Surgem aqui e ali tomadas de posição sobre o que representa ser de esquerda e de direita. Considero que não só continua a ser pertinente uma clara distinção ideológica, como, a meu ver, se torna importante aprofundar os sentidos dessa oposição. Por isso, é importante retornar, em certa medida, às proposições simples, aquelas que realmente valem para definir e orientar a nossa identidade política. Sendo assim, entendo que ser de esquerda implica, antes de qualquer outra coisa, uma preocupação com o problema das desigualdades sociais.
Para a direita a desigualdade é uma inevitabilidade das sociedades e dos mercados é o custo legítimo que se tem de pagar para a criação de riqueza. Nestes termos, a atenuação da desigualdade não é uma prioridade mas uma consequência secundária resultante da capacidade das economias produzirem mais. Havendo mais riqueza as condições de vida melhorarão quase automaticamente. Neste sentido, é indiferente para a direita que a produção de riqueza assente numa base de exploração entre os homens. Para esta o conceito de exploração é uma mistificação.
A esquerda, para além de entender que nada justifica a exploração, considera que um dos factores subjacentes à desigualdade é a sua própria reprodução. Por isso, entende que, por si, a criação de riqueza leva naturalmente à acumulação e não à repartição. Isto é, se dado sistema económico se sustenta a partir de uma base acentuada de exploração, estas condições não se alterarão e continuarão a prevalecer se nada for feito em sentido inverso. Daí a importância que a esquerda atribui ao Estado e a outras instituições reguladoras. Daí a crítica à actual globalização económica que tendencialmente favorece a acumulação de capital e o agravamento das assimetrias sociais e económicas.
Para a direita o Estado representa um factor de deturpação das leis do mercado no qual os mais capazes vingarão e conquistarão as suas oportunidades. A acção estatal tende a ser vista como geradora de perversões ao gratificar os incapazes e ao prejudicar quem conquistou vantagens. E, neste sentido, a liberdade individual é posta em causa.
No caso da esquerda, o Estado é encarado como um agente que garante uma equidade de oportunidades dado que as pessoas partem de condições sócio-económicas muito diferenciadas. Nesta óptica, as vantagens de alguns indivíduos não são vistas como meras conquistas, mas como o resultado determinado em parte pela reprodução desigual das condições de partida. Só garantindo o acesso a certos direitos básicos (educação, saúde, justiça…), se consegue atenuar as assimetrias de base. E isso faz-se por intermédio de políticas públicas que quebrem parcialmente o ciclo reprodutivo. Só assim uma vantagem se transforma de facto numa conquista. Este torna-se um requisito fundamental para alcançar uma verdadeira liberdade individual.
Eu não tenho dúvidas sobre o lado que tomo. Mas considero que partir destas proposições simples se devem gerar outras mais complexas e inovadoras de modo a que o projecto da esquerda não se quede em posições teimosamente conservadoras e basicamente resistentes. É imperativo assumir sem complexos uma postura crítica e imaginativa perante os pressupostos básicos que enumerei neste post.
Publicado pela primeira vez no blogue a Fuga para a Vitória.