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segunda-feira, 27 de outubro de 2008

A mosca da Fruta

A mosca da fruta, Drosophila melanogaster, que Sarah Palin menospreza jocosamente foi tão somente o animalzinho com o qual Thomas Hunt Morgan e colaboradores demonstram a teoria cromossómica da hereditariedade. A demonstração de que os genes estão nos cromossomas, e que são os cromossomas que transmitem os genes de uma geração a outra (o que valeu o Nobel em 1933). Nada de especial portanto, apenas o que há de mais fundamental na Genética moderna.
Adenda - Para quem quiser saber mais sobre a Mosca da Fruta, há um excelente livro de divulgação (com bastante humor) de Martin Brooks, que aconselho vivamente. Está editado em português pela Replicação.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Vá, agora podeis ser politicamente incorrectos

Quando James Watson gerou polémica há poucos meses por defender que os Africanos eram menos inteligentes e que isso era determinado geneticamente houve na direita um movimento de solidariedade para com Watson contra o politicamente correcto. Pouco importa que James Watson não tenha avançado qualquer dado científico para sustentar as suas afirmações (e lamento muito mas dizer - cito de memória - "quem já trabalhou com negros sabe que as coisas não são bem assim" não pode ser considerado como um dado científico, é preciso um bocadinho mais). Acontece que agora há dados científicos que comparam geneticamente americanos descentes de africanos e de europeus, e os resultados são ligeiramente diferentes do que o próprio Watson esperaria (mas a esperança é a última a morrer, sobretudo para Watson). Um artigo acabadinho de sair na prestigiadíssima revista Nature mostra que os descendentes de africanos têm maior diversidade genética, mas isso são trocos, e - surprise, surprise... -, muito mais importante, os descendentes de europeus têm mais mutações deletérias. O que me chateia no jargão técnico é que um gajo no meio do climax tem que fazer uma pausa para dar explicações (e peço desculpa a quem conheça o palavrão "deletério"). Uma mutação deletéria é uma mutação que provoca deficiências graves e em geral a letalidade, ou seja uma deficiência genética. Quer isto dizer: os europeus têm mais deficiências genéticas do que os africanos (OK, reconheço que a inteligência não foi tratada neste estudo, portanto não podemos dizer nada a esse respeito). Eu pessoalmente até não acho que o artigo seja muito bom, nem interessante, nem sequer muito relevante. Não dou para esse peditório. Mas espero ansiosamente que aqueles tão voluntariosos espíritos que defenderam James Watson e as suas teses eugenistas sejam igualmente pungentes e enérgicos agora a bradar a única conclusão eugenicamente aceitável deste estudo: os africanos são geneticamente superiores aos europeus! Vá lá malta do politicamente incorrecto, repitam cem vezes e em coro: os africanos são geneticamente superiores aos europeus!

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Homossexualidade, Genética e Darwinismo

Andava a blogosfera lusa há uns meses a debater entusiasticamente o sexo anal - a estimada Patrícia Lança teve a cortesia de abrir as hostilidades (a propósito, o que é feito de Patrícia Lança?) - quando um anónimo deixou na caixa de comentários de um post do Womenage A Trois esta pérola:

Safo...... anda tudo muito anal
Estes amantes do sexo anal / homosexualidade até da a impressão que pretendem fazer crer que a homosexualidade é tão normal como a heterosexualidade. Tragédia.
Se fosse assim tão normal, 50% da população seria homossexual ou por outro lado a espécie comportava em si os genes da própria extinção.
As estatísticas desmentem esmagadoramente a perspectiva de normalidade.


(na realidade isto é apenas um pequeno excerto, há muito mais sumo na dita caixa de comentários)

Este tipo de argumento pseudo-científico ouve-se amiúde em conversas de Café, e vale a pena rebater. A pérola do Anónimo merece-me vários comentários:
- Ambas as palavras Homossexualidade e Heterossexualidade se escrevem com dois 'Ss'.
- Falar de Homossexualidade e sexo anal como se fossem a mesma coisa leva-me a pensar que o dito Anónimo não está muito familiarizado com a anatomia feminina. Caro Anónimo, se por mero acaso estiver a ler estas linhas aqui vai uma informação que lhe pode eventualmente ser útil: As mulheres também têm ânus, o que torna possível a prática do sexo anal heterossexual.
- Confesso que não percebi de onde saiem aqueles 50%. Quererá o anónimo dizer que tudo o que não existe em pelo menos 50% da população não é normal? Suponho que as estatísticas demonstram então que ser loiro de olhos azuis não é normal. Seguindo o raciocínio do anónimo "não venham cá dizer que ter olhos azuis e cabelos louros é tão normal como ser moreno de olhos castanhos, porque se fosse então 50% da população seria loura de olhos azuis".

Mas o mais interessante é a aquela parte "a espécie comportava em si os genes da própria extinção". Vamos por partes.
Primeiro: Qual é o problema, do ponto de vista moral, de comportar o genes da sua própria extinção? Estamos obrigados moralmente por uma razão qualquer a contribuir para o sucesso evolutivo da espécie humana? Seremos todos obrigados a ter filhos quer queriamos quer não? Se é esse o caso, então não são só os homossexuais que estão em falta, mas todos quantos decidem não se procriar, padres e freiras incluidos. Mesmo se fosse verdade que genes causadores da homossexualidade conduziriam a espécie para a extinção (já lá vou), isso não faz da homossexualidade nem mais nem menos condenável do ponto de vista moral. Uma coisa nada tem a ver com a outra.
Segundo: Apesar de não acrescentar nada, nem a favor nem contra a aceitação da homossexualidade, mas só para chatear quem usa este tipo de argumentos devo dizer que a frase "a espécie comportava em si os genes da própria extinção" do ponto de vista Darwiniano está errada. Claro que numa abordagem simplista e superficial pode parecer óbvio que genes causadores da homossexualidade deveriam ser eliminados pela selecção natural, mas aí o problema é da abordagem simplista e superficial. Ele há pessoas que se dedicam a estudar estas coisas mais aprofundadamente e chegaram à conclusão que há várias explicações possíveis para uma componente genética da homossexualidade compatíveis com a teoria darwiniana da evolução. (Pequeno à parte - Nunca é demais dizê-lo: seguramente que a homossexualidade não é determinada estritamente por factores genéticos, mas tem uma componente genética. Há indicações de que factores hereditários predispõem para a homossexualidade, tal como há evidências que factores ambientais/sociais contribuem para a homossexualidade. O mais plausível é que seja o resultado de uma conjugação dos genes e do ambiente).

E o resto do post é mesmo só para quem gosta dos detalhes técnicos. Aqui vão algumas explicações possíveis para a existência de genes da homossexualidade, compatíveis com o darwinismo:
1) Os mesmos genes que predispõe homens para a homossexualidade fazem com que as mulheres sejam mais férteis. Assim esses genes embora reduzam a fertilidade dos homens mantém-se na população porque aumentam a fertilidade das mulheres, e assim não são eliminados pela selecção natural. Este artigo apresenta evidências neste sentido. O recíproco também é válido para a homossexualidade feminina.
2) O altruísmo familiar. Se os homossexuais fizerem com que os familiares próximos, particularmente irmãos, tenham mais filhos, indirectamente favorecem a selecção dos seus próprios genes, uma vez que partilham uma grande parte dos seus genes com os familiares próximos.
3) Uma variante de um gene pode predispor para a homossexualidade quando o indivíduo é homozigótico mas aumentar a fertilidade ou sobrevivência quando é heterozigótico (homozigótico é quando um indivíduo herda duas cópias iguais do gene, uma do pai e outra da mãe, e heterozigótico quando herda dos pais variantes diferentes do mesmo gene). O exemplo clássico deste caso é o da Anemia Falciforme: os homozigóticos para o gene mutado da hemoglobina são anémicos, mas os heterozigóticos são resitentes à malária, mais do que os individuos portadores apenas da hemoglobina comum. Em regiões com forte incidência de malária os gene mutante é favorecido mesmo que seja fatal para os homozigóticos.

Para mais sobre o assunto ler este e este artigos (infelizmente o texto completo é só para assinantes).

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Para quem acha que está tudo nos genes

O James Watson, por exemplo, acha que está tudo nos genes, e que a esquerda não gosta da Genética porque assim a culpa já não é do capitalismo (talvez em breve eu escreva um post a dizer o que acho do James Watson).
Para quem pensa como o Watson vale a pena ler as letras miúdas de três artigos publicados recentemente. Dois deles apresentam a descoberta de um gene responsável pela obesidade, o outro descreve um gene associado com a uma patologia cardíaca da coronária. Todos os três têm imensos autores, estudam amostras enormes (o que eu acho muito bem) para chegar a conclusões espantosas. Vejamos...
O primeiro artigo (pode ler-se o resumo aqui) mostra que os portadores de uma mutação no gene FTO (que quer dizer fat mass and obesity associated), que são 16% da amostra, têm em média cerca 3 quilos a mais que os restantes (TRÊS QUILOS). Ficamos a saber de onde vêm três dos quilos que temos a mais, para os anafadinhos resta saber de onde vem o resto. O segundo artigo (resumo aqui) diz que os portadores de mutações no mesmo gene FTO têm um risco de 22% de serem obesos. Isto quer dizer que têm 22% de probabilidade A MAIS do que os restantes de serem obesos. Se a população em geral tem uma taxa de, digamos, 10% de obesidade então os portadores do FTO terão 12,2%. Estão a ver a diferença que faz o gene? Finalmente o terceiro artigo (resumo aqui) mostra que para um tipo muito particular de doença coronária, os portadores de uma mutação num determinado gene (ainda não completamente identificado) têm um risco de 30 a 40% A MAIS do que o resto da população de ter a dita doença. Novamente, se a população tiver, digamos, um risco de 5%, quem tem esta mutação terá um risco de 7 ou 8%.
Sem dúvida, está tudo nos genes. Pois, pois...

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Genética? Ena, g'anda seca!

Bom, como é uma seca foi parar ao Peão lado b. Para quem tiver estômago para um debate sobre Genética, determinismo genético, eugenismo, a ética da coisa e outras questões conexas, escrevi um post longo sobre o assunto no lado b deste blogue (eu avisei que era longo).

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Nicolas - how far can you go? - Sarkozy

Acreditem que até faço um esforço para não escreveu muito sobre Sarkozy, mas não é fácil, ele consegue sempre ir um bocadinho mais longe. Desta vez o homem decidiu falar sobre Genética, eu não podia deixar de escrever aqui qualquer coisa (disclaimer: sou geneticista de profissão). Acreditem também que não considero Sarkozy como fascista ou sequer próximo da extrema-direita. De direita, sim, uma direita autoritária, nacionalista, e que por estratégia eleitoral decidiu conquistar o eleitorado de Le Pen, mas isso não faz dele fascista. Talvez por isso, esta recente gafe da Genética seja bastante preocupante.
Numa longa entrevista dada ao filósofo Michel Onfray, para a revista "Philosophie Magazine", Sarkozy afirmou que a pedofilia é inata, e que os suicídios de jovens se devem a uma fragilidade genética (pode ler-se o excerto relevante da entrevista aqui). Claro que é algo dito no meio de uma conversa (algo crispada, conforme Onfray conta no seu próprio blog), talvez até retirada do seu contexto, mas é por isso mesmo muito reveladora. Não sendo uma tomada de posição política, refectida e programada, é uma gafe que certamente não estava nos apenas nos planos, mas por ser assim "expontânea", "natural" é mais que provavelmente aquilo que Sarkozy realmente pensa. Na sua visão das coisas o ser humano está geneticamente predestinado, determinado, condenado a ser pedófilo ou suicida, logo à nascença, está nos genes. Levanta-se logo a questão de saber o que mais acha Sarkozy ser determinado geneticamente; a agressividade?, a delinquência?, a criminalidade?, a inteligência?, e achará Sarkozy que esses determinantes genéticos são diferentes em "raças" diferentes?
A discordância não é, da minha parte, ideológica, é científica. Não recuso a priori que uma qualquer característica humana tenha uma forte componente genética por convicção ideológica. Simplesmente não há evidência científica nenhuma de que o suicídio ou a pedofilia sejam determinados geneticamente, pelo contrário tudo indica que o ambiente seja muito mais determinante. Se e quando houver alguma evidência em favor das causas genéticas a discussão pode e deve existir, no plano científico. Como seria de esperar as declarações de Sarkozy foram condenadas por diversos cientistas. Quando um candidato à presidência faz uma afirmação destas, está a trazer para o plano político uma questão que nem sequer foi resolvida no plano científico. Quando o faz sem qualquer suporte científico (bem pelo contrário), apenas por pura profissão de fé, está a revelar apenas uma coisa: preconceito.
Nunca esquecendo que foi Sarkozy quem lançou um projecto de lei que entre outras coisas preconizou a detecção de potenciais delinquentes a partir dos três anos (!), nunca esquecendo que Sarkozy tem uma visão racial dos problemas da banlieue - terá confidenciado a Thuram (ainda ele) que quem provoca disturbios nas banlieues são os negros e os árabes -, e é agora Sarkozy quem defende o determinismo genético, começa a traçar-se uma imagem muito inquietante do candidato à presidência.
Hoje em dia as novas teorias eugénicas já não se manifestam pela defesa da pureza e superioridade da raça (energúmenos neo-nazis à parte), mas por uma permanente justificação genética para todas as diferenças entre os individuos, sob uma capa pseudo-científica mais refinada. No fundo, a diferença não é assim tão grande.