domingo, 31 de maio de 2020

Estudo em casa, crianças invisíveis

O estudo em casa mantém-se e, longe da escola, muitas crianças e jovens tornaram-se invisíveis. Confinados em casa, tantas vezes no seio de famílias negligentes ou maltratantes, podem experienciar situações de risco ou perigo que permanecem, desta forma, camufladas. Podem também ser vítimas de ciberbullying ou assédio sexual online, realidades frequentemente ocultas mesmo dos olhos de quem vive diariamente com estas crianças.

Neste contexto, as crianças e jovens têm também menos possibilidade em pedir ajuda, tendo em conta que as figuras de confiança a quem recorrem são, muitas vezes, os profissionais da área da educação.

Perante isto, a que sinais de alerta devem os educadores de infância e professores estar atentos? Como detetar eventuais sinais de risco ou perigo quando as crianças estão atrás de um écran, sem possibilidade de interação presencial?

Em primeiro lugar, é fundamental sensibilizar as crianças e os jovens, mas também as suas famílias, para a importância de comunicar através das plataformas digitais com a câmara ligada, e não apenas o microfone. Sabemos que muitas crianças e jovens resistem em ligar a câmara, o que lhes permite estar mais a vontade, de pijama ou até deitados na cama enquanto assistem às aulas. Mas sabemos também que, não raras vezes, são os pais que não querem as câmaras ligadas, alegando o direito à privacidade familiar. Naturalmente que é importante preservar a intimidade da família. No entanto, é este modelo de escola que temos actualmente, e ao qual temos de nos adaptar. Escolha-se uma divisão da casa mais recatada, por exemplo, de modo a que atrás da criança seja visível apenas uma parede. É muito importante que o contacto visual e face-a-face, ainda que à distância, seja mantido entre crianças e professores. Estes últimos devem, pois, insistir para que os alunos participem nas aulas com as câmaras ligadas, e não apenas os microfones.

E a que sinais de alerta devem os professores estar atentos?

Embora não exista uma receita que possa aplicar-se a todas as situações, tendo em conta que diferentes crianças podem dar sinais muito distintos, é possível, ainda assim, sistematizar alguns indicadores que devem funcionar como um sinal de alerta.

Com as crianças em idade pré-escolar, as aulas síncronas são menos frequentes. No entanto, acabam por ser momentos de excelência para observar a interação entre pais e filhos, uma vez que, em razão da idade, estas crianças estão habitualmente acompanhadas nestes momentos. É importante observar a forma como comunicam, verbal e não verbalmente, bem como as emoções que são expressas. Parecem confortáveis na interação? Observa-se sincronia e sensibilidade parental face à criança?

Independentemente da idade da criança, existem outros indicadores a ter em atenção. A nível físico, parece bem cuidada do ponto de vista da higiene pessoal e alimentação? Evidencia alguma marca física visível? Mostra-se cansada, apática, sonolenta ou adoentada? Queixa-se de forma recorrente de dores de cabeça ou de outra parte do corpo?

Do ponto de vista comportamental, mostra-se mais agitada ou mesmo agressiva? Exibe um comportamento desafiador, mente (por exemplo, em relação às tarefas escolares) ou parece mais desatenta do que o habitual? Isola-se e resiste em participar nas actividades de grupo? O seu rendimento escolar alterou-se de forma muito significativa?

A nível emocional, parece triste, preocupada, ansiosa, zangada ou com medo? Revela alterações de humor que não eram habituais? Mostra-se mais desmotivada do que anteriormente?

Importa ainda estar atento às dinâmicas familiares. A criança parece estar sozinha ou sem supervisão adequada à sua idade? Os pais ou encarregado de educação não respondem ou mostram um padrão de baixo envolvimento com o estudo da criança?

Face a algum destes indicadores, o professor deve tentar estabelecer um contacto individual com a criança ou jovem, no sentido de tentar perceber o que possa estar a acontecer. Pode não ser uma situação de risco ou perigo. Ou pode ser. E, nesse caso, tem de ser sinalizada às entidades competentes.

Lembremo-nos sempre... todos os olhos do mundo são sempre insuficientes para olhar por uma criança. (...)

Rute Agulhas

Fonte: DN por indicação de Livresco

sábado, 30 de maio de 2020

Esclerose Múltipla: uma vida com mais qualidade

João sentia a face dormente, deixava cair objectos, referia que os seus membros não seguiam as instruções que o cérebro lhes transmitia. Inicialmente pensou que estaria a envelhecer precocemente, mas as notícias que o seu médico trazia eram, talvez, menos animadoras: o diagnóstico era esclerose múltipla.

João sofre de uma doença que afecta cerca de 2,5 milhões de pessoas em todo o mundo, maioritariamente mulheres, frequentemente nas primeiras décadas da vida adulta. Ao longo dos anos tem-se notado um aumento do número de novos doentes com esclerose múltipla, contudo a contribuição da melhoria global do acesso aos cuidados de saúde, e o estabelecimento de critérios de diagnóstico mais precisos, serão, provavelmente, o contributo mais importante para este aumento, e não tanto um real acréscimo da sua incidência.

A esclerose múltipla é uma doença inflamatória que afecta o sistema nervoso central, caracterizada pela destruição maioritariamente episódica e progressiva da mielina, a bainha que envolve os axónios. Estes, por sua vez, são prolongamentos das células nervosas, os neurónios, que permitem a transmissão de informação para outros neurónios, músculos ou glândulas. A degradação da mielina limita, assim, o normal funcionamento dos neurónios, e os sintomas descritos pelos doentes dependem do local onde a destruição nervosa está a ocorrer em determinado momento, ou ocorreu no passado.

Quais são, então, os principais sintomas da esclerose múltipla? A perda de sensibilidade, parcial ou extensa, de um membro ou face é uma queixa frequentemente inicial, tal como é a perda súbita de visão, a fadiga e a dificuldade de concentração. Por se tratar de sintomas que se podem facilmente confundir com outras doenças, a avaliação por um médico neurologista e a confirmação do diagnóstico por métodos de imagem e, eventualmente, laboratoriais, é essencial.

A evolução da Imagem Médica, desde que Wilhelm Roentgen descobriu o Raio X no final do século XIX, passando por Lauterbur e Mansfield, que foram laureados com o Prémio Nobel da Medicina em 2003 pelo desenvolvimento da Ressonância Magnética, tem sido extraordinária. Porém, não estaremos a assistir, hoje, à maior revolução da imagem médica desde o seu início? De que modo esta transformação poderá beneficiar os doentes com esclerose múltipla?

O diagnóstico e acompanhamento de doentes com esclerose múltipla é feito por Ressonância Magnética, método que permite visualizar a localização cerebral (ou medular) dos focos de inflamação activa das células nervosas, ou as sequelas de episódios que tenham ocorrido no passado. Esta avaliação imagiológica tem sido feita pelos médicos neurorradiologistas de modo semiquantitativo, ou seja, identificando a estabilidade ou aumento do número de focos de inflamação, e a variação qualitativa do seu volume face a exames anteriores. A informação proveniente destes estudos de imagem tem sido essencial, em conjunto com a monitorização clínica, na adequação da terapêutica a instituir durante um surto (inflamação aguda), ou aquela que é modificadora da história natural da doença, ou seja, a medicação que tem a capacidade para alterar o ritmo de progressão da degeneração das células nervosas. A aplicação de algoritmos de Inteligência Artificial em estudos de Ressonância Magnética poderá, no entanto, revolucionar o paradigma actual.

Em Portugal, com recurso a Inteligência Artificial, é já possível fazer a uma avaliação imagiológica verdadeiramente quantitativa, com a determinação detalhada do número e volume dos focos de inflamação cerebral, e notar a progressão da doença ao longo do tempo com elevadíssima precisão, possivelmente antecipando mesmo os sintomas do doente. A detecção de pequenas variações de destruição cerebral, dificilmente anteriormente identificáveis pelo médico sem o auxílio de algoritmos automatizados, poderá permitir o ajuste precoce da terapêutica, e assim contribuir, de modo muito significativo, para a melhoria da monitorização dos doentes, e, desse modo, abrandar a evolução da doença.

Na vertente terapêutica tem-se notado o desenvolvimento de um número crescente de fármacos capazes de alterar a progressão da esclerose múltipla, com diferentes mecanismos de acção, eficácia, tolerabilidade e segurança. No futuro iremos, certamente, assistir ao desenvolvimento de medicamentos capazes de prevenir a neurodegeneração e promover a regeneração cerebral.

Os doentes com esclerose múltipla vão certamente beneficiar da inovação diagnóstica e terapêutica que se prevê. Na medicina o futuro aproxima-se rapidamente, renovando a esperança numa vida com menos incapacidade, mais completa e longa.

Em tempos de pandemia, importa realçar que as unidades de saúde já estão a repor a actividade clínica programada — consultas, exames e cirurgias — com a adopção das medidas necessárias para que todos os doentes tenham acesso a cuidados de saúde em tempo oportuno e em segurança.

Tiago Baptista

Neurorradiologista no Hospital CUF Infante Santo, em Lisboa

Fonte: Público

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Norma 02/JNE/2020 - Instruções para a realização, classificação, reapreciação e reclamação

(Clicar na imagem)


Deste documento, destaca-se que as provas e exames a nível de escola reservadas a situações em que são aplicadas medidas seletivas ou adicionais, à exceção das adaptações curriculares significativas, realizam-se nos dias e horas definidos previstos nos Anexos I, II e III do Decreto-Lei n.º 14-G/2020, de 13 de abril.

Quando aplicada a medida adaptações curriculares significativas (alínea b) do n.º 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho, na sua redação atual), os alunos não realizam exames finais nacionais do ensino secundário nem provas de equivalência à frequência, pelo que não são registados nos programas ENEB ou ENES.

Crianças que vão mudar de ciclo devem poder despedir-se dos amigos e da escola? “É essencial”, dizem peritos

João, Henrique, Lia e Mafalda têm passado os dias em frente ao computador de onde agora lhes chega a voz da professora e dos colegas. O estudo passou a ser feito exclusivamente em casa. E as brincadeiras, que antes da pandemia aconteciam no recreio da escola, são agora feitas a quilómetros de distância e através de um ecrã. Além da idade, estas quatro crianças têm uma coisa em comum: terminam, no fim de Junho, o último ano do ensino primário em escolas e pontos diferentes do país. E, tal como a outros milhares de crianças, o novo coronavírus vai impedi-las de assinalar o fecho de um ciclo, porque quando transitarem para o 5.º ano podem não ficar na mesma escola, nem ter o mesmo professor, ou conviver com os mesmos colegas dos últimos quatro anos.

“O Henrique senta-se ao computador de manhã para ver quando alguém fica online. Volta e meia aparece um amigo e ficam ambos a jogar um jogo, ora aparece outro e ficam a fazer os trabalhos de casa juntos ou, quando é hora, vão todos para a aula”, descrever Inês Cortesão, a mãe, ao telefone (...). “De vez em quando pergunta-me se vai voltar à escola e a ver alguns dos amigos. Há a possibilidade de encontrar a grande maioria, mas nunca mais será naquele conforto da turma porque vão-se separar e a ligação da primária perde-se. É uma pena porque não fecham o ciclo de uma forma saudável, é online”.

Já Ana Moreira, mãe de João, que frequenta a escola primária do Agrupamento de Escolas dos Carvalhos, em Vila Nova de Gaia, diz que o filho vê os amigos todos os dias por videochamada, mas refere que “não é a mesma coisa”, até porque João diz ter saudades dos colegas e da professora. “Ele vai para uma escola nova e quer saber onde é e como será, faz muitas perguntas. Não temos abordado muito o assunto porque ainda faltam alguns meses e se falarmos de algo com muita antecedência ele fica ansioso”, explica Ana Moreira.

Os pais das crianças da turma de João têm tentado que a turma se reencontre. Ana afirma que a professora mencionou a possibilidade de um piquenique, por exemplo. “É uma turma pequena, com 16 alunos, e eles são muito unidos. A professora disse que fazia todo o gosto em que eles estivessem reunidos porque foram quatro anos juntos e eles sentem que falta ali qualquer coisa”, conta a encarregada de educação.

Também Henrique, que frequenta uma escola do concelho de Lisboa, tem tentado estar com uma parte dos colegas porque, segundo a mãe, ainda não é claro se existirão actividades nas férias. “Um grupo pequeno de mães tem tentado levar os miúdos a jardins várias vezes por semanas para que eles se vejam ao vivo e a cores, mas com todos os cuidados. A primeira vez que que se viram foi uma gritaria, foi uma coisa emocionante mesmo para nós”, diz a mãe, acrescentando que numa altura em que a tecnologia impera, tem sido cada vez mais importante realizar actividades ao ar livre.

Já a mãe de Mafalda, Idalina Abreu, diz que os meios digitais facilitam muito a comunicação, mas estar em casa desde Março não tem sido “fácil”. Mafalda, que frequenta o quarto ano no Externato Paraíso dos Pequeninos, pertencente ao grupo Escolaglobal, em Santa Maria da Feira, tem-se adaptado bem às aulas em casa, mas sente que o estudo presencial era “muito diferente”. “Ela está com alguma ansiedade, mas já lhe explicamos que em princípio este ano não regressará à escola. Até fez anos em Março e prometemos que se as coisas melhorassem fazíamos uma festa cá em casa com alguns amigos, para fechar o ciclo e celebrar”, conta a mãe. A criança de dez anos não vai mudar de grupo escolar, mas as aulas terão lugar noutro edifício e localidade e vai ter, de certeza, novos professores.

Para os especialistas, o fechar de ciclo é “essencial"

Apesar de, em muitos casos, as festas de final de ano serem algo simbólico, os especialistas ouvidos (...) defendem que é “essencial” e importante que as crianças sintam que vão fechar um ciclo no fim de Junho e que, dali a uns meses, vão iniciar um muito diferente, com outras disciplinas, mais professores e outras responsabilidades. Para tal, é importante que exista um “adeus” ou “até já” que é dito não só aos colegas, mas aos docentes e à própria escola, que pode nem ser a mesma no ano seguinte.

“Este é um tempo meio estranho e muito novo para todos, inclusivamente para os miúdos. Acho que as festas são uma coisa simbólica e os simbolismos têm importância. É uma maneira de fechar o ano e todas as escolas e creches têm uma celebração em que os alunos se preparam e se apresentam perante os pais com as coisas que fizeram no último período, e isso tem um carácter de transição, ajuda-os a terminar o ano ou o ciclo”, começa por dizer Nuno Reis, psicólogo clínico do Centro do Bebé, em Lisboa.

O especialista acredita ser possível existir um compromisso entre cumprir as regras de distanciamento e higiene a que a situação obriga e, por outro lado, permitir “alguma coisa mais do que uma festa através do ecrã”. Nuno Reis fala mesmo num regresso lento ao contacto social e a uma vida mais próxima daquilo que era a realidade antes da pandemia. “Se isso incluir fazer um ATL durante o mês de Junho ou uma festa de final de ano isso já é parte de um todo e fica a cargo dos pais e da escola”, refere.

Ana Vasconcelos, pedopsiquiatra, diz, por sua vez, que os pais têm de encontrar mecanismos para dotar os filhos de capacidades para ultrapassar uma situação que se poderá manter por vários meses e que isso tem de ser feito “com imaginação”. “Os miúdos, que são muitas vezes mais resilientes que os próprios adultos, podem com certeza adaptar-se a boas soluções que os pais arranjem”, refere a especialista. “Acho importante dizer aos pais que usem a experiência que tiveram na escola para fazer uma festa que fique na memória dos miúdos, mas tendo sempre em conta que estamos no meio de uma pandemia. Essa parte tem de ficar clara”, diz Ana Vasconcelos. E vai mais longe: "é uma boa altura para haver um diálogo entre os pais e os professores e os miúdos também ficam muito contentes se sentirem que são parte da solução”.

Há crianças que estão a lidar bem com a situação

Nuno Reis fala ainda do caso das crianças que estão confortáveis por estar em casa e que não pedem para se reencontrar com os colegas. É o caso de Lia, que também frequenta o Externato Paraíso dos Pequeninos e que se tem adaptado muito bem às aulas em casa. “Tem saudades da escola? Tem, mas se eu lhe disser que amanhã tem que voltar ela não ia querer, mesmo sendo uma criança que gosta muito de estudar e de aprender”, refere Marta Amorim, encarregada de educação.

O psicólogo clínico diz que, nestes casos, é preciso de ter respeito pela “individualidade das crianças” que não tiveram tempo de processar “tudo isto”.

Ainda assim, e apesar de se sentir bem em casa, Marta está certa de que se houvesse uma festa de final de ano, a filha ia querer participar, mas não é algo que mencione aos pais. “Quando lhe expliquei que pode não ter festa, achou tudo muito normal e reagiu muito bem à situação, uma perspectiva que pode ser diferente de outras crianças”, confessa a mãe. “Além disso, como ela vê os colegas todos os dias no ecrã não sente tanta falta e não chega a perguntar por eles”.

Nuno Reis menciona ainda que, tendo em conta o que se sabe sobre a transmissão do vírus entre crianças, se acontecerem, estas festas ou encontros não podem pôr em causa o cumprimento das regras, quer da parte dos pais, quer da parte das crianças.

Fonte: Público

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Relatório “Um roteiro para orientar a resposta educativa à Pandemia da COVID-19 de 2020”

A Organização de Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) divulga a versão em português do relatório “Um roteiro para orientar a resposta educativa à Pandemia da COVID-19 de 2020”, elaborado por Fernando M. Reimers, diretor da Global Education Innovation Initiative na Universidade de Harvard, e Andreas Schleicher, diretor do departamento de Educação e Competências da OCDE, publicado pela OEI em espanhol e português numa parceria com as aquelas duas instituições.

O relatório tem por objetivo apoiar a tomada de decisão na área educativa para desenvolver e implementar respostas eficazes ao encerramento de escolas devido à emergência de saúde.

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Espaços, tempos, materiais. As novas rotinas das creches

As creches com apoio à família reabriram a 18 de maio ainda com poucas crianças. Os jardins de infância, o ensino pré-escolar e os ATL voltam a abrir as portas a 1 de junho. Depois das dúvidas, o Ministério da Educação anuncia que as crianças estão dispensadas de usar máscara. É necessário reforçar a lavagem e desinfeção das mãos, pessoas externas ao processo educativo só podem entrar no estabelecimento com máscara, as atividades ao ar livre devem ser privilegiadas. O distanciamento físico entre crianças deve ser maximizado quando estão em mesas, sem comprometer o normal funcionamento das atividades pedagógicas.

Antes da divulgação das novas regras de funcionamento dos espaços, a Associação de Profissionais de Educação de Infância (APEI) reuniu vários contributos de um conjunto alargado de profissionais de educação, desde educadores de infância a investigadores e outras pessoas especializadas. A associação elaborou e disponibilizou um documento para partilhar ideias com sugestões práticas de como organizar o ambiente educativo de forma a respeitar os princípios da pedagogia da infância, garantir direitos de crianças e adultos, tendo sempre presente o atual contexto de uma situação pandémica. Um momento de grande complexidade que exige profissionalismo e discernimento.

Novos desafios colocam-se no campo das relações e interações. A APEI alerta, nesse documento focado em assegurar a qualidade pedagógica nas creches, para a observação cuidadosa de bebés e crianças. “É um processo que deve manter a sua sistematicidade, com atenção a sinais e reações de desconforto físico ou emocional (tristeza, irritabilidade e retrocesso face a aquisições anteriores)”. O acolhimento e a despedida de cada criança, na creche ou no domicílio da ama, deve ser feito de forma serena de quem se despede (preferencialmente sempre o mesmo familiar) e de quem acolhe. Às equipas educativas pede-se assertividade, responsabilidade e resiliência.

Educadores e educadoras de infância devem, segundo a APEI, “desenvolver estratégias para que as crianças reconheçam que, por detrás da máscara, está alguém que conhecem e em quem confiam, aliviando o uso deste equipamento”. A interação de bebés e crianças com o mundo natural e cultural deve manter-se. O envolvimento em experiências culturais associadas à música, ao desenho, à pintura, às histórias, à dança, aos jogos, não pode ser descurado.

As circunstâncias são excecionais e os profissionais devem apoiar a criança no regresso à creche neste período de adaptação, partilhando memórias das famílias em tempo de quarentena, e devem criar instrumentos pedagógicos que facilitem o processo de planeamento. Por outro lado, os elementos da equipa educativa devem refletir e partilhar experiências e angústias, na perspetiva de encontrar estratégias e soluções para melhorar a vida na creche.

Por seu turno, as direções das creches têm o dever de “zelar pelo superior interesse das crianças, prestar apoio às famílias, acompanhar a equipa de forma regular e próxima nos seus dilemas profissionais e necessidades pessoais”. Além disso, esses responsáveis devem garantir os materiais necessários, acautelar o bem-estar psicológico da equipa educativa, providenciar formas de realizar saídas ao exterior, bem como “equilibrar a responsabilidade da continuidade institucional com os valores de compromisso cívico e apoio social”.

Ambiente tranquilo e flexível
Quanto à organização dos espaços, a APEI refere que as medidas de distanciamento físico “não poderão representar o confinamento nem o isolamento social das crianças”. “Nesta faixa etária, o bem-estar, o desenvolvimento e a aprendizagem estão dependentes das oportunidades criadas para o movimento livre e autónomo. A redução prevista do número de crianças por grupo e a expansão dos espaços da creche poderão constituir medidas de salvaguarda deste direito das crianças”, sustenta. “Um ambiente tranquilo, do ponto de vista visual e sonoro, organizado e flexível, confortável e esteticamente pensado são outros aspetos que contribuirão para a experiência positiva de crianças e adultos”.

Os materiais devem ser verificados, controlados e desinfetados várias vezes ao dia, deve haver também rotatividade de conjuntos de materiais e de brinquedos. Desaconselha-se a utilização de objetos em tecido, peluches e materiais de difícil lavagem. Os dispositivos não necessários às atividades devem ser retirados dos espaços.

A APEI sugere que se deve equacionar a melhor forma de organizar o grupo, em grandes ou pequenos grupos, ou individuais. “A organização da rotina diária deve ser cautelosamente pensada para que se possam cumprir as regras estabelecidas”. Os momentos de higiene, alimentação e sesta exigem especial atenção, e o planeamento destes momentos é fundamental para que a equipa educativa consiga encontrar estratégias que transmitam calma e segurança e que possam também ser momentos estimulantes em termos de relação e da aprendizagem.

“Não obstante a situação que vivemos, não deve ser excluída a possibilidade de saídas ao exterior da instituição. Existem espaços que podem ser utilizados, cumprindo as regras de segurança e saúde, quer para exercício ao ar livre, quer para explorações e aprendizagens diversificadas (por exemplo, hortas, jardins, matas, museus, bibliotecas, em tempo oportuno)”, lê-se no documento da APEI.

A primeira reação da associação à reabertura das creches foi dura e contundente, antes das orientações precisas da DGS, antes de algumas alterações entretanto anunciadas pela tutela. Nessa altura, a APEI estava bastante preocupada e referia, em comunicado, que as regras eram “profundamente perturbadoras”. Uma “violência contra as crianças”, escrevia.

“Manter uma distância física de dois metros entre cada criança e impedir que possam interagir entre si, evitar o toque em superfícies, dispor mesas em linha ou crianças colocadas de costas umas para as outras, evitar a partilha de brinquedos e outros objetos, ter adultos de referência (educadores e auxiliares), com os quais as crianças mantêm vínculos profundos, a usar máscaras, são medidas reveladoras de um desconhecimento sobre a realidade do trabalho educativo em creche e sobre o desenvolvimento das crianças com menos de três anos”, alertava nesse momento.

Luís Alberto Ribeiro, presidente da APEI, adianta que os aspetos mais preocupantes foram alterados. “As questões negativas acabaram por se esvaziar”, refere (...). “No dia 1 de junho, o mundo será outro. É preciso gerir duas questões. Ter algumas cautelas no distanciamento entre crianças - e as crianças precisam de afeto, de carinho, de colo. E a questão da saúde. Há várias complicações no trabalho com crianças tão novas”. De qualquer forma, as expetativas não são negativas.

Fonte: Educare

terça-feira, 26 de maio de 2020

Maioria dos professores dá aulas por videoconferência e admite trabalhar mais

Segundo os resultados preliminares de um inquérito da Universidade Nova de Lisboa, sobre o ensino à distância, os 2.647 professores inquiridos dizem trabalhar, em média, mais 11 horas por semana e 88% afirmam dar aulas através de videoconferência.

Entre aqueles que não optaram por esta ferramenta estão, sobretudo, educadores do pré-escolar (cerca de 44% de educadores) e do primeiro ciclo (cerca de 14%).

A adesão dos alunos tem sido positiva, segundo os docentes que responderam ao inquérito do Centro de Economia da Educação da Faculdade de Economia (Nova SBE) entre 05 e 19 de maio, e aqueles que utilizam as plataformas de videoconferência afirmam que 86% dos seus alunos assiste às aulas.

Por outro lado, os docentes avaliam em 4,5 (numa escala de 1-7) a capacidade de apreensão da matéria por parte dos alunos nestas aulas síncronas, em que a assiduidade e participação são dois dos critérios de avaliação adotados pela maioria dos professores (67,7% e 64,8%), além da recolha de trabalhos de casa (84,1%).

Durante o 3.º período, o acesso aos dispositivos tecnológicos que permitem acompanhar as aulas 'online' continua a ser uma dificuldade e, em média, os professores reportam que 15% dos seus alunos não têm acesso a computador com internet em casa.

Os autores do estudo notam, no entanto, que apesar deste valor ser mais baixo em relação ao reportado na primeira ronda do inquérito, no final de março, continua a registar-se "uma grande variabilidade nas respostas a esta questão, com uma percentagem significativa de professores a reportar um número elevado de alunos sem computador com acesso a Internet".

"Tal levanta a necessidade de se aferir quais os alunos que tiveram um acesso incompleto aos conteúdos curriculares durante este período, e que devem ser sinalizados no início do próximo ano letivo", continua o relatório.

Em 20 de abril, a RTP Memória lançou o espaço #EstudoEmCasa, com aulas através da televisão, que abrange aulas destinadas aos alunos entre o primeiro e o nono ano de escolaridade.

A transmissão televisiva de conteúdos educativos foi uma das propostas do Governo para mitigar as dificuldades de acesso ao ensino, em tempos de trabalho à distância, dos alunos mais carenciados, mas iniciativa foi bem recebida por muitos dos professores, que incluíram a ferramenta nas suas planificações para o 3.º período.

Estas aulas foram também analisadas no inquérito da Nova SBE e, segundo os resultados, cerca de 62% dos 2.647 professores inquiridos lecionam disciplinas com aulas no #EstudoEmCasa e a avaliação é tendencialmente positiva.

Em média, os professores avaliam em 5,2 (numa escala de 1-7) a qualidade das aulas da RTP Memória e, numa escala de 1-5, recomendam o visionamento aos alunos em 3,7.

Por outro lado, as respostas sobre a adesão dos alunos a estas aulas são bastante variáveis, o que, segundo o relatório, revela que os alunos estão a aderir de forma diferenciada.

Estes resultados traduzem as respostas de professores desde o Pré-Escolar ao Ensino Secundário, que desde 16 de março estão a trabalhar a partir de casa, depois de o Governo ter suspendido todas as atividades letivas presenciais, como forma de conter a propagação do novo coronavírus.

Os alunos do 11.º e 12.º regressaram entretanto às escolas, em 18 de maio, mas apenas para ter aulas das disciplinas sujeitas a exame nacional e o Pré-Escolar regressa em 01 de junho.

Portugal contabiliza 1.330 mortos associados à covid-19 em 30.788 casos confirmados de infeção, segundo o último boletim diário da Direção-Geral da Saúde (DGS) sobre a pandemia divulgado esta segunda-feira.

Fonte: DN

segunda-feira, 25 de maio de 2020

“As ‘aulas’ à distância foram o remedeio possível”

As escolas encerraram em março, do ensino presencial passou-se para um ensino à distância, com constrangimentos e obstáculos, com adaptações e novos recursos. Os contextos socioeconómicos e culturais das famílias ficaram mais expostos. Os alunos do 11.º e 12.º anos voltaram às aulas nas disciplinas dos exames nacionais. José Eduardo Lemos, presidente do Conselho das Escolas, órgão consultivo do Ministério da Educação, em entrevista ao EDUCARE.PT, refere que a comunidade educativa foi capaz de responder aos desafios de um contexto nunca vivido. “Era difícil fazer melhor pois nem Portugal, nem nenhum outro país, estavam preparados para esta pandemia”, comenta.

O recurso a várias plataformas digitais era a solução disponível e mais adequada ao momento. No entanto, na sua opinião, o ensino à distância, através da via tecnológica, “é muito pobre” e as aulas pela televisão são uma solução de remendo e “pouco eficaz, dada a absoluta falta de interatividade.” Por outro lado, a decisão sobre a carga horária de cada disciplina não deveria ter ficado nas mãos das escolas, no âmbito da autonomia. Deveria, defende, ter sido estabelecida para todas as disciplinas presenciais uma carga horária de 50% da carga habitual, “evitando a contratação e professores nesta altura do ano, promovendo o distanciamento social e a equidade de todos os alunos”.

O regresso à escola a 18 de maio não lhe parece “inevitável”, mas compreensível no atual desconfinamento faseado aprovado pelo Governo. “Dificilmente se compreenderia que as escolas ficassem à margem da retoma social e económica necessária ao país”, diz. O ano letivo está a terminar e José Eduardo Lemos está focado no presente. “Todavia e à primeira vista, parece-me que a preparação do próximo ano dependerá em tudo da forma como terminar o presente ano e da forma como evoluir a pandemia”, afirma.


EDUCARE.PT: O encerramento das escolas em março e o recurso ao ensino à distância foram as decisões que se impunham no contexto da altura?
José Eduardo Lemos (JEL): Penso que sim. Foi uma decisão que seguiu as orientações e o parecer do Centro Europeu para Prevenção e Combate às Doenças, que recomendou aos Estados-membros da União Europeia o encerramento imediato dos estabelecimentos de todos os graus de ensino. Acresce que havia uma perceção social de receio face a uma epidemia desconhecida que prejudicava o desenvolvimento sereno das atividades letivas.

E: Nas duas semanas antes das férias da Páscoa, com alunos e professores em casa, as escolas usaram os meios que tinham ao dispor para terminar o 2.º período. Não houve, no entanto, uma estratégia comum, igual para todos. Faltou uma diretiva superior ou as circunstâncias não o permitiram?
JEL: Não faltou apenas diretiva, mas sobretudo os meios. Em boa verdade de pouco serviria a diretiva se não fosse acompanhada dos meios necessários à comunicação síncrona entre professores e alunos. Talvez tivesse sido por não poder garantir os meios para todos se ligarem online, que o Ministério da Educação optou por produzir grandes linhas orientadoras e não por estabelecer diretivas, antes deixando às escolas a tarefa de comunicarem com os alunos pelos meios que tivessem disponíveis.

Mas, mesmo que existissem os meios, que ainda hoje não existem, as escolas e os professores sempre teriam dificuldades em passar em tão curto lapso de tempo de um ensino planeado e organizado para ser presencial, para um ensino assente sobre plataformas virtuais. Em todo o caso, e passado este tempo, reconheço que era difícil fazer melhor pois nem Portugal, nem nenhum outro país, estavam preparados para esta pandemia.

E: A comunidade escolar conseguiu adaptar-se, em tão pouco tempo, a um novo modelo de ensino à distância? Quais os constrangimentos, quais os benefícios?
JEL: Penso que a comunidade se adaptou muito bem ao ensino à distância. Na verdade, não se pode falar num “ensino à distância” pois pode-se pensar, erradamente, que o que mudou com a pandemia foi apenas o local em que decorre o processo de ensino-aprendizagem, o sítio físico onde se encontram professores e alunos e não foi, nem pouco mais ou menos.

O ensino à distância não se compara com o ensino presencial, nem de longe nem de perto. Falta-lhe a relação e a interação humanas que suportam todo e qualquer ato pedagógico. Os maiores constrangimentos resultam dos diferentes contextos socioeconómicos e culturais de proveniência dos alunos que, se são visíveis no ensino presencial, ficam bastante mais expostos no ensino à distância, quer pela falta de recursos materiais e tecnológicos (computadores, Internet), quer pela falta de apoio de parte das famílias não preparadas para compensar as lacunas de aprendizagem.

O grande benefício das atividades letivas não presenciais foi, precisamente, o de permitir manter alunos e professores, pelo menos a larga maioria, em contacto. Os professores puderam ensinar e os alunos aprender, ainda que com limitações, numa situação de distanciamento físico.

E: O modelo encontrado para o 3.º período, com aulas na televisão e recurso a várias plataformas digitais, é a solução possível?
JEL: Como disse anteriormente, considero que o ensino à distância, via plataformas digitais, é muito pobre. Todavia, o recurso às várias plataformas digitais era a solução disponível e mais adequada neste momento. O recurso às aulas pela TV é claramente uma solução pouco eficaz, dada a absoluta falta de interatividade. Um remendo que traduz bem o ditado popular “quem não tem cão caça com gato”. Isto sem qualquer desprimor, obviamente, para as equipas de professores que, nestas circunstâncias de recurso, se esforçam para gerir o prejuízo com grande competência.

E: Os alunos do 1.º ao 9.º ano não voltam à escola até ao final do ano letivo. O afastamento de cerca de três meses das aulas presenciais terá consequências no processo de ensino-aprendizagem? O que deve ser tido em consideração?
JEL: Terá sempre consequências negativas (não apenas do 1.º ao 9.º ano, mas do 1.º ao 10.º ano), todavia não as considero graves pois todas, ou parte das lacunas, poderão vir a ser ultrapassadas ao longo dos vários anos que ainda faltam para terminarem a escolaridade obrigatória.

E: O regresso dos alunos dos 11.º e 12.º anos à escola no dia 18 gerou várias preocupações. Os diretores escolares estão apreensivos, há pais que não querem os filhos num ambiente totalmente diferente. Este regresso era inevitável nesta altura? Porquê?
JEL: O regresso à escola dos alunos dos 11.º e 12.º anos, nesta altura do ano letivo e no atual estado da pandemia, não era “inevitável”, mas parece-me compreensível no quadro de um desconfinamento faseado. Dificilmente se compreenderia que as escolas ficassem à margem da retoma social e económica necessária ao país. Este setor também precisava de dar sinais de resiliência face à adversidade que a sociedade, no seu todo, enfrenta, até pelo simbolismo que essa atitude representa dado que o futuro de qualquer nação está na qualidade de educação que oferece aos cidadãos.

Claro que há pais preocupados e os diretores estão apreensivos pois, na verdade, ninguém está imune ao novo coronavírus e o regresso à escola, ainda que com todas as medidas de segurança e higiene implementadas, amplia o espaço e a possibilidade de contaminação e contágio. É necessário cautela. Penso que as preocupações aumentaram bastante quando pais e diretores perceberam que o regresso às aulas não acontecia apenas nas disciplinas em que os alunos tinham de realizar exame nacional.

E: Os alunos que não regressem à escola terão as faltas justificadas, mas a escola não terá de continuar a assegurar-lhes o ensino online. O que poderá acontecer com esta opção?
JEL: Poderá acontecer que se esses alunos não tiverem apoio fora da escola deixarão de aprender o que estava planeado aprenderem, o que os prejudicará desde logo na realização dos exames nacionais.

E: O que se perde e o que se ganha com a reconfiguração do modelo de ensino, por motivos de saúde pública?
JEL: Entendo que as “aulas” à distância foram o remedeio possível para as escolas e os professores continuarem a contactar com os alunos, mantendo estes em atividades pedagógicas e, em boa verdade, a aprender alguma coisa.

Penso que não há nenhum modelo de ensino que substitua o ensino presencial tal como o conhecemos, pelo que qualquer reconfiguração do sistema que passe por afastar espacialmente os professores dos alunos, será sempre uma pobre solução. Todavia, no quadro de confinamento imposto pela pandemia Covid-19, parece-me que a possibilidade de comunicação à distância, interativa, entre professores e alunos foi a melhor solução educativa possível.

E: Numa situação sem precedentes, nunca antes testada, como avalia o comportamento e as decisões do Ministério da Educação?
JEL: Não me pronuncio sobre comportamentos, apenas sobre as decisões políticas e técnicas e as suas consequências. Dito isto, penso que, num momento inicial, o Ministério da Educação tomou medidas políticas prudentes e equilibradas.

Com o passar do tempo e com a urgência da retoma económica, algumas decisões não foram muito claras como, por exemplo, a questão das aulas presenciais para os alunos do 11.º ano que, inicialmente, eram apenas para as disciplinas em que haveria exame nacional, depois passaram a ser para seis disciplinas e agora para quatro. Ou ainda a questão de as aulas presenciais serem para todos os alunos e não apenas para os que realizam exame, como se interpretou das primeiras declarações políticas.

Penso também que houve uma outra decisão política que agravará as desigualdades, perfeitamente evitável: o Ministério da Educação não deveria ter deixado à “autonomia” das escolas a decisão sobre as cargas horárias de cada disciplina, mas sim estabelecer para todas as disciplinas presenciais uma carga horária de 50% da carga habitual, evitando a contratação e professores nesta altura do ano, promovendo o distanciamento social e a equidade de todos os alunos. Tal como as coisas estão, os alunos realizarão os mesmos exames independentemente do número de horas de aula que tiveram a cada disciplina.

E. Mediante o atual cenário, como deverá ser preparado o próximo ano letivo?
JEL: Não pensei devidamente no assunto pois estou concentrado na obrigação de terminar o melhor possível o atual ano letivo, todavia e à primeira vista, parece-me que a preparação do próximo ano dependerá em tudo da forma como terminar o presente ano e da forma como evoluir a pandemia.

Numa hipótese de anormalidade, que não se deseja, qualquer cenário deverá aproveitar a experiência adquirida e apetrechar o sistema com as condições técnicas (equipamentos e ferramentas pedagógicas alternativas) de modo a não deixar ninguém para trás.

Fonte: Educare

domingo, 24 de maio de 2020

Em média, só cerca de 10% dos alunos não regressaram às aulas presenciais

O Ministério da Educação (ME) indicou, em respostas ao PÚBLICO, que “cerca de 90% dos alunos estiveram presentes nas escolas durante esta primeira semana de aulas presenciais”. Os estudantes que regressaram às escolas são os do 11.º e 12.º ano, num total de perto de 160 mil.

O balanço feito pelo ME coincide com o divulgado horas antes pela Federação Nacional de Professores (Fenprof). Numa nota à comunicação social, esta estrutura sindical deu conta de que “as ausências dos alunos andaram na ordem dos 10%, apesar de haver escolas em que a presença é praticamente total e outras em que as faltas chegam a ultrapassar os 50%.”

Segundo a Fenprof, os motivos alegados para a ausência “são, normalmente, três: falta de transporte em horário adequado; preocupação com a situação epidemiológica e medo de contágio a familiares; ser disciplina a que o aluno não irá fazer exame”. A este respeito, a estrutura dirigida por Mário Nogueira garante que, “apesar de o ME parecer ter abandonado estes alunos [por ter retirado a obrigação de lhes garantir ensino remoto], muitos professores, solidários com eles, decidiram continuar a apoiá-los à distância”. (...)

Fonte: Público

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Aulas presenciais: alunos com faltas justificadas podem dar disciplinas como concluídas

Os alunos do 11.º e 12.º que não estão a ir às aulas podem dar como concluídas as disciplinas que desde esta segunda-feira passaram a ser ministradas em regime presencial, que são as que têm oferta de exames nacionais. Foi a informação que o Ministério da Educação fez seguir para as escolas nesta quarta-feira, por via de um documento com Perguntas Frequentes sobre as medidas de excepção adoptadas no sector no âmbito da pandemia covid-19.

No diploma que estabelece estas medidas determina-se que “as classificações a atribuir em cada disciplina têm por referência o conjunto das aprendizagens realizadas até ao final do ano lectivo [a 26 de Junho]”. Mas como o ministério não se sente obrigado a garantir ensino à distância nas disciplinas que estão a ser leccionadas presencialmente, alterou com um documento de Perguntas Frequentes o leque temporal para a avaliação dos alunos que, por opção dos encarregados de educação, não estão a ir às aulas na escola. No primeiro dia deste regresso terão sido cerca de 20%.

Em vez do final do ano lectivo, estes estudantes que têm as faltas justificadas “serão avaliados em função do trabalho realizado até ao momento em que frequentaram as actividades lectivas”, que no caso terminou a 15 Maio. Isto no que respeita às disciplinas com oferta de exames nacionais (quatro no 11.º ano e duas no 12.º ano), que passaram a ter aulas presenciais, já que as outras continuam à distância.

“Legalmente, esta situação está prevista há muito: qualquer aluno que tenha as suas faltas justificadas e não frequente as aulas por um período alargado de tempo, impossibilitando a recolha dos elementos de avaliação considerados suficientes, desde que tenha dois terços do ano com avaliação, é avaliado com base nesses elementos — no caso, fica com a avaliação do 2º período, já que a avaliação é contínua”, destaca a professora de Português do ensino secundário, Fátima Gomes.

Esta é a solução também proposta pelo Conselho Pedagógico da Escola Secundária Camões, em Lisboa, onde estão representados professores, pais e alunos. Num documento aprovado por unanimidade propõe-se que, em matéria de avaliação, “se considere como referencial a classificação atribuída no 2º período”. Para este órgão, é uma forma de não “comprometer a equidade entre os alunos” face a um 3.º período em que os instrumentos de avaliação, no caso do ensino à distância, “estão fortemente condicionados pelo domínio e recursos tecnológicos dos docentes e discentes” e em que “muitos alunos não frequentam aulas presenciais, por decisão dos seus encarregados de educação, não podendo ser penalizados na sua avaliação final”.

Como garantir a equidade entre alunos?

As escolas devem estar obrigadas a “garantir que, no fim do 3.º período, os alunos estejam em circunstâncias de igualdade no momento da avaliação”, frisa Fátima Gomes. Por exemplo, adianta, “não será justo avaliar um aluno que tem, digamos, três elementos de avaliação até ao dia 18 do mesmo modo que o seu colega que tem seis elementos de avaliação, no fim de Junho. E em circunstância tão distintas quanto uma avaliação online e uma avaliação presencial”.

A professora de Biologia e Geologia do ensino secundário, Maria Sanches Ribeiro, apresenta alguns exemplos concretos de desigualdade. “Um aluno impedido de frequentar as aulas presenciais, devido a uma condição de saúde reconhecida como válida pelo ME e comprovada por atestado médico, que viva numa zona com difícil acesso à Internet ou sem meios tecnológicos para acompanhar o ensino à distância online, como será avaliado no 3º período?”. É certo que “as escolas estão a esforçar-se por tentar entregar os trabalhos propostos em papel aos alunos, mas este aluno também não tem muitos meios de pesquisa à sua disposição para o realizar e tem dificuldade em ver as suas dúvidas esclarecidas. Já está em desvantagem numa avaliação que, como acentua o próprio ME e bem, deveria ser essencialmente formativa”, conclui.

São situações assim que a levam a manifestar-se “convicta de que só existe uma forma de garantir o direito constitucional de igualdade no acesso e no êxito na educação: cancelar os exames nacionais e assumir que os professores atribuíram as classificações no 2º período que reflectem o trabalho e a aprendizagem dos alunos em condições de maior igualdade das que fomos, até agora, capazes de criar”.

Fonte: Público

quinta-feira, 21 de maio de 2020

“Temos de nos preparar para termos uma conjugação entre ensino à distância e presencial” no próximo ano lectivo

Ministro da Educação diz que “a recuperação das aprendizagens” menos consolidadas deste ano “tem de ser um dos pilares fundamentais no regresso às aulas” em Setembro.

Já disse que o ano lectivo arranca em Setembro. Há uma data concreta?
Estamos a trabalhar, em momento próprio aparecerá.

Vão ser dadas orientações às escolas para no início do ano recuperar a matéria que ficou para trás?
Tem de haver uma avaliação de tudo aquilo que não foi consolidado ou tão bem ensinado. A recuperação das aprendizagens tem de ser um dos pilares fundamentais no regresso às aulas.

Vão ser aulas presenciais, à distância ou um sistema misto?
Vamos estar condicionados pela nossa capacidade de produzir uma vacina, pelas respostas farmacológicas, pela reacção do vírus, tudo isso… O que entendo é que vamos estar mais preparados para um segundo surto do que estávamos. Temos de construir vários cenários: um cenário em que o vírus está aí, mas não tem uma penetração na sociedade que nos obrigue a fazer o que fizemos nesta onda, e outros cenários...

As metas curriculares vão ser suspensas?
Vamos falar antes de aprendizagens essenciais e no perfil do aluno. Elas estão em vigor. Temos, necessariamente, neste contexto diferente, de repensar o processo e fazer adaptações tanto no processo ensino-aprendizagem, como nas avaliações. É muito importante que tudo seja feito em conjugação com as escolas, com as comunidades, com os professores. E temos de nos preparar para em Setembro — ou não em Setembro, mas se calhar em Outubro, ou Novembro — termos o que os ingleses designam por “b- learning”, uma conjugação entre ensino à distância e ensino presencial.

Com esse sistema misto, vamos precisar de mais professores? Durante anos, até pela diminuição da população escolar, fomos diminuindo...
Nos anos 60 tínhamos 215 mil, 220 mil pessoas a entrar no 1.º ano e agora temos 87 mil, 89 mil a entrar no 1.º ano do 1.º ciclo. Mas houve sistematicamente, até no XIX Governo Constitucional [Passos Coelho], uma clara opção pela diminuição do número de professores nas escolas. Conseguimos contrariar essa opção. E em nenhum momento diminuiremos o esforço. Se, no próximo ano, precisarmos de um corpo docente robusto, ele existirá, como nos últimos quatro anos. Não posso dizer agora que vamos precisar de mais dez ou 20 professores.

Para que o sistema misto de que falou funcione, os alunos têm de ter computador e acesso à Internet. Há grandes desigualdades de acesso a estes equipamentos. Quantos alunos não tiveram meios para ter ensino à distância?
Fomos ultrapassados pela realidade dos dias. Quando fazíamos a recolha do número de alunos que não tinham conectividade e máquinas, víamos as autarquias a trabalhar e muitas escolas (foram adquiridas muitas máquinas nos últimos três anos) a trabalhar. E muitas dessas máquinas estiveram e estão na posse desses alunos. 
Falou-se que dos cerca de 1,2 milhões de alunos, 50 mil não teriam acesso a computador ou meios de acesso; o que acontece é que esse número foi sendo reduzido.

Vamos ter um novo programa Magalhães 2, com distribuição de portáteis?
Nunca referi esse programa. O que está a ser feito é um programa para que as escolas possam estar dotadas de recursos para que os nossos alunos possam ter conectividade através do ensino à distância.

Os meios são então para as escolas e não para os alunos?
Esse programa está a ser construído e oportunamente terão os elementos.

Fonte: Público

quarta-feira, 20 de maio de 2020

A covid e a desigualdade em Educação

Muitas vezes se confunde sermos diferentes com sermos desiguais. A diferença é uma fantástica vantagem que temos como espécie. Somos já diferentes no que respeita à nossa biologia e a cultura potencia ainda mais esta diferença. A diferença entre pessoas e culturas é uma fonte abundante de riqueza e até de proteção, dado que a nossa diferença não nos expõe da mesma forma a qualquer fator de risco. É, pois, uma grande vantagem sermos diferentes.

Muitas vezes se confunde sermos diferentes com sermos desiguais. A diferença é uma fantástica vantagem que temos como espécie. Somos já diferentes no que respeita à nossa biologia e a cultura potencia ainda mais esta diferença. A diferença entre pessoas e culturas é uma fonte abundante de riqueza e até de proteção, dado que a nossa diferença não nos expõe da mesma forma a qualquer fator de risco. É, pois, uma grande vantagem sermos diferentes.

A desigualdade é outra coisa. Apesar da Declaração Universal de Direitos Humanos afirmar no seu artigo primeiro que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, o certo, como sabemos, é que a vida nos vai tornando desiguais. Desiguais na medida em que o meio em que nascemos, o nosso género, a riqueza da nossa família, a nossa etnia, etc., nos causam vantagens ou desvantagens pelas quais não somos responsáveis. É muito frequente que sobretudo as pessoas que beneficiam destas vantagens não estejam muito conscientes delas. Por exemplo, há pessoas que atribuem a sua riqueza ao seu trabalho, como se as pessoas que não são ricas não trabalhassem ou trabalhassem pouco. Outras pessoas atribuem à sua inteligência o seu sucesso, como se as pessoas que não têm “aquele” sucesso fossem menos inteligentes. A desigualdade nasce, pois, destas vantagens ou desvantagens que uns têm e outros não. Daí que saibamos que a desigualdade é uma injustiça social porque premeia ou pune pessoas independentemente do seu mérito e só pelas condições das suas origens.

A criação da escola pública, gratuita e universal no séc. XIX, constituiu um avanço neste combate à desigualdade. Pela primeira vez na história todas as crianças têm acesso a uma estrutura que tem por missão dar gratuitamente a todos um conjunto de conhecimentos essenciais para a sua vida e compreensão do mundo. Não cabe no âmbito deste texto enumerar as enormes dificuldades que este desiderato tão nobre encontrou. Poderemos tão só dizer que esta escola pública foi durante muito tempo insuficiente, seletiva e mesmo excludente para os alunos que era suposto acolher e acarinhar.

O certo é que se localizou na escola um conjunto de dispositivos que procuravam combater a desigualdade. Ainda recentemente a escola pública era para muitas crianças um referencial de segurança, de cuidados de saúde, de alimentação e até de respeito pelos seus direitos. E quando, por força de uma pandemia, esta escola, este “locus de equidade”, é fechado, o que se passa? Penso que é inevitável concordar que, encerrado o lugar onde se sediavam estes programas de luta contra a desigualdade, esta aumenta naturalmente por “falta de comparência” da equidade.

Muito e bem se tem falado sobre o que esta pandemia revelou sobre as condições económicas e habitacionais de muitas crianças. Não era segredo, sabemos que em Portugal as crianças estão ainda mais expostas à pobreza do que os adultos. Ficou manifesto que muitas crianças e jovens não têm acesso a computadores, tablets, rede informática e até a televisão…

Há, no entanto, outras formas de desigualdade que esta crise desvendou. Citaria duas delas:

A primeira refere-se à criança ficar circunscrita à sua cultura familiar. A “escola republicana”, de que a nossa escola pública é herdeira, procurou dar às crianças uma base de conhecimento, digamos universalista, não confinada à cultura da sua família. Quando a criança fica impedida de ter acesso à escola e aos seus colegas, torna-se mais dependente (ou totalmente dependente) da cultura da sua família. Isto, mesmo em famílias com bom capital cultural, é um empobrecimento. Não é difícil imaginar a desigualdade que se verifica quando a cultura familiar está muito distante da cultura que a escola veicula.

Outro aspeto refere-se às competências que são exigidas para um ensino à distância eficaz. Sabemos há muito que estudar “à distância” exige uma organização, uma determinação e motivação de quem estuda bem maior do que o ensino presencial. Ora o facto de as crianças ficarem sem esta força motivadora da escola presencial agrava a desigualdade, dado que os alunos provenientes de meios mais favorecidos dispõem mais naturalmente de famílias mais presentes e organizadoras que mais as motivam para assumir responsabilidades e autonomia.

Assim, parece não haver muita dúvida que o encerramento da escola presencial implica um aumento da desigualdade. Sempre procuramos “trazer as famílias para a escola” e agora “levamos a escola para as famílias” e esta escola é menos rica e menos universal que a escola anterior.

Precisamos de fazer o melhor que possamos fazer para que, perante esta pandemia que nos atingiu e que nós não previmos e não pedimos, a desigualdade possa ser mitigada. Há pessoas que defendem que “se não há meios para todos, não deve haver para ninguém”. Seria interessante fazer a analogia de um carregamento de alimentos insuficiente para uma população faminta. O melhor é não distribuir qualquer alimento porque se sabe é insuficiente?

Não me parece. Não temos receitas ou procedimentos que nos permitam atuar como se o vírus não existisse, mas temos conhecimento, prudência e coragem para fazer o melhor que pode ser feito para que a escola volte a ser o lugar onde mais decididamente se combate a desigualdade.

David Rodrigues

Presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial; Conselheiro Nacional de Educação

Fonte: Público

terça-feira, 19 de maio de 2020

Aos 15 anos, só 10% dos alunos gostam muito da escola

Uma queda a pique. Em 1998, quando se perguntava aos adolescentes portugueses de 15 anos se gostavam muito da escola, 29% respondiam que sim, o que nos colocava no top dos mais satisfeitos em 28 países (2.º lugar, depois da Letónia). Repetiu-se o exercício nos anos seguintes. Foi sempre a piorar. E, chegados a 2018, só 9,5% dos alunos responderam o mesmo. Em 45 países avaliados na última edição do Health Behaviour in School-aged Children (HBSC), em colaboração com a Organização Mundial da Saúde (OMS), estamos em 38.º lugar. Só há sete, incluindo a Grécia e a Itália, onde o desamor pela escola é ainda maior do que por cá.

Os dados divulgados às 23h01 desta segunda-feita (hora portuguesa) mostram que a relação dos jovens com os sistemas de ensino se tem tornado mais complicada. É assim em Portugal – onde, nas palavras da coordenadora nacional desta avaliação, Margarida Gaspar de Matos, há um “fraco gosto pela escola, fraco em si mesmo e fraco na comparação com os restantes países” –, mas não só em Portugal.

Nos 45 países onde o inquérito foi feito, com a mesma metodologia (“gostar muito da escola” tem sido sempre, nos últimos 20 anos, o indicador usado no HBSC para aferir a satisfação que ela proporciona aos alunos) apenas 21% dos adolescentes de 15 anos se dizem muito satisfeitos com a escola (menos dois pontos percentuais do que em 2014).

O HBSC é feito de quatro em quatro anos, com amostras representativas de alunos de 11, 13 e 15 anos e sempre com um conjunto de perguntas que se repetem nas diferentes edições, para permitir traçar tendências. O último inquérito, aplicado em 2018, envolveu 227.441 adolescentes da Europa e Canadá. Em Portugal, que participa desde 1998, foram inquiridos 6997 estudantes e considerados na análise final 5839.

“Há alguma evidência de que a pressão na escola está a aumentar, sobretudo entre os adolescentes mais velhos, numa altura em que a percepção é a de que o apoio que têm da família e dos professores está a diminuir”, conclui-se no relatório final, que sublinha que “alunos que gostam mais da escola apresentam níveis mais altos de satisfação com a vida, menor risco de uso de substâncias e melhores indicadores de saúde mental”.


Sob pressão

A pressão na escola é medida com uma pergunta que se pode resumir assim: quão pressionado te sentes com os trabalhos de casa? “Sobretudo os mais velhos e as raparigas põem Portugal nos piores lugares, o que acontece desde 1998”, sublinha Gaspar de Matos. Números: seis em cada dez alunos portugueses de 15 anos (49% dos rapazes e 73% das raparigas) dizem sentir-se pressionados ou muito pressionados com os trabalhos académicos. Estamos, neste ranking dos teenagers sob pressão, em 10.º lugar. Mas a média de 45 países analisados também subiu nos últimos anos, está nos 44%.

O “declínio significativo na satisfação escolar e o aumento da pressão exige atenção”, alerta a OMS.

“A escola está realmente a ser ‘menos amada’ por toda a Europa. Tenho a secreta suspeita que é muito difícil ‘ganhar às TIC’ e esse é um debate que temos de encarar muito a sério”, diz Gaspar de Matos. “Depois, pela Europa inteira há empregos mais incertos e fica mais indefinido o papel da escola nesses ‘bons empregos’. Os alunos desinteressam-se (ou stressam pelas classificações), a concorrência é grande, o que aprendem depois até parece que ‘não serve para nada’ e quando conseguem arranjar um emprego parece que têm sempre ‘poucas competências’ e vão fazer cursos de preparação. Acontece um pouco por todo o lado.”


Para além disso, quando revelou os primeiros dados nacionais, em Dezembro de 2018, ainda antes de eles seguirem para a equipa internacional que depois os analisa e faz as comparações entre países, Gaspar de Matos sublinhava: os alunos portugueses queixavam-se do excesso de matéria nas aulas, do aborrecimento que sentiam na escola. Faltam mudanças de fundo, há muito tempo, acredita. É preciso uma “acção urgente na escola, na comunidade e na família”. 

Mais apoio dos colegas

As boas notícias para Portugal, neste capítulo, são que os portugueses referem um apoio social por parte dos colegas da escola superior à média (70% dos rapazes e 60% das raparigas de 15 anos sentem-se muito apoiados pelos colegas contra uma média de 60% e 51% a nível internacional). Mais: na sua esmagadora maioria (80%), sentem-se seguros na escola e envolvem-se menos em lutas do que os de outros países.

Outra boa notícia: a forma como avaliam a sua satisfação com a vida. Esta melhorou desde 2014 e, numa escala de zero a dez, os jovens de 15 anos dão uma nota de 7,4 à vida que têm, idêntica à média dos 45 países.

Ainda assim, a OMS alerta para a deterioração da saúde mental dos adolescentes em vários países, medida pelos sintomas de nervosismo, irritação e tristeza que “os adultos de amanhã” relatam: um em cada quatro adolescentes diz que pelo menos uma vez por semana se sente nervoso, irritado ou tem dificuldades em dormir.

Em Portugal, as raparigas destacam-se: aos 15 anos, 47% dizem sentir-se nervosas frequentemente (contra 37% das raparigas dos outros países) e 30% dizem ter dificuldades em dormir (contra 29%). Também aos 15 anos as raparigas (28%) sentem-se tristes mais frequentemente do que os rapazes (16%). A média internacional é rapazes 15%; raparigas 31%.

Falta de exercício físico

Outra preocupação é “a prática da actividade física”. Em Portugal, ela é “fraca em si (poucos adolescentes cumprem o recomendado) e fraca em comparação à média”, como sublinha a equipa portuguesa. “Os resultados são maus desde 1998.”

Aos 11 anos, por exemplo, 48% dos rapazes e 30% das raparigas relatam ter pelo menos duas horas por semana, fora da escola, de actividade física vigorosa. A média internacional é 54% e 43% respectivamente. Aos 15, as coisas pioram: 37% dos rapazes e 16% das raparigas portuguesas fazem duas horas de actividade física extra escola (a média internacional é de 45% e 28%).

No capítulo do excesso de peso e obesidade, Portugal aparece no 7.º lugar quando se fala dos adolescentes de 11 anos: quase 30% dos adolescentes portugueses sofrem de excesso de peso ou obesidade. Aos 15 são 22%. A média internacional é, respectivamente, de 23% e de 18%.

Margarida Gaspar de Matos faz notar, contudo, que o excesso de peso e a obesidade estão estacionários em Portugal desde 2002. E que as práticas alimentares “estão a melhorar”. E prossegue com cautela: “A ingestão calórica e o gasto calórico têm de ser equacionados em conjunto, e com muita tranquilidade e ressonância cultural e afectiva, para não gerarmos stressadinhos e stressadinhas, sempre a contar passos e a contar calorias (faz mal à saúde mental, pode tornar-se uma obsessão, uma doença alimentar ou uma dependência do exercício…).”

É preciso que as crianças aprendam cedo o que devem comer, que desenvolvam o hábito de cozinhar e também que a qualidade e apresentação das refeições nas cantinas, alvo de tantas críticas, melhorem.

Mais consumo de álcool

Neste retrato do que interfere com a saúde na adolescência, os consumos são outra das dimensões avaliadas. O consumo de tabaco está a descer desde 2002 por toda a Europa e muito especialmente em Portugal. Um em cada dez (11%) dos alunos portugueses de 15 anos relataram ter fumado nos 30 dias anteriores ao inquérito. A média internacional é de 15%.

“A descida do tabaco é um dossier bem consolidado e de sucesso, mas na verdade as políticas públicas nos últimos anos andam a ‘esquecê-lo’ e, claro, o negócio dos produtores é a sua promoção e eles continuam a tentar. Temos agora, por exemplo, outras formas de consumo de tabaco (os diversos vapers) e temos de estar atentos”, acrescenta a investigadora.

Também o consumo de cannabis continua a diminuir: 5% dos rapazes de 15 anos e 3% das raparigas relatam ter consumido nos 30 dias anteriores ao inquérito (a média internacional é 8% e 5%). “Mas tal como acontece com o tabaco, os produtores têm um ‘negócio’ que não vão deixar ruir. Temos também de estar atentos.”

Já no caso do consumo álcool, a tendência é de subida em Portugal, tanto aos 13 como aos 15 anos, ao arrepio da tendência internacional. Apenas um dos dados recolhidos: 38% dos jovens portugueses de 15 anos reportaram consumo nos 30 dias anteriores ao inquérito. Em 2014 tinham dito o mesmo 30%. A nível internacional a média dos que declaram consumos recentes passou de 39% em 2014 para 37% em 2018.

Sexo desprotegido

“Ficamos sempre preocupados com o consumo de álcool na adolescência. Facilita os acidentes de viação que é uma das maiores causas de morte nestas idades, e facilita o sexo desprotegido, e em geral o sexo não ‘planeado’. Associa-se às lesões, à violência… faz mal a tudo, fígado, estômago e mesmo ao adequado desenvolvimento do cérebro. Pelo menos até aos 18 anos tem efeitos desastrosos”, diz Gaspar de Matos. Há, por isso, que ficar atento, ainda que, para já, não seja caso para alarme.

Outra nota do relatório HBSC prende-se, precisamente, com as relações sexuais desprotegidas. Um em cada quatro adolescentes não usou nem um preservativo nem pílula na sua última relação. O valor é semelhante ao registado em Portugal (24%). Este valor, diz a OMS, “continua a ser uma preocupação”.

Fonte: Público

Um estudo pela manhã

O dia começa com a divulgação pública de um estudo da O.M.S., essa mesma que tem estado em todos os noticiários por causa da pandemia e das teimosias entre Trump e a China. De acordo com o dito, os nossos jovens com 15 anos são, ao que parece, dos que menos gostam da escola, ficando em 38.º lugar (entre 45) na tabela da satisfação neste aspecto. O valor de 9,5%, obtido a partir de alguns milhares de inquéritos realizados em 2018, é uma queda muito acentuada em relação aos 29.º (2.º lugar) verificados em 1998.

Estes dados, entre outros de sinal diverso (os nossos jovens tomam mais e melhores pequenos-almoços e comem mais fruta do que a média, mas queixam-se, em especial as raparigas, de uma maior sensação de infelicidade), abrem o campo para muitas interpretações, conforme o ponto de partida que tomemos.

Antevejo já alguns especialistas e governantes do nosso panorama mediático a compreenderem os dados e a postularem, com enorme assertividade, que esta aparente desafeição prova que a “escola” necessita do tão repetido e anunciado “novo paradigma”, para se “adaptar aos novos tempos”. É a visão que olha apenas para o presente e de modo estático para o ponto de chegada de uma evolução.

Pessoalmente, prefiro analisar – deve ser defeito nascido da formação histórica – o sentido da tendência de médio prazo e verificar que os alunos foram ficando menos satisfeitos com a escola entre 1998 e 2018, período durante o qual testemunhámos inúmeras reformas, remendos e enxertos desde o currículo à avaliação, sempre com a alegada intenção de melhorar a Educação e a vida nas escolas na perspectiva dos alunos. Foi o período em que, com pequenas excepções, o discurso e a prática tornaram os alunos como o centro das suas preocupações e das medidas tomadas. É um período durante o qual, ao que parece, os objectivos proclamados ficaram muito longe de ser alcançados. Tanta reforma, tanta legislação, tanto decreto, portaria e despacho em nome dos alunos e eles passaram a gostar muito menos da escola.

Seria interessante que aqueles governantes, pretéritos ou presentes, que tanto surgem a reclamar responsabilidade pelos sucessos quando os resultados nos PISA sobem, não desaparecessem agora, como se nada fosse com eles. E não esqueçamos que os dados são relativos a 2018, quando tanta coisa alegadamente maravilhosa já tinha sido feita, de acordo com a narrativa oficial, em prol dos alunos.

No meu caso, enquanto professor muito crítico de grande parte das medidas tomadas durante esses 20 anos, compreendo os alunos. Também eu fiquei muito mais infeliz na escola ao longo destes 20 anos, mesmo de em 1998 ainda era precário contratado, colocado entre Outubro e Novembro, e agora sou, de acordo com alguns padrões, um “privilegiado” professor dos “quadros”. Só que o nível de satisfação com o espaço de trabalho comum a alunos e professores tem muito mais dimensões que, infelizmente, os decisores políticos colocam depois das suas preconceituosas crenças ideológicas.

Sim, estamos mais infelizes nas escolas e é bom que os alunos o digam, porque aos professores ninguém toma a sério.

Paulo Guinote

Fonte: Educare

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Regresso ao CAO– Período transitório

Com o inicio da segunda fase de desconfinamento, a partir de hoje, 18 de maio de 2020, cessa a suspensão das atividades nas respostas sociais de creche, creche familiar e ama, e centro de atividades ocupacionais (CAO), devendo ser observadas as regras de ocupação, permanência, distanciamento físico e de higiene determinadas pela Direção-Geral da Saúde, de acordo com o previsto no Decreto-Lei n.º 22/2020, de 16 de maio.

Entre os dias 18 e 31 de maio de 2020 decorrerá um período transitório, durante o qual, mesmo que as respostas sociais atrás referidas reiniciem atividade, o trabalhador pode optar por manter em recolhimento domiciliário o filho ou outro dependente a cargo. Neste caso, o trabalhador terá as faltas justificadas por motivo de assistência inadiável a filho ou outro dependente a cargo menor de 12 anos, ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica e manterá o direito ao apoio excecional à família atribuído pela Segurança Social.

Fonte: INR

sábado, 16 de maio de 2020

Excesso de faltas volta a dar direito a chumbos, mesmo em aulas à distância

A partir da próxima segunda-feira, os alunos do ensino básico e secundário voltam a poder ser penalizados quando tiverem faltas injustificadas seja às aulas presenciais do 11.º ou do 12.º ano ou às sessões síncronas no âmbito do ensino à distância, cuja frequência passará a ser obrigatória.

Estas são as últimas informações enviadas às escolas pela Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (Dgeste) num documento intitulado Orientações gerais relativas aos direitos e deveres dos alunos e ao seu acompanhamento, no âmbito das actividades lectivas presenciais e não presenciais.

“Nenhuma das questões” elencadas pela Dgeste é referida pelo diploma que estabelece as medidas excepcionais para a educação, publicado a 13 de Abril e que foi alterado agora para especificar as condições do regresso às aulas presenciais, alerta o director da Escola Secundária Camões, em Lisboa, João Jaime. Que frisa ainda: “É um documento elaborado por alguém que acha que pode passar por cima da autonomia das escolas! Nem sequer está assinado.”

A informação, enviada na quarta-feira, dia 13, não tem, de facto, autoria mencionada. Sabe-se apenas que foi enviada pela Dgeste, que faz saber o seguinte: com o fim do estado de emergência, e mesmo continuando a pandemia da covid-19, “as actividades lectivas implicam o cumprimento do previsto no Estatuto do Aluno” aprovado em 2012, nomeadamente no que respeita aos “deveres de assiduidade e de pontualidade” por parte dos estudantes. 

Os artigos do Estatuto do Aluno mencionados explicitamente netas orientações são os que dizem respeito às faltas injustificadas e suas consequências, quando ultrapassam os limites definidos. Que vão desde o “cumprimento de actividades que permitam recuperar atrasos na aprendizagem” até à “retenção no ano de escolaridade em curso, no caso de frequentarem o ensino básico, ou a exclusão na disciplina ou disciplinas em que se verifique o excesso de faltas, tratando -se de alunos do ensino secundário”.

Normas que os alunos conhecem

Em resposta a perguntas (...), o Ministério da Educação (ME) aponta como razão para esta reactivação do Estatuto do Aluno a necessidade de manter “os dispositivos de controlo de assiduidade que servem, em primeiro lugar, de instrumento de sinalização de risco de abandono escolar”.

Estas orientações “não têm objectivos persecutórios, mas sim claramente pedagógicos”, frisa o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), Manuel Pereira. O também director do Agrupamento de Escolas de Cinfães explica, a propósito, que “tem de haver normas que os alunos conheçam e que possam ser aplicadas pelas escolas”, para que este “não seja um tempo perdido” em termos de aprendizagens.

“Neste tempo em que tudo convida a desligar, as escolas precisam de ter mecanismos para convidar os alunos a estarem presentes nas actividades e para aferir se têm cumprido as tarefas que os professores lhes dão, até porque a avaliação do 3.º período será feita com base em critérios como este”, especificou Manuel Pereira.

O director da Escola Secundária Eça de Queiroz, na Póvoa do Varzim, e também presidente do Conselho das Escolas, tem outra opinião:"Direi que são orientações extemporâneas no que diz respeito às aulas não presenciais, que levam quase um mês de funcionamento. E também não trazem nada de novo no que diz respeito às aulas presenciais, portanto não lhes vejo grande serventia para as escolas. A menos que o objectivo não seja orientar as escolas, mas sim outras entidades...”

Também o professor do 2.º ciclo Paulo Guinote entende, quando às orientações da Dgeste, que “nada faz grande sentido, até porque foi sempre dito que a assiduidade não contaria para as aulas não presenciais”, que continuam a ser garantidas para os alunos do 1.º ao 10.º ano de escolaridade que as seguem a partir de casa.

Mas é o que acontecerá a partir de segunda-feira, uma vez que no documento enviado às escolas se afirma explicitamente o seguinte: “As actividades lectivas não presenciais realizadas através de sessões síncronas assumem carácter obrigatório para todos os alunos que dispõem de meios de suporte electrónico, mantendo-se os deveres de controlo de assiduidade e de pontualidade.”

Quando o ensino à distância foi lançado, depois do encerramento das escolas a 16 de Março, o ME elaborou uma série de “princípios orientadores” para esta forma de ensinar onde se estabelecia, ao contrário do que determina agora, que se devia recorrer “com ponderação às sessões síncronas”.

A mudança é justificada pelo ministério com a necessidade de se manter “o contacto com os docentes”. “Os alunos sem acesso [à internet] são, naturalmente, acompanhados no quadro das orientações emanadas no início de todo este processo”, que passam por trabalhos e fichas que podem ser levantadas nas escola e pelo acompanhamento por um docente, “que desempenhe funções de mentoria”.

Ainda em relação às sessões síncronas, acrescenta-se na nota da Dgeste que se os alunos não cumprirem as medidas de recuperação ou continuarem a faltar é “obrigatória a comunicação do facto à respectiva comissão de protecção de crianças e jovens”, como já acontecia anteriormente. Com esta particularidade assinalada por Paulo Guinote: “As comissões de protecção estão ainda com menos capacidade de intervenção do que antes, sendo que em zonas críticas já deixavam muito a desejar. 

Por outro lado, especifica ainda a Dgeste, “o incumprimento dos deveres por parte do aluno é susceptível de aplicação de medidas disciplinares sancionatórias, nos termos previstos no Estatuto do Aluno”. Estas medidas vão da “repreensão registada” à “expulsão da escola”, passando pela suspensão entre três a 12 dias.

Fonte: Público