Artur
Queiroz*, Luanda
O futebol é um jogo que me seduz
porque só funciona se 11 atletas forem capazes de jogar em equipa. Colectivismo.
Apesar disso gosto das individualidades e identifico os
clubes pelos nomes que mais se destacam dentro do campo. Desportivo de Ambaca
era o Sacristão, Desportivo do Negage o Barros, Recreativo do Uíje o Miala, o
“Porto” do Uíje, os manos Vitória Pereira, Milo e Rui, Dinizes o Cardeal,
Missão de Dala Tando o Balsa, Desportivo do Golungo Alto o Viriato.
Em Portugal a paixão era o
Matateu do Belenenses, o Peyroteo do Sporting, o Águas do Benfica que depois
passou a ser identificado por Eusébio eternamente. No F. C. Porto (hoje são
dragões!) era o Miguel Arcanjo e o Hernâni. No Ambaca eram todos kambutas menos
o Manuel Silva que parecia um gigante ao pé dos outros todos, adversários e
colegas. Por isso nunca ganhava.
Ontem pus umas cervejas a gelar e
vi o jogo de Portugal com a selecção da República Checa ou Chéquia. Lembrei-me
logo do Desportivo de Ambaca. Os checos eram todos gigantes e os portugueses
kambutas, salvo o Pepe que tem altura mas as varizes causam-lhe um grande
desconforto. Para cúmulo do azar não o deixaram jogar com uma cadeira de rodas
eléctrica. A altura não lhe serviu de nada.
O Cristiano Ronaldo não é assim
tão pequenino mas também padece das varizes e não o deixam jogar de muletas. O
jogo foi uma pasmaceira. Até o Recreativo do Songo jogava mais e melhor. A
única coisa que funcionou bem foi a selecção, transformada num placard
publicitário do bota de ouro das arábias. Não é para me gabar mas marquei mais
golos num jogo com os miúdos do meu prédio, todos entre os dois e os quatro
anos, do que o Cristiano Ronaldo em toda a época na Arábia Saudita onde o
futebol está ao nível dos infantis do meu bairro.
Estava a derrubar a última cerveja
quando me apareceu à frente o primeiro-ministro de Portugal, Luís Montenegro.
Não tinha o comando da televisão à mão e por isso desconsegui mudar de canal.
Tive mesmo de ouvir o líder da coligação AD, que elegeu 70 deputados
engravatados mas com tiques racistas e cultores da extrema-direita.
O grande político adorou o jogo.
Garantiu que Portugal jogou bem, que Pepe não precisou da cadeira de rodas
eléctrica e o Ronaldo desenrascou-se bem sem as muletas. Facturou milhões no
seu placard publicitário e bateu mais um recorde, é o único futebolista dono de
uma selecção nacional. Montenegro rematou assim: “Este jogo mostrou a raça
portuguesa e a alma lusitana”. Os repórteres que o interrogaram, distraídos,
não disseram em uníssono: Viva Salazar. Angola É Nossa Gritarei. É Carne e
Sangue da Nossa Grei.
Gosto cada vez mais de futebol. O
craque Mbappé fez uma jogada magistral. Numa conferência de imprensa apelou ao
voto dos franceses, particularmente aos eleitores jovens, contra a
extrema-direita racista e xenófoba. Este tem um grande jogo de cabeça.
Os Media controlados pelo chefe
Miala puseram a circular que a nova legislação exige às cidadãs e cidadãos
angolanos uma autorização especial para viajarem. Só podemos sair do país com
uma guia do Serviço de Migração e Estrangeiros. Quem conhece minimamente a
Constituição da República sabe que isso não pode ser verdade. Mas a “notícia”
circulou livremente durante dois dias e só ontem surgiu o desmentido oficial.
O Sindicato dos Jornalistas ficou
em silêncio. Como
se fosse normal pôr a circular noticias falsas. Como se isso fosse Jornalismo.
Como se os mais graves atentados à Liberdade de Imprensa não sejam as falsas
notícias e a propaganda chancelada por profissionais.
A Entidade Reguladora da
Comunicação Social Angolana (ERCA) nem uma palavra. A Comissão da Carteira
Profissional e Ética igualmente. Nisto da luta pela Liberdade de Imprensa somos
todos muito kambutas. Permitimos que a lógica das associações de malfeitores se
tenha instalado no Jornalismo Angolano. Depois os bêbados da valeta e os
pernetas mentais fazem o resto. Enquanto a autorregulação estiver de costas
voltadas para os problemas do exercício do Jornalismo e todos estiverem filados
na propaganda e anestesiados pela publicidade subliminar vamos continuar mesmo
muito kambutas.
Um “estudo” inventado pela
redacção única ao serviço das forças que apostam tudo na destruição de Angola,
revela que os Media dedicaram mais de metade dos espaços noticiosos ao
Executivo e mais de 70 por cento ao MPLA. Assim se aldraba a opinião pública.
Atiram-se números e tiram-se as conclusões que interessam. Se o Executivo e o
partido que tem maioria absoluta na Assembleia Nacional fazem mais do que todas
as outras instituições juntas, logicamente isso reflecte-se noz espaços noticiosos.
A África do Sul está no ponto em que Angola se
encontrava após os resultados eleitorais de 1992. O MPLA ganhou com maioria
absoluta mas apesar dessa vitória fez governo com todos os partidos que
elegeram deputados. Só a UNITA ficou de fora porque apostou tudo na tomada de
poder pela força das armas. Mesmo com maioria absoluta o MPLA partilhou o
poder. Em nome da democracia que dava os primeiros passos. E da unidade
nacional.
O ANC perdeu a maioria absoluta
devido às cisões no seu seio, encabeçadas por Julius Malema e Jacob Zuma. O
Presidente Ramaphosa conseguiu fazer um governo de unidade nacional com a
Aliança Democrática (segundo partido mais votado), o Partido da Liberdade
Nacionalista Zulu Inkatha (IFP) instrumento do Chefe Buthelezi e outros
pequenos partidos.
Os órgãos dirigentes do MPLA têm
de acompanhar em profundidade o Governo de Unidade Nacional da África do Sul. O
melhor é enviarem alguns quadros políticos para estagiarem com a direcção do
ANC. Pode ser que em Angola haja necessidade de negociações para investir na
Assembleia Nacional, como Presidente da República e Titular do Poder Executivo,
o cabeça de lista que vencer as eleições de 2027.
* Jornalista