Talvez mais
um caso para atiçar o debate entre relativistas e absolutistas. Uma mulher marroquina, residente em França há oito anos, casada com um francês, mãe de três filhos nascidos em França, viu recusado o seu pedido de naturalização. A cidadania francesa foi-lhe negada por a sua prática religiosa ser considerada, por quem estava encarregue de avaliar o processo, demasiado radical, e por isso incompatível com valores fundamentais da república francesa. A mulher em causa é muçulmana, e considera-se pertencente ao
salafismo. Lê-se no artigo que é a primeira vez que a nacionalidade é recusada a um muçulmano tendo por base o 'grau' de prática religiosa e as opções pessoais. Até aqui a nacionalidade era negada aos indivíduos próximos de movimentos islamistas e tendo tomado posições públicas em favor do islamismo radical.
À partida tendo a ser relativista, e acho que um dos valores fundamentais de uma república laica deve ser a liberdade de escolha, onde se incluem as escolhas religiosas. Nada do que faz esta mulher é crime pela lei francesa, ela não procurou convencer ninguém a adoptar o mesmo tipo de práticas. Limitou-se a fazer uma escolha individual. No entanto, se olharmos para este caso apenas pelo que ele é, e fizermos abstracção do clima político anti-imigração e islamofóbico actual na Europa, e particularmente em França, encontramos até alguns argumentos razoáveis nesta recusa. Lendo o artigo até ao fim fica a impressão que esta decisão se deve mais à submissão voluntária da mulher ao marido do que à sua prática religiosa. A mulher reconheceu nas entrevistas que se veste com uma burqa mais por hábio e porque o marido lho exige, do que por convicção religiosa. Segundo consta do processo, ela não tem qualquer ideia da laicidade ou do direito de voto, vive isolada da sociedade francesa e é completamente submissa aos homens da família, o que lhe parece normal e não lhe ocorre sequer contestar.
Deverá a república considerar este tipo de prática aceitável e normal? Eu acho que sim, quero dizer aceitável sim, normal não. É o preço da liberdade, e da coerência quanto ao significado da palavra 'liberdade', mas reconheço que tenho dúvidas.