O recurso a várias plataformas digitais era a solução disponível e mais adequada ao momento. No entanto, na sua opinião, o ensino à distância, através da via tecnológica, “é muito pobre” e as aulas pela televisão são uma solução de remendo e “pouco eficaz, dada a absoluta falta de interatividade.” Por outro lado, a decisão sobre a carga horária de cada disciplina não deveria ter ficado nas mãos das escolas, no âmbito da autonomia. Deveria, defende, ter sido estabelecida para todas as disciplinas presenciais uma carga horária de 50% da carga habitual, “evitando a contratação e professores nesta altura do ano, promovendo o distanciamento social e a equidade de todos os alunos”.
O regresso à escola a 18 de maio não lhe parece “inevitável”, mas compreensível no atual desconfinamento faseado aprovado pelo Governo. “Dificilmente se compreenderia que as escolas ficassem à margem da retoma social e económica necessária ao país”, diz. O ano letivo está a terminar e José Eduardo Lemos está focado no presente. “Todavia e à primeira vista, parece-me que a preparação do próximo ano dependerá em tudo da forma como terminar o presente ano e da forma como evoluir a pandemia”, afirma.
EDUCARE.PT: O encerramento das escolas em março e o recurso ao ensino à distância foram as decisões que se impunham no contexto da altura?
José Eduardo Lemos (JEL): Penso que sim. Foi uma decisão que seguiu as orientações e o parecer do Centro Europeu para Prevenção e Combate às Doenças, que recomendou aos Estados-membros da União Europeia o encerramento imediato dos estabelecimentos de todos os graus de ensino. Acresce que havia uma perceção social de receio face a uma epidemia desconhecida que prejudicava o desenvolvimento sereno das atividades letivas.
E: Nas duas semanas antes das férias da Páscoa, com alunos e professores em casa, as escolas usaram os meios que tinham ao dispor para terminar o 2.º período. Não houve, no entanto, uma estratégia comum, igual para todos. Faltou uma diretiva superior ou as circunstâncias não o permitiram?
JEL: Não faltou apenas diretiva, mas sobretudo os meios. Em boa verdade de pouco serviria a diretiva se não fosse acompanhada dos meios necessários à comunicação síncrona entre professores e alunos. Talvez tivesse sido por não poder garantir os meios para todos se ligarem online, que o Ministério da Educação optou por produzir grandes linhas orientadoras e não por estabelecer diretivas, antes deixando às escolas a tarefa de comunicarem com os alunos pelos meios que tivessem disponíveis.
Mas, mesmo que existissem os meios, que ainda hoje não existem, as escolas e os professores sempre teriam dificuldades em passar em tão curto lapso de tempo de um ensino planeado e organizado para ser presencial, para um ensino assente sobre plataformas virtuais. Em todo o caso, e passado este tempo, reconheço que era difícil fazer melhor pois nem Portugal, nem nenhum outro país, estavam preparados para esta pandemia.
E: A comunidade escolar conseguiu adaptar-se, em tão pouco tempo, a um novo modelo de ensino à distância? Quais os constrangimentos, quais os benefícios?
JEL: Penso que a comunidade se adaptou muito bem ao ensino à distância. Na verdade, não se pode falar num “ensino à distância” pois pode-se pensar, erradamente, que o que mudou com a pandemia foi apenas o local em que decorre o processo de ensino-aprendizagem, o sítio físico onde se encontram professores e alunos e não foi, nem pouco mais ou menos.
O ensino à distância não se compara com o ensino presencial, nem de longe nem de perto. Falta-lhe a relação e a interação humanas que suportam todo e qualquer ato pedagógico. Os maiores constrangimentos resultam dos diferentes contextos socioeconómicos e culturais de proveniência dos alunos que, se são visíveis no ensino presencial, ficam bastante mais expostos no ensino à distância, quer pela falta de recursos materiais e tecnológicos (computadores, Internet), quer pela falta de apoio de parte das famílias não preparadas para compensar as lacunas de aprendizagem.
O grande benefício das atividades letivas não presenciais foi, precisamente, o de permitir manter alunos e professores, pelo menos a larga maioria, em contacto. Os professores puderam ensinar e os alunos aprender, ainda que com limitações, numa situação de distanciamento físico.
E: O modelo encontrado para o 3.º período, com aulas na televisão e recurso a várias plataformas digitais, é a solução possível?
JEL: Como disse anteriormente, considero que o ensino à distância, via plataformas digitais, é muito pobre. Todavia, o recurso às várias plataformas digitais era a solução disponível e mais adequada neste momento. O recurso às aulas pela TV é claramente uma solução pouco eficaz, dada a absoluta falta de interatividade. Um remendo que traduz bem o ditado popular “quem não tem cão caça com gato”. Isto sem qualquer desprimor, obviamente, para as equipas de professores que, nestas circunstâncias de recurso, se esforçam para gerir o prejuízo com grande competência.
E: Os alunos do 1.º ao 9.º ano não voltam à escola até ao final do ano letivo. O afastamento de cerca de três meses das aulas presenciais terá consequências no processo de ensino-aprendizagem? O que deve ser tido em consideração?
JEL: Terá sempre consequências negativas (não apenas do 1.º ao 9.º ano, mas do 1.º ao 10.º ano), todavia não as considero graves pois todas, ou parte das lacunas, poderão vir a ser ultrapassadas ao longo dos vários anos que ainda faltam para terminarem a escolaridade obrigatória.
E: O regresso dos alunos dos 11.º e 12.º anos à escola no dia 18 gerou várias preocupações. Os diretores escolares estão apreensivos, há pais que não querem os filhos num ambiente totalmente diferente. Este regresso era inevitável nesta altura? Porquê?
JEL: O regresso à escola dos alunos dos 11.º e 12.º anos, nesta altura do ano letivo e no atual estado da pandemia, não era “inevitável”, mas parece-me compreensível no quadro de um desconfinamento faseado. Dificilmente se compreenderia que as escolas ficassem à margem da retoma social e económica necessária ao país. Este setor também precisava de dar sinais de resiliência face à adversidade que a sociedade, no seu todo, enfrenta, até pelo simbolismo que essa atitude representa dado que o futuro de qualquer nação está na qualidade de educação que oferece aos cidadãos.
Claro que há pais preocupados e os diretores estão apreensivos pois, na verdade, ninguém está imune ao novo coronavírus e o regresso à escola, ainda que com todas as medidas de segurança e higiene implementadas, amplia o espaço e a possibilidade de contaminação e contágio. É necessário cautela. Penso que as preocupações aumentaram bastante quando pais e diretores perceberam que o regresso às aulas não acontecia apenas nas disciplinas em que os alunos tinham de realizar exame nacional.
E: Os alunos que não regressem à escola terão as faltas justificadas, mas a escola não terá de continuar a assegurar-lhes o ensino online. O que poderá acontecer com esta opção?
JEL: Poderá acontecer que se esses alunos não tiverem apoio fora da escola deixarão de aprender o que estava planeado aprenderem, o que os prejudicará desde logo na realização dos exames nacionais.
E: O que se perde e o que se ganha com a reconfiguração do modelo de ensino, por motivos de saúde pública?
JEL: Entendo que as “aulas” à distância foram o remedeio possível para as escolas e os professores continuarem a contactar com os alunos, mantendo estes em atividades pedagógicas e, em boa verdade, a aprender alguma coisa.
Penso que não há nenhum modelo de ensino que substitua o ensino presencial tal como o conhecemos, pelo que qualquer reconfiguração do sistema que passe por afastar espacialmente os professores dos alunos, será sempre uma pobre solução. Todavia, no quadro de confinamento imposto pela pandemia Covid-19, parece-me que a possibilidade de comunicação à distância, interativa, entre professores e alunos foi a melhor solução educativa possível.
E: Numa situação sem precedentes, nunca antes testada, como avalia o comportamento e as decisões do Ministério da Educação?
JEL: Não me pronuncio sobre comportamentos, apenas sobre as decisões políticas e técnicas e as suas consequências. Dito isto, penso que, num momento inicial, o Ministério da Educação tomou medidas políticas prudentes e equilibradas.
Com o passar do tempo e com a urgência da retoma económica, algumas decisões não foram muito claras como, por exemplo, a questão das aulas presenciais para os alunos do 11.º ano que, inicialmente, eram apenas para as disciplinas em que haveria exame nacional, depois passaram a ser para seis disciplinas e agora para quatro. Ou ainda a questão de as aulas presenciais serem para todos os alunos e não apenas para os que realizam exame, como se interpretou das primeiras declarações políticas.
Penso também que houve uma outra decisão política que agravará as desigualdades, perfeitamente evitável: o Ministério da Educação não deveria ter deixado à “autonomia” das escolas a decisão sobre as cargas horárias de cada disciplina, mas sim estabelecer para todas as disciplinas presenciais uma carga horária de 50% da carga habitual, evitando a contratação e professores nesta altura do ano, promovendo o distanciamento social e a equidade de todos os alunos. Tal como as coisas estão, os alunos realizarão os mesmos exames independentemente do número de horas de aula que tiveram a cada disciplina.
E. Mediante o atual cenário, como deverá ser preparado o próximo ano letivo?
JEL: Não pensei devidamente no assunto pois estou concentrado na obrigação de terminar o melhor possível o atual ano letivo, todavia e à primeira vista, parece-me que a preparação do próximo ano dependerá em tudo da forma como terminar o presente ano e da forma como evoluir a pandemia.
Numa hipótese de anormalidade, que não se deseja, qualquer cenário deverá aproveitar a experiência adquirida e apetrechar o sistema com as condições técnicas (equipamentos e ferramentas pedagógicas alternativas) de modo a não deixar ninguém para trás.