Cheguei à triste conclusão, que anda meio mundo a tentar manipular outro meio.
Todos os credos religiosos são peritos no assunto, prometendo grandes alegrias e felicidades, no outro Mundo, a quem cumprir as suas directivas e respectivas infelicidades e desgraças, a quem saia dos eixos. Como não acredito na Outra Vida nem em Reencarnações, por mim o problema fica logo simplificado. Ah sim? Então o que é que me acontece se usar a pílula, por exemplo? Os gurús vaticinam logo que vou parar ao quinto dos Infernos, no meio das labaredas. Ai que preocupação, em vez de ir para uma nuvenzinha no céu a ouvir anjinhos assexuados a tocarem lira? Não tenho nada contra quem acredita piamente em Deus, Alá, Maomé, Buda ou noutro ídolo religioso qualquer, inclusivamente de seitas, mas permito-me ser céptica e vivo em paz, à mesma.
A Imprensa, escrita, radiofónica, televisiva ou internética também vive da arte de bem manipular a opinião pública. Com censura interna, que não se chama censura ou lápis azul como no tempo da PIDE-DGS, mas dá pelo pomposo nome de “linha editorial”, que pura e simplesmente apaga tudo o que não se enquadra no ponto de vista do Director e das suas cores ideológicas. Isto quando não desata a fazer uma tempestade num copo de água, por falta de notícias relevantes. O que nos meses de Verão ainda se torna mais notório. Ontem a “notícia” era uma estátua de Braga, que está no local há 4 anos (não a puseram lá ontem ou anteontem, entenda-se!), em que o sacerdote retratado segura um bordão, cuja ponta a população começou a achar semelhante a um pénis. Ahn? Já agora, porque é que os bracarenses não aproveitam e dão uma passadinha por Lisboa e removem também daqui umas quantas, que uma garanto que é um símbolo muito mais fálico?
A classe médica também utiliza os seus conhecimentos para manipular a malta. Um, queria à viva força que eu entrasse num programa anti-tabágico, sem lhe ter pedido conselho nenhum sobre o assunto, óbvio que não fui. Outra ensinou-me a fazer sopa sem batatas, ‘tá bem, ‘tá bem! Mas a melhor deste género é a de uma senhora de 100 anos, num lar, em que depois de fazer umas análises, o clínico queria que ela fizesse dieta porque tinha o colesterol e mais não sei o quê um pouco elevado. E a grande mulher, lúcida, disse-lhe frontalmente: “Não faço!” Se ligássemos a tudo o que eles dizem, bebiamos litradas de água, comiamos umas três folhas de alface, uma cenoura, um iogurte, um tomate e uma maçã por dia, ainda tinhamos de fazer pelo menos uma boa caminhada diária. Não quero ver quem é que aguenta, recuso-me simplesmente a seguir esses regimes e dietas. Num caso de uma doença específica, até admito! Mas assim virar vegetariana, porque é mais saudável, passo! Ecologistas, ambientalistas e afins, a dar cabo de uma plantação de milho transgénico em Silves, armados em terroristas de caras tapadas? Porque não é saudável? Olha que bom, já cá não bastava o Sócrates a tentar acabar com o tabagismo, os médicos cheios de ideias para morrermos todos saudáveis, ainda vêm estes fulaninhos (palavra baratucha, para designar estes descendentes dos vândalos) cuidar da nossa saúde?
De políticos, governantes ou oposição (qualquer que seja o partido no Poder), suponho que não é necessário falar. Basta observar os resultados estatísticos que dão, num dia de greve: governantes – pouca adesão, talvez de 15%; sindicatos, PCP e BE – uma enorme adesão, da ordem dos 80%; restante oposição – depende do fundamento da greve, mas dá uns valores intermédios de 40% a 60%. Querem baile? Então dancem todos juntos, que não me ralo nada...
Por último, a manipulação familiar faz-me sempre lembrar o Calimero: “It’s an injustice, it is! They do this to me, because I’m little!” São os pequenos, os velhotes, todos a reclamarem imensa atenção, assim a espetarem-nos o ferrete da culpa, se por acaso andamos um pouco mais distraídos. E até há putos (e não só!) muito artistas, que para fazer ou obter aquilo que querem, não se inibem nada de provocar uma guerra familiar, doa a quem doer!
Não tenho, nem quero ter, a arte de manipular. Cada um é como é! Mas a manipulações, digo um redondo NÃO!
-----
O texto anterior, “Crenças”, é de Millôr Fernandes, nascido a 16 de Agosto de 1923, no Rio de Janeiro. É apenas uma pequena parte de um discurso proferido em 1968. Ainda não era “velhinho”, mas suponho que o espírito se mantém... E disso, nem todos se podem gabar!