dona gaivota
dona gaivota olhava atenta os carros que se iam juntando para encher o próximo ferry. um quotidiano repetido desde sempre. todos os dias a mesma viagem, na esteira dos mesmos barcos, os mesmos voos, os mesmos gritos em bando, as mesmas lutas pelos pedaços de pão com que aqueles bichos bípedes presenteavam a sua colónia. já conhecia alguns. alguns rostos, alguns braços, repetiam-se todos os dias. outros estavam de passagem. vinham das suas terras longínquas e a elas regressariam depois. dona gaivota gostava daquele mar entre texel e den helder, da azáfama do porto, das areias brancas da ilha, da brisa fresca e salgada que lhe alisava as penas. fixei-a na memória fotográfica. imagino-a hoje, fiel à sua condição de gaivota, voando naquele espaço que para mim começa a perder os contornos.
foto de nélio filipe, den helder, netherlands, agosto 2007
música: king crimson, song of the gulls