uma marcha em favor da pedofilia, do crack ou da cocaína vai poder fazer. Nós, em nome de Deus, dizemos não". Olha o extremismo da pessoa, a figura pública e formadora de opinião transmitindo exageros aos seus seguidores.
Assim como Eliane Brum, eu sequer sabia que a Miryan Rios era deputada estadual do Rio de Janeiro e só vim saber depois desse bafafá todo, de verdade. Achei muito estranha a declaração dela, alegando que não contrataria uma pessoa devido à orientação sexual desta, uma vez que seus filhos poderiam ser vítimas de pedofilia. Myriam Rios utilizou tais ideias para argumentar contra a regulamentação da PEC 23. Depois de toda a repercussão, disse que foi mal interpretada e que não é de forma alguma preconceituosa. Ora, se não é intolerante, não discrimina, suponho que seja, no mínimo, muito mal informada. E a pergunta que eu faço: Quem votou em Myrian Rios?
Dom Luiz Gonzaga Bergonzini apresentou uma visão distorcida e apelativa em relação ao estupro, dando a entender que a mulher que sofre o abuso nem sempre é tão abusada assim. Tal discurso é pertinente a uma figura que exerce tamanha influência entre seus fiéis?
As três figuras públicas não estão proibidas de demonstrar o que pensam. Isso seria ir contra a liberdade de expressão e, como a maioria das pessoas sabe, isso é inconstitucional. Mas ao ver algumas essas “expressões de autoridade” fica a impressão de que aquele que devia amar e provocar a união está servindo como ponte para a expansão da intolerância e também da ignorância. Que coisa mais feia! Isso muito me entristece.
Em nome de Deus... Acho bonito isso dos outros falaram que em nome de Deus isso, em nome de Deus aquilo... "Deus não gosta de briga, deus não gosta que você tome manga com leite." Olha, não acho que as coisas funcionam assim. Myriam Rios foi uma das que se levantou para dizer que defendia aquilo que estava no Gênesis. A fé pode cegar. Mas esse discurso cristão segregacionista e pouco instrutivo me assusta.
Assusto-me principalmente com a exposição de ideias equivocadas e por vezes dotadas de preconceito, vindas de pessoas públicas que deveriam pregar a paz, aproveitar a notoriedade para informar e espalhar a tolerância. A deputada e as demais figuras religiosas podem dizer o que bem entendem, claro, é um direito. O problema está em expressar essas informações de maneira distorcida e o pior: muitos acreditarem e validarem esse tipo de discurso.
Usar a fé como escudo para disseminar informações tantas vezes inverossímeis deveria sim, ser proibido. Não tem a ver com o veto da expansão das crenças das pessoas, mas com o impedimento da expansão da ignorância.
Fica aqui minha sugestão: antes de subir em um palanque, em um púlpito, ou se colocar em frente às câmeras para dizer o que se pensa, seria interessante que não só eles, como tantos outros formadores de opinião se informassem, estudassem um pouco sobre aquilo que querem pregar e convencer, para o bem dos outros. É pedir demais?
E concordo sim, com o que Eliane Brum disse: “É preciso se despir da vaidade das certezas para alcançar a dor do outro – movimento imprescindível para o amor.”.