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quarta-feira, 15 de junho de 2016

A calheta de Cacilhas

Offerecemos uma vista da pequenina abra ou calheta do logar de Cacilhas, tomada do barco de vapor que para alli faz constante carreira diaria. (1)

Vista Geral de Cacilhas, ed. José Pinto Gonçalves, década de 1920.
Imagem: Delcampe - Bosspostcard

A referência mais antiga a Cacilhas de que dispomos data de 1348 onde a palavra Cacilhas se inscreve em assento notarial.

Sabemos que o porto, anteriormente a 1838, era uma baía protegida dos ventos de Norte por uma linha de rochas, o Pontaleto, e limitado a Sul por um promontório o Pontal. Entre estes limites dois outros alinhamentos rochosos também de sentido Leste-Oeste dividiam a baía em três partes: a do Norte era a praia de Cacilhas propriamente dita, a do Sul a praia das Conchinhas e entre ambas ficava a da Lapa.

À parte os alinhamentos rochosos as praias eram de areia, propicias ao encalhe de pequenos barcos e proporcionavas ás embarcações um bom abrigo dos ventos, excepto os de Leste e Nordeste. Estes mais desagradáveis que ofensivos.

Cacilhas, ed. Paulo Emílio Guedes & Saraiva, 20, década de 1900.
Imagem: Fundação Portimagem

Lugar de embarque privilegiado entre a "outra banda" e Lisboa é natural que tenha surgido ali, muito cedo (Século XII?) uma albergaria destinada a peregrinos e outros viajantes como se depreende do primitivo nome: Albergaria dos Palmeiros.

Pontal de Cacilhas, ed. Alberto Malva/Malva & Roque, 135, década de 1900
Imagem: Delcampe

Mais tarde, (Século XIV) aparece uma gafaria, tendo por Orago S. Lázaro. Gafaria e Albergaria são, no principio do Século XV, a mesma instituição designada por Casa dos Gafos de Cacilhas e, pouco depois, por Albergaria de S. Lázaro.

Dispunha de alojamentos separados, em diferentes casas, para peregrinos e para os gafos, como seria obrigatório; entre as duas casas havia um pãtio ou terreiro onde se erguia a ermida de S. Lázaro. A administração era municipal, parecendo ser, entre as instituições nacionais mais antigas congéneres, uma das raras que pode ter sido de iniciativa municipal.

O farol e a doca de Cacilhas, colecção Henrique Seixas, Museu da Marinha,
in Loureiro, Carlos Gomes de Amorim, Estaleiros Navais Portugueses...
Imagem: Livreiro Monasticon

Em 1569, por uma provisão de D. Sebastião, a administração foi confiada à Misericórdia de Almada que, no entanto, elegia anualmente para "mamposteiro", em representação do provedor da Misericórdia dos dois juízes ordinários de Almada que haviam exercido funções no ano anterior.

Foram "mamposteiros" de 5. Lázaro, no Século XVI, D. João de Portugal, que inspirou o famoso "romeiro" de Garrett, D. João de Abranches e Fernão Mendes Pinto, entre outros.

Segundo supomos a albergaria situava-se do lado Norte da Rua Carvalho Freirinha, perto das novas instalações do Ginásio Clube do Sul. Neste local foram encontradas ossadas (não estudadas) que deviam pertencer ao antigo cemitério do gafos.

As casas da albergaria estavam separadas da povoação por uma Quinta de lavoura. No mesmo sítio Esteve instalado no Século XVIII o "hospital dos ingleses" uma instituição que provia à assistência de passageiros e tripulantes de barcos ingleses, incluindo os obrigados às quarentenas.

Vista norte de Cacilhas. Em primeiro plano ao lado esquerdo, dois marinheiros carregam cestos a partir de uma barcaça, com a inscrição 'JWells Aqua', para o convés de um ferry-boat onde uma mulher e dois homens aguardam. Do lado direito um barco transporta um passageiro abrigado por um dossel e seis remadores. Vista da igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso, do porto e do lugar de Cacilhas. A bandeira inglesa sobre o hospital. Ao fundo, veleiros no rio Tejo.
in British Library    
Imagem: Cabral Moncada Leilões

Ainda há poucos anos os terrenos neste sítio pertenciam a súbditos ingleses que os devem ter adquirido à antiga instituição; o hospital dos ingleses deixou de funcionar em meados do Século XIX.

Praia de Cacilhas, The Harbour of Lisbon, Charles Henry Seaforth (1801 - c. 1854).
Imagem: reprodução em colecção particular

No Século XVI a povoação é frequentemente citada com a designação de "porto de Cacilhas" e tanto quanto sabemos era uma pequeno aglomerado que não consta que dispusesse: sequer de igreja que não fosse a dos lázaros, a qual enquanto houve leprosos (até ao Século XV) servia apenas a estes.

No Século XVII já estava em funcionamento outra ermida, a de Santa Luzia, dependente da matriz da Freguesia de Santiago.

O terramoto de 1755 destruiu ambas as ermidas, que não foram reconstruidas. A ermida de Santa Luzia situada talvez no Beco do Bom Sucesso, logo à entrada, segundo cremos, pela existência de um painel de azulejos que se conservou até há pouco num pequeno prédio e pela antiga designação de "Rua das terras da igreja".

Cacilhas, Caes e Pharol, ed. desc., década de 1900.
Imagem: Fundação Portimagem

Em meados do Século XVIII já ao antigo orago da ermida Santa Luzia se sobrepunha o novo a Senhora do Bom Sucesso que vem a ser a invocação da nova Igreja de Cacilhas, construída após o terramoto.

De S. Lázaro, protector dos leprosos, passa se a Santa Luzia, ainda protectora de doentes e depois à Senhora do Bom Sucesso orago de navegantes; uma evolução que exprime, de certo modo, a transformação social e económica: de sítio de passagem, relativamente pouco povoado (até ao Século XV) e albergue de doentes e viajantes passa a porto importante com grande movimento comercial e predomínio de população ligada às fainas marítimas.

Cacilhas, Caes e Pharol, ed.Tabacaria Havaneza, década de 1900.
Imagem: Delcampe

É pelos Séculos XVII e XVIII que aparecem os grandes armazéns de vinhos e de azeites em Cacilhas, principalmente ao longo do Ginjal, correspondendo ao apogeu da cultura da vinha na região de Almada.

Em 1838 o porto foi melhorado com a construção de um cais de alvenaria sobre o Pontaleto, formando esporão e com a construção ou reconstrução da muralha que ia desde o Pontaleto ao extremo Sul da praia, frente à actual Rua Cândido dos Reis. No extremo do esporão e escadaria que o rematava instalou se uma coluna de pedra com uma lanterna, servindo de farol.

Cacilhas, Charles Chusseau-Flaviens, c. 1900/1919
Imagem: George Eastman House

Em princípios do Século XIX Cacilhas estendia-se quase duas centenas de metros ao redor da pequena baía. (2)


(1) O Panorama, n° 18, vol. IX, Lisboa, Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis, 1847
(2) R. H. Pereira de Sousa, Almada, Toponímia e História, Almada, Câmara Municipal de Almada, 2003, 259 págs.

Alguns artigos relacionados:
Na esplanada do forte de Cacilhas
Cacilhas vista do Tejo, em 1847

Tema:
Cacilhas

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

O canto dos pescadores do Tejo

Pescalio, Marino, Alcam.

O Mês de Março, natureza morta com peixes e mariscos, Josefa d'Óbidos, 1668.
Imagem: Saberes cruzados

Pescalio.

Marino, he tempo já de hirmos alçando
A pezada fateixa, e as brancas vellas
Hirmos das pardas cordas dezatando.
Já do Ceo dezertarão as Estrellas,
Mas tremólão as ondas, pulão vivas
As bogas cor de prata á tona dellas.
Não ferão hoje as oras tão esquivas,
Que colhamos a rede apanhadora,
Toda prenhe de pedras só nocivas,
Empurra tu a Lancha para fora;
Que eu de huma, e outra banda o leme engasto.
Ajuda tu, Alcão: carrega agora.
Já lhe podes metter o leme gasto:
Vamos saindo, e lá em mais altura
Accenderemos fogo ao pé do masto.
Que manhã tão gentil! Tao fresca, e pura!
Ah! Em quanto não somos sobre a costa,
Vejamos quem melhor no canto atura.

Belem Castle, Rev. William Morgan Kinsey, Portugal Illustrated in a series of letters, 1827.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

Marino.

Pelo teu gosto estou, mas sem aposta;
Canta tu lá conforme o teu dezejo,
Que eu só canto de quem minha alma gosta.

Alcam.

Pois cantem ambos, que eu a escota rejo.

Marino.

Inda que eu sobre as ondas fui creado.
Que do fruto das ondas me sustento;
Suspiro pelo campo apaixonado
Qual nossa embarcação pelo bom vento:
Só fobre o campo verde, e matizado
Com alegria os olhos apascento:
Só sobre elle he que eu vi o rosto bello,
De Filiz, porquem tanto me disvello.

Paisagem com rio, torre arruinada e pescadores, Jean-Baptiste Pillement, 1791.
Imagem: Sotheby's

Pescalio.

Eu do campo nao quero as alegrias:
Nao quero as faces ver de neve pura.
Só quero ver das nossas margens frias.
As almas todas cheias de candura:
São melhores no mar as calmarias;
Que as virações rizonhas na espessura:
Mais que o Xerne, ou Corvina á molle Arraia,
Excede em tudo ao campo a nossa praia.

Marino.

Apascentar n'hum dia de deleite
Os olhos por hum prado verdejante;
Ver mulgir no curral o branco leite,
Dentro do grosso tarro fumegante:
Ver urdir a Pastora sem emfeite
A grinalda purpúrea , e alvejante;
Nada, nada produz tamanho gosto,
Como de Filiz ver o bello rosto.

Ai credo!, José Malhoa, 1923.
Imagem: borboletanaflor

Pescalio.

Undilia, a minha Undilia he mais formoza,
Que a Lua, e os Salmonetes encarnados:
A viração travessa, e preguiçoza
Vence no doce rizo, e nos agrados:
Por sua trança de oiro bulliçoza
Se ição loucos dezejos namorados;
Mas Undilia tao meiga como altiva,
Só tem hum Pescador; e os mais esquiva.

Marino.

Quando Filiz dezata a voz do peito
Ao tom de sua lyra torneada,
Se obferva o Cordeirinho satisfeito
C'o a relva sobre a boca pendurada:
O negrume do Ceo foge desfeito:
Perde o Sul a braveza de nodada.
Que sentirá por ella quem a adora
Com todo o excesso d'alma, auzente a chora?

Pescalio.

Huma manhã, que o vento furiozo
As Lanchas todas destroçar queria;
Que o trovão rebentando estrepitozo,
As mesmas rochas abalar fazia;
N'hum canto rogativo, e ferverozo
Rompeo Undilia a santa melodia.
Eis que morre o temporal tão carrancudo:
Mostra-fe o Ceo rizonho, o vento mudo.

Marino.

Se eu fem lezão das pedras para fóra
Arranco os caranguejos esquinados:
Se encho de mixilhões a qualquer ora
Fundos cestos de vime acugulados:
He só porque me lembro, alva Pastora,
Do influxo de teus dons acryzolados.
Sobre mim elles pódem mais por certo,
Que as Eftrellas do Olympo defcoberto.

Pescalio.

Se sendo Arrais da Lancha, eu a governo
Sem perigo das ondas espumantes:
Se eu tanto no Verão, como no Inverno
Advinho as tempestades innundantes:
Tudo devo ao poder invicto, e terno
De teus volúveis olhos faiscantes.
Por teus olhos, e face pudibunda
Se adorna o dia, o campo se fecunda.

Marino.

He tal minha paixão, e meu extremo
Por tua voz, e angélico semblante.
Que na auzencia de ti ás vezes temo
Cahir dentro nas agoas delirante.
Saudozo os braços cruzo fobre o remo.
Sobre o Ceo fito os olhos palpitante:
A pésca me enfastia, e aos outros rogo,
Que buscamos sem mais o porto logo.

Cecília, Henrique Pousão, 1882.
Imagem: Wikiwand

Pescalio.

He tal o meu amor o meu dezejo
Por teu rosto, oh Undilia appetecida,
Que se ao levar do Cáis eu te naò vejo,
Me agoiro sorte má na nossa lida.
Sem alguma esperança arrojo ao Tejo
Apoz huma outra rede entertecida.
Sem fé as dezenvolvo, porque caia
O pobre, ou rico lanço sobre a praia.

Marino.

Os dons do nosso trafego, Pastora,
Nao são dignos da tua gentileza;
Por isso de te dar nao ouzo agora
Quantos da minha conta forem preza.
Como vives no campo, os dons de Flora
Para ti só escolho por fineza,
Nao te darei maryscos, Peixes muitos:
Más ricos ramalhetes, ricos fruitos.

Pescalio.

Offertar-te nao posso os brandos véllos;
Os Cabritinhos tenros e balantes;
Nem os frutos rozados, e amarellos.
Os roxos cravos, os jafmins fragantes:
Mas posso-te offertar os peixes bellos,
Os Camarões, e as ostras gotejantes.
Os reconcavos búzios gritadores,
As conchinhas que brotao resplendores.

Marino.

Aviza-me, oh Pastora moça, e bella,
Quando a tua lavoira principia;
Quando a espiga desfolhas amarela,
Quando cuidas na cresta, e na tosquia;
Que eu hirei ajudar-te a toda ella
Sem mais premio, que a tua companhia.
Corresponde-me tu, qual te eu mereço,
Que eu do barco, e de tudo me despeço.

Cócegas, José Malhoa, 1904.
Imagem: Wikimédia

Pescalio.

Vem ver, loira Undilia, Mãe das graças,
Pular na area os peixes nadadores:
Comigo desprender as verdes naças;
Puxar pelos anzoes enganadores:
Vem alegre, não sejão tão escaças
Tuas feições c'os pobres Pescadores.
Tú mesma tirarás daquellas grutas,
Hum cestinho de amêijoas bem emxutas.

Marino.

Todo absorto de amor sincero, e grato,
Por, meu Bem tao honesto, e perigrino,
Eu juro fazer troca deste trato
Pelo trato Serrano, e Campuzino.
Antes viver com Filiz só n'hum mato,
Que com muitas no trafego marino.
Antes de Filiz huma graça pura
Que das bordas domar toda a ternura.

Pescalio.

Amar sempre esta vida Piscatoria
Por ti, oh meiga Undilia, eu firme juro.
Só c'o teu nome impresso na memoria
O norte crestador sem damno aturo.
Cantando encho os Tristões de assombro, e gloria
Em quanto corto o mar c'o remo duro.
E assim (sabe o Ceo!) talvez nao fora,
Se amara lá no campo huma Pastora.

Vista da Torre de Belém em LIsboa, Jean-Baptiste van Moer, 1868.
Imagem: Sotheby's.

Alcam.

Tendes ambos de amor mui bem cantado:
Mas vamos o aparelho já dispondo,
De forte que fiquemos pouco a nado.
Eu daqui c'o esta vara a rocha fondo:
Nelle o peixe se acolhe com o frio:


Armemos-lhe hum tresmalho de redondo.
Neste canto o bom Sável, o Safio,
O gordo Xerne abunda de maneira,
Que á mão mesmo se apanhão, muito a fio,
O ponto he, que ajudar-nos o Céo queira.


Disse. (1)


(1) Égloga [Écloga] piscatória, O canto dos pescadores do Tejo, Lisboa, na officina de António Gomes, 1811

Leitura complementar:

Francisco Pedro Busse, Poemas lyricos de hum natural de Lisboa, Égloga [Écloga] piscatória, Lisboa, officina de Simão Thadeo Ferreira, 1787
Francisco Pedro Busse, Poemas lyricos de hum natural de Lisboa TomoII, Lisboa, Regia Officina Typographica, 1789

Sobre Fr. Francisco Pedro Busse:
A parenética franciscana ao serviço da Monarquia por ocasião do nascimento de D. Maria Teresa de Bragança (1793)

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Iconografia de Lisboa (9.ª parte)

Ainda no último quartel do século XVIII foi Lisboa visitada por vários artistas e sábios estrangeiros que vieram a Espanha e a Portugal, em viagem de recreio ou científica, para colher elementos que interessavam aos seus estudos ou aos seus espíritos.

A View of the PRAÇA DO COMMERCIO at LISBON, taken from the Tagus : the original Drawing by Noel in the possession of Gerard de Visme Esq.r / Drawn by Noel ; Engraved by Wells.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal
Navios e barcos, num deles carregando um soldado e um padre, aproximam o porto de Lisboa no Rio Tejo. À esquerda a Praça do Comércio com a estátua equestre de D. José I. Ao centro vêem-se as torres da Sé acima dos telhados e ao fundo o castelo de S. Jorge sobre uma colina.

in British Library
Citaremos os seguintes artistas:

a) — Jean Alexandre Noël, pintor francês de marinhas e paisagens, que por várias vezes veio a Lisboa, uma das quais em 1780, onde pintou uma vista da "Torre de Belém", passada para gravura em cobre por Gaspar Fróis Machado cm 1783, como disse;

1500 Almada concelho Arte Gravura Alexandre Jean Noel Torre de Belem 02.jpg

8 quadros com diferentes vistas, das quais 5 de Lisboa, mandadas fazer por um rico inglês Gerard de Visme, e gravadas a água-tinta por J. Wells, de 1793 a 1795;

The Harbour of Lisbon, segundo Alexandre Jean Noël, 1796.

uma vista panorâmica de Lisboa e seu porto, gravada em cobre por Alix; além de vários desenhos a lápis, que se conservam num álbum no Museu de Arte Antiga.

Vista da parte ocidental de Lisboa, Alexandre Jean Noel, início da década de 1790
Imagem: FRESS

b) — Jean Baptista Pillement, que algumas temporadas veio passar em Lisboa, a última das quais em 1780;

Vista de Lisboa, Jean Baptiste Pillement.
Imagem: Viático de Vagamundo

c) — o pintor Nicolas [Louis Albert] Delarive [Delerive] (1755-1813);

Lisboa, Feira da Ladra na Praça da Alegria, Nicolas Delarive, aspecto na década de 1810.
Imagem: MNAA

d) e) — O duque de Chatelet, que viajou por Portugal em 1777, e o arquitecto James Murphy, que aqui esteve também, deixaram nas relações impressas das suas viagens, as vistas de alguns trechos olisiponenses.

Recuperando alguns dos artigos já publicados, pela nossa parte, faremos a propósito algumas referências:

a) — Rev. William Morgan Kinsey, Portugal Illustrated in a series of letters, 1827;

Belem Castle, Rev. William Morgan Kinsey, Portugal Illustrated in a series of letters, 1827.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

b) — Robert Batty (1789 – 1848), ilustrador e topógrafo que serviu na Guerra Peninsular, 1809 - 1814, e que, como Ajudante de Campo do General William Henry Clinton, regressou a Portugal (1826 - 1827). Foi o  autor de uma série de vistas de lisboa publicadas em Select Views of some of the Principal Cities of Europe, London, Moon, Boys, and Graves, 1832.

Lisbon from Almada, Drawn by Lt. Col. Batty, Engraved by William Miller, 1830.

Select Views of some of the Principal Cities of Europe inclui, por esta ordem, as gravuras "Torre de Belém", "Convento de S. Jerónimo em Belém", "Lisboa vista da rua de S. Miguel",

Lisbon from the Rua de San Miguel, Drawn by Lt. Col. Batty, 1830.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

"Lisboa vista da colina da capela de N.a Senhora do Monte", "O Largo do Pelourinho" e "Lisboa vista de Almada".

Lisbon from the chapel hill of Nossa Senhora do Monte, Drawn by Lt. Col. Batty, 1830.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Como na abordagem, prévia, tratada no artigo Originais de Roberto Batty, sabemos ainda existir outras imagens, que representam, o Convento de N.a Senhora da Graça (três versões) e a Torre do Bugio.

Como consequência das agitações políticas que em Portugal perturbaram toda a sua vida nos princípios do século XIX, o renascimento artístico que com bons auspícios se havia inaugurado, decaiu consideravelmente, e, pelo que respeita a iconografia de Lisboa, apenas podemos citar as estampas que acompanham os 2 volumes do "Jornal de Bellas Artes ou Mnémosine Lusitana" (1816/17), gravuras em cobre de P. A. Cavroé e desenhos de Fonseca filho (António Manuel da Fonseca).

Mas devido à descoberta do processo litográfico e à invenção da propaganda noticiosa, política e artística, que, por meio de publicações periódicas, revistas e jornais ilustrados, cerca do ano 1830 começou em Inglaterra, França, Alemanha, Itália, etc., foram estes métodos adoptados entre nós, nos princípios do segundo quartel do dito século, surgindo, e aumentando no decorrer do mesmo, uma plêiade de artistas nacionais, especializados em cada um dos processos de reprodução de desenhos, cujo número, na representação de aspectos da cidade, de edifícios, e de outros objectos com ela relacionados, ultrapassou rapidamente em muito o dos estrangeiros que também se ocuparam dos mesmos assuntos olisiponenses, ao contrário do que acontecera anteriormente.

Vista oriental de Lisboa tomada do jardim de S. Pedro de Alcântara, litografia Sousa e Barreto, 1844.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Cremos que as primeiras obras periódicas em que se publicaram estampas de Lisboa, depois da "Mnémosine Lusitana" (1816/17), foram principalmente as seguintes:

"O Recreio" (1835 a 1842), com litografias não assinadas;
"Jornal Encyclopedico" (1836/37), com litografias;
"O Panorama" (1837 a 1868), com gravuras em madeira.

A gravura em cobre foi abandonada quase por completo nestas publicações periódicas (jornais, como lhes chamavam, imitando a denominação francesa), e a gravura em madeira e a litografia, ao principio bastante toscas, foram-se desenvolvendo paralelamente, podendo dizer-se que as primeiras que aparecem mais correctas são: as de A Illustração (1852), e do semanário A Illustração Luso-Brazileira (1856 a 1859), pelo que respeita a gravuras em madeira, desenhadas ou feitas por Manuel Bordalo Pinheiro, Nogueira da Silva, Barbosa Lima, Caetano Alberto Nunes, Baracho, João Pedroso, Coelho pai e filho, Gomes da Silva, Flora, etc., e as da Illustração Popular (1866 a 1870), pelo que se refere a litografias, especialmente devidas aos artistas Legrand e Michellis.

Nas publicações periódicas até ao fim do século XIX a perfeição das gravuras em madeira atingiu o seu auge na ilustração do quinzenário O Occidente, que, sob a direcção de Manuel de Macedo, redador e desenhador, e de Caetano Alberto da Silva, gravador, foi entre nós, desde 1878, e durante 38 anos, o repositório mais perfeito dos principais acontecimentos nacionais e estrangeiros, adornado sempre com estampas, entre as quais são numerosas as que tratam de assuntos de Lisboa, geralmente copiadas do natural pelos desenhadores Luciano Freire, Cristino da Silva e outros, e gravadas em madeira por Caetano Alberto da Silva, Cazellas, etc.

Vista panorâmica de Lisboa tomada de Almada (recomposição), água-forte, Isaías Newton (1838-1921).
Imagem: Museu da Cidade de Lisboa

Muitas das revistas periódicas ilustradas nacionais tiveram uma vida pouco duradoura, devido à penúria de fundos para a sua publicação, reveladora da falta de apreço ou de preparação do público para tais leituras.

No estrangeiro, pelo contrário, as revistas ilustradas foram, no século XIX, muito numerosas, e tiveram longa existência, mas pouco se ocuparam de vistas e monumentos de Lisboa, havendo exibido principalmente vistas dos acontecimentos mais importantes sucedidos nesta cidade, daqui comunicados em esboços ou fotografias pelos artistas seus correspondentes.

Uma das aplicações mais importantes das estampas foi para ilustração de livros, quer em gravuras impressas com os textos, quer em litografias em folhas soltas intercaladas no texto.

Afora a sua inserção em livros e em revistas, foram produzidas durante o século XIX muitas estampas de Lisboa destinadas a quadros, tais como a "Vista do Convento de S.to Jerónimo de Belém e Da Barra de Lisboa" e a "Vista da Cidade de Lisboa Tomada da Junqueira", por Henrique L'Evêque [Henry], ou constituindo colecções ou albuns de vistas, acompanhadas ou não com um texto descritivo, não exclusivamente de Lisboa, mas juntamente com as de outras terras;

tal era, por exemplo, entre as nacionais, a "Collecção de Paizagens e Monumentos de Portugal", editada e litografada por João Pedro Monteiro, em que colaborou também Tomás J. d'Anunciação.

Várias medalhas se cunharam durante o século XIX, comemorativas de factos passados em Lisboa, e que por isso fazem parte da medalhística olisiponiana.

Descoberta a fotografia pelos meados do século XIX, algumas revistas e livros passaram a ser ilustrados com fotografias, ou sós, como, por exemplo, "Monumentos Nacionais" (1868), por J. da S. [José da Silva] Mendes Leal, ou conjuntamente com gravura, ou litografias, como: "Archivo de Architectura Civil" (1865). Ambas estas obras, assim oomo algumas outras mais, contêm trechos de Lisboa.

Vários fotógrafos, na 2.a metade do século XIX, tiraram [tiravam] e vendiam vistas fotográficas de terras e edifícios de Portugal, e entre elas figurava sempre Lisboa.

Baixa e Rio Tejo (montagem), Francesco Rocchini (1822 - 1895), c. 1868.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Os mais conhecidos foram Francisco [Francesco] Rocchini, que desde 1870 fotografou mais de 300 vistas panorâmicas e de edifícios e monumentos de Lisboa, coladas em cartões com os títulos impressos;

Praça do Comércio e Rio Tejo, Francesco Rocchini (1822 - 1895), c. 1868.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

A. S. Fonseca, Largo de S. João da Praça, de que conhecemos 20 fotografias de Lisboa;

e Moreira, Rua da Alegria, que apresentou 42, pelo menos, igualmente coladas em cartolina, e com os títulos impressos.

Também havia, de fabricação estrangeira, álbuns com fotografias de Lisboa, assim como litografias a uma ou mais cores.

No mercado apareceram colecções de vistas fotográficas estereoscópicas, tanto de publicação nacional como estrangeira.

Descobertos, no último quartel do século XIX, os processos fotomecânicos para a feitura de matrizes para a reprodução de estampas: fotolitografia, zincogravura, fotogravura, fototipia, cromolitografia, etc. que simplificaram e embarateceram as ilustrações de livros e de publicações periódicas, fizeram eles pôr de parte, quase por completo, os antigos processos de gravura e estampagem, dando também origem ao aparecimento de muitos objectos de preço acessível às pequenas bolsas, com vistas de Lisboa e de outras terras do pais, tais como albuns de propaganda de Portugal, bilhetes postais ilustrados, caixas de fósforos, selos de propaganda, marcas industriais e comerciais, anúncios, estampas litografadas a cores destinadas para quadros, etc.

Panorama de Lisboa, ed. Tabacaria Costa, c. 1900.
Imagem: Bosspostcard

Nestes géneros tem florescido, desde o meado do século XIX, mas principalmente no último quartel, continuando-se pelo corrente [XX], uma numerosa série de brilhantes artistas, que muito têm honrado a arte nacional, e cujos nomes têm ultrapassado as nossas fronteiras, emparelhando com os dos melhores e mais afamados artistas estrangeiros.

Panorama de Lisboa, ed. A. Myre (detalhe), c. 1900.
Imagem: Delcampe

Além das vistas de Lisboa, dos seus monumentos e trechos panorâmicos, impressos ou estampados em papel, pergaminho e tecidos, muitos aspectos de Lisboa têm sido produzidos, desde o século XVI, em quadros a óleo ou aguarela, existentes em museus ou em casas de particulares, em objectos de cerâmica, em painéis de azulejo, em galvanoplastia, em artigos cunhados, etc.

Muitos são desconhecidos do público, por constituírem documentos únicos, guardados pelos seus proprietários, sendo quase impossivel obter de todos eles esclarecimentos completos.

A maioria das estampas, tanto as antigas como as modernas, não é datada, e algumas não mencionam o nome do artista que as produziu, o qual muitas vezes não é português.

Quando o citado ou o signatário é estrangeiro, nem sempre se conhecem os dados biográficos ou a época em que exerceu a sua actividade artística.
Todas estas faltas tomam muito difícil, ou mesmo impossível organizar a seriação cronológica das estampas com vistas panorâmicas ou dos monumentos de Lisboa.

Uma das outras dificuldades com que se luta entre nós para se obter uma lista ou relação iconográfica de Lisboa que se aproxime bastante da perfeição, é a falta, nas nossas bibliotecas públicas, dos livros a que pertencem muitas estampas que se encontram avulsas no mercado. 

Essa falta diligenciámos supri-la recorrendo a pedidos de informação no estrangeiro, no que nem sempre fomos bem sucedidos.

Durante o século XX a abundância de estampas de Lisboa, em livros, revistas, jornais e folhas soltas, assim como em quadros a óleo, a aguarela e a pastel, é tão grande, que a sua inventariação e classificação desafia a paciência mais beneditina, podendo sem receio de desmentido afirmar-se que seria trabalho para uma vida inteira, e a lista que se organizasse ficaria necessariamente imperfeita.

Praça do Comércio, comandante Cyrne de Castro aos comandos do seu Curtiss "Helldiver", 1955.
Imagem: Na Rota do Yankee Clipper

Essa abundância é devida não só à grande facilidade da fabricação de matrizes para tal produção, mas ao maior grau de apreço por esta manifestação artística, que o progresso da cultura geral do povo tem criado e estimulado. (1)


(1) Vieira da Siva, Augusto, Iconografia de Lisboa, Revista Municipal n.° 32, Câmara Municipal de Lisboa, 1947
 
Artigos relacionados:
Da fábrica que falece à cidade de Lisboa
Delícias ou descrições de Lisboa
Panorâmica de Lisboa em 1763

Leitura adicional:
Lisboa do século XVII "a mais deliciosa terra do mundo"

domingo, 6 de abril de 2014

Na esplanada do forte de Cacilhas

Durante o reinado de D. Pedro II, entre 1668 e 1706, foram construídos os fortes da Foz, da Trafaria e da Fonte da Pipa.

No mesmo período foi também reedificado o Forte de Santa Luzia, em Cacilhas.

Embouchure de la Rivière Du Tage, Nicholas De Fer, 1710

Em 1711 o Forte de Santa Luzia, assim como outros na margem sul do Tejo, encontrava-se artilhado.

Embouchure de la Rivière Du Tage, Nicholas De Fer, 1710 (detalhe)

A gravura de 1793 mostra a esplanada do forte, elevada e com parapeito, sobre o Pontaleto, um cabedelo rochoso que ainda não se encontrava coberto pelo cais.

A View taken from LISBON of the Point of Cassilhas, the English Hospital, & the Convent of Almada : On the opposite side of the Tagus _ the original drawing by Noel in the possession of Gerard de Visme Esq.r / Drawn by Noel ; Engraved by Wells.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal



Na sequência da batalha da Cova da Piedade em 1833, depois de ocupado pelas forças liberais, fizeram-se tiros de peça sobre os miguelistas em fuga para Lisboa.

Carta hydrographica do littoral de Cacilhas, 1838
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal



A carta de 1838 mostra seis canhoeiras na esplanada de artilharia, no entanto podem-se admitir outras configurações que tenham evoluído ao longo do tempo.

Carta hydrographica do littoral de Cacilhas, 1838 (detalhe)
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

O Forte de Santa Luzia foi desartilhado entre 1833 e 1873.

No ano de 1844 servia de alojamento a oficiais reformados.

Em 1884, por influência do deputado pelo círculo de Almada, Jaime Artur  da Costa Pinto, foi demolida a esplanada do forte.

Notícia do jornal O Século em 2 de Março de 1884
Imagem: Antigos Alunos Emídio Navarro

Em 1912 já se encontra no local a casa de pasto Fonte da Alegria propriedade do espanhol J. Alvarez.


Hispano-Suiza de D. José Anadia em Cacilhas de partida para Sevilha, em 1912
lmagem: Restos de Colecção

No Largo do Costa Pinto, em Cacilhas na zona do pontal, José Pinto Gonçalves possuía o estabelecimento comercial Casa Beira Alta, localizado no prédio onde residia.

Casa da Beira Alta de José Pinto Gonçalves, Mercearia, Fanqueiro e Retrozeiro
Largo Costa Pinto, Cacilhas
Imagem: Boletim O Pharol

Em 1934 José Pinto Gonçalves e o sócio, Joaquim Mendes, adquirem a casa de pasto de J. Alvarez e renovam o espaço.

Fonte da Alegria
Imagem: Casario do Ginjal

Anos mais tarde a Fonte da Alegria daria origem à Cervejaria Farol, no mesmo local, na antiga esplanada do Forte de Cacilhas.

Cervejaria Farol (detalhe)
Imagem: Fundação Portimagem


Bibliografia:

Pereira de Sousa, R. H., Fortalezas de Almada e seu termo, Almada, Arquivo Histórico da Câmara Municipal, 1981, 192 págs.

Boletim O Pharol n° 20, O Farol, Associação de Cidadania de Cacilhas

quarta-feira, 12 de março de 2014

Cacilhas em 1793

Margens e imagens do Tejo.

Vista norte de Cacilhas. Em primeiro plano ao lado esquerdo, dois marinheiros carregam cestos a partir de uma barcaça, com a inscrição 'JWells Aqua', para o convés de um ferry-boat onde uma mulher e dois homens aguardam. Do lado direito um barco transporta um passageiro abrigado por um dossel e seis remadores. Vista da igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso, do porto e do lugar de Cacilhas. A bandeira inglesa sobre o hospital. Ao fundo, veleiros no rio Tejo. (1)

(1) Texto: British Library    

A View taken from LISBON of the Point of Cassilhas, the English Hospital, & the Convent of Almada * : On the opposite side of the Tagus _ the original drawing by Noel in the possession of Gerard de Visme Esq.r / Drawn by Noel ; Engraved by Wells.
* (n. do e.) Deve tratar-se do convento que existia na Rua da Terras (da igreja). Acima do hospital inglês avista-se o forte ou castelo de Almada. O convento de S. Paulo situa-se na colina a poente deste, não visível na gravura.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal


Navios e barcos, num deles carregando um soldado e um padre, aproximam o porto de Lisboa no Rio Tejo. À esquerda a Praça do Comércio com a estátua equestre de D. José I. Ao centro vêem-se as torres da Sé acima dos telhados e ao fundo o castelo de S. Jorge sobre uma colina. (2)

(2) Texto: British Library

A View of the PRAÇA DO COMMERCIO at LISBON, taken from the Tagus : the original Drawing by Noel in the possession of Gerard de Visme Esq.r / Drawn by Noel ; Engraved by Wells.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal