sexta-feira, 5 de abril de 2024

Portugal | COMEMORAR ABRIL*

José Mouta Liz

O apagamento da autoria e desempenho de Otelo Saraiva de Carvalho no 25 de Abril, omitindo e revertendo o passado, como tentativa de o eliminar da História, está a atingir proporções inauditas! 

O odioso regime estalinista, tem sido fonte de inspiração para os sucessivos governos, instituições e Media pós 25 de Novembro, na arte do expurgo e da falsificação da História, apagando a figura de Otelo das ‘’fotografias’’ em que o seu papel foi determinante. Trabalho desenvolvido por figurantes de pé de página, ignorantes e reaccionários, alguns fascistas, têm dado o seu contributo para a mistificação da História portuguesa contemporânea. 

Também Marcelo Rebelo de Sousa e o ‘’socialista’’ António Costa ao não promulgarem o luto nacional pela morte de Otelo, inscreveram-se na História negativamente, com o único registo verdadeiramente ‘’relevante’’ da sua actividade política. 

Na mesma linha de actuação se deve considerar a atribuição de condecorações a tudo que vestia farda em Abril. Foi, como se diz, à molhada, uma forma de o poder desvalorizar aqueles que de facto a justificavam. Ao generalizar-se a medida, esvaziou-se a sua valoração, para gáudio de alguns premiados vestidos de Abril. 

Até a Comissão das Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril se integrou nessa estratégia da história sem autor repleta de omissões e distorções, em vez de aproveitar o seu papel para homenagear e distinguir os militares de Abril que efectivamente foram determinantes nos acontecimentos. 

Ao invés atribui a valia do feito generalizadamente a uma displicente e vaga denominação de ‘’militares de Abril’’, que a avaliar por alguns desses condecorados, descaracteriza, pela ambiguidade, a natureza do próprio golpe militar, que como se sabe, foi antifascista. 

O que para além do pouco que se diz atrás, seria pertinente, justo e necessário fazer à Comissão das Comemorações, era informar os portugueses da verdade escondida da absolvição de Otelo de todos os crimes de que falsamente foi acusado. 

É imperativo a esta Comissão das Comemorações reabilitar Otelo pelas seguintes razões: 

1. Ter sido um dos principais organizadores do golpe militar de 25 de Abril de 1974, tendo planeado e comandado as operações até à vitória final com a consequente queda do fascismo 

2. Não se ter provado que pertencesse à organização Forças Populares 25 de Abril 

3. Ter estado cinco anos detido, em prisão preventiva, sem qualquer trânsito em Julgado 

4. Ter sido anulado pelo Tribunal Constitucional, o julgamento de autoria moral de que era acusado 

5. Por a amnistia promulgada, não ter tido qualquer incidência na sua libertação, que se verificou por excesso de prisão preventiva 

6. Ter sido finalmente absolvido pelo Tribunal da Boa-Hora e pelo Tribunal da Relação, com trânsito em julgado, de todos os crimes materiais que lhe eram atribuídos. 

Em suma, a memória de Abril e de Otelo Saraiva de Carvalho, apesar de adulterada, perdurará intacta na cabeça e no coração de muitos portugueses. Ninguém a extinguirá! 

‘’Atrás dos tempos vêm tempos e outros tempos hão-de vir…’’ 

* Este texto é do meu amigo Mouta Liz. Está ilustrado com a foto de outro amigo, Otelo Saraiva de Carvalho, regando um cravo murcho como murchou a Revolução dos Cravos. No Abril de há 50 anos eu andava de repórter e cronista. Era realizador de dois programas na Voz de Angola. Chefe de Redacção da Emissora Oficial de Angola. Destes 50 anos o que ficou? A honra de ter trabalhado com muitas e muitos jornalistas angolanos, profissionais brilhantes. 

A amizade indestrutível com Otelo Saraiva de Carvalho, o comandante operacional do 25 de Abril. A honrosa amizade com o Almirante Rosa Coutinho, o único membro revolucionário da Junta de Salvação Nacional. A inesquecível amizade com o Coronel Varela Gomes, militar revolucionário antes do 25 de Abril. Comandante Marques Pinto, o militar diplomata. Comandante Correia Jesuíno, o militar filósofo. Amizade e camaradagem com Carlos Antunes e Isabel do Carmo. Participação activa na sociedade de jornalistas que fundou o semanário O Ponto, dirigido brilhantemente por Abel Pereira e Jacinto Baptista, que me ensinou isto: “Jornalista é o historiador de todos os dias”.

Nestes 50 anos cumpri missões honrosas. Hermínio Escórcio, Manuel Pedro Pacavira e Aristides Van-Dúnem mobilizaram-me para a luta na frente mediática. Vencemos quando venceu o MPLA. Subida honra, ter participado na luta sob a bandeira do MPLA. 

Nestes 50 anos fui adoptado como irmão do Comandante Ndozi. Os Comandantes Xietu, Iko e Ndalu fizeram de mim repórter em todas as frentes de combate. Reportei as tremendas agressões estrangeiras a Angola e ao Povo Angolano. Honra mais honrosa não há.

Nos 50 anos do 25 de Abril recordo os construtores de Angola que foram meus colegas (alguns mais velhos) no Liceu Salvador Correia: José de Carvalho (Hoji ya Henda), José Eduardo dos Santos, Eurico Gonçalves, Manos Carapau (Comandante Tetembwa e Gigi Saraiva de Carvalho), Nelson Gaspar, Onofre Martins dos Santos. E outros que neste momento se esconderam num qualquer recanto da memória. No 25 de Abril de 1974 estava a meses de fazer 30 anos…

A Revolução do 25 de Abril mudou as nossas vidas. Derrubou o regime colonialista e fascista de Lisboa. A censura à bruta acabou. Hoje é mais insidiosa e mais grave. Tem a forma de bombardeamento informativo numa mistura explosiva de entretenimento, ignorância atrevida e imbecilidade. O MFA, liderado por Otelo Saraiva de Carvalho foi para Angola e o Povo Angolano um movimento de libertação, como o MPLA e a FNLA.

Nestes 50 anos registo o momento mais alto da minha vida. Mais importante. Mais honroso. Trabalhei com Agostinho Neto. Cumpri todas as missões de que me incumbiu. Canta para mim, Violeta Parra: Gracias a la vida que me ha dado tanto!

Em Portugal, 50 anos depois do 25 de Abril, os fascistas estão de novo no poder. Os engravatados (AD), os feios porcos e maus (Chega) e os filhotes (Iniciativa Liberal). Um ministro do CDS já está filado na compra de submarinos! Uma agente imobiliária é ministra da Justiça para tratar com os fundos abutres a venda das prisões de Lisboa e Monsanto. Rios de dinheiro!

Na imagem: General Otelo Saraiva de Carvalho. Regar os Cravos da Revolução é a tarefa que não devemos esquecer para assegurar a democracia de facto, a liberdade, a justiça social/laboral, a dignidade do povo trabalhador, a revolução em estado permanente e o controlo das elites políticas e economico-financeiras... (Redação PG)

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