domingo, 29 de abril de 2018

Luisão


O jogo de ontem foi o epílogo da carreira de Luisão ao serviço do Benfica. O capitulo final de um livro bonito, com alguns episódios tristes pelo meio e que na verdade já estava acabado há pelo menos dois anos.

Em Novembro de 2015, com 34 anos, na sequência da fractura de um antebraço após empurrão de João Pereira num jogo para a Taça de Portugal em Alvalade, Luisão perdeu a titularidade e dessa forma o Benfica pôs fim a um ciclo de resultados negativos e de golos sofridos nos quais o zagueiro não tinha estado em bom plano. Daí para a frente, na época 2015/2016, a história é a que se conhece: o Benfica estabilizou com Jardel coadjuvado por Lisandro primeiro e Lindelof depois e conquistaria o tricampeonato. Luisão ainda voltaria para uma tosca aparição a final da Taça da Liga frente ao Marítimo (2-6).

Na temporada seguinte, a sua reinclusão num quarteto defensivo onde encontrou jogadores com qualidade inquestionável como Nelson Semedo, Lindelof ou Grimaldo, protegidos por Ederson, permitiu colmatar as fragilidades do capitão encarnado, nomeadamente no que à velocidade e mobilidade diz respeito e assim passar incólume por entre os pingos da chuva.

Ontem, quatro meses e meio depois da última aparição com a camisola encarnada, Luisão, aos 37 anos, apresentou-se ao nível que os ex-jogadores costumam exibir nos encontros das velhas glórias encarnadas, estando em plano de destaque nos três golos sofridos: falta de velocidade no primeiro, perda de bola aérea com um adversário 10 cm mais baixo no segundo e dureza extrema de rins no terceiro.

O percurso de Luisão enquanto jogador do Benfica deveria ter terminado no final da época 2015/2016. A sua perpetuação foi um acto de caridade no qual o aspecto desportivo foi esquecido. E prolongar o contrato a Luisão após a presente temporada, como se equaciona actualmente para os lados da Luz, deveria fazer repensar o nome do clube para Sport Lisboa e Amigos.

sábado, 28 de abril de 2018

Parabéns, FC Porto


O FC Porto prepara-se para quebrar um jejum de quatro temporadas sem conquistar o campeonato nacional, período nunca antes visto sob liderança de Pinto da Costa, pondo também fim a um ciclo (e não hegemonia) de triunfos do Benfica. Vencerá o campeonato e com toda a justiça.

Não que a época dos azuis-e-brancos tenha sido exemplarmente preparada, pelo contrário. O treinador foi escolhido e contratado de forma pouco ortodoxa e o plantel apresenta lacunas importantes inclusivamente em posições para as quais os titulares são jogadores cuja qualidade fica a desejar para quem quer ser campeão. Mas tal como a nossa própria experiência recente nos mostrou, não é só de qualidade em bruto que se fazem os campeões. E este Porto foi bem trabalhado. Prova disso são as retumbantes vitórias europeias no Mónaco ou com o Leipzig, a exibição em Alvalade para o campeonato, o jogo que fez (e que merecia ganhar, com erro grosseiro da arbitragem) frente ao Benfica no Dragão e a vitória decisiva que alcançou na Luz.

Resumindo, o Porto venceu porque foi melhor dentro de campo. Nas quatro linhas. Não foi por Francisco J. Marques, por Pedro Bragança, pela arbitragem, pela imprensa, pela sorte, o azar, as estrelas, as constelações, os astros. Há demérito do Benfica, naturalmente, pela forma absolutamente amadora como preparou a época e pela incapacidade crónica do seu treinador em extrair o melhor dos jogadores que tinha (algo que Sérgio Conceição fez com mestria exímia). Mas há sobretudo mérito do FC Porto. E enquanto andarmos preocupados com fait divers em vez de arrumarmos em definitivo a nossa casa e de reconhecer o mérito de quem ganhou com justiça, mais longe andaremos de voltar a ganhar.

O jogo que segue empobrecendo

Por vezes, sem que nos demos conta, acontecem-nos coisas na vida para as quais não temos explicação. Por muito que vasculhemos, por muito que estudemos cada passo dado, continuaremos sem entender o que acabou de suceder.

Fatalismos, dizem uns, sorte ou azar, dizem outros. O certo é que poucos saberiam explica-lo racionalmente e ainda menos entenderiam as suas explicações.

A teoria do caos diz-nos que o simples bater de asas de uma borboleta pode desencadear um furacão do outro lado do planeta, através de uma sucessão de acontecimentos em dominó, que se vão tornando maiores a cada segundo, a cada centímetro, qual bola de neve a rolar montanha abaixo.

Assim foi com ele, a cada suspiro, a cada passo, a cada toque, a cada passe, corresponderia sempre um acontecimento maior, único, inesquecível, inexplicável. Para uns era sorte, para outros fatalismo, para muitos não chegava a ser alguma coisa, para poucos… uma borboleta.

No final dos tempos, o jogo saberá que ele passou por si mas, qual ladrão sem rosto, não saberá quando ou como, porque não o deixaram ficar nos seus registos.

Com ele soubemos que teríamos um novo termo para designar os Génios, com ele soubemos que Da Vinci, Galileu, Beethoven, Einstein ou Stephen Hawking foram… Iniesta.

O Rei das Assistências para as Assistências



O primeiro jogo de Andrés pelo Barcelona foi com o Benfica (na foto, João Pereira atrás do génio insurge-se contra Deus pela injusta distribuição de talento).

Iniesta é o meu jogador preferido, é o jogador que mais prazer me deu, que mais me ensinou sobre o jogo, que mais fez evoluir a minha percepção sobre o que é fundamental no futebol. Chamo-lhe o Rei das Assistências para as Assistências porque é ele que sonha sempre o golo e o constrói e depois deixa que outros apareçam nas capas e nas estatísticas. Um homem com um corpo, uma cara e um ar banais, de vendedor de raspadinhas num quiosque ou de entregador de pizas, com a alma de um Deus. Depois de ti, Andrés, o jogo nunca mais será o mesmo.

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Espiral de destruição interna


As explicações para os vários anos de hegemonia do FC Porto no futebol nacional são várias, das mais conspirativas às mais cândidas, e para todos os gostos. No entanto, para mim, a mais completa e evidente – não única – era a forma como os Portistas conseguiam dominar o mercado de jogadores.

As saídas das suas melhores individualidades no final de cada época sucediam-se e, quase à mesma velocidade, apareciam novos jogadores capazes de substituir com qualidade – e não raras vezes, até com ganhos – os que partiam.

Com uma política de aquisições essencialmente baseada no mercado sul-americano era, de facto, incrível a capacidade que o Porto tinha para regenerar as suas perdas de matéria-prima, reutilizando os ganhos provenientes das joias polidas.

Goste-se ou não, o domínio do Porto começava e acabava no campo. E lá, eles conseguiam ser melhores, porque tinham, sucessivamente, os melhores interpretes.

No Benfica, demoramos bastante tempo até conseguir compreender que o caminho para voltar aos títulos era, primeiro que tudo, o de conseguir ter os melhores. E para termos os melhores, havia que dominar o mercado. E para dominar o mercado, sem ter poder económico, só o poderíamos fazer com conhecimento!

E esse tem sido o nosso maior e melhor segredo: o conhecimento. Hoje em dia, é notório o nosso domínio de mercado. Nenhum dos nossos rivais tem sequer metade da nossa capacidade para ir substituindo os jogadores que, inevitavelmente, vão saindo.
Não têm essa capacidade financeira, é verdade, mas sobretudo não têm essa capacidade de conhecimento que levou anos e anos a ser construída.

Para quem tiver dúvidas que faça um pequeno exercício de memória e compare as realidades de ambos os clubes nos seus momentos mais pujantes. Compare a primeira década deste século do FC Porto e o que está cumprido nesta segunda década por parte do SL Benfica. Faça ainda uma retrospetiva e perceba o declínio do FC Porto na prospeção, deteção e aquisição de talento face ao Benfica, e transporte isso para os títulos ganhos por um e outro desde a época 2009/2010. Recue ao último título do FC Porto e reveja um 11 repleto de qualidade, mas um banco quase risível face ao que tínhamos. Resultado disso? Um tetra, que até pode ser penta, para nós e uma capacidade incrível de regeneração de qualidade.

Pois bem, a folha de jornal que se anexa ao que escrevo, resume em meia-dúzia de linhas o que se prepara para se fazer no Benfica, isto é, a acreditar nas várias notícias que têm saído nos últimos tempos sobre José Boto, preparamo-nos para perder um dos melhores scouts do mundo e o que fazemos para o substituir? Contratamos uma empresa externa ao universo do clube; Perderemos alguém com um conhecimento incrível sobre o jogo e o que realmente interessa na qualidade de um jogador e o que fazemos? Confiamos nos critérios de quem se rege por um pensamento completamente contrário do que é o jogo e o talento; Ficaremos sem um quadro importantíssimo no que diz respeito à recolha e tratamento de informação sobre o mais importante que há no futebol – os jogadores – e confiamos em bases de dados de alguém cujo maior e único interesse é servir os seus próprios interesses; Perdemos exclusividade de conhecimento e preferimos seguir o conhecimento disponível a qualquer clube através da mesma fonte; Deixamos de ter um critério único e completamente definido para estarmos dependentes dos critérios de terceiros que nem sequer sabemos como os analisam. Brilhante! 

Uma folha de jornal, uma simples folha de jornal demonstra cruelmente o processo de destruição interna que está em marcha no Benfica. Uma simples folha de jornal demonstra a total incompreensão das razões que nos levaram às vitórias nos últimos anos. Uma simples folha de jornal revela que quem não deve tem cada vez mais influência nas políticas que não lhe deveriam dizer qualquer respeito. Parabéns!

terça-feira, 24 de abril de 2018

O Futebol raptado por grunhos



É muito provável que esta imagem não escandalize a maior parte dos adeptos - os sportinguistas porque até acham graça; os benfiquistas porque provavelmente, se fosse ao contrário, não lhe veriam mal nenhum. A mim, enoja-me. O facto de, na televisão do clube, não poder passar o nome completo do adversário (para além da diferença de tamanho dos símbolos) diz-me tudo o que tenho de saber sobre Bruno de Carvalho e a sua sociopatia, a demência, a obsessão, a pequenez. A imagem conta-me tudo o que tenho de saber sobre o sentimento de inferioridade do Presidente do Sporting. Sinais que anunciam ditadores, que poderiam evitar guerras mundiais, crimes, violências mas que só são entendidos pela maioria muito depois das bombas caírem sobre os corpos.

O futebol é um desporto maravilhoso, um jogo genial, uma arte física, emocional e cerebral em constante movimento. Infelizmente, nos últimos 40 anos foi raptado por grunhos.

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Mas qual foi a novidade?

Após a derrota de ontem, muitas têm sido as criticas a Rui Vitória, sendo que, valha a verdade, poucas delas são realmente justas.

Escuso-me a referir o que penso da (in)competência de Rui Vitória, já o fiz por enumeras vezes, não vou falar no mesmo. Este é um assunto mais do que debatido e esmiuçado.

De ontem sobram críticas à forma como procedeu às mexidas de nomes durante o jogo e até à atitude passiva da equipa na segunda parte.

Sobre as substituições, lamento, mas o Benfica não perde o jogo por ter entrado quem entrou, nem por ter saído quem saiu. Das substituições, retiro apenas uma mensagem de desnorte completo traduzido na colocação de um médio de maior contenção aos 70 minutos de jogo para, volvidos 15 minutos, trocar um médio por um avançado, sem que o resultado tivesse sofrido qualquer alteração sequer. A incoerência de pensamento subjacente a este par de substituições chega a ser ridícula.

Quanto ao que se jogou na segunda parte, pergunto: Qual foi a novidade daquilo? Desafio, seja quem for, a dar-me um jogo em que a nossa primeira fase de construção tenha sido pressionada e que, mesmo assim, tenhamos conseguido sair com qualidade de forma colectiva. A minha resposta é imediata: NENHUM!

O Benfica de Rui Vitória é assim, joga o que o adversário deixa. O que realmente me surpreende é a quantidade de adversários que ainda não perceberam que a melhor possibilidade de vitória sobre o Benfica reside na pressão que podem ou não fazer à construção do Benfica.

A esmagadora maioria dos adversários internos opta, tal como o Porto na 1ª parte de ontem, por não o fazer. E quando isso acontece, facilmente a bola entra em Pizzi, Zivkovic (ou Krovinovic enquanto jogou) ou Jonas que criam jogo como poucos no nosso campeonato. Uma vez a bola nestas unidades, haja ou não espaço, com a qualidade que têm, fazem sempre fluir o nosso jogo e com isso criam oportunidades de finalização.

Sempre que o adversário não deixa que a bola entre “limpa” nas nossas unidades criativas, a solução é do mais básico que há: Bola na frente! Foi, é e será sempre assim. É aflitivo, patético e revelador do que vale Rui Vitória e os seus processos (pausa para rir) colectivos.

Não obstante, o lance do golo em si, pouco revela sobre a culpa de Rui Vitória no resultado de ontem. Uma serie de ressaltos, um corte defeituoso e um remate espantoso nunca podem dizer o que quer que seja de um treinador, seja sobre o que perde, seja sobre o que ganha.

O problema de Rui Vitória não é o resultado, nem tão pouco o jogo de ontem. É muito mais vasto e profundo que isso mas, valha a verdade, sempre foi e não deixou de ser campeão, logo, fazem pouco sentido as críticas que agora lhe lançam. O que é dito hoje, poderia ter sido dito no dia em que foi apresentado, no final da primeira época, no final da segunda época ou no final da inenarrável fase de grupos da Liga dos Campeões da presente temporada.

P.S. O que melhor define Rui Vitória é a forma como fez o melhor plantel do nosso campeonato parecer equivalente ao plantel do FC Porto, nisso foi brilhante e está de parabéns!

terça-feira, 10 de abril de 2018

O pontapé de bicicleta do Jonas

Passámos a última semana a falar (e bem!) do pontapé de bicicleta de Cristiano Ronaldo. Mas, no último jogo do Benfica, também assistimos a um "pontapé" desses. Daqueles que, nos relatos, fazem a voz hesitar no momento de escolher a palavra certa para o descrever. Corria o minuto 92 quando Raúl Jiménez arrancou rumo ao golo. O mundo parou. O país ficou em silêncio. Alguns fecharam os olhos. Outros deram as mãos. Golooooooo.

Os jogadores saltaram as barreiras publicitárias e correram em direção aos adeptos. No entanto, foi fora do relvado, naquele pequeno camarote, que o jogo foi ganho. Jonas, embora lesionado e fora das quatro linhas, esbracejava e festejava aquele golo como se ele houvesse sido, mais uma vez, "o culpado do costume". Não foi. 

A verdade é que aquela comemoração foi mais do que isso. Foi mais do que um golo. Aquela comemoração foi igual à tua, que estavas no estádio e que abraçaste um desconhecido. Ou à tua, que, em casa, sozinho, apenas na companhia da tua televisão, gritaste até não teres voz. Ou à minha, que, no meio de um café cheio de gente e barulho, dei por mim aos saltos, agarrado ao meu pai. Jonas não marcou. Mas deu-nos isto. A certeza de que o Benfica é, acima de tudo, uma família. E este título, venha o que vier, já ninguém nos tira.

André.



O Barros já não mora cá. Levou a sua Gloriosa Barba para o Quarto Anel.






domingo, 8 de abril de 2018

6 curtas notas sobre um Óptimo Fim



1) Ruben Dias é demasiado impetuoso, demasiado fraco a posicionar-se, demasiado medíocre com bola. Não tem qualidade para ser titular numa equipa como a nossa.

2) Raul não é um génio, longe disso, mas é um elemento fulcral neste plantel. Mais do que os golos, é mesmo um de nós. Um adepto que teve a sorte de entrar no relvado e jogar pelo Benfica.

3) Pizzi fez o seu pior jogo desde que está no Benfica. Perdoa-se, mas precisamos do outro, do Iniesta de Bragança e não do Tavares transmontano.

4) Com a entrada de Seferovic por Rafa, afastando Zivkovic das zonas em que a sua criatividade poderia fazer estragos, Rui Vitória meteu a equipa a segunda parte quase toda a jogar como o Real Massamá. Sem Jonas, com Pizzi em modo Salvio, decide encostar o único dos 3 jogadores com talento acima da média nos pés e na cabeça. De génio, professor.

5) Jonas, a Velha de Ouro, é maravilhoso. Aquelas imagens dizem tudo sobre o melhor jogador glorioso dos últimos 25 anos.

6) Há, de facto, um polvo benfiquista. O Pentacular.

segunda-feira, 2 de abril de 2018

A loucura mexicana



Neste momento de ternura entre o Raúl e a bola - olham-se mutuamente, rindo muito, por no mundo só eles e o Jonas saberem o que vai acontecer -,  o mexicano já sentiu onde está o brasileiro e já sentiu onde estará o brasileiro daqui a 2 segundos para fazer o golo. A bola, o Raúl e o Jonas estão os três ligados entre eles e desligados de tudo o resto. Só eles viram a loucura a nascer, a crescer, a tornar-se adulta, a ser real, a maravilhar, a dar alegria aos olhos infantis de todos os adeptos que viram aquele golo. Uma loucura que é o futebol no seu estado de sangue. Uma loucura impossível de enfiar num gráfico, numa estatística, num quadro de ensinamentos sobre o jogo.

A bola vai sair, o pé esquerdo não tem grande arte, o pé direito talvez se fantasie de pé esquerdo mas vai precisar de um voo, de um passe de dança, de um mergulho para o ar, para fora do pé,  do joelho, da perna, do mundo. A bola vai sair e é preciso dar-lhe um toque de ternura. É preciso um poema.

domingo, 1 de abril de 2018

TAMBÉM SOU RAÚL JIMÉNEZ



Devo ter bebido o primeiro copo de vinho tinto quando tinha uns nove ou dez anos. A minha mãe levou-me a uma apanha da uva, nas vinhas de uma cooperativa vinícola, algures no meu querido Alentejo. Insistia em proporcionar-me experiências que me pudessem enriquecer e fazer perceber melhor o mundo (obrigado, mãe). Mas eu decidi improvisar, como sempre fazia, e resolvi enriquecer-me com algo diferente. Ao fim de cinco minutos de apanha, como tinha as mãos pegajosas, comecei a refilar como se não houvesse amanhã. Talvez por isso, e sem que a minha mãe visse, foi-me oferecido o meu primeiro copo de vinho tinto. Aliás, para ser honesto, e mais preciso, perguntaram-me antes se eu o queria. Para ajudar na tarefa, disseram-me. E eu respondi imediatamente que sim. Perguntaram-me ainda se já tinha bebido vinho tinto alguma vez. E eu menti imediatamente que sim. Veio de lá então um copo de plástico, que hoje imagino vermelho, a transbordar de néctar. Embora tenha detestado o primeiro golo, não quis dar parte de fraco. E assim detestei o segundo, também. E depois detestei o terceiro, o quarto, o quinto... Com tanta gente a olhar para mim, já não havia como recuar! Fui detestando como podia, com o intuito de chegar rapidamente ao fim. Eu era um puto franzino, que estava sempre doente, mas, pelos relatos da minha mãe, acho que tinha um feitio tramado de vergar. E nem foi preciso. Ao fim de pouco tempo, quando o nível do vinho baixou a metade do copo, comecei a ver as coisas de uma outra forma. O desagrado deu lugar a uma sensação de euforia e felicidade, sem par até então. Acabei mesmo por passar o resto do tempo a contar anedotas aos trabalhadores, que se riam às gargalhadas, é certo, mas do estado ébrio com que assassinava o conteúdo das piadas. Outros tempos, definitivamente.

E o Raúl, no meio disto tudo? Para mim, Raúl foi como o vinho tinto. Eu não suportava sequer ouvir o seu nome na Luz (desculpa, Raúl). Não tinha nada contra a pessoa, claro. Mas era pelo valor exagerado que nos custou o seu passe, um valor que tresandava a maroscas e favores. Porque Raúl mal tinha jogado, em Madrid. Porque não é o típico goleador. Porque não é aquele ponta de lança que esperas ver marcar muitos golos, valorizar, e vender o passe pelo dobro. Porque parece um bocado tosco e desconjuntado, quando joga. Porque Raúl é um jogador que falha aqueles golos que todos marcariam. Certo? E isso exasperava-me.
Mas Raúl também é o jogador que marca aqueles golos que mais ninguém marca. Os golos de Raúl são como os que dei no vinho. Quase sempre inesperados, mas fundamentais e decisivos. São também alegres, e têm o condão de me salvarem o dia. É sabido que, com o génio a bombar, e no 4-3-3 vigente, o mexicano é sempre suplente, por sistema. Joga cerca de vinte minutos em cada jogo. E, mesmo assim, não se queixa nem refila. Nunca. E marca. Quase sempre! Marca por nós, por todos os benfiquistas. Marca pelos que estão no estádio, e que acabaram de o insultar no último falhanço de golo evidente. E marca também pelos que estão em casa, a bradar aos céus pelo seu desposicionamento sistemático.

Aprendi a gostar de vinho por aquilo que acrescenta a uma boa refeição. Quando bem escolhido, um bom vinho melhora radicalmente um bom prato de comida. Tal como Raúl melhora radicalmente a equipa do Benfica, desde que chegou. Hoje eu já aprendi o que precisava, sobre o vinho. E sobre o Raúl também. Adoro o mexicano! E adoro-o para lá dos golos decisivos e saborosos que marca. Adoro-o para lá do golo ao Bayern. Adoro também Jiménez porque o mexicano nos representa um pouco a todos, quando entra em campo. Sabes aqueles dias em que, por uma ou outra razão, te calha ir para a baliza, mesmo que não gostes? E vais, porque queres é jogar? Porque queres é estar ali e fazer parte daquilo tudo, daquela jogatana num campo de futebol improvisado, cheio da terra onde vais esfolar os joelhos e sujar-te para lá do razoável? És puto, e sabes poucas coisas ainda. Mas sabes bem que queres estar sempre com os teus amigos, onde quer que haja uma bola. E Raúl é isto tudo. Mandou o aldrabão enfiar os milhões do chineses pelo ganancioso rectum acima, porque aquilo que quer é jogar. Quer entrar em campo com um sorriso, de orelha a orelha, sempre bem disposto, sempre a servir os colegas e a dar 300%, mesmo que acabe magoado. Quer dar sempre o máximo, chegando a expor-se corajosamente a possíveis lesões, quando salta e cabeceia a dez centímetros da trave da baliza adversária, para assistir um colega. Ou quando remata, completamente no ar, entre dois ou três adversários, com os quais choca, um décimo de segundo depois de ter rematado para o golo num ângulo impossível, ganhando um momento angular que o faz rodar perigosamente, e nos faz, a nós, rezar pela sua integridade. Ou ainda quando dá tudo para se esticar e fazer uma gloriosa assistência de letra, maravilhosa e totalmente desconjuntada, expondo-se a uma lesão tramada. E depois, no final do jogo, sou um puto, outra vez. Olho as minhas mãos esfoladas e os teus joelhos em sangue, e pergunto-me porque é que, depois disto, não resta mais nada para perguntar a mim mesmo. Estou só feliz, neste momento. Todo partido, mas feliz. E é neste sentido que posso afirmar que eu também sou Raúl Jiménez.