«Foi com grande alegria que vimos José Saramago deixar o hall
de entrada da sala, destinada aos eternos perdedores do Prémio Nobel da
Literatura, com a serenidade que o caracteriza, depois de ser “Levantado do
Chão” pela Real Academia Sueca da Língua.
O país voltou a sorrir de satisfação – e com a Expo 98 ainda
tão perto na nossa memória... --, ao ponto de transformar a vitória de
Saramago, num êxito de todos os portugueses. Foram erguidas bandeiras de Norte
a Sul, levando bem alto “Todos os Nomes” deste escritor, digno herdeiro de
Camões, Eça, Camilo, Pessoa, Aquilino e Torga.
A Escandinávia dobrara pela primeira vez a coluna à língua
portuguesa. Depois de um longo “Ensaio Sobre a Cegueira”, acabou por reparar
uma injustiça quase do tamanho deste
século!...
Embora Saramago seja um caso à parte, se fizermos uma
“Viagem a Portugal”, encontramos uma mão cheia de poetas e ficcionistas que
também poderiam ter sido inscritos nos “Apontamentos” da Academia Sueca.
Quando dizemos que ele é um caso à parte, estamos a
basear-nos num estranho casamento das
Letras com Números que nos prova que Saramago é o escritor português vivo, mais
conhecido e lido no mundo inteiro.
A sua obra literária é um manancial de estórias sobre a
nossa História, “Deste Mundo e do Outro”, não sendo por isso de estranhar que
alimente algumas polémicas. E quando se fala de coerência – uma palavra usada
para dignificar Saramago e todos os seus camaradas que se mantém fiéis ao
comunismo --, devemos fazer uma vénia ao Município de Mafra que continua a
defender que “O Memorial do Convento” ofende o bom nome dos seus habitantes; e
ao Papa, que ao folhear “O Evangelho
Segundo Jesus Cristo”, continua a perguntar a Deus com um olhar triste e
angélico, “Que farei Com este Livro?”, por manterem vivas as suas opiniões
divergentes em relação ao escritor.
Mesmo sabendo que
este não é o melhor momento para
falarmos da nossa taxa de analfabetismo, não devemos esconder a nossa
triste realidade usando o Nobel da Literatura como peneira.
Saramago sentiria, “Provavelmente Alegria”, se usássemos o
seu Prémio para sensibilizar os portugueses a visitarem o campo aberto das
letras, mostrando-lhes o poder da luz “Poética dos Cinco Sentidos” que nos
ilumina nas nossas viagens deliciosas pelo interior dos livros.
E se nos fosse permitido sonhar, gostaríamos que o Nobel
produzisse o mesmo êxito na Literatura que as medalhas milagrosas de Carlos
Lopes e Rosa Mota obtiveram no Atletismo, fomentando de uma forma avassaladora
a leitura nas escolas e nos lares portugueses, arrebatando toda “A Bagagem do
Viajante” de Lanzarote e de outros grandes escritores.»
(texto da minha autoria publicado no boletim "O SCALA", nº 8, Inverno de 1998, de homenagem ao nosso Prémio Nobel da Literatura - fotografia de autor desconhecido)