Uma escola com muitas escolas, assim poderá ser designada a escola pública, cuja razão de ser não é determinada por rankings, elaborados com base nos resultados de provas e exames externos, nem por mapas estatísticos respeitantes a resultados académicos.
Uma escola pública revela uma pluralidade de contextos diferenciados, sem práticas de discriminação no acesso, na frequência e na oferta educativa. É uma escola que responde a muitos públicos, com expetativas diferentes no âmbito da comunidade educativa.
No entanto, tal não significa que a escola pública seja intersetada por uma linha dicotómica que separa a escola inclusiva da escola meritocrática, como se estas fossem intangíveis, mesmo que correspondam a ideologias, a processos educativos e a práticas pedagógicas completamente diferentes.
Não é convincente, por isso, argumentar que a escola privada ou a escola pública estão unicamente de um lado ou de outro, pois cada regime de ensino corresponde a uma possível multiplicidade de escolas. Há, por assim dizer, dois paradigmas de escola (o meritocrático e o inclusivo), que coexistem e se diferenciam em função de muitíssimos aspetos.
A meritocracia é uma constante da escola, através de regras gramaticais escolares de atribuição de valor, quer nas suas práticas curriculares e pedagógicas, quer nas perceções dos mais diversos agentes educativos. Porém, a meritocracia promove a desigualdade, por razões muito diversas, sendo essa a questão mais difícil de resolver na escola pública, mais diversa e mais plural do que a escola privada.
A entrevista de Daniel Markovits, ao PÚBLICO, de 23 de novembro último, é esclarecedora, sobretudo para os que lutam por uma escola inclusiva, que valoriza os percursos diversificados e os resultados académicos e sociais, num contexto de equidade e inclusão. De facto, na educação f0rmal, meritocracia e desigualdade caminham em paralelo, com tendência para a restrição da diversidade de escolas que existem numa dada escola pública ou escola privada.
No século XIX, nos normativos do ensino liceal português, chamava-se à escola meritocrática a escola-alfândega, de certificação de resultados, tão próxima da escola numérica, resultadista, que é proclamada por políticas comparativas a nível internacional, focadas no conhecimento poderoso de certas disciplinas e funcionando como ponte de passagem para a outra margem, onde supostamente estarão os alunos mais capazes cognitivamente.
A escola meritocrática, que gera a desigualdade, como diz Daniel Markovits, tem como pilares a seriação dos alunos à entrada, o reforço de medidas pedagógicas centradas no teste e no exame, o currículo STEM (ciências, tecnologia, engenharia, matemática, na sigla inglesa), um padrão específico de alunos e, para além de outros aspetos, percursos de aprendizagem orientados para resultados de sucesso quantitativo. Tal escola está, por norma, associada à escola do ensino para os testes e à escola das explicações, não para responder a situações de remediação pedagógica, mas para garantir níveis elevados de sucesso. A discussão da escola da elite para as elites ganha adeptos e torna-se cada vez mais visível.
Por sua vez, a escola inclusiva, não ignorando a importância dos resultados académicos, nem os sobrevalorizando como fim último da sua atividade educativa, é aquela que mais aberta está à diversidade, ao cumprimento da escolaridade obrigatória, à aceitação de todos os alunos, individualmente e pertencentes a contextos socioeconómicos tão diferentes, e à implementação de medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão. É a escola não só do professor, do aluno, dos pais, mas também da comunidade e de tantos profissionais que têm um papel decisivo nos apoios à aprendizagem e que integram equipas multidisciplinares.
Por imperativo social, a escola inclusiva é a escola de e para todos os alunos, pelo que a sua lógica de ação educativa não pode estar baseada em práticas meramente comparativas, apesar da existência de estudos consolidados sobre o valor agregado da escola, com grande impacto na avaliação institucional.
Apesar de a escola ser um dispositivo social de discriminação, porque não é verdadeiramente o elevador social para todos os alunos – há quem diga que tal elevador está avariado há muito tempo, tendo a pandemia contribuído para acentuar ainda mais essa situação – a escola inclusiva é a que mais responde aos desafios da equidade no acesso e na frequência da escolaridade, constituindo-se numa escola plural, em que há lugar para a excelência escolar, tanto nos resultados académicos, quanto nos resultados sociais.
Dir-se-á, com efeito, que a escola inclusiva tem como denominador comum não apenas a diversificação curricular, a diferenciação pedagógica e a cidadania como a prática de partilha de valores, atitudes e modos de compreender criticamente os problemas globais, como também a implementação de medidas de eficácia das aprendizagens, traduzidas pelo apoio pedagógico no interior da escola, pelo envolvimento da comunidade educativa e pela valorização da dimensão social da educação. A escola privada também o poderá fazer, decerto, mas não com a amplitude e a diversidade com que a escola pública o faz.
Desse modo, a diversidade não é suscetível de ser reduzida a uma listagem comparativa, porque a inclusão de todos os alunos, sem exceção alguma, é o desígnio da escola pública, também comprometida com a qualidade das aprendizagens, em função de determinados documentos curriculares.
José Augusto Pacheco
Fonte: Público
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