Aquando da publicação do Relatório e Contas, eu publiquei um texto bastante crítico sobre a gestão do Benfica. Na altura fui interpelado para analisar as contas e partilhar uns pensamentos, não que alguém com poder de decisão leia ou se deixe influenciar pelo que escrevo. Agora que o tempo me permitiu analisar melhor os números, ficam os meus pensamentos sobre a questão das assistências para memória futura.
Se olharmos para os proveitos operacionais excluindo operações com jogadores contabilizados consoante a sua natureza, basta lerem os textos anteriores sobre a gestão do Benfica para encontrarem a explicação para os conceitos, temos:
Match-day – 14.435.680 euros em 2012/13 versus 17.641.453 euros em 2011/12, uma diminuição de 18,2%.
Broadcasting – 17.979.000 euros em 2012/13 versus 18.920.088 euros em 2011/12, uma diminuição de 5,0%.
Commercial – 11.011.379 euros em 2012/13 versus 11.788.064 euros em 2011/12, uma diminuição de 6,6%.
Outros proveitos – 1.721.368 euros em 2012/13 versus 1.828.314 euros em 2011/12, uma diminuição de 5,9%.
Na verdade as receitas com origem no público foram as que mais diminuíram. A justificação passa não só pelos 3 jogos realizados a menos mas também pela queda nas assistências na Liga Portuguesa.
Receitas de bilheteira – Aqui é patente uma das maiores quebras, menos 1.976.552 euros (34,2%). Em 2012/13 foram disputados apenas 11 jogos enquanto que em 2011/12 tinham sido realizados 14 jogos.
Cativos – Nos Red Pass a quebra foi de 328.380 euros. Visto que o Benfica optou por reflectir nos sócios detentores de Red Pass o aumento do IVA, então o valor deve ser comparado sem ajustamentos e chegamos pois à conclusão que existiu uma quebra de 22,5%.
Mas analisemos as receitas de bilheteira por competição:
- Champions – 3.255.212 euros em 5 jogos em 2011/12 versus 2.160.849 em 3 jogos nesta época. Retirando o impacto do IVA verificamos que a receita por jogo aumentou significativamente (28,4%) o que é natural porque no ano passado apenas houve uma grande receita (Manchester United) em 5 jogos disputados enquanto que este ano o impacto da grande receita (Barcelona) apenas se diluiu por 3 jogos.
- Liga Nacional – 1.822.339 euros em 7 jogos em 2011/12 versus 1.051.033 euros em 6 jogos nesta época. Depois de retirado o impacto do IVA e da diferença de jogos verificamos que o valor por jogo caíu 21,9%.
- Particulares – Toulouse e Arsenal em 2011/12 renderam 697.527 euros versus Real Madrid e Juventus nesta época cuja receita foi de 586.644 euros. Retirando o impacto do aumento do IVA verificamos que a receita global deste ano caíu em 2,4%.
Em resumo, os dois jogos da Champions a menos justificam parte da quebra mas não a justificam totalmente. Aliás estamos em crer que se o Benfica tivesse realizado os dois jogos da Champions e o do campeonato durante o primeiro semestre de 2012/13, as assistências teriam caído ainda mais nos outros jogos da Liga, em especial no jogo com o Braga (foi o segundo jogo com mais público com 53.357 espectadores apenas atrás do jogo com o Barcelona com 63.847 espectadores), mas também nos jogos de pré-época, dada a sobrecarga de jogos que existiria caso se disputassem as pré-eliminatórias da Champions. A grande quebra de receita depois dos valores ajustados pelo número de jogos e pelo aumento do IVA, mais de 20%, verificou-se nos jogos da Liga Portuguesa.
Nos jogos da Liga Portugesa no primeiro semestre de 2012/13, a assistência média nos jogos fixou-se nos 34.087 espectadores (senão contássemos com o jogo do Braga a assistência média desceria para os 30.233 espectadores) versus uma assistência média de 38.985 espectadores nos 7 jogos da época anterior (se retirarmos o efeito do jogo do Sporting a assistência média seria de 34.958 espectadores, o que ainda assim é superior ao número desta época). Aliás, é preciso recuar a 9 de Maio de 2008, ao Benfica-Trofense (20.187 espectadores), já no fim do campeonato e depois do despedimento do Quique Flores para encontrarmos uma assistência menor que os 24.104 espectadores que estiveram no Benfica-Olhanense à 10.ª jornada.
Perante um cenário de crise qual foi o pensamento dos gestores da SAD ? Como o hábito dos sócios que têm Red Pass virem ao estádio é maior que o hábito do público em geral, sócios e não sócios, logo a procura deles é mais rígida e portanto varia menos perante aumentos de preço. Seguindo esta lógica da batata, obrigaram os detentores Red Pass a suportar os custos do aumento do IVA (em média cerca de 15%) nos espectáculos desportivos, enquanto o Benfica assumiria os custos do aumento do IVA nos bilhetes vendidos jogo-a-jogo. Resultado desta lógica, as receitas dos Red Pass caíram 22,5%, ou seja, quase ¼ dos detentores de Red Pass deixou de ter o hábito de ir ver os jogos regularmente, ou pelo menos de adquirir o bilhete antecipadamente.
Outro fenómeno que aconteceu em conjunto com a diminuição de público é a queda significativa do preço médio do bilhete. Depois de corrigirmos os valores pela variação do IVA, chegamos à conclusão que o valor médio do bilhete desceu 10,7%, ou seja, ou o público está a escolher bilhetes mais baratos, ou a percentagem de não-sócios que vão aos jogos caíu significativamente, ou então verifica-se que os sócios têm aproveitado as “ofertas” e promoções que o Benfica tem feito, o que tendo em conta o expressivo aumento dos Red Pass me parece de todo injusto para quem investiu antecipadamente e teve que suportar um aumento de 15%.
O que temos visto então desde esse fatídico Benfica-Olhanense ?
A Benfica SAD tem levado a cabo uma política de reduções de preço por forma a conseguir melhores assistências:
- Bilhete-família (2 adultos sendo um sócio, mais 2 crianças dos 3 aos 13 por 25 euros para a Bancada Coca-cola)
- Bilhete do dia dos namorados (2 adultos sendo um sócio por 15 euros para a bancada Coca-cola)
- Bilhete do dia da mulher (5 euros sendo sócia para qualquer bancada do estádio)
- Oferta de bilhetes às Casas do Benfica para as casas organizarem excursões e conseguirem financiar-se através de cobrarem um pouco mais do que as pessoas pagariam pelos bilhetes de autocarro, sendo assim uma oferta bastante compensadora para quem vive longe e gosta de ver o Benfica.
É natural que nesta altura questionem se são de criticar estas medidas tendo em conta as fracas assistências ? A questão essencial é que a SAD do Benfica está a trabalhar tipo casa roubada trancas à porta. Primeiro levou a cabo uma política de subida inacreditável de preços e agora tenta resolver a questão da falta de público quase que "oferecendo" os bilhetes que a outros tanto lhes custou pagar.
Quais as consequências desta forma de trabalhar?
- Em primeiro lugar e como esta é uma prática recorrente da SAD, os sócios que não têm Red Pass habituam-se e ficam à espera das "borlas" para os próximos anos.
- Em segundo lugar, os detentores de Red Pass podem não achar muita piada a estas constantes ofertas e começar a equacionar se vale a pena comprar o Red Pass, excepto aqueles que acham que ter o seu lugar fixo toda a época é uma grande mais-valia.
- Em terceiro lugar, o preço médio do bilhete tenderá a descer ainda mais.
- Finalmente, a única consequência positiva que se pode antecipar é o aumento dos espectadores.
O bilhete-família surgiu para o Benfica-Marítimo, sendo que na altura também existiram ofertas de bilhetes a várias Casas do Benfica, imediatamente após o fatídico jogo e a verdade é que a assistência subiu dos 24.104 para os 32.519 espectadores. Na verdade, após o jogo com o Porto, em 4 partidas para a Liga Portuguesa, o Benfica teve uma assistência média de 37.438 espectadores, bem acima dos pouco mais de 30.000 que em média estiveram nos 5 jogos da Liga Portuguesa após o jogo com o Braga. E com excepção da última partida com o Gil Vicente em que estiveram 33.706 espectadores, o número mais baixo desde o jogo com o Marítimo, a verdade é que o Benfica não estava isolado na classificação, ou seja, a variação de público não teve a ver com um melhor desempenho desportivo, mas é expectável que a manter-se a vantagem, com o aproximar do fim do campeonato a possibilidade de o Benfica se sagrar campeão atraia mais público independentemente do fim das "borlas".
Os últimos 4 jogos em casa no ano em que o Benfica foi campeão tiveram uma assistência média de 62.312 espectadores e se é certo que defrontámos o Braga, o grande rival desportivo nessa época e o Sporting, o grande rival desde sempre, a verdade é que também defrontámos o Olhanense e o Rio Ave sendo que o jogo com o Sporting foi o único abaixo dos 60.000 espectadores. Este fenómeno resultou da euforia e é muito difícil de se repetir. Eventualmente, e em caso de debacle do Porto que nos permita ir às Antas confortavelmente, a onda vermelha se instale definitivamente e origine grandes enchentes. O problema não é o fim desta época, mas antes o futuro.
Que política de preços vamos ter ?
Será que continua a fazer sentido ter o estádio quase sempre meio ou a ⅔ ?
Não fará mais sentido procurar fidelizar os sócios primeiro, mesmo seguindo uma política de preços mais baixos ? Porque não implementar uma política para alargar a base dos espectadores, mesmo que o preço médio dos Red Pass desça ? Na verdade o que acaba por acontecer em quase todas as épocas, pelo menos naquelas em que o Benfica não é campeão, é que perante assistências mais fracas, a SAD acaba sempre por descer os preços dos bilhetes através de ofertas.
Alternativamente poderiam pensar em criar valor para os detentores do Red Pass, nomeadamente baixando o preço ou caso o mantenham por exemplo oferecendo camisolas oficiais do Benfica. As ofertas poderiam ser diferenciadas consoante os anos de dedicação, isto é de manutenção/renovação do Red Pass, seja através da oferta de bilhetes para outras competições, nomeadamente das fases de grupos das competições europeias, seja através de ofertas de camisolas ou de descontos na aquisição de produtos oficiais do Benfica. A própria questão do Red Pass Premium deve ser implementada no início da época e não com a época em curso.
Mas devemos pensar mais além que apenas a política de preços. Devemos pensar em parcerias, pois através das parcerias ganha o Benfica, ganham os parceiros e consequentemente os sócios e adeptos do Benfica que beneficiem do resultado das parcerias.
Tendo os adeptos do Benfica constituído tantas Casas do Benfica por todo o país, será que não faz sentido criar uma parceria com uma empresa de transporte rodoviário para que este transportador assegure todas as carreiras das Casas de todo o país para o Estádio da Luz. Em troca da publicidade de ser um parceiro oficial do Benfica, o transportador oficial do Benfica, poderia ter tarifas especiais para todas as Casas, o que lhe asseguraria um volume de negócios bem interessante e permitiria às Casas descer os preços das excursões. Além disso, seria responsável por prover os autocarros para as deslocações a partir do Estádio da Luz ou de qualquer Casa do Benfica, sempre que o Benfica jogasse fora, em Portugal ou no estrangeiro, em que as excursões fossem organizadas pela Benfica Viagens ou pelas Casas.
Se falamos do transporte de longa-distância podemos também abordar o transporte de curta-distância. Será que não faz sentido abordar a CP, o Metro, a Carris e todos os outros operadores de transportes da grande Lisboa para criarem descontos para os utilizadores em dias de jogos que os incentivem à utilização do transporte público em detrimento do transporte privado. Esse seria claramente um assunto a debater junto da autoridade metropolitana de transportes. Se o Benfica trabalhar na criação de parcerias que permitam a redução do custo da deslocação, é natural que consiga atrair mais espectadores.
Mas a redução de preços, ou do custo das deslocações, só por si não resolverão um dos maiores constrangimentos, o horário dos jogos. É essencial voltar a ter jogos aos Domingos às 15h00 no horário de Inverno e às 16h00 no horário de Verão e aos Sábados às 17h00/18h00.
Os jogo às 20h00 ao Domingo afastam as famílias do futebol. Afastam as crianças, afastam as mulheres e afastam os idosos, logo afastam as famílias.
Mesmo que more na grande Lisboa, quem é o pai que quer levar o(a) seu(ua) filho(a) pequeno(a) à bola, num jogo que acabe às 22h00 e que dificilmente esteja em casa antes das 23h00 na véspera de um dia de escola ? Quem é o avô que quer ir com o neto (a) ?
Agora imaginem para quem mora a 200, 300 ou 400 km de Lisboa, que vem numa excursão de autocarro e que ainda tem 3,4 ou 5 horas até chegar a casa. Na verdade, só o grande Benfiquismo tem levado as pessoas a irem nas excursões das Casas do Benfica verem jogos ao Domingo às 20h00, que é para não mencionar os heróis que se deslocam em viatura própria somando euros de portagens e combustíveis para poderem apoiar o seu clube.
Bem sei que os executivos da SAD vivem no seu mundinho em Lisboa, onde o estádio é bastante acessível e até têm os seus lugarzinhos reservados na garagem do Estádio, mas convém saírem dos escritórios e irem ao terreno e perceberem que o Benfica não tem dimensão local ou regional, mais que nacional o Benfica tem dimensão mundial, pois os portugueses e os benfiquistas espalharam-se pelos quatros cantos do globo.
É preciso que percebam que os sócios e adeptos do Benfica são o povo, o povo que tem pouco, mas o pouco que tem dá e se mais não dá actualmente é mesmo porque mais não tem. O desemprego já ultrapassou os 17%, cada vez há mais desempregados que já nem o subsídio de desemprego recebem. O rendimento disponível das famílias está em contracção há 2 ou 3 anos e perante este cenário de crise e com os cortes e despedimentos que se anunciavam a decisão foi de aumentar os Red Pass em 15 % ?
Mas será que ninguém da Benfica SAD vive no mundo real ?
Fica o desafio para que quem gere os destinos do Benfica, ou pelo menos os influencia, tente adequar a a política de preços dos bilhetes ao mercado. Se o estádio está a meia-casa, o jogo dos oitavos-de-final da Liga Europa com o Bordéus teve uma assistência de 33.248 espectadores e o jogo da 22.ª jornada da Liga Portuguesa contra o Gil Vicente teve uma assistência de 33.706 espectadores, numa jornada em que o Benfica já estava isolado no primeiro lugar, é porque há uma clara desadequação entre o preço dos bilhetes e valor percepcionado pelos sócios e adeptos. Se isto é verdade em relação aos bilhetes, por maioria de razão, também o é em relação aos Red Pass.
"It's the economy, stupid." - Foi a catch-phrase que levou Bill Clinton a derrotar o presidente George Bush .