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quinta-feira, 9 de março de 2023

Edmundo Castanheira (1924-2009)

Este livro (Construção de Pequenas Embarcações), agora na sua 2ª edição, é um trabalho para todos aqueles que possuam, construam ou necessitem de manter ou reparar pequenas embarcações, especialmente de madeira.

Edmundo Castanheira, capa do livro Construção de pequenas embarcações (detalhe).
Dinalivro


É escrito numa linguagem (Nomenclatura Naval) que é comum e interessa a todos os que de qualquer modo estejam ligados a navios de qualquer dimensão e construídos de quaisquer materiais. (1)

O autor publicou na Dinalivro Construção de Pequenas Embarcações (1977) e Manual de Construção de Navios de Madeira (1991).

Edmundo Castanheira,
capa do livro Manual de Construção do Navio de Madeira (1991).
Livraria Santiago



Com Auxiliar do Técnico Industrial (2002) Edmundo Castanheira vem pôr à disposição do leitor, no seguimento de uma linha que se caracteriza essencialmente pelo seu carácter prático, didáctico e técnico, todos os conhecimentos que adquiriu ao longo de muitos anos de estudo e de prática concreta na área da construção e reparações navais.

Edmundo Castanheira,
capa do livro Auxiliar do Técnico Industrial (2002).
Dinalivro


Neste sentido, poderá encontrar-se não só um manancial de bases teóricas e de conhecimentos práticos fundamentais, mas também as soluções para vários problemas ou ainda algumas informações particularmente úteis para estudantes, como é o caso das tabelas de conversão de unidades e de materiais ou das secções sobre desenho geométrico, projecções, planificações, entre outras, que integram, tal como os livros anteriores, um trabalho inestimável.

O autor, Edmundo Castanheira, nasceu em 1924. depois de obter o diploma do Curso Industrial dedicou quarenta anos da sua vida à arte da construção naval em madeira. Foi Contra-mestre de carpintaria e docas secas, bem como desenhador e traçador de navios de madeira na H. Parry & Son (v. artigo relacionado: H. Parry & Son, estaleiro em Cacilhas).

Cacilhas, Estaleiro, ed. J. Lemos, 16, década de 1960.
Delcampe

Mais tarde, trabalhou na Sociedade Geral de Comércio, Industria e Transportes (SG), exercendo as funções de chefe de trabalhos de carpintaria de bordo, oficinas, estofadores, polidores e calafates.

Lisnave, brochura promocional, junho de 1971.
A Lisnave...


Durante 12 anos esteve nos estaleiros da Lisnave como chefe de aprestamento de navios, dando assistência técnica às fragatas para a NATO Almirante Pereira da Silva, Gago Coutinho, navios para a pesca do bacalhau Ana Mafalda Santa Mafalda (o Ana Mafalda foi um navio misto de transporte de passageiros e carga da Sociedade Geral), petroleiro Larouco (80.000 toneladas), rebocadores, lanchas, batelões, dragas, etc... Ainda na Lisnave, foi encarregado geral das docas da Margueira. (2)


(1) Authentic livros
(2) Dinalivro

Tema:
Construção naval

Informação relacionada:
Alexandre Flores (fb)
As Margueiras, Contributos para a história de Cacilhas, Junta de Freguesia de Cacilhas, O Farol, 2013


sábado, 4 de março de 2023

Almada Atlético Clube (1946)

a caminho de transformar-se em grande instituição

A vila de Almada procura, mercê de um esforço admirável, apoiado na dedicação e entusiasmo dos seus habitantes, impor-se não só na vida social como também na prática do desporto.

Banquete de homenagem ao Almada Atletico Club
(campeão nacional da II divisão na época 1946-1947).
Delcampe Bosspostcard

O inicio desse novo aspecto no desporto local principiou com a fusão dos dois clubes locais: o União Desportivo de Almada e o Pedreirense Futebol Clube.

Coroada de êxíto essa iniciativa, o aparecimento do Almada Atlético Clube marcou desde logo um programa valioso, não só em benefício do desporto e dos desportistas locais, como também do desporto nacional, pois que, dada a importância do projecto, o desporto português receberá um excelente reforço.

Estivemos em Almada e na sede do clube ouvimos alentamente a exposição que nos fizeram o seu presidente, sr. João Louro, acompanhado pelos srs. Valentim Henriques, secretário. Jeremias Barros, secretário adjunto, e Alfredo Cáceres Alves, capitão do grupo de futebol.

Frente à antiga sede do Almada Atlético Clube.
A Banda da Incrível ao Longo do Tempo vol. I. ign 1.° centenario, 1 de outubro de 1948.
InfoGestNet

— O Almada Allético Clube cumpre a ideia que foi a base da iniciativa da fusão dos dois clubes almadenses.

Pensámos que poderia surgir um clube grande, capaz de divulgar os bons princípios do desporto e interessar o povo de Almada pela cultura física e até cultural.

António Henriques, director desportivo do Almada Atlético Clube 1949/1950.
InfoGestNet


Verificamos hoje que assim é. E não devem estar arrependidos o sr. Direclor Geral de Desportos, que apadrinhou com interesse a fusão. e a Federação Portuguesa de Futebol, que nos tem acompanhado com as suas boas palavras de incitamento e o valioso auxílio de 50 contos, com que pudemos entrar na posse do nosso magnifico campo de desportos. Temos cumprido. Muito mais queremos e havemos de fazer.

Associativamente, como se encontra o Allélico de Almada?

Bem. Quando existiam dois clubes, as duas massas associativaa perfaziam um total de 500 sócios. O Atlético de Almada regista já 1.200 sócios e esperamos que dentro em pouco, com uma campanha que vamos iniciar, se chegue aos 3.000.

Quais os projectos?

A instalação da nossa sede, em edifício que esperamos brevemente alugar. Procuramos que a nossa casa desportiva tenha conforto e ambiente acolhedor. Nessa sede, além de todas as instalações para os sócios, poderemos montar um amplo ginásio.

Almada Atlético Clube (sede)  c. 2014.

Ao mesmo tempo continuaremos as obras do nosso campo de desportos.

Procuramos dotar Almada com um estádio!

O nosso terreno presta-se à maravilha para esse efeito. Siuado em local privilegiado, com linda vista e terrenos desafogados, o campo de jogos do Atlético de Almada receberá, logo que a época de futebol termine, obras para tal necessárias. Prolongaremos as bancadas, há pouco inauguradas, que chegarão até a circundar as balizas. Construiremos uma pista para atletismo, balnearios, posto médico e outras instalações subterrâneas e procederemos ao arrelvamento do campo.

Se todos nos ajudarem e se o auxílio das entidades desportivas vier, como esperamos, colaborar nesta nossa obra, Almada, na época de 1946-47, terá o seu estádio! Todos estes projectos estão já traçados no papel prontos a serem submetidos ás entidades oficiais que superintendem nestes assuntos.

Campo de jogos do Almada Atlético Clube no Pragal.
InfoGestNet

Depois, há a valorização dos nossos «teams» de futebol e o alargamento da nossa aclividade desportiva.

Qual é presentemente essa actividade?

Além do futebol, praticamos atletismo, modalidade em que conquistámos já vários recordes, nacionais e regionais; andebol, com duas categorias, e estão prestes a iniciar a sua aclividade as secções de basquetebol e de voleibol.

Neste momento, o Almada Atlético Clube tem ainda uma outra ambição: ingressar na 1.a divisão da A. F. de Setubal. Havemos de conseguir.

Como vê disseram-nos os dirigentes almadenses ao terminarem as suas in formações estamos animados dos maiores desejos de cumprir uma bela missão, a bem do desporto e de Almada.

As entidades dirigentes do desporto deram-nos um impulso. Nós procuramos corresponder, valorizando esse apoio.

Almada Atlético Clube (emblema).
Wikipédia


Como se depreende destas informações o Almada Atlético Clube está lançado no bom caminho. Há entusiasmo acertado, uma vontade forte de trabalhar e um desejo ainda maior de, no mais curto espaço de tempo, fazer surgir em Almada um grande clube de desporto. Por enquanto nada há que faça supor o contrário... (1)


(1) O Almada Atlético Clube a caminho de transformar-se em grande instituição, Stadium n° 167, 13 de fevereiro de 1946

Mais informação:
Joaquim Candeias, Efeméride do primeiro jogo
Stadium n° 89, 16 de agosto de 1944

Artigos relacionados:
Almada Atlético Clube (1944)
Pedreirense Foot-Ball Club
Clube Desportivo da Cova da Piedade
Clube Desportivo da Cova da Piedade (reportagem da revista Stadium)
Gregório, do Cacilhense...
Grupo Desportivo da Casa dos Pescadores da Costa de Caparica

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Almada Atlético Clube (1944)

Apôs a fusão Pedreirense-União Almadense
O ALMADA ATLETICO CLUBE
Será em breve uma honrosa manifestação do desporto Almadense


A vila da Almada, anichada no alto dos montes da Outra Banda, desfruta de situaçãp previlegiada. Debruçada, sobre o Tejo, olhando desafogadamente Lisboa inteira, Almada bem merece as carinhosas dedicações que se lhe tem devotado, procurando engrandecê-la ajudando-a no aspecto de renovação e melhoramentos que a cada passo se encontram por toda a Vila.

Almada Atlético Clube (emblema).
Wikipédia


Terra de laboriosa, que tem orgulho naquele rincão arejado, onde de toda janela se espreita o lindo rio e os olhos se inundam da paisagem campesina. Almada vai tomar posição de relevo no desporto. Disto nos convencemos quando nestes últimos ditas lá estivemos, inquirindo ao certo o que significava a fusão dos dois antigos clubes de Almada, o Pedreirense Futebol Clube e o União Sport Clube Almadense, sensata solução que deu motivo à fundação do novo clube: o Almada Atlético Clube.

À interferéneía amivel de Francisco Valente — um nome que fito ligado à ideia — colocou-nos na presença do sr. José Braz, presidente da direcção do novo clube, ume figura de respeito em Almada, espirito ponderado, ideia sempre ligada a boas iniciativas. Por isso o seu nome apareceu — e foi bem recebido — nesta benéfica questão desportiva que é hoje em Almada assunto dc grande importância.

Comandante José Braz, albúm pessoal,
Bombeiros Voluntários de Almada.
InfoGestNet

— Esta ideia excedeu toda a expectativa — diz-nos o sr. José Braz com sincero entusiasmo.
— Como a receberam as duas massas associativas?
— De início, como é compreensível. formaram-se dois sectores, grupos que se opunham à fusão. Mas façamos-lhe justiça. Pata muitos, os clubes comtituiam um lar antigo. O amor clubista imperova. A saudade pelo grupo que lhes merecera tantas dedicações e esforços ajudara a não concordarem com a ideia, que era boa — para a terra e para a ideia desportiva.


O exemplo daquele sócio que compreendendo o benefício da fusão teve a sinceridede de me dizer: "Concordo com a fusão, mas quando ela for um facto quero reunir num jantar de despedida alguns eompanheiros e chorar o desaparecimento do meu clube!" Dedicaç6es destas vieram fortalecer o novo clube.

Pedreirense Foot Ball Club (emblema).

O sr. José Braz continuou expondo a finalidade que orientou este projecto:
— Almada é terra de gente boa, trabalhadora, honesta e sempre pronta a reunir-se em volta de uma bandeira para demonstrar o valor da sua actividade e das suas boas ideias.


O nosso meio recreativo impõe-se. As duas colectividades, a Academia Almadense e a Incrível Almadense, eonstituem motivo de orgulho. Por que haviam de continuar dispersos pordois clubes valores tão aproveitáveis? Por que haviam de continuar divididos os homens, em vez de os juntarmos num grende clube que marcasse posição de relevo no concelho e que conseguisse reunir todos os almadenses em volta de uma só entidade?


E tudo correu pelo melhor. Este nosso bom povo, humilde. mas amando muito o que pertence a Almada, é neste morneoto o melhor auxiliar para que a iniciativa tenho o exito que lhe antevemos. Registe-se que, expontâneamente, logo nos primeiros dias se inscreveram mais de 200 sócios, que até então não pertenciam a nenhum dos dois clubes.

União Sport Clube Almadense (emblema).

O sr. José Braz anima-se. As suas palavras são ajudadas por entusiasmo que, sendo comovido, deixa entretanto prever os beltssimos projectos que estão já em efectivação.

— O Almada Atlético Clube será um clube de todos e para todos. Preocupa-nos não fazermos uma coisa defeituosa, mas sim com bases sérias e que no futuro marque posição. Pretendemos, especialmente, fazer em Almada um clube em que se possa preparar a juventude,

Acarinhados e aconselhados pelo sr. capitão António Cardoso, contamos com o aplauso da Direcção Geral doa Desportos, além do apoio dos melhores valores da nossa terra.

E o sr. José Braz salienta-nos um nome, uma figura a quem o concelho deve: o banqueiro António Piano Jnr. Almada considera-o a sua "varinha de condão", sempre ao lado das boas iniciativas, desde que tenham por finalidade o engrandecimento da terra.

A generosidade do sr. Piano Junior tem-se feito sentir em tórias as obras de beneficèneia e de recreio espiritual que se têm organizado em Almada. E ao ser posto ao corrente do que se passava com a fundação do novo clube desportivo, o interesse e a magnífica ajuda de António Piano colocaram-se ao dispor da direcção do Almada Atlético Clube.

Mercê desse valiosíssimo apoio — countinua elucidando-nos o sr. José Braz — o novo clube, terá a sua sede própria. Neste momento ultimam-se as negociações para a compra, ou de um edifício e campo anexo, ou de terreno onde se edificará a sede. E qualquer destes elementos estão já escolhidos.

— Os seus projectos, quanto a instalações desportivas?
— A futura sede do Almada A. C. reunirá todas as instalações necessárias o um bom clube de desporto. Terá um amplo e apetrechado gimnásio e um campo de "basket ball".


Os campos dos dois clubes, o do Pedreirense e do União, pensamos depois aproveitá-los sob o seguinte projecto: o primeiro para futebol, introduzindo-lhe mais alguns melhoramentos e bancadas; o segundo para os pistas de atletismo, "rink" de patinagem, "courts" de ténis e piscina. (1)


(1) Stadium n° 89, 16 de agosto de 1944

Mais informação:
Joaquim Candeias, Efeméride do primeiro jogo
O Almada Atlético Clube a caminho de transformar-se em grande instituição, Stadium n° 167, 13 de fevereiro de 1946

Artigos relacionados:
Almada Atlético Clube (1946)
Pedreirense Foot-Ball Club
Clube Desportivo da Cova da Piedade
Clube Desportivo da Cova da Piedade (reportagem da revista Stadium)
Gregório, do Cacilhense...
Grupo Desportivo da Casa dos Pescadores da Costa de Caparica

domingo, 1 de janeiro de 2023

Os O'Neill e a Quinta da Arealva

Foi o local escolhido por João O’Neill para sua residência, no que foi ajudado pelo Reitor do Colégio Irlandês em Lisboa. A quinta estremava a Nascente com a Quinta do Olho de Boi pertencente a primos da sua mulher D. Valentina Ferreira uma proprietária na Merceana perto de Alenquer.

Vista de Lisboa (tomada da margem sul), Alexandre-Jean Noël.
Cabral Moncada Leilões

Nessa época quase todos os chefes das grandes famílias Irlandesas que não aderiram ao protestantismo e à Coroa Inglesa, foram proscritos e para manter os seus direitos de linhagem viram-se obrigados a sair da Irlanda na esperança de poderem voltar. A ancestral tendência em associar a natureza humana ao resto da natureza levou o povo a apelidar esse movimento de Flight of the Wild Geese — voo dos gansos bravos — pela semelhança com o regresso das aves migratórias ao seu ponto de partida.

A dúvida quanto à probabilidade da criação de condições que tornassem o regresso útil levou muitos destes lideres emigrados, a procurar soluções mais duradouras que, tirando partido da sua experiencia, dos seus hábitos e da sua visão especial da vida, se lançassem em actividades em que tivessem um fac- tor diferenciador positivo em relação aos seus concorrentes.

A produção e distribuição de vinho e de bebidas alcoólicas em cuja avaliação eram peritos, foi naturalmente uma das principais escolhas. O afinado sentido de humor dos irlandeses levou-os a apelidar estes líderes emigrados “Wine Geese” os gansos do vinho.

A nossa família obteve as duas qualificações: Wild Geese pela saída de Felim O’Neill para França à frente do regimento O’Neill da Brigada Irlandesa e Wine Geese devido à montagem pelo seu neto Shane ou João na Quinta da Arealva de uma adega e um negócio de compra e venda de vinhos, que mais tarde evoluiu para a exportação de vinhos para os Estados Unidos em colaboração com Charles, seu irmão, que veio mais tarde para Portugal armando um navio “João e Carlos” especialmente destinado a este transporte e que usava o ainda existente cais da Quinta para a carga e descarga dos vinhos.

Os vinhos foram ganhando fama tendo João recebido a visita de Giuseppe Baretti, um homem de letras e um desfrutador da vida, que o visitou em 1760 assinalando a sua visita numa das suas obras, onde descreve o cais, a qualidade dos vinhos e a elegância da adega e da quinta. (1)

E foi uma felicidade que aquele senhor negociante de vinhos que se chama O'Neal, usasse para commigo de tanta cortezia quanta vilania tinha praticado o velho doutor da tal mulher nova, o qual apenas quiz consentir que eu depenicasse um cacho das suas vinhas, que todavia estavam carregadíssimas d'elles.

Retrato de Giuseppe Baretti (1719-1789) por Joshua Reynolds.
Wikipedia

Deu-me com liberalidade o sr. O'Neal a beber quanto eu quiz, e fez-me provar mais qualidades de vinhos muito estimados, e aos meus suados barqueiros deu tambem um garrafão, pondo ainda dificuldade em deixar metter algum dinheiro no bolso de um seu pequeno.

Aquelle cavalheiro tem a sua casa protegida do rio por uma espécie de molhe construido de grossos penedos, e, tendo eu subido a esse molhe, recreei-me de ver dois escravos da Guiné, mais pretos do que pez nadarem no rio, e darem viravoltas e saltos na agua, e mergulhos, que era um regalo vel-os; e, a troco de alguns cobres que lhes dei, armaram uma dança sobre as ondas, cantando á sua moda, ora mergulhando, ora pulando de todo no ar. de modo tão assombroso, que seria mais facil agarrar uma enguia pelo rabo. (2)

Quinta da Arealva (detalhe)
Margarida Bico

Valentina Ferreira morre em 1766 e João O’Neill resolveu construir em sua memória uma ermida a que deu o nome de S. João Baptista, padroeiro de Almada. Aí casou a sua filha Maria com Brian Lynch em 1774. Em 1786 dois dos seus filhos puseram-lhe uma acção de partilhas e obtiveram do tribunal a posse provisória da Quinta.

João O’Neill morreu em 1788 e após a sua morte a casa e quinta passaram para a sua filha Maria que a vendeu em 1813 a João Luis Lourenço (...) (3)


(1) António Cunha Bento, Inês Gato de Pinho, Maria João Pereira Coutinho, Património arquitectónico civil de Setúbal e Azeitão, 2019
Occidente n.° 625, 5 de maio de 1896
António Cunha Bento, Inês Gato de Pinho, Maria João Pereira Coutinho, Idem

Artigo relacionado:
Almada em 1760

Informação relacionada:
Lugares de Almada: Da Fonte da Pipa à Arialva, passando pelo Olho de Boi
Andrew Shepherd, The O’Neills of Portugal, 2020

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Laboratorio de Chimica no Citio da Margueira

O Laboratório-fábrica situado na Margueira existiria pelo menos desde 1825, ano em que foi elevado à categoria de fábrica de produtos químicos, com a atribuição do privilégio exclusivo de produção de ácido sulfúrico durante 14 anos (a existência do laboratórrio é mesmo anterior a 1825, v. imagem abaixo, c. 1809). (1)

Esboços de Paizages d'Mediterraneo e Lisboa, 29.
Laboratorio de Chimica no Citio da Margueira, Luiz Gonzaga Pereira, 1809.
Museu de Lisboa

A Fábrica de produtos químicos da Margueira era um estabelecimento com larga experiência na produção de químicos em grande parte aplicados no campo da Medicina e da Farmácia. O Laboratório da Margueira tinha sido elevado à categoria de fábrica na década de 20 do séc. XIX, através da concessão do direito exclusivo da produção "em grande" do ácido sulfúrico.

Margueira na enseada da Cova da Piedade (detalhe da vista de Cacilhas e de S. Julião), Charles Landseer, 1825.
Instituto Moreira Salles

Pela década de 40 mudara para novos proprietários (os irmãos na sociedade Serzedello & C.ª), e iniciara então um programa de reformas tecnológicas, que o conduziram da matriz dos tártaros (uma das produções mais significativas até aquela altura) e do carvão animal, para uma série mais diversificada de fabricos.

Do final dos anos 40 para a década de 50 produzia, entre outros, e para além do tártaro (bruto e cremor) e respetivos sais de sódio e potássio, os ácidos (fosfórico, bórico, nítrico, clorídrico), amónia, algodão-pólvora, alguns óleos e uma gama variada de sais de metais pesados, artigos característicos da nova Farmácia Química já corrente em Portugal.

Laboratorio Chimico de Serzedello & Ca., década de 1840.
(documento do acervo de Carlos António Serzedelo Palhares, Lisboa)

Foi um dos poucos estabelecimentos fabricantes de produtos químicos, mesmo sem apresentar o requerido número mínimo de operários (dez operários), com direito a figurar na Estatística Industrial de 1852. 

Este facto poderá indicar alguma excelência tecnológica que lhe permitiu ultrapassar o limite imposto pela escala industrial. 

Domínio tecnológico que teve na qualidade científica da formação dos seus técnicos, uma linha de conduta sempre perseguida, a começar pelo farmacêutico João Paulino Vergolino de Almeida (o proprietário anterior à família Serzedello), frequentando o curso de Física e Química de Luís da Silva Mousinho de Albuquerque no Laboratório de Química da Casa da Moeda, e continuada por outros farmacêuticos como José Dionísio Correia ou Francisco Mendes Cardoso Leal Júnior, assistindo igualmente ao mesmo curso [...]

Graphite Drawing, Southern Bank of Mouth of Tagus, C. L. Robertson, depois de 1866.
Sulis Fine Art

Considera-se que é esta “movida científica” de químico-farmacêuticos, “operários manufaturadores de produtos químicos”, a tentar realizar em primeiro lugar a passagem necessária de uma pequena produção química para uma escala mais alargada, próxima da escala industrial. Indivíduos com um pé na farmácia e outro na fábrica.

Graphite Drawing, Southern Bank of Tagus opposite Lisbon (detail), C. L. Robertson, depois de 1866.
Sulis Fine Art

Neste enquadramento, o Laboratório-Fábrica da Margueira, assume considerável importância, constituindo não só uma escola prática químico-farmacêutica, como também uma espécie de "viveiro" para futuros preparadores nos laboratórios de Química das escolas de Lisboa. (2)

Laboratório de Química no sítio da Margueira
Propriedade:  Serzedello & C.ª
Produtos: International exhibition, 1876 at Philadelphia, Diário Illustrado
Local: Margueira
Referências: Estatística Industrial de 1852

João António Pereira Serzedello & Companhia, "Droguista e comércio de produtos químicos" instalou-se no início do século XIX na Rua Direita de São Paulo, n.º 53, em Lisboa. Mais tarde, João A. P. Serzedello fundava com os sobrinhos José António, António José e António Joaquim a Serzedello & Companhia sediada no Largo do Corpo Santo, n.º 7. Em 1824, o tio João António deixa a sociedade, ficando este com a firma que já tinha constituído em 1822 (...)

Foi vendido à família Serzedello, em 1844, e a sua exploração ganhou um considerável desenvolvimento a partir de 1848, altura em que se deverá ter procedido a reformas tecnológicas, tendo-se tornado um estabelecimento de referência no âmbito da química e da farmácia, com participação em exposições universais onde recebeu distinções e nomeações pelos seus produtos.

Serzedello & Ca., década de 1840
(documento do acervo de Carlos António Serzedelo Palhares, Lisboa)



Em 1855 o laboratório da Margueira produzia ácido clorídrico e nítrico, diversos sais de chumbo e mercúrio, dissoluções de sais (de nitrato de cobre e de cloreto de antimónio) e nitratos (de potássio, de bismuto, de prata, entre outros), os “tártaros”, a potassa cáustica (hidróxido de potássio), etc.

Em 1852 a fábrica tinha seis operários. Laborou praticamente até ao século XX. Nela operaram 4 a 5 gerações da família Serzedello. (2)


(1) Ângela Ferraz, Materiais e Técnicas da Pintura a Óleo em Portugal (1836-1914): Estudo das fontes documentais, Volume II
(2) Isabel Maria Neves da Cruz, Da prática da química à química prática... Universidade de Évora, 2016,
(3) Ângela Ferraz, Materiais e Técnicas da Pintura a Óleo em Portugal (1836-1914): idem

Artigos relacionados:
A casa da Quinta da Oliveira
Serzedello & Ca., Laboratorio Chimico na Margueira
O laboratório químico da Margueira
Indústria química

Leitura relacionada:
RELATORIO GERAL DA EXPOSIÇÃO DE PRODUCTOS DE INDUSTRIA PORTUGUEZA, SOCIEDADE PROMOTORA DA INDUSTRIA NACIONAL, EM 22 DE JULHO DE 1838

International exhibition, 1876 at Philadelphia, Diário Illustrado

Mais informação:
"Janêllos" da História: Os Serzedello

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Quinta do Forte ou do Armeiro-Mor (ou do dito dito) no Pragal

Com o nome de Armeiro-Mor (...) compreendia a quinta que no século XIX se chamou do Forte (...) Nesta propriedade construiu-se em 1810-1811 o Forte que foi chamado de Armeiro-Mor (n.° 17 das linhas de defesa da margem Sul de Tejo, alt. 80 m) o qual está na origem do nome de Quinta do Forte.

Carta Topográfica Militar da Península de Setúbal (detalhe), José Maria das Neves Costa, 1813.
Instituto Geográfico do Exército

A quinta (...) pertencia no Século XVIII aos Costas, Armeiros-Mores do reino, que foram condes e viscondes de Mesquitela.

Esboço do terreno da margem esquerda do Tejo, extendendo-se de Almada à Trafaria, entrincheirado como posição militar, cf. Journals of sieges carried on by the army under the Duke of Wellington, 1811-1814.
(Assinalam-se também o Vale de Mourelos interseptado por vedações e os esteiros no lugar da Piedade)
Internet Archive

Os Costas possuiram na Mutela um palácio que anda noje existe, muito degradado, e um moinno de maré (v. artigo dedicado: Moinho do Mesquitela), além de outras quintas no termo de Almada (...) a Quinta dos Costas à Mutela foi também conhecida por quinta do Armeiro-Mor. (1)


(1) Pereira de Sousa, Almada, Toponímia e História, Câmara Municipal de Almada, 2003

Artigos relacionados:
Defesa de Lisboa em 1810 (I)
Defesa de Lisboa em 1810 (II)
Defesa de Lisboa em 1810 (III)
Moinho do Mesquitela
Panorâmicas do Pragal
Quinta de São Pedro no Pragal
etc.

Leitura adicional:
Papers on Subjects Connected with the Duties of the Corps of Royal Engineers
Journals of sieges carried on by the army under the Duke of Wellington, in Spain, during the years 1811 to 1814

Mais informação:
Friends of the Lines of Torres Vedras (Forts on the Fourth Line to the South of the River Tagus)

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Sape na barba

Nasceo este jogo em Cassilhas, inventado pela viuva de hum ferreiro, que estando a fregir humas sardinhas, e hum filho de cinco annos a metter-lhe a mão no prato das fritas por de traz della; a mãi com toda a vigilancia, com huma mão fregia, e com a outra dava na mão do filho, sem nunca a poder pilhar, de que o rapaz gostou tanto, que descorrendo como podia ensinou aos outros o tal joguinho... (1)

A assadeira de sardinhas.
Henri l'Évêque, Costume of Portugal, 1814.


(1) José Daniel Rodrigues da Costa, Comboy de mentiras, vindo do reino petista com a fragata verdade encoberta por capitania

Artigos relacionados:
Chinquilho
Na Trafaria, cena da borda-de-água
Caldeirada à Pescador

Leitura relacionada:
Humor impresso: cultura e política em "O Espreitador do Mundo Novo"


Outros trabalhos do autor:
Internet Archive

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

De regresso à Lapa (com Luís Bayó Veiga e outros cacilhenses)

À direita, assente na vertente um pouco mais recuada do maciço rochoso, erguia-se uma construção toda em pedra, que tinha a forma cilíndrica e que mais não era que um torreão que acompanhava toda a altura da arriba do morro encimado por uma pequena habitação de forma quadrada com telhado coberto por telha lusa e que tinha 3 janelas viradas respectivamente a nascente, sul e norte.

Esboços de Paizages d'Mediterraneo e Lisboa, 28.
Cacilhas, Luiz Gonzaga Pereira, 1809 (com a zona da Lapa à esquerda da imagem).
Museu de Lisboa

A porta localizava-se a poente e dava acesso ao caminho que percorria o cimo do morro, onde se situavam precárias habitações que faziam parte da Margueira Velha, até se chegar ao Largo de Gil Vicente, como então se chamava (...)

Percorrendo de seguida a ala direita da Lapa, no sentido do Largo de Cacilhas, existiam 4 prédios separados entre si por pequenos acessos laterais que conduziam a quintais ou pequenas construções anexas.

Cacilhas vista do Tejo, gravura xilográfica, João Pedroso, 1846
Revista O Panorama, n° 18, 1847

Seguidamente, procura-se fazer um resumo da descrição de cada um deles.

O primeiro prédio localizado mesmo defronte ao portão de entrada dos estaleiros da “Parry”, era de construção muito antiga e encontrava-se bastante degradado. Em meados da década de 1930, foi comprado por José de Jesus Malaquias, então comerciante de Cacilhas, que na práctica o reconstrui quase de raíz e o transformou em prédio de rendimento com 4 pisos e 8 fogos, comportando ainda 2 espaços que funcionavam como armazém de mercadorias, um dos quais tinha acesso exterior por uma escada em pedra existente na fachada lateral do edifício (I).

Cacilhas, Carro Carreira da Empreza Camionetes Piedense, Leslie Howard, década de 1930.
A zona da Lapa em segundo plano (detalhe).
Museu da Cidade de Almada

José de Jesus Malaquias ficou a viver no 3° andar conjuntamente com a sua mulher, Maria Rosa Malaquias e seu filho José Malaquias, alugando os restantes fogos a diversos inquilinos, entre os quais se relembram alguns deles tal como eram conhecidos:

—  Tomás das Camionetes que era expedidor da empresa de camionagem Setubalense;
— Carlos da Ponte que possuía uma lancha para transportar passageiros a bordo dos navios ancorados ao largo do Tejo. (1o andar);
— Álvaro Cortador, conhecido talhante de Cacilhas que depois foi viver para a Rua Carvalho Freirinha;
— António Pintassilgo que era irmão do mestre do cacilheiro Renascer (4° andar);
— Joaquim Vieira, motorista dos barcos da Parceria dos Vapores Lisbonenses.


No piso térreo do “prédio do Zé Malaquias”, como ficou a ser conhecido, situava-se a “taberna do Malaquias”, que também funcionava como casa de pasto, que era frequentada aos almoços pelo pessoal um pouco mais abastado que trabalha mesmo defronte na “Parry”.

Existiam ao tempo, mais tabernas e tascas na localidade de Cacilhas, mas segundo “rezam as crónicas” era na taberna do “José Malaquias” na Lapa, que se servia o melhor vinho tinto, que provinha das adegas de Xavier Santana localizadas em Palmela, que ainda hoje existem.

A traseira da taberna dava acesso para um saguão que existia no interior do prédio e era aqui que se localizava numa das paredes, uma porta que dava acesso à entrada de uma gruta que segundo se dizia, se prolongava em forma de túnel subterrâneo, em direcção onde existia à superfície, a Estalagem /Cocheira do Narciso José e depois declinando em frente do local onde se situa a “Igreja de Cacilhas”, seguiria para Almada, bifurcando-se para o forte de Almada e o palácio da Cerca, onde se sabe existirem diversos tuneis subterrâneos...

Carta hydrographica do littoral de Cacilhas, 1838.
 Biblioteca Nacional de Portugal

Segundo José Malaquias (filho), ao penetrar-se pela galeria da gruta com a ajuda de um candeeiro a petróleo ou pequeno archote, uma vez que não existia iluminação eléctrica, poucos passos adiante a chama extinguia-se, o que era indicativo de haver pouco oxigénio no ar pelo que naquele tempo, ninguém se atrevia a ir mais além...

A seguir ao prédio do Malaquias, havia um armazém de Azeite a granel que era pertença de Ferreira Marques. O seu encarregado de apelido Oliveira, vivia no 1° andar com mulher e filhos. O azeite era embalado em latas de folha-de-flandres de 1 e 5 litros e era destinado à exportação (II).

Grupo de Obuses Pesados, Manobras militares do Outono (detalhe), 1937.
Arquivo Nacional Torre do Tombo

Logo depois, erguia-se um enorme prédio de rendimento já bastante antigo e gasto, que pertencia à família da Casa Serra (III).

A Casa Serra, cujo proprietário era o comerciante João Baptista de Carvalho Serra, tinha os seus escritórios e estabelecimento num prédio na actual Rua Cândido dos Reis, onde vivia com a família no 1° andar. Esta firma comercializava enorme gama de géneros alimentícios, mas também licores, xaropes e ainda produtos de drogaria, ferragens e calçado.

Procedia ainda ao fabrico de gasosas. Aquele prédio que tinha grande profundidade, era formado por 3 pisos e águas furtadas, e nele habitavam diversos inquilinos. Todas as fachadas tinham janelas do tipo guilhotina.

Na frente principal do prédio, existia um a acompanhar a sua largura, um logradouro em forma de quintal, local preferido pelo rapazio para brincadeiras e jogatanas de bola.

As suas escadas interiores, em madeira já envelhecida e carunchosa, rangiam ao serem percorridas e a rapaziada que por ali brincava chamava-lhe o prédio das carochas... Segundo informação recolhida, no rés-do- chão existia ainda a entrada para uma taberna e casa de pasto que pertencia a José Narciso que habitava no mesmo prédio com mulher e filhos.

Continuando na direcção ao Largo de Cacilhas, deparava-se de seguida com uma entrada em forma de rampa que intervalava o prédio antecedente com o último prédio da Lapa que já fazia gaveto com o Largo.

Bailarico em Cacilhas, possível original de A. E. Hoffman, c. 1835.
Alberto de Souza, Alfacinhas, Os Lisboêtas do passado e do presente, Lisboa, edição de Fernando Souza.

Esta estreita rampa permitia o acesso de veículos a um logradouro interior onde se localizavam duas pequenas construções com telhados de duas águas que serviam inicialmente de garagem aos veículos pertencentes à Casa Serra.

Aquelas construções foram compradas em 1942 pela firma José Pinto Gonçalves, Lda. para servirem de armazém de mercadorias e permi- tindo então a ligação a outro armazém que a firma já possuía nas traseiras do prédio na Rua Cândido dos Reis, onde se situava o estabelecimento Casa da Beira Alta.

Casa da Beira Alta de José Pinto Gonçalves, Mercearia, Fanqueiro e Retrozeiro
Largo Costa Pinto, Cacilhas
Boletim O Pharol

Finalmente o último prédio da Lapa, era composto por 3 pisos e em todas as fachadas existiam janelas de guilhotina. Ao nível térreo na esquina virada a sul, existia uma garagem para recolha de viaturas a qual não era visível pelo Largo de Cacilhas e que pertencia à Casa Serra, Lda (IV).

Para o eventual relembrar de alguns cacilhenses mais provectos na idade, referem-se alguns dos últimos inquilinos que viveram neste prédio:

Casimira que era cabeleireira em Cacilhas (1° andar);
José Joaquim Júnior e Donorah Vialonga (1° andar);
Magalhães que era Cabo de Mar (2° andar),
André que era expedidor da camionagem Setubalense (3° andar).

Na fachada virada para o Largo de Cacilhas, estava escrito em letras pretas garrafais: Garage CentralRecolha de Automóveis.

Grupo de Obuses Pesados, Manobras militares do Outono (detalhe), 1937.
Arquivo Nacional Torre do Tombo

Já virada para o largo de Cacilhas, existia uma taberna e casa de pasto, bem frequentada, que pertencia a Antonino Ferreira, conhecido pelo “Pinga Azeite”, cuja entrada se fazia pelo lado da Lapa.

Já fora do sítio da Lapa, mas a bem dizer, com “paredes meias”, e logo a seguir à taberna do “Pinga Azeite” poucos metros adiante, à entrada da rua Cândido dos Reis, havia uma outra taberna também muito conhecida e que veio (por razões diferentes da sua actividade), a ficar famosa: Era a taberna da Tia Francisca, como era conhecida, a qual já existia a funcionar, desde a primeira década de 1900.

A multidão aguardando o ministro na villa de Cacilhas, Joshua Benoliel, 1911.
Hemeroteca Digital

A Tia Francisca, que explorava a taberna, vivia no 1° andar do mesmo prédio com seu marido e seu filho, José de Jesus Malaquias. Este casou, ainda bem jovem, e nos primeiros anos continuou a viver na casa dos seus pais, com sua mulher e seu filho, José Malaquias, que entretanto tinha nascido em 1934.

Só após as obras concluídas no prédio que tinha adquirido na Lapa é que então se mudou para lá, e começou a explorar o seu próprio negócio de taberna e Casa de Pasto, mantendo-se aberta a taberna explorada por sua mãe.

Lapa de Cacilhas, aguarela de Anyana, O Scala, inverno 2006.
Casario do Ginjal

Em 1947, com a previsível expropriação de todas as construções existentes na ala direita da Lapa, a fim de ser aberta uma nova via de acesso entre Cacilhas e a Cova da Piedade, José de Jesus Malaquias, acabou por ir viver para Almada e passou a explorar a taberna que pertencia a seus pais, sucedendo assim à sua mãe Francisca, naquele negócio (...) (1)


(1) O Pharol n° 25, A Lapa - Um recanto de Cacilhas, 2014

Artigos relacionados:
A menina do mirante
O torreão e a Lapa
Na esplanada do forte de Cacilhas
Bailarico em Cacilhas
Cacilhas vista do Tejo, em 1847
A visita do sr. ministro
Na Lapa de Cacilhas em 4 de junho de 1950
etc.

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Bailarico em Cacilhas

O detalhe da pintura a óleo, 181? - Bailarico em Cacilhas da colecção do dr. José Coelho da Cunha, é primeiro referenciada pelo aguarelista Alberto de Souza e apresentada no livro que lhe é dedicado,  edição do filho Fernando Souza, Alfacinhas, Os Lisboêtas do passado e do presente, Lisboa.

Bailarico em Cacilhas, possível original de A. E. Hoffman, c. 1835.
Alberto de Souza, Alfacinhas, Os Lisboêtas do passado e do presente, Lisboa, edição de Fernando Souza.

O mesmo detalhe aparece mais tarde referenciado por Alexandre Flores em Almada antiga e moderna (roteiro iconográfico, Freguesia de Cacilhas, Câmara Municipal de Almada, 1987) onde o autor identifica o começo da Rua Direita (actual Cândido dos Reis) e o Sítio da Lapa na imagem. Posteriormente, em Para uma História do Fado (edição Corda Seca e Público), Rui Vieira Nery recupera a mesma imagem e não adianta mais informação para além da avançada por Alberto de Souza.

Pela nossa parte, seria esclarecedor ter acesso ao quadro completo mas até hoje não nos foi possível encontrar mais referências sobre a pintura, então pertença do dr. José Coelho da Cunha.

Podemos adiantar com base na imagem que o festejo, o dito bailarico, tem lugar junto ao cruzeiro que existia no local mencionado por Alexandre Flores, e que a dança seria muito possivelmente do tipo Fandango ("teimas", como ainda hoje se diz em certa partes do Ribatejo).

Caza de Pasto, Bailarico em Cacilhas (detalhe), possível original de A. E. Hoffman, c. 1835.
Alberto de Souza, Alfacinhas, Os Lisboêtas do passado e do presente, Lisboa, edição de Fernando Souza.

Os barretes vermelhos indicam com forte probabilidade a profissão de catraeiros dos intervenientes. As demais profissões populares seriam tanoeiros e calafates. O boné de pala, a cartola e os sapatos de polimento indicam uma data posterior à década de 1810 proposta por Alberto de Souza.

Em fundo vemos o detalhe do velho torreão/miradouro de Cacilhas e o velame das embarcações acostadas ao pontal. No largo e nas sacadas dos edifícios as famílias, demais moradores e visitantes assistem ao evento. Junto à entrada da Caza de Pasto uma mulher vende laranjas.

Não sabemos se se trata de uma feira, ou de um mercado, dos festejos de S. João, ou outros, relacionados com a procissão de Nossa Senhora do Bom Sucesso, ou mesmo da celebração da vitória das forças liberais sobre os miguelistas.

As classes populares estão no primeiro plano, os rostos têm expressão, trata-se de uma pintura de costumes, documental, do período romântico. Conhecemos outras da década de 1830, dentro da linha iniciada pelos artistas francófonos emigrantes da revolução francesa (Nöel, Delerive, L'Évêque) ou mesmo anterior (Pillement). Até obtermos melhor informação vamos atribui-la a A. E. Hoffman, soldado ao serviço do exército liberal, e datá-la c. 1835.

Com a mesma representatividade, Liberalismo/Romantismo (o anúncio do Setembrismo talvez), de A. E. Hoffman usámos Saltimbancos/Largo do Corpo Santo para ilustrar Almeida Garrett por Bulhão Pato: o jantar ao poeta.

Lisboa, Largo do Corpo Santo, A. E. Hoffman, c. 1833.
Museu de Lisboa

De igual modo, recorremos a A. E. Hoffman, Batalha de Ponte Ferreira (detalhes) de 1835, para compor a dinâmica num dos artigos sobre a Batalha da Cova da Piedade — 23 de julho de 1833. Poder-se-iam evocar outros quadros do mesmo autor, Feira das Bestas no Campo Grande (c. 1833, Museu de Lisboa) e Antigo Mercado da Praça da Figueira (EGEAC, Museu de Lisboa) este último também não claramente atribuído.

Caza de Pasto, Bailarico em Cacilhas (detalhe), possível original de A. E. Hoffman, c. 1835.
Alberto de Souza, Alfacinhas, Os Lisboêtas do passado e do presente, Lisboa, edição de Fernando Souza.

Hoje, exceptuando o panorama de Luiz Gonzaga Pereira (se quisermos), o eco do tambor que se repete e uma quase imperceptível melodia da gaita de foles, do Bailarico em Cacilhas, nada resta.

Esboços de Paizages d'Mediterraneo e Lisboa, 28.
Cacilhas, Luiz Gonzaga Pereira, 1809.
Museu de Lisboa


Rui Granadeiro, 1 de agosto de 2022


Artigos relacionados:
Almada e Val de Piedade no diário de Dorothy Quillinan
Batalha da Cova da Piedade — 23 de julho de 1833
Almeida Garrett por Bulhão Pato: o jantar ao poeta
etc.

Leitura relacionada:
O Pharol n° 25, A Lapa - Um recanto de Cacilhas, 2014
O Pharol, n° 27, Os Bailes em Cacilhas, 2015