Andava a blogosfera lusa há uns meses a debater entusiasticamente o sexo anal - a estimada Patrícia Lança teve a cortesia de abrir as hostilidades (a propósito, o que é feito de Patrícia Lança?) - quando um anónimo deixou na
caixa de comentários de um
post do Womenage A Trois esta pérola:
Safo...... anda tudo muito anal
Estes amantes do sexo anal / homosexualidade até da a impressão que pretendem fazer crer que a homosexualidade é tão normal como a heterosexualidade. Tragédia.
Se fosse assim tão normal, 50% da população seria homossexual ou por outro lado a espécie comportava em si os genes da própria extinção.
As estatísticas desmentem esmagadoramente a perspectiva de normalidade.
(na realidade isto é apenas um pequeno excerto, há muito mais sumo na dita caixa de comentários)
Este tipo de argumento pseudo-científico ouve-se amiúde em conversas de Café, e vale a pena rebater. A pérola do Anónimo merece-me vários comentários:
- Ambas as palavras Homossexualidade e Heterossexualidade se escrevem com dois 'Ss'.
- Falar de Homossexualidade e sexo anal como se fossem a mesma coisa leva-me a pensar que o dito Anónimo não está muito familiarizado com a anatomia feminina. Caro Anónimo, se por mero acaso estiver a ler estas linhas aqui vai uma informação que lhe pode eventualmente ser útil: As mulheres também têm ânus, o que torna possível a prática do sexo anal heterossexual.
- Confesso que não percebi de onde saiem aqueles 50%. Quererá o anónimo dizer que tudo o que não existe em pelo menos 50% da população não é normal? Suponho que as estatísticas demonstram então que ser loiro de olhos azuis não é normal. Seguindo o raciocínio do anónimo "não venham cá dizer que ter olhos azuis e cabelos louros é tão normal como ser moreno de olhos castanhos, porque se fosse então 50% da população seria loura de olhos azuis".
Mas o mais interessante é a aquela parte "
a espécie comportava em si os genes da própria extinção". Vamos por partes.
Primeiro: Qual é o problema, do ponto de vista moral, de comportar o genes da sua própria extinção? Estamos obrigados moralmente por uma razão qualquer a contribuir para o sucesso evolutivo da espécie humana? Seremos todos obrigados a ter filhos quer queriamos quer não? Se é esse o caso, então não são só os homossexuais que estão em falta, mas todos quantos decidem não se procriar, padres e freiras incluidos. Mesmo se fosse verdade que genes causadores da homossexualidade conduziriam a espécie para a extinção (já lá vou), isso não faz da homossexualidade nem mais nem menos condenável do ponto de vista moral. Uma coisa nada tem a ver com a outra.
Segundo: Apesar de não acrescentar nada, nem a favor nem contra a aceitação da homossexualidade, mas só para chatear quem usa este tipo de argumentos devo dizer que a frase "
a espécie comportava em si os genes da própria extinção" do ponto de vista Darwiniano está errada. Claro que numa abordagem simplista e superficial pode parecer óbvio que genes causadores da homossexualidade deveriam ser eliminados pela selecção natural, mas aí o problema é da abordagem simplista e superficial. Ele há pessoas que se dedicam a estudar estas coisas mais aprofundadamente e chegaram à conclusão que há várias explicações possíveis para uma componente genética da homossexualidade compatíveis com a teoria darwiniana da evolução. (Pequeno à parte - Nunca é demais dizê-lo: seguramente que a homossexualidade não é determinada estritamente por factores genéticos, mas tem uma componente genética. Há indicações de que factores hereditários predispõem para a homossexualidade, tal como há evidências que factores ambientais/sociais contribuem para a homossexualidade. O mais plausível é que seja o resultado de uma conjugação dos genes e do ambiente).
E o resto do post é mesmo só para quem gosta dos detalhes técnicos. Aqui vão algumas explicações possíveis para a existência de genes da homossexualidade, compatíveis com o darwinismo:
1) Os mesmos genes que predispõe homens para a homossexualidade fazem com que as mulheres sejam mais férteis. Assim esses genes embora reduzam a fertilidade dos homens mantém-se na população porque aumentam a fertilidade das mulheres, e assim não são eliminados pela selecção natural. Este
artigo apresenta evidências neste sentido. O recíproco também é válido para a homossexualidade feminina.
2) O altruísmo familiar. Se os homossexuais fizerem com que os familiares próximos, particularmente irmãos, tenham mais filhos, indirectamente favorecem a selecção dos seus próprios genes, uma vez que partilham uma grande parte dos seus genes com os familiares próximos.
3) Uma variante de um gene pode predispor para a homossexualidade quando o indivíduo é homozigótico mas aumentar a fertilidade ou sobrevivência quando é heterozigótico (homozigótico é quando um indivíduo herda duas cópias iguais do gene, uma do pai e outra da mãe, e heterozigótico quando herda dos pais variantes diferentes do mesmo gene). O exemplo clássico deste caso é o da
Anemia Falciforme: os homozigóticos para o gene mutado da hemoglobina são anémicos, mas os heterozigóticos são resitentes à malária, mais do que os individuos portadores apenas da hemoglobina comum. Em regiões com forte incidência de malária os gene mutante é favorecido mesmo que seja fatal para os homozigóticos.
Para mais sobre o assunto ler
este e
este artigos (infelizmente o texto completo é só para assinantes).