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domingo, 3 de setembro de 2017

Não-Competitividade Cultural

O tema da falta de competitividade do campeonato português não é novo e nem sequer é uma inovação do Manuel Machado.

As condições que o treinador do Moreirense tem para trabalhar a sua equipa são tremendamente inferiores às que Rui Vitória tem no Benfica?
São. Daí existir a designação “Clubes Grandes”.

Isto nem sequer é uma peculiaridade portuguesa.

Qualquer campeonato tem este crescente fosso entre os Grandes e os não-Grandes.

As notas do Monopoly são usadas no futebol com mais entusiasmo do que pelas crianças em frente ao tabuleiro. O petróleo inundou os relvados. Os mercados asiáticos, norte-americanos e árabes são cada vez mais uma realidade, mas só para alguns, para os mais conceituados - os chamados “Grandes”.

O que temos em Portugal é um desnivelamento feito por baixo.

Um clube com um orçamento de 2M tem mais dificuldades em competir com um de 80M do que um clube com orçamento de 40M tem com um de 300 ou 400M.

Claro que o Manuel Machado fala porque perde (e perde muito).

Fala porque anda há anos nisto e ainda não conseguiu convencer ninguém. Fala porque apesar de ser o único treinador em Portugal que teve a tão reclamada “estabilidade para trabalhar” conseguiu colocar a sua equipa no caminho da despromoção.
O Manuel Machado fala porque não consegue ganhar um jogo com a equipa que na época passada conquistou a Taça da Liga após eliminar tanto o Porto como o Benfica e como o Braga.

O Manuel Machado não consegue chegar a um Grande e isso, naturalmente, expõe a ferida aberta.

O campeonato português é competitivo? Sim e não. É competitivo em grupos. Não é competitivo no global.

Há competitividade entre os três grandes. Há competitividade entre os restantes do top 10. Há competitividade na região da linha de água.

Não acredito que alguma vez isto mude. Não me consigo convencer que alguma vez iremos ver o 4º a menos de 10pts do campeão. Não acredito que poderá haver um campeonato em que os Grandes escorreguem em pelo menos 1/3 dos jogos.

É uma questão cultural. Neste país não há espaço para diminuir o desequilíbrio entres os clubes. Faz parte das raízes deste Portugal.

Antes de falarmos em dinheiro temos de falar em adeptos. A massa adepta de um clube é a questão fulcral e muitos dirigentes parece que não o percebem.

A maior fonte financeira de um clube não é um negócio pontual que faça, não é uma venda, um empréstimo nem um favor.

A entrada externa de dinheiro só vem colmatar as carências mais visíveis e no imediato. Não resolve nada. Não cria nada.

Um clube não é pequeno ou Grande consoante a sua capacidade financeira.

Dinheiro e títulos são uma consequência da sua grandeza.

Os Grandes são-no pelos milhões de pessoas que fazem vibrar. Os Grandes são Grandes porque os seus adeptos os elevam.

O Benfica é o Maior não porque ganha mais, não porque vende mais, mas porque é aquele que mais mexe com o país – A maioria de Portugal canta de vermelho e branco.

A falta de competitividade no nosso Futebol é só um reflexo desta questão cultural. É muito residual o número de adeptos dos não-Grandes.

Quem tem mais adeptos enche mais os estádios, consegue melhores acordos publicitários, faz mais receitas com merchandising, tem maior influência na comunicação social e também nos órgãos de decisão.

São os adeptos que mandam no futebol porque são os adeptos que o financiam. 

Um clube sem expressão nunca irá ter voz na Liga. Terá sempre de se fazer representar pelo Grande de vermelho, verde ou azul.

Apesar de estar convencido que nunca iremos ter grandes mudanças neste paradigma cultural, fui chamado à atenção, por outro escriba aqui do tasco, para o exemplo do Braga.

O improvável não é impossível. Tornar o improvável realidade exigiria uma competência e dedicação dos dirigentes portugueses que não lhes reconheço.

É crucial um clube conhecer a sua localidade. Conhecer e ser reconhecido.
O regionalismo só é antiquado quando já foi esgotado. É o primeiro passo para o crescimento de um clube.

Um Vitória de Setúbal nunca vai mover paixões em Bragança se primeiro não conquistar o coração do Bonfim.

Um clube não pode nunca abdicar da sua localidade nem da sua história. Para entusiasmar aqueles que o podem sentir, tem de viver onde está e o que já foi.

O Futebol é acima de tudo um desporto de paixões, recordações, nostalgia e emoções.

Nem há uma necessidade clara de roubar adeptos aos Grandes. Há muita gente que não liga à bola. É gente que não se importa com a redondinha mas que pode vibrar com a sua região e com a emoção de memórias que consigo são partilhadas.
Seriam aqueles adeptos que antes de se apaixonarem pelo jogo se apaixonariam pelo clube.

O Vitória de Guimarães é aquele que mais se aproxima dos Grandes.
Já tem a base adepta e se for bem dirigido tem todas as condições para consolidar algum sucesso desportivo: cativo no top 7 da Liga, participações na Liga Europa, competir esporadicamente pelo top 3 e disputa anual por um lugar na Final de uma das taças.
É crucial que o clube se saiba fazer valer pelos seus afiliados.

O Braga já é um exemplo diferente. É um clube que foi primorosamente conduzido pelos seus dirigentes. Perceberam o clube, exploraram o seu contexto e alcançaram tudo – Adeptos, Sucesso Desportivo e Euros.
O que falta ao Braga é continuidade. Necessita fidelizar uma maior falange de seguidores.
Há fome de sucessos na Pedreira. O António Salvador soube elevar o clube mas não mostra capacidade para dar o salto necessário. Neste momento o clube carece de um projecto desportivo e as anuais trocas de treinadores têm travado a sua afirmação como 4º Grande.

Há outros clubes pelo território nacional que podem ganhar uma voz.
Darei só alguns exemplos.

Chaves, Marítimo e Farense são clube com todas as condições para trabalharem a região de modo a crescerem com o apoio dos seus.
Sei bem as dificuldades que o Farense enfrenta mas o Algarve é um vasto terreno que pode ser conquistado. Não sendo pelo Farense que seja pelo Olhanense. Ou então pelo agora promovido Portimonense.

Boavista, Leixões, Belenenses, Académica e Setúbal. Clubes que têm história no futebol português.
São clubes que podem e precisam despertar os sentimentos daqueles que de algum modo já vibraram com os seus feitos.
Aqui os dirigentes têm de ser contadores de histórias. O presidente deve criar uma epopeia de memórias estoicamente declamada ao coração do povo.

Os clubes têm de se fazer sentir!

Já o Rio Ave é um exemplo de competência por excelência. Clube super bem dirigido mas sem nenhuma das matérias primas crucias para fazer crescer a sua influência demográfica. Um clube equilibrado, sem grandeza mas com total competência. Está no limite do seu potencial e isso denuncia não só o trabalho feito nos Arcos como também as limitações do clube.

Vivemos num Futebol onde só existem 3 clubes. Só se fala de três clubes. Só se noticiam 3 clubes. Só se representam 3 clubes.
Os outros têm de arranjar forma de contrariar esta tendência.

É importante os dirigentes perceberem que aqueles dezenas de milhares que conseguem em alguns bons negócios – amigáveis, patrocínios, vendas – devem ser prioritariamente investidos nos seus adeptos. Não é em jogadores nem em negociatas.
Investir na base de apoio garante retribuição a triplicar.

Aumentar a competitividade global da nossa Liga sem extraordinárias injecções de capital nos clubes menores é possível? É.

É possível mas improvável. Não acredito mas pode acontecer.

Exige competência mas acima de tudo dedicação.
Dedicação ao clube.

Não acredito mas que seria bonito seria.