A paizagem soberba: Alfeite, Valle de Morellos, Espadeiros, Sant'Anna, Valle de Flôres, e o Medo enorme da lagoa d'Albufeira, montanha de oiro resaindo das massas de vinhedos e pinbeiraes.
Pena é que os muros, ás vezes como pannos de fortaleza medieva, hoje, na maior parte, completamente inuteis, privem o viajante das variadas e graciosas perspectivas.
Caparica abraça uma area grande.
Começa á entrada da barra. Do lado do norte é banhada pelo Tejo na extensão de doze kilometros: pelo oeste, põe-he termo o oceano; ao sul alarga-se até Valle de Cavalla.
Como portos de mar tem Banatica, Paulina, Porto-Brandão, Portinho da Costa e Trafaria. Quantos e quantos quadros, com recordações historicas, se não podem tirar d'estes accidentados e fertilissimos logares!
Agora, rapidamente e em toques impressionistas, falarei do convento dos Capuchos, ponto de vista dos mais bellos das cercanias, onde ha tantos. Poucos se encontrarão em todo o pais que lbe sobrelevem, principalmente na originalidade.
Caparica, Convento dos Capuchos, década de 1900. Imagem: Hemeroteca Digital |
Sobre as escarpas que se precipitam ao fundo do Juncal, levanta-se o templosinbo dos capuchinboe arrabidos, fundado por D. Lourenço Pires de Tavora, quarto senhor de Caparica, em 1564. D. Lourenço, quando nosso embaixador em Hespanha, foi quem deu a Carlos V a replica, que apesar de velha tem sempre um travo picante.
Um dia o monarcha, mal humorado, disse-lhe:
— Eu sei muito bem quantas pontes e rios tem Portugal.
— As mesmas, senhor, que tinha em 1385.
O destemido e brilhante antecessor dos desditosos que foram feitos a pedaços no pavoroso cadafalso de Belem atirava á cara do Cesar omnipotente, nem mais nem menos, a batalha de Aljubarrota.
O convento dos Capuchos domina, ao nascente, a serra da Arrabida, divisoria do Sado e Tejo, e o castello de Palmella; ao norte, Lisboa e a serra de Cintra; a sudoeste, o Cabo, perfil exacto da cabeça de um elephante fabuloso, menos o dente: ao oeste, a barra, as torres de S. Julião e do Bugio, a bahia de Cascaes, perdendo-se depois a vista na curva remota do mar. Em baixo o Juncal, que vae da Trafaria ao Cabo. Os casalitos, os quinchosos, as courellas de vinhas, rccortando-se no chão plano e vastissimo. e resaindo das grandes manchas da joina e do junco.
Caparica, Alto da Chibata ao Outeiro dos Capuchos (?), década de 1900. Imagem: Hemeroteca Digital |
Os medos de areia loira, tomando diversas formas e opondo-se, como trincheiras, aos assaltos do mar em furia. Quando o sol de purpura e de fogo baqueia nas ondas, joga-lhe as frechas incendiadas e, por momentos, toda a planura parallela ao azul do oceano parece uma leziria em chammas.
Costa da Caparica, arte xávega, década de 1900. Imagem: Hemeroteca Digital |
Em pleno dia,se a povoação da Costa dá signal das negras de sardinha, de todos os casalitos do sope da rocha e disseminados pelo campo. partem cavallos e eguas beirõas acudindo a praia. Depois as recovas carregadas da pescaria, a travado largo, correm á venda, juncal abaixo. As raparigas trepam pela Fonte da Pipa e Villa Nova.
Lá vae aquella: [ver artigo relacionado: Viva da Costa]
Tudo isto se pode vêr e admirar do pobre convento hoje desmantelado, convento que ainda conheci forrado dos seus magníficos azulejos, vendidos de rastos ao primeiro que lhe deitou olhos mais ou menos entendedores.
Os arrabidos do conventinho ensinavam a lér os moços do Arieiro, de Villa Nova e da Costa. Pediam esmola uma vez por semana, e pedindo esmola fizeram a sua casa conventual.
Colares, Subida vindo da estrada velha de Monserrate. Imagem: Dias que Voam |
Acudiam-lhes com bizarria os fidalgos de primeira grandeza, que em tempos isto foi a Cintra, o Estoril e o Cascaes de hoje, e tambem lhe valiam com mão profusa lavradores abastados d'estes contornos.
Assim se fez, com auxilio de uns e de outros, e não com a capa lendaria estofada de dobrões do pobre pedinte, o bello templo, dos finaes do seculo XVI, de Nossa Senhora do Monte, templo que ia a desabar em ruinas.
Hoje está em pé e restaurado, graças aos esforços do meu velho amigo José Dias Ferreira.
Terminarei este rapido bosquejo com uma anecdota, que apesar de impressa no "Portugal Antigo e Moderno", não será muito conhecida.
D. João VI foi um dia á Costa. O pacifico monarcha era bom garfo, bom dente, soberbo estomago e amador de pratos nacionaes.
Deram-lhe na Costa uma caldeirada. Pois, senhores, de tal modo ficou maravilhado o principe, cuja virtude suprema não era a generosidade, que rompeu n'este rasgo:
Fez "Mestre das Caldeiradas" o bemaventurado que lh'a preparou, estabelecendo-lhe 800 réis diarios emquanto fôsse vivo.
A casa onde D. Joao Vl se banqueteou lá está na Costa e com as armas reaes como recordação.
Costa da Caparica, Casa da Coroa, José Manuel Soares (detalhe). Imagem: Notícias da Gandaia |
Ali foi depois D. Maria II e D. Pedro V. Muita gente do sitio me tem contado, com grande admiração e estranheza, que D. Maria II comia as sardinhas como a gente do povo: em cima do pão e ás dentadas. Comeu n'aquelle dia, d'esta fórma, para mais d'uma duzia.
As nossas elegantes de hoje, que venham ver na primavera e verão a deslumbradora vista do convento dos Capuchos, sigam depois para a Costa, que lhes fica fronteira a dois passos, e comam as picantes sardinhas d'aquella praia como as comia a filha imperador D. Pedro IV, rainha portuguesa das mais pontuaes no seu officio, e das mais dignas na altivez da sua soberania.
Monte de Caparica, Torre
Fevereiro 1906
Bulhão Pato
(1) Bulhão Pato, Illustração Portugueza, Convento dos Capuchos, Lisboa, 29 outubro 1906