quinta-feira, 30 de setembro de 2021

O impacto do COVID-19 na Educação Inclusiva a Nível Europeu: Revisão da literatura


(Clicar na imagem para aceder)

A pandemia do coronavírus (COVID-19) afetou alunos em todo o mundo. O encerramento das escolas forçou respostas de emergência dos sistemas educativos, resultando em várias formas de ensino remoto. A crise destacou as desigualdades pré-existentes na educação e forneceu uma razão para a mudança sistémica na educação em todo o mundo. 
Esta revisão da literatura tem como objetivo mapear evidências e identificar formas reconhecidas em que a COVID-19 teve impacto, na educação em geral e na educação inclusiva em particular, ao nível europeu e nacional. 
A intenção é fornecer uma visão geral abrangente das mensagens-chave para os países membros da Agência. Também dará pistas sobre o futuro possível trabalho da Agência no âmbito deste tópico.

Fonte: Newsletter n.º 137 - setembro de 2021 da Pró-Inclusão

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

OrCam Technologies marca Regresso às Aulas com doação de OrCam Read a estudante disléxica do Politécnico de Leiria

A OrCam Technologies, empresa israelita especialista em tecnologia baseada em inteligência artificial para pessoas que são cegas, disponibilizou a uma aluna da licenciatura de Comunicação e Media da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais (ESECS) do Politécnico de Leiria, o dispositivo OrCam Read, um novo produto que pretende ajudar as pessoas com dificuldades de visão ou de leitura a ler. O aparelho está desenhado para pessoas com dificuldades de leitura derivadas de fadiga, dislexia, afasia ou outras condições, bem como para pessoas que leem grandes quantidades de texto.

Para auxiliar a Joana Gonçalves no regresso às aulas e de forma que a estudante tenha mais apoio nos seus estudos, ser-lhe-á disponibilizado um OrCam Read para a acompanhar. A estudante, com dificuldades em compreender as palavras ao ler em silêncio, vai beneficiar da função de leitura em voz alta do aparelho, algo que facilitará a sua compreensão. Para ler em silêncio nas aulas e durante os exames, bastará conectar os auriculares ao dispositivo.

A mesma tinha tido conhecimento da existência do produto através do Centro de Recursos para a Inclusão Digital (CRID) da ESECS do Politécnico de Leiria, onde um aparelho está disponível para ser testado pelas pessoas com deficiência visual e baixa visão, que podem recorrer ao CRID e ficarem a conhecer as suas potencialidades. (…)

Fonte: Informação recebida por correio eletrónico

Diagnóstico das aprendizagens confirma importância dos professores mesmo à distância

Os alunos que durante o ensino ‘online’ mantiveram um maior contacto com os professores foram os menos prejudicados pela pandemia de covid-19, revela o diagnóstico das aprendizagens que confirma a importância dos docentes mesmo à distância.

Esta é uma das principais conclusões do segundo relatório do estudo diagnóstico realizado em janeiro pelo Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) divulgado hoje e que tinha como objetivo avaliar o impacto da suspensão das atividades presenciais nas escolas em 2020 devido à pandemia.

O estudo, que envolveu mais de 23 mil alunos do 3.º, 6.º e 9.º anos, procurou perceber o estado das aprendizagens em três áreas: literacia matemática; literacia científica e literacia de leitura e informação.

Nada substitui o papel do professor e o que este estudo nos mostra é que, mesmo em contexto de ensino à distância, a presença do professor em interação direta com os alunos é muito melhor para as aprendizagens”, sublinhou o secretário de Estado e Adjunto da Educação na sessão de apresentação do relatório.

Segundo os resultados do estudo de diagnóstico, os alunos que tiveram aulas síncronas ‘online’ conseguiram melhores desempenhos nas três áreas avaliadas.

“Isto volta a reforçar o reconhecimento que todos temos de ter do papel que os professores desempenham e não endeusarmos máquinas que nunca vão substituir o papel dos professores”, defendeu João Costa.

Outra das conclusões do estudo confirma também uma ideia de que ao longo dos últimos dois anos tem vindo a ser sistematicamente sublinhada e que tem a ver com o impacto do contexto socioeconómico dos alunos.

Com a maioria das escolas encerradas deste março de 2020 até ao final desse ano letivo, durante mais de três meses, levantou-se uma particular preocupação com as crianças e jovens mais carenciados, e que agora se sabe que era justificada.

“As condições socioeconómicas dos alunos têm um impacto significativo no seu desempenho e nas suas aprendizagens”, relatou o presidente do IAVE, Luís Santos, explicando que os desempenhos dos alunos com ação social escolar (ASE) foram, em geral, inferiores e que essa discrepância se acentua quando se trata de competências mais complexas.

No caso do 6.º ano de escolaridade, por exemplo a diferença média de desempenho dos dois grupos de alunos chega mesmo aos 9,6 pontos percentuais em literacia de leitura. Já no 9.º ano, os resultados referentes à literacia matemática dos alunos com ASE ficaram 8,3 pontos percentuais abaixo dos colegas.

Na mesma sessão, foram ainda apresentados os resultados preliminares do estudo de aferição amostral do ensino básico realizado entre 14 e 21 de junho e que abrangeu 308.042 alunos do 2.º, 5.º e 8.º anos, para quem as provas foram novamente canceladas, pelo segundo ano consecutivo.

À semelhança do estudo diagnóstico das aprendizagens, também este confirma o impacto negativo da pandemia, uma vez que os resultados revelam uma diminuição do desempenho dos alunos em comparação com os resultados das provas de aferição realizadas em 2018 e 2019 no caso do 2.º ano.

Durante a apresentação, o presidente do IAVE destacou, por exemplo, as diferenças verificadas na dimensão “organização e tratamento de dados”, relacionada com estatísticas, das provas de Matemática dos diferentes anos de escolaridade, em que a percentagem de alunos que não conseguiu responder às perguntas aumentou significativamente.

“É um domínio muito importante, são competências que são utilizadas depois na vida académica e profissional dos alunos com muita frequência e penso que este é um bom “aviso para a navegação” no sentido de termos de olhar para estes domínios com mais cuidado e trabalhá-los mais com os alunos”, afirmou Luís Santos.

Apontando os resultados dos dois estudos como sinais preocupantes, o secretário de Estado considerou que é importante fazer este tipo de diagnósticos, não só quantitativos como qualitativos, para que os responsáveis políticos e as escolas possam perceber efetivamente quais são as dificuldades dos alunos e trabalhar de forma a superá-las.

“Nós temos de tomar decisões sobre quais são as áreas que devem ter maior incidência e não podemos decidir com base em opiniões, temos de decidir com base em evidências”, disse, sublinhando a importância do trabalho desenvolvido pelo IAVE que, além de fazer a avaliação e análise dos resultados, apresenta também nestes estudos sugestões pedagógicas.

O objetivo, explicou Luís Santos, é que agora os diretores escolares e professores peguem em cada um dos relatórios apresentados hoje, que incluem também a análise das provas finais de 3.º ciclo desde 2015, para desenharem os seus planos de recuperação das aprendizagens, como previsto no “Plano 21|23 Escola+”.

“Estamos convictos que as escolas, como sempre, vão utilizar estes relatórios, com estes dados e esta informação muito rica, para também melhorar o seu trabalho em sala de aula e melhorar os resultados dos alunos”, concluiu o presidente do IAVE.

Fonte: Noticias de Coimbra por indicação de Livresco

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Relatórios sobre as provas de aferição e provas de final de ciclo e estudos de diagnóstico

Portugal é hoje um dos países com mais informação sistematizada sobre o desempenho dos alunos antes e depois da pandemia.

Apresentamos hoje um conjunto de estudos elaborado a pelo IAVE, com dados quantitativos e qualitativos sobre o desempenho dos alunos, enquadrados na recolha sistemática de informação para monitorizar a recuperação das aprendizagens.

Com estes dados, apoia-se a tomada de decisão e aumenta-se a informação para análise pelas escolas.

1. Resultados nacionais das Provas de Aferição 2021

2. Volume II do Estudo Diagnóstico (O papel do contexto no desempenho dos alunos)

3. Volume III do Estudo Diagnóstico (Descrição qualitativas dos desempenhos)

4. Provas finais de ciclo 2015 – Análise qualitativa

Fonte: Secretário de Estado Adjunto e da Educação

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Especialista apela à revalorização do desporto escolar

O professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana Carlos Neto defende à Lusa que "o desporto escolar tem de ser revalorizado dentro da escola", para o relacionar com os clubes, e alçar a importância do "corpo em movimento".

Essa revalorização deve acontecer "da creche ao secundário", defende o antigo presidente da Faculdade de Motricidade Humana (FMH), e vir associada a uma nova importância "das capacidades motoras e atividades físicas na escola", levando também a um projeto de desporto escolar "mais consistente", com mais financiamento e recursos.

Carlos Neto falou à Lusa a propósito do Dia Europeu do Desporto na Escola, que se assinala esta sexta-feira, no âmbito da Semana Europeia do Desporto, pouco depois do arranque do primeiro ano letivo do Programa Estratégico do Desporto Escolar 2021-2025.

IMPORTÂNCIA DA RELAÇÃO ENTRE CLUBES, ESCOLA E FAMÍLIA

Essas "coisas básicas" permitem que "depois seja possível ter condições para fazer desporto de formação e desporto de alto nível", e pedem uma relação entre clubes, escola e família.

"Temos que criar aqui um modelo que consiga fazer esta rede integrada para a promoção da educação física e do desporto. [...] No Japão, as crianças têm aula de educação física todos os dias, cinco horas semanais; em Portugal, nem as previstas têm" no primeiro ciclo, devido à dificuldade que, diz, muitos professores em monodocência têm em lecionar ou em encontrar quem os ajude.

Esta falta de investimento, também de financiamento e quadros de recursos humanos, leva a maiores dificuldades no segundo ciclo, em que "a iniciação desportiva como deve ser" acontece.

Com isto, "o abandono desportivo no meio escolar e dos clubes é enorme", sobretudo "quando passam aquela fase mais de refinamento e aperfeiçoamento da sua condição desportiva".

"Há uma capacidade muito reduzida de captar talentos. Para além disso, a especialização precoce tem sido mal interpretada. Muitos revelam-se mais tarde, há inúmeros exemplos de jovens que não foram selecionados nos clubes como praticantes desportivos porque os critérios de seleção não estavam aperfeiçoados. Há atletas olímpicos, de alto nível de rendimento, que só se manifestaram muito mais tarde", alerta.

Antes, as crianças "têm de passar por uma multiplicidade de experiências lúdicas e desportivas, para selecionar aquelas" em que são mais capazes, e, por outro lado, falta um sistema mais atento "aos motivos pelos quais as crianças abandonam".

Isso vai de "falta de tempo" a falta de recursos económicos, falta de apoios, também a nível de transportes, mas também pela crónica "disfunção" na valorização de treinadores de formação.

"São salários miseráveis, os dos treinadores dos primeiros níveis de formação, e depois é preciso melhorar a formação ao nível das formações, rever esse modelo de formação", critica.

"HÁ MUITAS HABILIDADES" QUE OU SÃO APREENDIDAS OU PODEM PERDER-SE

Nestas idades, até aos seis anos, "há muitas habilidades" que ou são apreendidas ou podem perder-se. "Se não são apreendidas aí, dificilmente se consegue ser atleta de alto nível, como músico ou ator de teatro [com outras]", lamenta.

Na dinâmica entre clubes, escola e família, é preciso apoio em toda a linha, para que possa prosseguir os estudos, ter tempo lúdico e a família seja reforçada, até porque um atleta de alta competição "precisa de muitas horas de treino, muito trabalho" até chegar ao sucesso.

"Estudos científicos dizem-nos que os atletas de grande êxito são os que tiveram infâncias altamente preenchidas de experiências. Os campeões não se fazem em laboratório nem à pressa", completa.

"O CORPO EM MOVIMENTO É O ARQUITETO DO CÉREBRO, DAS EMOÇÕES E DOS AFETOS"

Para lá do rendimento desportivo, avisa, o desporto tem de ser visto como "uma alavanca essencial na formação de um povo saudável e um cidadão saudável".

"Isso é importante para a economia e o futuro da sociedade, que é imprevisível e incerta. A atividade física tem uma contribuição importantíssima para a mudança vertiginosa que a sociedade está a viver", comenta.

Esta atividade física "não pode ser esquecida", porque ajuda a clarear o pensamento e é importante, do nascimento até à terceira idade, e a base da existência.

"O corpo em movimento é o arquiteto do cérebro, das emoções e dos afetos", remata.

Fonte: SIC Notícias por indicação de Livresco

domingo, 26 de setembro de 2021

As emoções não podem ficar à porta da escola ou escondidas atrás da máscara

Os despertadores das famílias voltam a tocar mais cedo, as campainhas das escolas voltam a ecoar pelos corredores e recreios.

Inicia-se um novo lectivo e à semelhança do ano passado, as máscaras fazem parte do kit da escola. Por entre algumas dúvidas e muitos receios, perspectivam-se rasgos da dita antiga normalidade que alternam com evidências dos tempos da actual pandemia, construindo uma realidade híbrida, como agora tudo parece ser.

Enquanto psicóloga clínica estou menos preocupada com os conteúdos curriculares em atraso e mais inquieta com a perpetuação de máscaras e de pais à porta. Preocupa-me mais a repetição de alguns erros já feitos e estes muros elevados entre famílias e escolas. Há estabelecimentos de ensino que fazem uma interpretação das directrizes em vigor, que parece legitimá-los a proibir a entrada dos pais na escola, mesmo em situações de adaptação de crianças pequenas. Outros que procuram resgatar a noção de equilíbrio e dos verdadeiros superiores interesses da criança.

Percorro os planos curriculares e os planos de formação dos professores e continua a ser escassa ou inexistente a presença de conteúdos promotores de inteligência emocional, atenção plena e saúde psicológica. Pede-se que os mais novos saibam os rios de Portugal mas não se pede que nomeiem as emoções primárias. Pede-se aos professores flexibilidade e resiliência mas não se ensina como mobilizar essas competências internas.

Cada família, cada turma e cada escola vivenciaram o último ano e meio de pandemia de uma forma particular. Necessidades variadas surgiram, muitas delas ainda por responder. Alterações de comportamento que se normalizam à força pela fase de desenvolvimento, desatenção e dificuldades de aprendizagem que se rotulam de “gerais”, falta de competências sociais que se ignora, quebra de laços entre crianças e adultos que se julga ser reversível e horas imensas de ecrã que se julgam inevitáveis.

É fundamental, por isso, que nos próximos meses se reclame o nosso poder de fazer diferente. Todos, cada um à sua escala. É urgente ensinar-se a nomear, legitimar e regular emoções. É crítico premiar-se o erro e a oportunidade de aprendizagem que acarreta ao invés de o punir e julgar. É importante criar-se espaços de comunicação eficaz entre crianças, famílias e escola. É determinante levar práticas de meditação mindfulness e de inteligência emocional para o programa curricular. É crucial que o número de psicólogos clínicos disponíveis para crianças, professores e famílias aumente.

Neste início de ano lectivo há, também, que voltar a reintroduzir mais o papel nas rotinas diárias dos mais novos. Os equipamentos electrónicos podem ser úteis e didácticos, com um uso consciente e monitorizado pelos adultos. Contudo, nada substitui a experiência de segurar num lápis ou caneta, treinar a motricidade fina e sentir o papel. Nada é idêntico a colorir no papel, com mais e menos força. Nada se equipara a histórias contadas em livros impressos, a teatrinhos de fantoches feitos em cartolina. Ler, escrever e desenhar em papel estimula os sentidos e aumenta os níveis de concentração e criatividade. Crianças e adultos podem fortalecer os seus laços em torno de actividades em papel, que potenciam o foco e maior envolvimento de todos.

Neste novo ano lectivo, troque os ecrãs por papel, troque os tablets por livros impressos, troque os telemóveis por lápis de cor. A cada dia, pergunte mais vezes: “Como é que te sentiste hoje?” Abra espaço a todas as emoções, as mais e menos agradáveis, sem julgamento, apenas com curiosidade e compaixão. E dê o exemplo enquanto adulto, sendo mais gentil consigo mesmo.

Filipa Jardim da Silva

Fonte: Público por indicação de Livresco

sábado, 25 de setembro de 2021

Crianças desfavorecidas só saem da pobreza após cinco gerações, diz estudo

As crianças de famílias desfavorecidas precisam de cinco gerações para sair da pobreza, sendo essencial o acesso à educação, que deve começar o mais cedo possível e contar com professores capazes de compreender as necessidades individuais dos alunos.

Estas são algumas das conclusões do relatório Education at a Glance 2021, publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), com base em dados dos 37 países membros da OCDE e nas economias parceiras. “Em média, nos países da OCDE, espera-se que uma criança de uma família desfavorecida leve cinco gerações para atingir o rendimento nacional médio”, alerta o estudo da OCDE, sublinhando a importância de haver formação de professores para que saibam lidar com a diversidade que encontram quando chegam à sala de aula.

Durante a pandemia de covid-19, o fosso entre alunos favorecidos e carenciados aumentou, mas o relatório aponta medidas implementadas pelos países que podem minimizar a situação.

O estudo sublinha “a importância de começar cedo, para que as crianças, principalmente as de origens desfavorecidas, possam adquirir bases sólidas, incluindo habilidades cognitivas, sociais e emocionais e um hábito sustentado de aprendizagem que os conduzirá ao longo da vida”.

Outra das medidas é investir na formação de professores para que desenvolvam a capacidade de compreender as necessidades individuais dos alunos e consigam adaptar as estratégias de aprendizagem a cada uma das crianças e jovens.

No entanto, apesar de a grande maioria (94%) dos professores ter participado em atividades de desenvolvimento profissional no último ano, “apenas cerca de 20% relataram ter participado em treino sobre ensino em ambiente multicultural ou multilingue, com variações significativas entre os países”, alerta o estudo.

O ensino à distância é outra das ferramentas a usar, uma vez que durante a pandemia se revelou “mais interativo para os alunos”, permitindo aos professores entender melhor como diferentes alunos aprendem de maneira diferente.

A OCDE sublinha que o sucesso está também dependente do “conhecimento e confiança que os professores têm ao utilizar a tecnologia e integrá-la na educação é essencial”.

O estudo recorda que para as pessoas de origens desfavorecidas continua a ser mais difícil não desistir de estudar e ter um bom desempenho escolar, assim como entrar no mercado de trabalho ou conseguir fazer formação ao longo da vida.

As origens socioeconómicas, a formação dos pais e o facto de serem nativos ou imigrantes continuam a ser fatores que influenciam o desempenho e trajeto escolar.

Em Portugal, ainda são muitos os adultos com baixa escolarização. Portugal surge ao lado da Colômbia, Costa Rica, Turquia e México como os cinco países com mais adultos sem o ensino secundário.

No ano passado, 21% dos adultos da OCDE entre os 24 e os 64 anos não tinham terminado o secundário, enquanto em Portugal a percentagem rondava os 40%.

Conseguir que estas pessoas voltem a estudar nem sempre é fácil. O relatório salienta que quem tem mais formação tem também mais interesse em voltar a estudar: em média, nos países da OCDE, a participação na aprendizagem de adultos por indivíduos com menos qualificações está 40 pontos percentuais abaixo dos adultos altamente qualificados.

Também é mais habitual ver um jovem entre os 25 e os 34 anos de volta aos bancos da escola, já que os mais velhos têm 25% menos probabilidades de voltar a estudar.

No relatório, Portugal aparece como um dos países que teve o maior aumento de jovens entre os 25 e os 34 anos que continuaram a estudar depois de terminar o ensino obrigatório.

Entre 2010 e 2020, a média da OCDE foi de 9%, mas em Portugal a média foi 15 pontos percentuais acima.

Fonte: Delas por indicação de Livresco

Iniciativa «Regresso à escola» da UE apoia estudantes e professores

Com o início do novo ano letivo para milhões de alunos e professores na Europa, a Comissão continua a acompanhá-los e a apoiá-los. A pandemia pôs em evidência a capacidade de inovação das escolas, mas também salientou dificuldades significativas de adaptação e de garantia de uma educação inclusiva e de qualidade para todos os alunos.

A UE apoia intercâmbios de estudantes e professores em toda a Europa em diferentes formatos e formas de colaboração a fim de promover a qualidade e a inclusão, bem como apoiar as transições digital e ecológica. A Comissão apresentou muitas ações a nível da UE para as escolas, reunidas em torno de vários temas: promover a cooperação e a mobilidade; investir na educação e nas competências; trabalhar em prol do sucesso educativo e da inclusão; prestar aconselhamento e proporcionar plataformas para a cooperação em linha; apoiar a transição ecológica através da educação, e muito mais.

Por exemplo, a partir deste ano, também os alunos do ensino não universitário podem beneficiar plenamente do programa Erasmus+ e ir estudar para o estrangeiro, individualmente ou com a sua turma. Isto significa que todos os alunos têm agora acesso às mesmas oportunidades, seja nas escolas, seja no ensino e formação profissionais, seja no ensino superior. Com mais de 28 mil milhões de euros para o período 2021-2027, o novo programa Erasmus+ quase duplicou o seu orçamento em comparação com o período anterior. Mais de 3,1 mil milhões de euros destinam-se a projetos de mobilidade e cooperação no ensino geral e mais de 5,5 mil milhões de euros contribuirão para cofinanciar projetos deste tipo no setor do ensino e formação profissionais.

Já foram aprovados projetos para mais de 7 000 escolas, prevendo-se mais em setembro e outubro. Para além do aumento do orçamento do Erasmus+, serão canalizados cerca de 60 mil milhões de euros para investimentos em educação e competências nos planos nacionais de recuperação, o que corresponde a mais de 10 % do orçamento total do Mecanismo de Recuperação e Resiliência. Mais iniciativas virão antes do final do ano, por exemplo, o lançamento do primeiro Prémio Europeu do Ensino Inovador. O prémio divulgará práticas inovadoras de ensino e aprendizagem desenvolvidas no âmbito de projetos de cooperação transnacional Erasmus+. Para mais informações sobre as ações da Comissão no domínio da educação, consultar este sítio Web.

Fonte: Europe Direct por indicação de Livresco

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Ajuda a pessoas surdas a ver o mundo com legenda

Uma App e um monóculo VR criados por Emanuel Ferreira, antigo aluno de Design do Produto da Escola Superior de Tecnologia e Gestão (ESTG) do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC) e um dos fundadores do grupo DevelopKings, vão ajudar pessoas com deficiência auditiva a ver o mundo com legendas.

O protótipo já foi testado e comprovado e nas próximas duas semanas será disponibilizado gratuitamente. Mas o projeto “Ouver” (ouvir+ver) não se fica por aqui. Segue-se o contato com associações de apoio a pessoas com deficiência auditiva e instituições de ensino superior para continuar a aperfeiçoar o protótipo. Devido ao custo reduzido, Emanuel Ferreira está também a desenvolver uma App de tradução.

O projeto “Ouver” (ouvir+ver) surgiu quando Emanuel Ferreira percebeu as dificuldades, sobretudo em tempos de pandemia, de uma colega de trabalho, que tem deficiência auditiva. “Decidi fazer algo para ajudar. Investiguei no âmbito da realidade aumentada e consegui criar um monóculo, que com a ajuda da App no telemóvel converte a fala em texto e o texto é apresentado no monóculo”, explicou Emanuel Ferreira, destacando que nesta fase o objetivo é tornar o projeto acessível a todos.

A parte eletrónica “está concluída” e a aplicação “já está 100% funcional”, sendo que o protótipo já foi testado e o conceito está comprovado. “Vamos disponibilizar a aplicação, a listagem do material necessário e um guia de como montar e usar”, adiantou o responsável pelo projeto, garantindo que “qualquer pessoa pode comprar o material e com um simples tutorial pode fazer o monóculo e utilizar”.

Esta aplicação e monóculo são apenas o início do projeto, que Emanuel Ferreira quer que esteja acessível a todos. “A mais-valia do projeto é que uma pessoa com deficiência auditiva pode ver o mundo com legendas apenas pelo custo de uma ida ao cinema”, referiu.

O alumnus adiantou que “mais à frente” o objetivo é “entrar em contato com associações de apoio a pessoas com deficiência para adaptar ainda mais o protótipo às necessidades das pessoas surdas e com as instituições de ensino superior para melhorar as funcionalidades do projeto”. Isto será apenas o início, porque este projeto não irá ser destinado apenas para pessoas com deficiência auditiva. “Devido ao seu custo reduzido estamos a desenvolver agora uma APP de tradução. Já imaginou o que é viajar num mundo legendado”, questionou. (...)

Fonte: O Minho

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

"Na escola o problema é as crianças não entenderem para que serve a química"

A entrada para a entrevista é feita ao som do piano, Noturno op. 9 n.º 2, de Chopin. Não é música ambiente do hotel, é Nuno Maulide que ensaia ao piano. É uma das suas paixões, só não é profissão porque é "solitária".

Formou-se no Instituto Superior Técnico e depois seguiu pelo mundo até se fixar na Áustria, há oito anos. É professor de Química Orgânica na Universidade de Viena. Elegeram-no Cientista do Ano em 2019, recebeu depois o prémio Lieben e, em 2020, ascendeu à Academia das Ciências da Áustria. É o único estrangeiro não germanófono e o mais novo, tem 41 anos. Veio a Portugal para a apresentação do livro Como se Transforma Ar em Pão? Estas e Outras Questões a Que Só a Química Sabe Responder, que escreveu com a jornalista de Ciência Tanja Traxler. Na forja está um segundo, este sobre cozinha molecular. Mas com coisas simples.

Ao ler o livro, fica-se com a ideia de que tudo é química.
É a ideia correta. Mas quando se ouve a palavra "químicos", há uma reação negativa.

Há químicos bons e maus?
Não se deve dar uma conotação positiva ou negativa aos compostos químicos porque tudo depende do uso que lhes dermos. A água é um químico bom, nós somos 70% água, mas morremos se bebermos quatro litros numa hora, os órgãos começam a falhar. Muitos compostos químicos não são bons nem maus, dependendo do seu uso, podem ter consequências boas ou más.

Como o plástico, a descoberta do século XX e que caiu em desgraça?
E continua a ser a maior descoberta da química no século XX, revolucionou a sociedade e a maneira como olhamos para os materiais. Só tínhamos a madeira e o metal, hoje em dia, temos coisas que parecem madeira e metal mas que são polímeros [plásticos] e compósitos, e que são utilizados de formas muito diferentes. Não refletimos sobre os problemas que ocorreriam quando, depois de os utilizarmos, os deitamos fora sem pensar duas vezes.

A solução está na reciclagem.
Se pensássemos que não se decompõe tão facilmente, que não é biodegradável, teríamos evitado muitos problemas. Todo o plástico tem implicações no ambiente. Tem de ser reutilizável ou ter mecanismos de o reciclar de forma apropriada.

Sabia-se quando foi inventado?
Não se sabia porque não se quis estudar, queria fazer-se coisas rapidamente e ganhar dinheiro. Não houve pressão nem da sociedade civil nem das entidades reguladoras para se fazer um estudo sobre o que acontece ao plástico quando vai para o aterro sanitário. Sem as embalagens de plástico, dois terços da produção mundial de alimentos estragava-se sem chegar ao seu destino. Quando eu era mais novo não havia todos os dias arroz no supermercado, massa, todos os frutos, não havia capacidade para preservar esses alimentos e os fazer transportar. As pessoas estavam limitadas à produção local ou regional e hoje em dias os supermercados estão cheios porque há uma rede de transporte que precisava das embalagens de plástico para se poder colher, empacotar e transportar.

E o esferovite ou a cortiça?
São polímeros, cai tudo no mesmo saco. Poder-se-á perguntar se não se podem encontrar outros materiais, mas terão outros problemas e é demitirmo-nos da nossa responsabilidade social. Devíamos pensar em usar de maneira diferente.

Qual é o grande problema atual?
Ainda é o plástico mas temos grandes problemas sobre como vamos lidar com o CO2 [dióxido de carbono], que não tem propriamente uma solução óbvia. Ao fim de 10/15 anos de investigação intensiva ainda não há soluções novas que sejam economicamente viáveis. E também temos o problema da energia, o consumo continua. Acho que ainda há espaço para as energias solar e eólica crescerem e são soluções que a química pode providenciar.

Como é que surgiu este livro?
Foi na sequência do prémio de Cientista do Ano, atribuído por jornalistas da área, e a editora abordou-me. Percebeu que: a) a química tem má reputação; b) faz falta alguém que explique as coisas da química de maneira simples. Foi um desafio muito atrativo.

Comunicar química tem sido uma preocupação?
Sempre tive essa vontade. Viajo muito e converso com as pessoas. Quando lhes digo que sou de química, dizem que detestavam, que não percebiam nada na escola. Não é assim tão complicado, tão difícil, precisa é de ser explicado de uma maneira que cative. Na escola o grande problema é as crianças não entenderem para que serve a química. Compreendo que há conceitos abstratos e que não é possível explicar a utilidade em todos os casos, mas o livro mostra que há tanto que se pode explicar recorrendo ao dia-a-dia.

Em criança, já se interessava por estas questões?
Sim, para tentar explicar ou perceber o mundo que me rodeia, não tinha era as ferramentas.

Os professores de Química ajudaram ou antes pelo contrário?
Tive sorte, tive bons professores de Química e de Matemática. No Instituto Superior Técnico tive a melhor professora de Química Orgânica, Matilde Marques, e que me encaminhou quando quis sair da minha zona de conforto.

A capacidade de fazer do complicado simples é natural ou trabalha-se?
É natural, sempre quis dar aulas, não pensava em ser químico, queria ser pianista. Lembro-me de ser pequeno e pegar num livro, até em inglês sem saber falar, pegava nas bonecas da minha irmã, metia-as num cantinho e dava-lhes aulas. Fui fazer ginástica no Sporting e queria dar aulas de ginástica, fui tirar a carta de condução e queria ser instrutor. Estudei piano e fui professor de piano, e ainda sou, sempre quis ensinar. Gosto de pegar em conceitos difíceis e de os explicar de uma forma acessível ao meu interlocutor.

Porque é que não se fixou no piano?
Porque o estudo da música é muito solitário, são horas e horas. Quando um hobby se torna uma profissão, oito horas por dia, todos os dias, o prazer do hobby desaparece.

Pertence à Academia das Ciências pelo poder de comunicação?
Não, porque em alguns círculos ainda há o estigma de que quem comunica ciência é porque não é bom na investigação. Está a mudar, mas acho que tem que ver com o reconhecimento pelos pares, fui nomeado pelo grupo de Química.

Sente que os cientistas portugueses são reconhecidos?
Portugal terá a suas limitações, o que também tem que ver com a falta de financiamento. Não se pode ter num financiamento de 1% do PIB para a ciência e querer ter o mesmo resultado do que num país com um financiamento de 3%, não há milagres. As barreiras têm diluído com a UE, somos todos cientistas europeus. Eu não insisto em ser considerado um cientista português, ou viver na Áustria, sou um cidadão do mundo.

Porque é que emigrou?
Emigrei muito antes, fui para a Suíça seis meses, depois para a Bélgica, os Estados Unidos e a Alemanha. Emigrei quando achei que me faltava estar num ambiente em que não soubesse muito. Quando se fica muito tempo num sítio tem-se a tendência para estagnar e a mim faz-me falta sair da minha zona de conforto. Saí na perspetiva de aprender.

Tem aprendido muito?
Muito. Só mudar de gabinete já se aprende. Ir para um ambiente diferente, com uma organização diferente, só esse aspeto já faz evoluir. A nossa mudança da Alemanha para a Áustria, em 2013, fez-me colocar tanto em questão os projetos de investigação. Um ser humano é de hábitos e é muito fácil habituar-se.

Fala no seu grupo de investigação.
Sim, estava muito bem no Instituto Max-Planck, poderia até ficar permanentemente. Nem queria ir embora, mas ainda bem que fui ou não conhecia a mulher da minha vida. É sérvia e trabalha na Áustria.

É cofundador de uma startup criada em Portugal. O que investigam?
Foi criada há três anos para explorar um processo com muito impacto em questões de economia circular. Serve-se do lixo da produção de tremoço, que é tão português, e extrai uma coisa valiosa, a cerine. O tremoço, quando se coze, tem de se passar por várias águas para retirar o amargo, que vai fora, com a água Com uma reação de síntese transforma-se num composto oleoso que se vende a centenas de euros por grama. É a lupanina e o que se extrai, por um processo que inventámos, é a esparteína. É muito valiosa, daí a empresa se chamar Spartax.

É usada em que situações?
Na indústria química, em medicamentos, cosmética, materiais, e tem havido problemas de stock. As fontes naturais são muito irregulares e estão em zonas do mundo em que geopoliticamente não há estabilidade. E a indústria reorientou-se para outras direções. Um dos trabalhos é convencê-los a voltar à esparteína.

Já estão a vender?
Temos vendido para vários fornecedores. É uma empresa que funciona sem investimento externo, temos dois colaboradores. Funciona ainda de maneira muito virtual, até por causa da covid. Estamos a tentar crescer para validar tudo isto em grande escala. Vamos instalar os laboratórios em Oliveira do Hospital.

E em Viena, desenvolve uma investigação para tornar o mentol mais eficiente e sustentável.
O mentol é uma molécula muito importante, entra não só nos rebuçados como em cosméticos, cigarros e em produtos da medicina. Tem um efeito de arrefecimento, muitos dos cremes para as queimaduras têm mentol. É conhecido há séculos, o problema é que a procura mundial excede em muito a produção. Há vários processos para extrair o mentol, são duas etapas até chegar ao mentol e que utilizam metais pesados como catalisadores, que são caros e têm problemas de contaminação e de geopolítica. Estamos a fazê-lo numa etapa e sem metais pesados. É mais económico e melhor para o ambiente.

Está na forja um novo livro?
Devemos avançar para um livro sobre de cozinha molecular, como é que a química pode ajudar para cozinhar melhor, para o cidadão comum, para a democratizar. Há 20 mil coisas o dia-a-dia que se podem melhorar se a pessoa perceber o fundamento químico. A cozinha molecular, que é muito celebrada hoje numa vertente que se pode chamar "fancy" [invulgar/único]. A que nos interessa mais é como é que nós, que não temos azoto líquido e gelo seco em casa, podemos modificar a forma de cozinhar?

É um bom cozinheiro?
Não sei, mas gosto de cozinhar.

Fonte: DN por indicação de Livresco

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Aprender a ler e a escrever, passo a passo, letra a letra

A aprendizagem tem os seus métodos e ferramentas. É um processo complexo, denso, intenso. Aprender a ler e a escrever é a base de tudo o resto, há vários caminhos para lá chegar, e requisitos prévios que ajudam, não só cognitivos, mas também emocionais. As letras reproduzem os sons da fala, as crianças percebem como tudo funciona, são momentos fascinantes.

Acompanhar os manuais, improvisar, captar a atenção, juntar letras, juntar palavras, ler o que está no papel. Os professores usam as suas estratégias que vão ajustando consoante o grupo que têm à sua frente. Com liberdade e criatividade também para alcançar o que se pretende. A parte fonológica é sempre importante porque há letras que não têm sempre o mesmo som. Todos os detalhes interessam para aprender a ler e a escrever palavras, frases, textos. E não há um único caminho, há fusão de métodos.

Cada vez mais e cada vez mais cedo, as crianças têm contacto com os livros, com as letras, as palavras, os sons, muitas delas desde o pré-escolar. Além disso, há jogos focados nessas competências, há mais tecnologias disponíveis. Maior exposição significa normalmente maior assimilação. Aprendem mais cedo e com menos dificuldades.

Luís Filipe Redes, presidente da direção da Associação de Professores de Português (APP), recua no tempo para recordar que os métodos de ensino da leitura, durante muitos anos, “foram objeto de debates apaixonados, em que, na década de 70 do século passado, se alinhavam os métodos globais com a ideia de modernidade representada pela ideologia do construtivismo, do ensino por descoberta, da criança como sujeito da sua própria abordagem etc., enquanto os métodos sintéticos eram relacionados com o dirigismo pedagógico, a predominância das atividades de ensino sobre a aprendizagem autónoma da criança”.

Do global, do texto, da frase, da palavra, ou do elementar, do som, da letra, da sílaba, destas formas foram surgindo diversas alternativas. “A afirmação absoluta dum método carateriza-se em geral por restrições. Houve defensores acérrimos de métodos globais que recusavam que fosse dado o conhecimento das letras, antes de o aluno ser capaz de analisar frases em palavras, em sílabas e em letras, chegando a requerer que os pais não tentassem ensinar o abecedário”, refere Luís Filipe Redes. “Algo similar chegou a acontecer com os métodos sintéticos, com professores a exigirem que o aluno se restringisse a palavras que têm as letras que o professor já teria ensinado”, acrescenta.

Rimas, sílabas, fonemas
O processo de aprender a ler e a escrever não pode ser aborrecido, tem de ser cativante. Aspetos criativos e lúdicos devem ser utilizados. Mensagens escritas, ilustrações, jogos, desenhos. E brincadeiras também. O presidente da APP lembra o psicólogo José Morais que insiste que a leitura é uma atividade específica que tem necessariamente duas partes, a descodificação e a compreensão, e, nesse sentido, recupera o seu pensamento expresso em palavras. “Alguém já viu uma criança começar a correr sem primeiro ter dado o primeiro passo e depois outro e outro? Há quem queira que a criança se ponha logo a ler palavras e frases, isto é, que ela comece a correr antes de saber andar, mas isto é impossível: cai e esfola o nariz”.

“Os que falam em ensino da leitura pela descoberta e dão primazia à apreensão do sentido ignoram o interesse que as crianças têm pelos sons da fala que está presente na tradição da literatura oral infantil, em textos que, precisamente, acentuam o lado do som e levam a criança a descobrir rimas, sílabas, fonemas. Daí a quererem saber que letras correspondem a essas entidades que ela descobre nesses textos que são ludicamente decorados vai um passo. Portanto, a primazia do sentido não tem o monopólio da motivação para a aprendizagem da leitura”, sublinha Luís Filipe Redes.

Em 2013, nas metas do 1.º Ciclo do Ensino Básico foram incluídas indicações que insistiam na identificação de pseudopalavras que o aluno deveria ser capaz de descodificar. Hoje, refere o presidente da APP, “insiste-se, cada vez mais, na necessidade de assegurar que, no início da aprendizagem da leitura, a criança identifique fonemas, conheça as letras, faça a correspondência entre fonemas e grafemas (letras e grupos de letras que representam fonemas) e seja capaz de ler sílabas, palavras e pseudopalavras”.

Luís Filipe Redes refere o trabalho da professora Fernanda Leopoldina Viana. Os seus trabalhos, sustenta, “insistem tanto no desenvolvimento da fluência da leitura como condição da compreensão, como num trabalho pedagógico que leve o aluno a desenvolver a compreensão do texto nas várias facetas: o léxico, o literal, a dedução, a inferência e a apreensão do texto como um todo.” “As suas propostas combinam ensino explícito, com aprendizagem por descoberta e diversão”, adianta.

Rita Castanheira Alves, psicóloga clínica especializada na área infantil e juvenil, no artigo “Antes de ler e escrever, há muito para fazer” (...), salientou que, nos primeiros anos de vida, é essencial experimentar, desenvolver competências artísticas e a agilidade motora. Contactar com outras crianças, jovens, adultos, desenvolver a socialização, saber estar e partilhar, ouvir e conversar.

É tempo de brincar antes de aprender a ler e a escrever. Há tempo para isso, há muito para fazer antes disso. “Ou se calhar, com o foco e investimento nestas competências pessoais, sociais e emocionais, gradualmente e antes do 1.º Ciclo, a vontade da criança em saber o seu nome, em aprender a contar e a mostrar sinais de que está preparada para a aprendizagem escolar aparecerá espontaneamente”, dizia. E com mais interesse e vontade.

Fonte: Educare

terça-feira, 21 de setembro de 2021

Na escola é melhor ser feliz do que contente

Neste início de novo ano letivo, relembro uma proposta que, há cinco anos, apresentei aos meus alunos na primeira aula de setembro de 2016. Tinha sido num dia de agosto, na praia, em pleno momento de repouso em frente ao mar, que me surgira a ideia de começar a minha quarta década de docência propondo uma reflexão aos meus alunos, naquele momento ainda completamente desconhecidos para mim. Assim pensado, assim feito.

Depois da tradicional apresentação do professor e de algumas formalidades sobre as aulas, provoquei-os (alunos de 9.º e de 12.º ano), solicitando-lhes intervenções sobre a diferença entre dois grandes objetivos associados à frequência escolar: a alegria e a felicidade.

A generalidade dos alunos ficou algo perplexa com o desafio, mas, com a disponibilidade própria dos adolescentes, facilmente os mais extrovertidos começaram a responder à minha solicitação. Das diversas apreciações sobre o tema proposto, quer dos alunos de 9.º quer dos de 12.º ano, deu para perceber que, para eles, aqueles conceitos eram quase redundantes, não estabelecendo distinção entre alegria e felicidade. Os pontos de vista expressos mostravam que a interseção entre aqueles conceitos era absolutamente maior do que os pequenos pormenores que os pudessem diferenciar.

Permiti um ligeiro debate interpares sobre o tema e aprofundámos o assunto. Tentei demonstrar-lhes que alegria e felicidade, apesar de interligadas, não são o mesmo e que, para além da proximidade de emoções associadas à alegria e à felicidade, existem algumas diferenças fundamentais. Referindo apenas um exemplo: evidenciei a maior proximidade do riso com a alegria e do sorriso com a felicidade. Na verdade, nunca me aconteceu ter um aluno às gargalhadas quando lhe entrego um teste com 20 valores, mas, nos impercetíveis esgares, sinto-o profundamente feliz. Que felicidade, quando se sabe responder a alguma pergunta cuja resposta não é trivial!


Em seguida, apesar do espanto em que os sentia, entreguei uma folha de papel a cada um e pedi-lhes uma breve reflexão escrita sobre o assunto em debate, admitindo que se limitassem ao registo de algumas notas sobre as diferenças entre a alegria e a felicidade.

Lembro-me bem que me deliciei a ler as várias dezenas de páginas.

Aqui transcrevo alguns pequenos recortes desses escritos.

Testemunhos de alunos do 9.º ano:
  • A alegria é mais difícil de ocultar. A felicidade é mais difícil de alcançar.
  • A felicidade é algo que se vai ganhando ao longo da vida com as nossas experiências, que podem ser alegres ou tristes.
  • A alegria, ao contrário da felicidade, é uma sensação que não necessita de grande esforço.
  • Por vezes, a alegria é como uma falsa felicidade.
  • A felicidade de uma pessoa que subiu de cargo pelo seu próprio esforço é muito maior do que a felicidade de uma pessoa que tenha sido promovida por suborno ou por laços familiares.
  • Há quem esconda a infelicidade atrás de uma absurda alegria sem motivo.
  • À alegria aplica-se o verbo estar; à felicidade, o verbo ser.
Testemunhos de alunos do 12.º ano:
  • O procurar ser feliz está cada vez mais a cair em desuso, porque as pessoas se preocupam mais com pequenos prazeres momentâneos.
  • A alegria é um sentimento leve e breve. A felicidade é o que sinto quando algo de bom me acontece numa área que realmente se apresenta como fundamental para a minha sanidade e equilíbrio mental.
  • A felicidade é uma alegria que vem do coração.
  • A alegria vive-se num certo momento, num período de tempo. Por sua vez, a felicidade transmite um sentimento constante, que mora dentro da pessoa e que se mantém mais tempo que a alegria.
  • Ambos os sentimentos são satisfatórios, apesar de a felicidade ter mais impacto do que a alegria.
  • A alegria e a felicidade são sentimentos que transmitem ambos impressões positivas, mas são completamente diferentes.
  • A felicidade é mais ampla e abrangente que a alegria; no entanto, ambas têm um grande peso na minha vida e igual importância.
  • A alegria e a felicidade são sentimentos muito semelhantes e estão muito presentes no nosso dia a dia.
  • A felicidade é mais um estado interior e a alegria é mais exterior.
  • A felicidade é uma alegria eterna.
Efetivamente, a alegria é um estado de espírito que muitos de nós atingem com grande facilidade. Basta uma anedota, basta uma vitória do nosso clube preferido, basta uma festa com amigos, uma música bailadora ou até, tristemente, assistir ou participar numa praxe académica (daquelas que submetem os caloiros à condição de escravos). Por outro lado, a felicidade parece ser algo que está em permanente processo de construção, sempre inacabado, sempre incompleto, tal como a educação e a formação do ser humano. Não existe felicidade completa, perfeita, e, talvez por isso, porque a felicidade seja algo que não se atinge nem fácil nem completamente, parece que nos dispomos a investir mais na procura de momentos de alegria do que na construção de situações que contribuam decisivamente para ir edificando um estado de espírito que nos aproxime da felicidade. Vivemos em tempos de sermos levados a desenvolver a ideia de que a felicidade é inatingível, pelo que não vale o esforço de nos preocuparmos com esse mito. Ao contrário, a alegria, de fácil alcance, é um razoável substituto e muito compensador, pelo menos aparente e imediatamente.

Desde a última década do século XX que em Portugal se fazem experiências de orientar o ensino em função dos interesses dos alunos (cf. programas para o ensino básico de 1990-1991). Apesar de malogradas, voltámos a viver em tempos em que o Ministério da Educação, aprimorando o combate à qualidade da escola pública, revogou todos os programas e pretende que a escola, as aulas e a educação devam estar centradas no aluno e nos seus interesses, mais do que no conhecimento.

Veja-se o que é proposto, em 2021, pelas Aprendizagens Essenciais de Matemática, que, exaltando a frustrada ideologia dos anos 90, preconizam que os professores utilizem como estratégia de ensino «provocar a discussão de ideias com toda a turma, questionando os alunos sobre o que querem saber». Que tamanha imbecilidade! Como se eu, professor, mesmo com os programas eliminados, não soubesse qual a sequência de aprendizagens que devo promover e estivesse ali para entreter os alunos enquanto os pais estão a trabalhar. «Que tal irmos aprender a melhorar os desempenhos num jogo de Playstation?» – propõem os alunos. «E agora?» – interroga-se o professor. Agora? Ainda te interrogas? Então não foste tu que, seguindo escrupulosamente as orientações do Ministério da Educação, os questionaste sobre o que queriam saber?…

Docentes e não docentes, todos temos claro conhecimento de que, frequentemente, os conteúdos lecionados versam sobre assuntos completamente desconhecidos dos alunos. Assim, como seria possível um aluno querer saber algo sobre um tema que, para ele, simplesmente não existe? Impossível, por definição! Talvez os responsáveis pelo Ministério da Educação estejam convencidos da bondade da proposta, mas menos convencidos da sua razoabilidade, pois utilizaram as férias escolares para fingir uma discussão pública e, como quem o quer fazer à socapa, para que entrem disfarçadamente no sistema pela porta camuflada das férias (na gíria da minha adolescência, dizia-se “fazê-lo pela surra”), aproveitaram o passado dia 19 de agosto para publicar o despacho com a respetiva homologação.

Ora, uma escola centrada na fruição de prazeres e na obtenção de alegrias constantes é mais apropriada para formar patetas contentes do que seres humanos na sua plenitude e dificulta muitíssimo a transmissão e a aquisição de conhecimentos. Numa turma com 28 alunos há, nem mais nem menos, 28 conjuntos de interesses diferentes, e a escola não pode ser uma feira popular ou um centro de ocupação de tempos livres. Alguém acredita que, anualmente, seja do interesse simultâneo de centenas de milhares de jovens estudar Fernando Pessoa ou Camões, épico ou lírico? No entanto, todos sabemos o rombo que a noção de portugalidade sofreria se esse “interesse” não lhes fosse incutido.

A escola básica e secundária, do ponto de vista da aquisição e construção de conhecimentos, da formação científico-humanista dos cidadãos, ou mesmo na perspetiva de poder ser um estádio intermédio para acesso a um curso superior, deve ser encarada como um local de sociabilização onde se desenvolve um processo merecedor de grande investimento para a construção da nossa realização como pessoas e da nossa felicidade. E a promoção deste objetivo não se faz colocando o foco na tecnologia e estimulando a diversão. Na entrevista dada ao The Guardian (22/08/2021) e da qual a Visão fez eco (29/08/2021), a psiquiatra e especialista em vícios Anna Lembke explica que «o facto de estarmos obcecados com a necessidade de satisfação constante e imediata faz com que estejamos sempre a estimular o sistema límbico, que processa as emoções, em vez de estimularmos o córtex pré-frontal, responsável pelo controlo, atenção, resolução de problemas e desenvolvimento da personalidade».

Naturalmente que, ao longo do nosso percurso escolar, é imprescindível e inevitável termos muitos momentos de alegria. A alegria é extremamente agradável, a alegria é preciosa, a alegria é também fundamental. Mas a principal finalidade das aulas, grande parte das quais com bastantes alunos com enorme disposição para a brincadeira, não pode ser proporcionar-lhes momentos de alegria. É natural e desejável que isso aconteça em algumas ocasiões, todavia a orientação principal deve ser a da aquisição dos conhecimentos, acompanhada pela reflexão sobre a vida, a ciência, as artes e as humanidades, que proporcionem aos alunos uma boa preparação para enfrentar tanto eventuais estudos futuros como a vida em geral, quer nos aspetos profissionais ou sociais, quer nos privados e pessoais. Para o matemático e filósofo Bertrand Russell, há três meios que nos conduzem com facilidade a especiais momentos de felicidade: o mais comum é o amor, outro é o conhecimento e outro a arte. E o principal desígnio da escola é a transmissão de conhecimentos, diligenciando o sucesso nos estudos e na vida pessoal e profissional, e deve ser claramente mais associado à construção da felicidade do que à promoção da alegria e do divertimento.

Mas, para tal, é também necessário valorizar o reconhecimento social dos professores, tal como é necessário combater a indisciplina, a brincadeira e o ruído nas salas de aula (uma coisa de apavorar muitos dos comuns mortais). É imprescindível apreciar muito a disciplina e, com equilíbrio, proporcionar alguns momentos de silêncio. Tal como na apreciação de uma obra cinematográfica, a qualidade das aulas deve também ter em conta os momentos de silêncio. Não os silêncios de velório, mas os de estudo, de aplicação de conhecimentos, de reflexão, daqueles que fazem nascer os sonhos que comandam a vida. É no mesmo sentido que Anna Lembke afirma que «as pessoas deixam de saber ficar a sós com os seus pensamentos e procuram na tecnologia um escape, o que significa que raramente perdem tempo com tarefas que despendam muita energia ou estimulem a criatividade». Na verdade, os silêncios são frequentemente parteiros de ideias vivas, para além de incrementarem o respeito pelos outros, porque aprender na escola é também aprender em conjunto (para quem tivesse dúvidas, a experiência provocada pela pandemia arrastou a queda abrupta das aprendizagens, pela quebra do conjunto, pela falta da relação humana, em presença).

A educação em geral, e a escola em particular, deve passar por muitos momentos de alegria, porém a finalidade deve ser dirigida para a construção da felicidade. O recreio é mais apropriado para acolher e desenvolver os momentos de alegria, enquanto as aulas têm maior vocação para se focarem na construção da felicidade pela aquisição de conhecimentos. Se bem que é costume reconhecer-se que a produção de grandes obras não parece estar fortemente associada à felicidade do autor, é certo que o contacto com grandes obras nos proporciona ótimos momentos de felicidade. Quanta felicidade se potencia, de modo individual e diverso nos diversos alunos, ao explorar clássicos da literatura, ao mergulhar nos dilemas filosóficos, ao demonstrar teoremas, ao adquirir perspetiva histórica, ao nos deixarmos invadir por um poema ou por uma sinfonia, ao melhorarmos a compreensão das forças físicas e químicas que gerem o universo e nós próprios.

Há, neste processo, um problema intrínseco, que é o da pouca capacidade que, enquanto jovens, temos em reconhecê-lo no imediato. Porém, é suposto que os professores e os pais já tenham ultrapassado essa fase e confiem plenamente no fortalecimento dessa capacidade. Tal como os pais não desistem quando é necessário dar alimento ao filho que “faz fita para comer”, os professores devem mostrar-se firmes, sem vacilar, com todos os seus pupilos, porque o objetivo não é o imediato e a finalidade é maior. Os pais, por ligação biológica, têm um amor natural pelos filhos; de forma algo semelhante, os professores, por formação deontológica, desenvolvem uma ligação com os seus alunos que, embora muito diferente do amor de pais, é também desse domínio. Consequentemente, tal como os pais não expulsam de casa o filho que se porta mal, também os professores, relativamente aos alunos que demonstram maior dificuldade em distinguir os comportamentos adequados, não devem recorrer à expulsão da sala de aula, pois o prejuízo é demasiado grande, mas devem antes utilizar a respetiva formação profissional para que, em simultâneo com as propostas desafiantes facilitadoras do acesso aos conhecimentos, exijam, desde o primeiro momento, a correção dos comportamentos.

Seria muito importante que a sociedade, através de normas explícitas dos poderes políticos, apostasse na valorização social do reconhecimento e da autoridade dos professores, tanto pelos alunos como pelos pais e pela comunidade em geral. A minha experiência acumulada de muitos anos de docência, que nos últimos quatro anos foi partilhada com o exercício das funções de subdiretor de uma escola secundária da capital do país, fez-me constatar a existência de uma fração crescente, embora claramente minoritária, mas não despicienda, de pais que apoiam os filhos em atitudes de enorme desrespeito pelos professores, com casos em que são os próprios pais na dianteira desse terror, o que é um sinal destes tempos que não consigo acomodar. É verdade que há também casos (poucos) de professores, ou melhor, de uma espécie de dadores de aulas, que revelam enorme desrespeito pelos alunos. Embora o número destes casos seja residual, seria ótimo que se implementassem mecanismos mais eficazes para os arredar da função pública (no privado é relativamente simples descartar esses dadores de aulas tresmalhados).

A propósito da distinção entre alegria e felicidade, rememoro igualmente que, já perto do final desse ano letivo 2016/2017, depois de Portugal ter vencido o Festival da Eurovisão com uma canção muito bonita, tanto na letra como na melodia, sem artifícios para fomentar a alegria, dirigi aos meus alunos a seguinte mensagem, cujos retornos foram deliciosamente compensadores:

«O fenómeno europeu “Salvador Sobral” parece indicar uma tendência para dar mais valor à felicidade do que à alegria, o que não é habitual na Eurovisão e também é muito raro na faixa etária em que vocês se encontram.

Talvez, devagarinho, possam aprender que os estudos conseguem, em geral, contribuir decisivamente para a vossa felicidade.

Outra coisa que certamente contribuirá profundamente para a vossa felicidade é o amor. Mas aqui fica um conselho: não desistam à primeira, nem à segunda, nem à terceira, mas não se ponham a “amar pelos dois”. Não se deve amar sozinho, pois o amor exige reciprocidade.

Desejo que sejam felizes.»

Desejo verdadeiramente que os meus alunos sejam felizes, muito mais do que contentes e, decisivamente, não patetas contentes.

Carlos Grosso

Fonte: Observador por indicação de Livresco

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

As emoções não podem ficar à porta da escola ou escondidas atrás da máscara

Os despertadores das famílias voltam a tocar mais cedo, as campainhas das escolas voltam a ecoar pelos corredores e recreios.

Inicia-se um novo lectivo e à semelhança do ano passado, as máscaras fazem parte do kit da escola. Por entre algumas dúvidas e muitos receios, perspectivam-se rasgos da dita antiga normalidade que alternam com evidências dos tempos da actual pandemia, construindo uma realidade híbrida, como agora tudo parece ser.

Enquanto psicóloga clínica estou menos preocupada com os conteúdos curriculares em atraso e mais inquieta com a perpetuação de máscaras e de pais à porta. Preocupa-me mais a repetição de alguns erros já feitos e estes muros elevados entre famílias e escolas. Há estabelecimentos de ensino que fazem uma interpretação das directrizes em vigor, que parece legitimá-los a proibir a entrada dos pais na escola, mesmo em situações de adaptação de crianças pequenas. Outros que procuram resgatar a noção de equilíbrio e dos verdadeiros superiores interesses da criança.

Percorro os planos curriculares e os planos de formação dos professores e continua a ser escassa ou inexistente a presença de conteúdos promotores de inteligência emocional, atenção plena e saúde psicológica. Pede-se que os mais novos saibam os rios de Portugal mas não se pede que nomeiem as emoções primárias. Pede-se aos professores flexibilidade e resiliência mas não se ensina como mobilizar essas competências internas.

Cada família, cada turma e cada escola vivenciaram o último ano e meio de pandemia de uma forma particular. Necessidades variadas surgiram, muitas delas ainda por responder. Alterações de comportamento que se normalizam à força pela fase de desenvolvimento, desatenção e dificuldades de aprendizagem que se rotulam de “gerais”, falta de competências sociais que se ignora, quebra de laços entre crianças e adultos que se julga ser reversível e horas imensas de ecrã que se julgam inevitáveis.

É fundamental, por isso, que nos próximos meses se reclame o nosso poder de fazer diferente. Todos, cada um à sua escala. É urgente ensinar-se a nomear, legitimar e regular emoções. É crítico premiar-se o erro e a oportunidade de aprendizagem que acarreta ao invés de o punir e julgar. É importante criar-se espaços de comunicação eficaz entre crianças, famílias e escola. É determinante levar práticas de meditação mindfulness e de inteligência emocional para o programa curricular. É crucial que o número de psicólogos clínicos disponíveis para crianças, professores e famílias aumente.

Neste início de ano lectivo há, também, que voltar a reintroduzir mais o papel nas rotinas diárias dos mais novos. Os equipamentos electrónicos podem ser úteis e didácticos, com um uso consciente e monitorizado pelos adultos. Contudo, nada substitui a experiência de segurar num lápis ou caneta, treinar a motricidade fina e sentir o papel. Nada é idêntico a colorir no papel, com mais e menos força. Nada se equipara a histórias contadas em livros impressos, a teatrinhos de fantoches feitos em cartolina. Ler, escrever e desenhar em papel estimula os sentidos e aumenta os níveis de concentração e criatividade. Crianças e adultos podem fortalecer os seus laços em torno de actividades em papel, que potenciam o foco e maior envolvimento de todos.

Neste novo ano lectivo, troque os ecrãs por papel, troque os tablets por livros impressos, troque os telemóveis por lápis de cor. A cada dia, pergunte mais vezes: “Como é que te sentiste hoje?” Abra espaço a todas as emoções, as mais e menos agradáveis, sem julgamento, apenas com curiosidade e compaixão. E dê o exemplo enquanto adulto, sendo mais gentil consigo mesmo.

Filipa Jardim da Silva

Fonte: Público

domingo, 19 de setembro de 2021

Novo ano letivo: regressar ao normal?

Após dois conturbados anos letivos, devido à pandemia, as escolas preparam-se para um terceiro ano ainda bastante incerto, mas que desejam que seja o mais normal possível. O regresso à normalidade domina as declarações públicas de diretores escolares e de pais, alunos e professores. Este desejo de regresso à normalidade, sendo lógico e compreensível, após dois anos de imensa instabilidade, incerteza e experimentação, constitui ao mesmo tempo um sério problema.

De facto, este passado recente está prenhe de novas circunstâncias, novos ensinamentos e de novas práticas educativas, bem e mal-sucedidas. Ou isso é motivo de aprendizagem individual e coletiva, com base na reflexão de cada escola, ou perdemos uma excelente oportunidade para desenvolver uma educação pautada por uma (nova) qualidade, que brota da equidade e da personalização, da igualdade de oportunidades e do cuidado. Voltar ao normal é andar para trás e virar a cara aos desafios que temos diante dos olhos.

Se quisermos passar uma “borracha” sobre estes dois anos e apagar e esquecer tudo o que se passou, iniciaremos bastante mal o novo ano letivo. Em educação, quando não se avança, recua-se.

O contexto mudou:
(i) o imenso medo que se instalou entre os alunos, sobretudo entre os mais novos (que tendemos a menosprezar), pede-nos cuidados redobrados na sua escuta, no seu encorajamento e em torno do seu bem-estar; (ii) a perda gigantesca das experiências de comunicação, de cooperação e de entreajuda reclama urgentes investimentos na interação, no trabalho de equipa, nas dinâmicas entre pares e na reconstrução de ambientes escolares como verdadeiras “comunidades educativas”; (iii) as profundas desigualdades que se evidenciaram na consecução de aprendizagens nucleares e nos modos de acesso e usufruto dos meios tecnológicos chamam a atenção para cuidados redobrados para com aqueles que estão hoje ainda mais fragilizados que antes; (iv) as dinâmicas inovadoras de ensino e aprendizagem que o “ensino à distância” gerou constituem uma experiência cheia de ensinamentos, com efeitos positivos e negativos sobre os processos de ensino e aprendizagem, que importa peneirar, incorporando o mais rápido possível os ganhos obtidos, que são muitos; (v) o “novo” envolvimento das famílias e das autarquias na promoção da escolarização e da igualdade de oportunidades vem abrir novas possibilidades à volta da participação da comunidade na escolarização de todos, com particular atenção aos mais pobres e negligenciados… Se tudo isto ocorreu em vão, se não importa e é para esquecer o mais depressa possível, isso vem revelar que nosso sistema escolar está mais bloqueado do que se poderia pensar e perderá qualidade a um ritmo muito acelerado, deixando a salvo aqueles que sempre se salvam, enquanto a maioria lá ficará a um canto, agarrada aos seus telemóveis, entretidos e ausentes do mundo e da sua própria vida.

Voltar ao normal é regredir, é recusar seguir por diante e aprender com o difícil caminho feito durante estes dois anos.

Identifico cinco domínios em que estes anos nos pedem para seguir por diante, para não ficarmos agarrados ao chão que pisámos, nos incitam a descolar.

Primeiro: fica muito mais claro que a competição como modo de vida das escolas e modo de estar nas salas de aula é um buraco negro: leva à recusa do outro e do diferente, envolve a seletividade numa conversa doce sobre incapacidades dos alunos para aprender e para aproveitar as oportunidades oferecidas, é excludente e acentua um modo de vida em comum em que cada um é para si e está por si. Nada de positivo e humanamente sustentável nasce deste tipo de ambiente escolar.

Segundo: torna-se mais evidente que as escolas ao colocarem os seus principais esforços na concorrência entre si, ou seja, ao darem tudo para “ficar bem na fotografia” das avaliações externas, ao saltarem administrativamente por cima das reais dificuldades que o aprender e desenvolver-se supõe por parte de cada aluno, sobretudo dos que se encontram mais desprotegidos e marginalizados, ao selecionarem os alunos supostamente com base no mérito, estão a negar, ainda que aparentemente de modo doce, a cidadania e o desenvolvimento a muitos milhares de portugueses que confiam na escola ou que a ela têm de recorrer obrigatoriamente para pertencerem.

Terceiro: salta muito mais à vista que o cumprimento das normas é insuficiente para que a escola para todos seja democrática e justa e, nesse sentido, tenha qualidade. Embora o abandono e o insucesso escolares tenham diminuído imenso, ainda deixámos para trás perto de 10% dos alunos sem conclusão da escolaridade de 12 anos e cerca de 30% dos alunos reprovam antes de concluir o 9º ano. Uma escola cheia de normas e repleta de moral pode ser, ao mesmo tempo, um ambiente de escassez ética, uma instituição que, cumprindo todas as normas, é incapaz de dar a cada um a resposta concreta que cada um reclama, sobretudo os “diferentes”.

Quarto: é bastante claro que a “digitalização” representa um caminho irrecusável (manuais digitais, meios tecnológicos, plataformas de e-learning, enriquecimento dos processos de ensino-aprendizagem e da avaliação formativa) e que as escolas que incorporarem os ensinamentos que o ensino à distância já proporcionou, integrando e aprofundando esse caminho, vão poder crescer nesta qualidade de que aqui falo, comprometendo mais e melhor quer os seus alunos no esforço diário de aprender e ser mais, quer os seus professores na árdua missão de ensinar e educar.

Quinto: existem entretanto novas condições para que os professores e os órgãos pedagógicos de cada escola possam gerir o currículo prescrito de modo mais autónomo, inteligente e adequado, articulando vertical e horizontalmente as disciplinas, os saberes e as competências, o que representa uma excelente oportunidade para melhorar o ensino e as aprendizagens.

Dois anos volvidos e tantos escolhos depois, será muito mau se voltarmos ao normal, como se nesta semana de recomeço do ritmo escolar anual bastasse dizer: “the show must go on!”.

Uma escola não só para todos, mas sobretudo para cada um e com cada um, tem de ser uma instituição que cuida, que se foca no essencial, nos melhores processos de ensino e de aprendizagem e que não deixa nunca um só aluno para trás, seja sob que pretexto for. E hoje isso requer: a reconstrução de um quadro de cuidado, cooperação e bem-estar que acolha, promova e escute a voz de cada um, a reconfiguração do foco das inúmeras ações das escolas, fazendo menos e melhor, num ambiente eticamente mais enriquecedor, a reformulação do modo de gerir o currículo e a reestruturação dos tempos e espaços, dos grupos de alunos e de professores, numa geometria variável, sempre à procura de servir de modo positivo e encorajador a melhoria das aprendizagens, a emancipação e a liberdade de cada cidadão.

E para isso é preciso parar, refletir, preparar e programar novos passos, num novo horizonte, sempre prontos para avaliar e corrigir. Este deveria ser, pois, um tempo de recomeços e não apenas do retorno ao habitual e ao conforto dos sofás encovados e corroídos.

Tem de ser o modo como cada escola cuida de cada um, sobretudo dos mais frágeis e desprotegidos, a definir a qualidade da educação. Bom ano!


Joaquim Azevedo
Professor da Universidade Católica Portuguesa (Porto) e membro do Conselho Nacional de Educação.