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quarta-feira, 10 de setembro de 2014

A Costa romântica de Bulhão Pato

A viagem de Cacilhas até os Capuchos será de uns oito kilometros, pouco mais ou menos.

A paizagem soberba: Alfeite, Valle de Morellos, Espadeiros, Sant'Anna, Valle de Flôres, e o Medo enorme da lagoa d'Albufeira, montanha de oiro resaindo das massas de vinhedos e pinbeiraes.

Pena é que os muros, ás vezes como pannos de fortaleza medieva, hoje, na maior parte, completamente inuteis, privem o viajante das variadas e graciosas perspectivas.

Caparica abraça uma area grande.

Começa á entrada da barra. Do lado do norte é banhada pelo Tejo na extensão de doze kilometros: pelo oeste, põe-he termo o oceano; ao sul alarga-se até Valle de Cavalla.

Como portos de mar tem Banatica, Paulina, Porto-Brandão, Portinho da Costa e Trafaria. Quantos e quantos quadros, com recordações historicas, se não podem tirar d'estes accidentados e fertilissimos logares!

Agora, rapidamente e em toques impressionistas, falarei do convento dos Capuchos, ponto de vista dos mais bellos das cercanias, onde ha tantos. Poucos se encontrarão em todo o pais que lbe sobrelevem, principalmente na originalidade.

Caparica, Convento dos Capuchos, década de 1900.
Imagem: Hemeroteca Digital

Sobre as escarpas que se precipitam ao fundo do Juncal, levanta-se o templosinbo dos capuchinboe arrabidos, fundado por D. Lourenço Pires de Tavora, quarto senhor de Caparica, em 1564. D. Lourenço, quando nosso embaixador em Hespanha, foi quem deu a Carlos V a replica, que apesar de velha tem sempre um travo picante.

Um dia o monarcha, mal humorado, disse-lhe:

— Eu sei muito bem quantas pontes e rios tem Portugal.

— As mesmas, senhor, que tinha em 1385.

O destemido e brilhante antecessor dos desditosos que foram feitos a pedaços no pavoroso cadafalso de Belem atirava á cara do Cesar omnipotente, nem mais nem menos, a batalha de Aljubarrota.

O convento dos Capuchos domina, ao nascente, a serra da Arrabida, divisoria do Sado e Tejo, e o castello de Palmella; ao norte, Lisboa e a serra de Cintra; a sudoeste, o Cabo, perfil exacto da cabeça de um elephante fabuloso, menos o dente: ao oeste, a barra, as torres de S. Julião e do Bugio, a bahia de Cascaes, perdendo-se depois a vista na curva remota do mar. Em baixo o Juncal, que vae da Trafaria ao Cabo. Os casalitos, os quinchosos, as courellas de vinhas, rccortando-se no chão plano e vastissimo. e resaindo das grandes manchas da joina e do junco. 

Caparica, Alto da Chibata ao Outeiro dos Capuchos (?), década de 1900.
Imagem: Hemeroteca Digital

Os medos de areia loira, tomando diversas formas e opondo-se, como trincheiras, aos assaltos do mar em furia. Quando o sol de purpura e de fogo baqueia nas ondas, joga-lhe as frechas incendiadas e, por momentos, toda a planura parallela ao azul do oceano parece uma leziria em chammas.

Costa da Caparica, arte xávega, década de 1900.
Imagem: Hemeroteca Digital

Em pleno dia,se a povoação da Costa dá signal das negras de sardinha, de todos os casalitos do sope da rocha e disseminados pelo campo. partem cavallos e eguas beirõas acudindo a praia. Depois as recovas carregadas da pescaria, a travado largo, correm á venda, juncal abaixo. As raparigas trepam pela Fonte da Pipa e Villa Nova.

Lá vae aquella: [ver artigo relacionado: Viva da Costa]

Tudo isto se pode vêr e admirar do pobre convento hoje desmantelado, convento que ainda conheci forrado dos seus magníficos azulejos, vendidos de rastos ao primeiro que lhe deitou olhos mais ou menos entendedores.

Os arrabidos do conventinho ensinavam a lér os moços do Arieiro, de Villa Nova e da Costa. Pediam esmola uma vez por semana, e pedindo esmola fizeram a sua casa conventual. 

Caparica, Outeiro dos Capuchos, ed. desc., década de 1900. [A remover]
Colares, Subida vindo da estrada velha de Monserrate.
Imagem: Dias que Voam

Acudiam-lhes com bizarria os fidalgos de primeira grandeza, que em tempos isto foi a Cintra, o Estoril e o Cascaes de hoje, e tambem lhe valiam com mão profusa lavradores abastados d'estes contornos.

Assim se fez, com auxilio de uns e de outros, e não com a capa lendaria estofada de dobrões do pobre pedinte, o bello templo, dos finaes do seculo XVI, de Nossa Senhora do Monte, templo que ia a desabar em ruinas.

Hoje está em pé e restaurado, graças aos esforços do meu velho amigo José Dias Ferreira.

Terminarei este rapido bosquejo com uma anecdota, que apesar de impressa no "Portugal Antigo e Moderno", não será muito conhecida.

D. João VI foi um dia á Costa. O pacifico monarcha era bom garfo, bom dente, soberbo estomago e amador de pratos nacionaes.

Deram-lhe na Costa uma caldeirada. Pois, senhores, de tal modo ficou maravilhado o principe, cuja virtude suprema não era a generosidade, que rompeu n'este rasgo:

Fez "Mestre das Caldeiradas" o bemaventurado que lh'a preparou, estabelecendo-lhe 800 réis diarios emquanto fôsse vivo.

A casa onde D. Joao Vl se banqueteou lá está na Costa e com as armas reaes como recordação.

Costa da Caparica, Casa da Coroa, José Manuel Soares (detalhe).
Imagem: Notícias da Gandaia

Ali foi depois D. Maria II e D. Pedro V. Muita gente do sitio me tem contado, com grande admiração e estranheza, que D. Maria II comia as sardinhas como a gente do povo: em cima do pão e ás dentadas. Comeu n'aquelle dia, d'esta fórma, para mais d'uma duzia.

As nossas elegantes de hoje, que venham ver na primavera e verão a deslumbradora vista do convento dos Capuchos, sigam depois para a Costa, que lhes fica fronteira a dois passos, e comam as picantes sardinhas d'aquella praia como as comia a filha imperador D. Pedro IV, rainha portuguesa das mais pontuaes no seu officio, e das mais dignas na altivez da sua soberania.

Monte de Caparica, Torre
Fevereiro 1906
Bulhão Pato



(1) Bulhão Pato, Illustração Portugueza, Convento dos Capuchos, Lisboa, 29 outubro 1906

terça-feira, 27 de maio de 2014

Freguesia de Caparica no século XIX

Caparica — freguezia, Exlremadura, comarca e concelho de Almada, 6 kilometros ao S. de Lisboa, 1:430 fogos. 

Em 1717 tinha 1:193 fogos.

Orago Nossa Senhora do Monte. 

Patriarchado e districto admintstrativo de Lisboa.

Situada na esquerda do Tejo, e d'ella se gosam deliciosas vistas.

Carta chorographica dos terrenos em volta de Lisboa, 1814.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

É n'esta freguezia a chamada Torre Velha, ou de S. Sebastião de Caparica, que serviu de lasarêto. Fica em frente da torre de S. Vicente, de Belém.

Foi mandada edificar por el-rei D. Sebastião, pelos annos dé 1575.

Torre Velha ou Torre de S. Sebastião da Caparica, Francisco de Alincourt, técnica mista, 1794.
Imagem: Instituto Geográfico do Exército

Principia a freguezia logo á entrada da barra do Tejo, que a banha na extensão de 12 kilometros, pelo N.: o Oceano lhe serve de termo pelo O., e na praia está a aldeia da Costa, d'esta freguezia.

A matriz é um bello templo, fundado nos fins do século XVI.

O terreno d'esta freguezia é em geral fertil e seu clima saudável. Antes do oidium produzia annualmente, termo médio, 6:500 pipas de bom vinho.

Na aldeia de Mofacem, d'esta freguezia ha 30 e tantas cisternas, todas magnificas e de dispendiosa construcção, obra dos árabes. 

Foram elles que deram a esta aldeia o noma de mo-hacem, que significa barbeiro.

Vè-se pois que esta povoação é muito antiga. Capa tambem é palavra arabe (que os mouros adoptaram dos persas) significa mesmo capa. (Capote é diminutivo de capa.)

Ha duas tradições sobre a etymologia de Caparica.

Uns dizem que morrendo aqui um velho, declarou no testamento que deixava a sua capa para ser vendida e com o producto da venda se fazer uma capella a Nossa Senhora do Monte. Fez isto rir bastante; mas sabidas as contas, a boa da capa estava recheiada de bellos dobrões de ouro, que chegaram de sobra para a fundação da capella.

A segunda versão (e mais verosimil) é que, sendo a Senhora do Monte, de muita devoção para estes povos limitrophes, concorreram todos para lhe fazerum esplendido manto (ou capa) pelo que a Senhora ficou d'álli em diante sendo conhecida por Nossa Senhora da Capa Rica.

Junto a Caparica está o convento de capuchos arrabidos, fundado por D. Lourenço Pires de Távora quarto senhor de Caparica, em 1564. Elle morreu em 15 de fevereiro de 1573, e jaz na egreja do mesmo convento.

Costa da Caparica, Convento dos capuchos antes da restauração, ed. Passaporte, 30, c. 1950
Imagem: Delcampe, Oliveira

Este fidalgo, sendo embaixador de Portugal em Hespanha, em uma occasião que o imperador Garlos V estava zangado com elle, lhe disse : "Eu sei muito bem quantos rios e pontes tem Portugal" ao que Tavora respondeu: "Os mesmos que linha em 14 de agosto de 1385." Digna resposta de um bravo portuguez.

Caparica foi antigamente da comarca de Setúbal.

D'esta freguezia se avista a serra da Arrabida, Palmella, o mar, o Tejo, Lisboa e outras muitas povoações, montes e valles.

Antes de 1834 era o povo da freguezia que apresentava o cura, a quem davam anualmente, 1 moio de pão meiado e 5 pipas de vinho em mosto, a saber: os que tinham liuna junta de bois davam nm alqueire de pão, os que tinham duas ou mais, dois alqueires, e cada fazendeiro um pote de vinho. Andava tudo por 250$000 réis.

Além do convento dos capuchos arrabidos, ha mais n'esta freguezia um convento de frades paulistas, fundado em 1410. Este mosteiro está em um profundo valle, e era denominado, convento de Nossa Senhora, da Rosa. Na sua cêrca ha uma fonte, cuja agua dizem que cura a lepra e outras moléstias cutaneas. Foi fundador d'este convento Mendo gomes de Seabra.

Outro de frades agostinhos descalços, fundado em 1677. Este é no logar da Sobrada [Sobreda].

Ha n'esta freguezia nada menos de 24 capellas, entre publicas e particulares.

É terra muito abundante de aguas.

Tem vários portos de mar, sendo os principaes, Benatega, Porto Brandão, Paulina, Portinho da Costa e Trafaria.

Enseada da Paulina, revista Branco e Negro n° 60, 1897 (ver artigo dedicado)
Imagem: Hemeroteca Digital

Benatega é a palavra árabe ben-ataija. Significa, filho ou descendente da coroada. Vem de ben filho, ou descendente e de ataija coroada.

No logar da Costa, d'esta freguezia esteve (julgo que em 1823 ou 1824 D. João VI, hospedando-se na única casa de pedra que alli então havia (todas as mais eram cabanas da palha) 

Bellas Artes, 15, Costa de Caparica, A. Roque Gameiro, 1909.
Imagem: Delcampe

e tanto gostou da caldeirada que alli lhe deram, que fez o cosinheiro (dono da casa) mestre das caldeiradas (!) com a renda de 800 réis diários emquanlo vivo.

Costa da Caparica, casa da coroa.
Imagem: almaDalmada

Também aqui esteve a sr.a D. Maria II e depois, quando rei, seu filho, o sempre chorado D. Pedro V. (1)

A Sobreda (antigamente Suvereda) está ligada com a Charneca pelos terrenos de Vale Figueira.

Costa da Caparica, Carta dos Arredores de Lisboa — 68 (detalhe), Corpo do Estado Maior, 1902.
Imagem: IGeoE

Lugar solitário, assente sobre alguns outeiros, que lhe fornecem ao centro o caminho principal, desigual e pedregoso, que lhe circundam a parte baixa, a que chamavam no final do século passado [XVII] Largo do Rio, em consequência da bica que em parte do ano ali corre e fornece água às lavadeiras, e do poço público que por volta de 1800 a 1830 no mesmo largo foi aberto a expensas de um cavaleiro daquele lugar, o Fidalguinho da Sobreda, Francisco de Paula Carneiro Zagalo e Melo.

E para fazermos segura ideia do que era Charneca antiga e de que então era Vale de Rosal, e a sua importância histórica, ouçamos o que em 1647 diz o Padre Baltazar Teles em sua Chronica da Companhia de Jesus em Portugal

— Tem o colégio de Santo Antão (uma das primeiras casas da companhia de Jesus em Lisboa) uma grande quinta ou para melhor dizer, uma vinha chamada Vale de Rosal, que está na banda d’além, no termo de Almada, limite de Caparica, na freguesia de Nossa Sra. Do Monte, distante do porto de Cacilhas quase uma boa légua.

O martírio dos 40, Mathaeus Greuter, gravura, 1611.
Louis de Richeome, La peinture spirituelle, Folger Shapespeare  University
Imagem:  Aspectos de devoção e iconografia dos Quarenta Mártires do Brasil...

Fica esta quinta no meio de uma grande e estendida charneca: é lugar todo à roda muito tosco, seco e estéril, cheio de silvados incultos, continuado de matos maninhos, e de areais escalvados, escondido em vales, cercado de brenhas, coberto de pinheiros bravios, de zimbros, de tojos e de outros frútices silvestres: é sítio mais acomodado para caças de monteria que para morada de gente culta, e por isso mui frequentao de corças e veados, infesto de lobos e de outros animais monteses. (2)

Afonso Costa, o Ministro da Justiça  visita a Quinta do Vale do Rosal, 1911.
Ilustração Portuguesa, n° 263 II série, Lisboa, Chaves, José Joubert
Imagem: Hemeroteca Digital



(1) Pinho Leal, Soares d'Azevedo Barbosa de, Portugal antigo e moderno..., 1874  Mattos Moreira, Lisboa,

(2) Vieira Júnior, Duarte Joaquim, Villa e termo de Almada: apontamentos antigos e modernos para a história do concelho, Typographia Lucas, Lisboa, 1896