A aplicação de um programa regular de tutoria no ensino básico terá um impacto significativo na redução do absentismo e do insucesso escolar. É o que demonstra um estudo que avaliou a eficácia do TUTAL, programa de tutoria escolar concebido de raiz em Portugal. A investigação envolveu uma amostra de 277 alunos do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, com percursos educativos irregulares e marcados pelo insucesso, divididos em dois grupos - um acompanhado por professores-tutores e outro de controlo, sem apoio de tutoria. A pesquisa foi feita em várias escolas básicas integradas nas ilhas de S. Miguel e da Terceira, nos Açores, e em alguns estabelecimentos de ensino do Algarve, ao longo do ano letivo de 2010/2011.
As conclusões do projeto, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, revelam que os alunos que beneficiaram de tutoria passaram de um resultado médio negativo, no ano anterior à aplicação do programa, para um resultado médio positivo. Além disso, no grupo que beneficiou de tutoria, verificou-se que o absentismo injustificado diminuiu em 50% e que houve melhorias a nível do sentido de competência na aprendizagem e integração na escola.
Francisco Simões, psicólogo clínico, mestre em Ciências Sociais, participou neste estudo que sublinha as mais-valias da Metodologia TUTAL. Na opinião do investigador, o acompanhamento mais regular e de proximidade é fundamental para alunos mais vulneráveis do 2.º e 3.º ciclos. O professor-tutor pode fazer a diferença, mas faltam orientações mais precisas, por parte da tutela, relativamente ao enquadramento dessa figura no ensino português.
"O princípio de que os alunos, sejam eles quais forem, obedecem de forma mecânica aos estímulos na sua aprendizagem, bastando a instrução para garantir o sucesso, é contraditado pela investigação e pela prática de todos os dias dos professores", avisa o investigador em entrevista ao EDUCARE.PT.
EDUCARE.PT: O estudo em que participou conclui que um programa regular de tutoria terá um forte impacto na redução do absentismo e insucesso escolar. O caminho é por aqui?
Francisco Simões (FS): O impacto do programa Metodologia TUTAL na redução do absentismo e do insucesso escolar é significativo, tratando-se de uma intervenção num contexto como o meio educativo que é sempre muito complexo. O que os estudos vão reafirmando, década após década, com cada vez mais precisão e pormenor, é que o caminho da prevenção do insucesso passa por muitos fatores decisivos para quebrar ciclos de insucesso, mas que um deles, a qualidade do apoio do professor, é realmente decisivo. A tutoria pode oferecer um espaço para melhor enquadrar esse apoio do professor, desde que lhe sejam dadas ferramentas e apoio para desenvolver este tipo de tarefa.
E: A investigação demonstra que os resultados melhoram e as faltas diminuem nos alunos que beneficiaram de tutoria. Esse acompanhamento é fundamental para um melhor aproveitamento escolar?
FS: Creio que no caso de alunos mais vulneráveis a frequentar o 2.º e 3.º ciclos de ensino, esse acompanhamento mais regular e de proximidade é fundamental. É preciso não esquecer que os alunos, nestes ciclos de ensino, iniciam um processo de desafio à autoridade parental. No caso particular destes alunos, a sua vivência familiar é mais frequentemente marcada por inconsistência e inconsequência, levando a maior desvio. O papel da escola, e de um professor tutor em particular, pode passar pelo exercício de uma maior monitorização e, até, de maior controlo, para que o absentismo possa ser normalizado. Este dado foi consistentemente observado durante a implementação da Metodologia TUTAL como uma das suas mais-valias.
E: O que significa, em concreto, aplicar um modelo de tutoria no ensino básico? Como funcionaria na prática?
FS: Este modelo, em concreto, aliou uma modalidade de tutoria em grupo, dirigida a turmas inteiras, a uma modalidade de acompanhamento individual. A modalidade em grupo foi enquadrada no espaço das áreas curriculares não disciplinares, com regularidade semanal, e consistiu num trabalho vocacionado para a promoção da coesão de grupo e no acompanhamento sistemático do percurso escolar. O acompanhamento semanal tinha, também, uma regularidade semanal, consistindo em encontros formais, em espaço de gabinete ou sala de aula, e em encontros informais, nos espaços comuns da escola.
Os tutores eram professores da turma, tinham o trabalho de tutoria inscrito no seu horário não letivo e beneficiaram de um processo de formação prévio à implementação do programa e de um acompanhamento permanente ao longo do projeto, com reunião mensais ou de, pelo menos, dois em dois meses, para discussão de casos concretos com a equipa de investigação, para além de contactos informais via telefone e e-mail.
E: Todos os professores podem ser tutores ou há características e critérios a que têm de obedecer?
FS: Alguns dos tutores foram voluntários e outros foram convidados a participar. Para nós, existiam dois requisitos mínimos. Por um lado, era importante que fossem pessoas que a escola reconhecesse que em diferentes funções, como a direção de turma, acabavam por ter um papel de tutoria informal e de grande proximidade com os alunos. Por outro lado, foi dada preferência, sempre que possível, a professores que pertencessem ao quadro das escolas. Esta opção prendeu-se apenas e só com a intenção de dar continuidade pedagógica a este trabalho, facto que os professores contratados, infelizmente, não podem assegurar.
E: O sistema de ensino português estará preparado para que esse modelo de tutoria se torne uma prática do dia a dia? Fala-se na tutoria no ensino básico. Não fará sentido no ensino secundário?
FS: Começando pelo fim, um programa de tutoria pode fazer sentido no Ensino Secundário, dependendo dos objetivos a que se destina. Contudo, o mais comum é que as intervenções sejam dirigidas para alunos que frequentam níveis de escolaridade equivalentes ao ensino básico. Quanto ao enquadramento da tutoria no sistema de ensino, para ser franco, o ensino público em Portugal não estava preparado à data de início do projeto para incorporar estas práticas e hoje, face à política educativa em curso, está cada vez menos.
O princípio de que os alunos, sejam eles quais forem, obedecem de forma mecânica aos estímulos na sua aprendizagem, bastando a instrução para garantir o sucesso, é contraditado pela investigação e pela prática de todos os dias dos professores. No fundo, não passa de uma crença. Contudo, a via que parecemos preparados para seguir é a do esvaziamento da função socializadora dos professores e, na verdade, da função socializadora da escola em geral. A tutoria escolar não é compaginável com esta visão de escola-fábrica que obedece a uma linha de montagem que acaba no exame.
E: Até que ponto o investimento nesse modelo se justificaria numa altura em que o Ministério da Educação e Ciência é cirúrgico no dinheiro que gasta?
FS: A grande questão é que o modelo de tutoria que foi implementado foi já de baixo custo. Foram aproveitados tempos letivos e os tempos não letivos foram dedicados exclusivamente a estas tarefas. Em suma, e ainda que de forma empírica, os recursos mobilizados foram muito diminutos para os impactos produzidos. Uma disseminação em maior escala poderia ter alguns custos de base, perfeitamente enquadráveis nas prioridades do novo quadro comunitário, mas na escola, no terreno, os custos continuariam a ser baixos.
Em suma, embora não tenha sido feita ainda essa análise de custo/benefício, podemos dizer que, empiricamente, reduzir o absentismo em 50% num ano letivo e passar de uma nota média negativa para uma nota média positiva quando se comparam os alunos tutoriados com alunos semelhantes que não beneficiaram do programa, parece-nos um impacto suficientemente promissor para ser articulado com outras intervenções devidamente validadas que tenham os mesmos objetivos.
E: O que é necessário para que haja uma regulamentação mais precisa das funções e práticas da figura do professor-tutor?
FS: É fundamental que sejam dadas orientações mais precisas, por parte do Ministério da Educação, sobre o enquadramento da figura do professor-tutor, baseadas em boas práticas devidamente validadas. Há algumas recomendações dispersas, as quais acabam por propor vagamente às escolas a aplicação dessa figura, mas não existe uma indicação das metodologias de base, devidamente manualizadas, que possam ser seguidas.
E: Foram feitas diligências nesse sentido, ou seja, de realçar as potencialidades e os ganhos que a tutoria poderá ter nas escolas portuguesas junto das entidades competentes?
FS: Os resultados foram apresentados, preliminarmente, a decisores políticos, com particular enfoque na Região Autónoma dos Açores, onde a Metodologia TUTAL foi criada e disseminada de modo mais consistente. Agora que esses resultados passaram já pelo crivo de provas académicas e de diversas publicações internacionais, a devolução dos resultados está novamente a ser feita, pensando em possíveis implicações para as políticas de prevenção do insucesso escolar.
E: As experiências internacionais mostram que a tutoria é importante para que as notas melhorem e haja menos alunos a sair das escolas antes do tempo?
FS: As experiências internacionais apresentam resultados inconsistentes. Há estudos que apontam para um impacto positivo da tutoria escolar no percurso académico de alunos mais vulneráveis, enquanto outros demonstram o inverso. Por outro lado, a dimensão do impacto noutros programas estrangeiros tende a ser menor do que aqueles que foram encontrados para a Metodologia TUTAL.
Embora outros fatores possam ajudar a explicar as diferenças, uma das variáveis que pode ter sido crucial para justificar os melhores resultados obtidos pela Metodologia TUTAL parece ser o facto de os tutores serem professores. Noutros programas, nomeadamente naqueles que são desenvolvidos em países anglo-saxónicos, os tutores são habitualmente voluntários oriundos da comunidade que oferecem o seu tempo na escola para apoiar alguns alunos, muitas vezes sem experiência em funções educativas. Esse dado é particularmente inovador neste programa e não tinha, ainda, sido sistematicamente estudado em investigações anteriores.