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segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

A ponte monumental

A architetura exterior dos edificios públicos, das egrejas, dos grandes palacios, é lamentável de banalidade e insulsez: e os modernos quazi todos peores do que os antigos; fóra do manuelino, de que o terremoto deixou poucos bocados, fóra do D. João V, que é um entre Luiz XIV e Luiz XV luxurioso e freiratico, Lisboa não tem nada que vêr-se possa, a não ser o Terreiro do Paço e a jesuitica egreja da Estrela, feita com o dinheiro que o marquez destinava á ponte monumental entre Almada e Lisboa, e o estafermo beato de D. Maria I derreteu em honra dos seus terrores supersticiosos. (1)

Bellisle looking down the Tagus, John Cleveley Jnr, 1775.
Bonhams

A ideia inadiavel da prolongação das linhas do Barreiro até Cacilhas ou Almada, trazendo os comboios á parte mais estreita do Tejo, frente a Lisboa, a 10 ou 12 minutos de travessia maritima da capital, necessariamente desperta na poderosa Companhia Real (dos Caminhos de Ferro Portugueses) os antigos rancores, pois, realisada a obra, os sonhos do Cetil carriando a Lisboa a mór parte das mercadorias do Alemtejo Medio e Baixo, em fumo vão-se, e visto o desenvolvimento espantoso que este acrescente trará ao Sul e Sueste, não haverá mais meio de pensar em o arruinar e adquirir por tuta e meia (...)

Lisboa — Vista de Lisboa e Tejo, ed. desc., década de 1900.
Delcampe

Mas se é certo que a teimosia dos comerciancites, por bronca, faz suspeitar que por traz d’ela alguma tramoia a Companhia Real fomenta e móve, não menos descabida parece a ancia que teem os engenheiros do Sul e Sueste em querer já construir a estação terminal nos aterros do caes jacente á Alfandega, sem primeiro trazerem a linha a Cacilhas ou Almada, sem prolongamento logico e natural (...) (2)

Lisboa monumental, ilustração, Alonso (Joaquim Guilherme Santos Silva, 1871 — 1948).
Hemeroteca Digital

É do folheto "Ainda a estação fluvial das linhas do sul e sueste" do sr. engenheiro A. Santos Viegas que extracto a enumeração desses projectos:

Em 1888, projecto do americano Lye: vinha a ponte d'Almada ao Thesouro Velho, e ahi ficava a estação de mercadorias do sul e sueste, com entrada pelo Largo das Duas Igrejas [Praça do Chiado]. "A este plano, acrescenta o sr. Santos Viegas, alvitra-se agora acrescentar elevadores que nas alturas do Caes do Sodré transportariam vagões entre a linha superior e a estação da companhia". Custaria de 8 a 10:000 contos.

Em 1889: projecto de Bartissol e Seyring [sic, Seyrig], fazendo da estação do Rocio a testa das linhas sul e sueste, quando ainda a companhia Real pensava d'açambarcar os caminhos de ferro do estado. Custava 9:000 contos, a que opinões meticulosas ajuntam mais 1:000 para expropriações.

Ponte sobre o Tejo, E. Bartissol e T. Seyrig, O Occidente n.° 380, ilustração L. Freire, 1889.
Hemeroteca Digital

Em 1890: projecto do engenheiro Proença Vieira, que iria de'Almada a um ponto ao norte da rocha do Conde de Óbidos, seguindo a linha ferrea até cêrca de Campolide. Custava 7:500 contos mas é possível que chegasse a muito mais, visto haver sítios do rio onde as fundações dos pilares iriam até 60 metros de fundo, e no projecto não se faziam calculos explicitamente rigorosos ácêrca d'essas fundações.

Depois de 1891 houve mais dois projectos. Um, do fallecido Miguel Paes, de todos os expostos o mais sensato sob o ponto de vista de ligação ferroviaria, vinha do Pinhal Novo onde toda a rede do sul se acha reunida n'um tronco unico, o espigão do Montijo, e d'ahi por uma immensa ponte, aos Grillos, fóra da zona de grande navegação do Tejo. N'este sitio, teria a ponte muito menor importancia para a viação ordinária.

A construcção seria mais facil, mas a extensão muito maior, devendo o custo exceder pouco mais de 4:000 contos.


Ponte sobre o Tejo, estudo do engenheiro Miguel Pais, 1872.
Arquivo Municipal de Lisboa

Finalmente o ultimo projecto de travessia do Tejo era a concessão a uma empreza americana, d'uma ponte ara peões, carros, "tramways" electricos e caminhos de ferro, entre Almada e o bairro da Lapa, sem bases porem que permittissem avaliar da sua exiquibilidade.

Elegante projecto da ponte Lisboa Cacilhas,
propaganda republicana, década de 1910.
O Mundo do Livro

O sr. Santos Viegas opina (e nós tambem) que a ideia Julio Vernesca da ponte sobre o Tejo deve deixar-se ás futuras gerações. Não que ella não represente um arrojado e utilissimo melhoramento, mas por ser devorante o custo, e não se devem adiar outras obras mais urgentes, como a da trazida do caminho dez ferro do sul a Cacilhas ou Almada, e fundação da nova cidade da margem esquerda, em que urge desdobrar, o mais rapidamente possivel, a nossa actual Lisboa fabril e commercial. (3)


(1) Fialho de Almeida, "Barbear, Pentear" (jornal d'um vagabundo), 1910
(2) Fialho de Almeida, Idem
(3) Fialho de Almeida, Illustração Portugueza, Lisboa Monumental II, Lisboa, 19 novembro 1906

Artigos relacionados:
Lisboa monumental em 1906
Projecto de travessia do Tejo em 1889
A ponte

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Lisboa monumental em 1906

Lisboa monumental, ilustração, Alonso (Joaquim Guilherme Santos Silva, 1871 — 1948).
Imagem: Hemeroteca Digital

Os governos que teem sempre a construir, por essas terras e vilórias, edifícios pequenos para escolas, créches, etc., deveriam fazer executar de quando em quando algum d'estes projectosinhos sahidos das provas escoláres, e que o respectivo jury, reforçado por elementos das letras, todos os annos levasse á atenção das obras publicas e municípios [...].(1)

Fialho de Almeida, 1857 — 1911.
Imagem: ciberduvidas

Mas se é certa a teimosia dos commerciantes, por bronca, faz suspeitar que por trás d'ella alguma tramoia a Companhia Real fomenta e move, não menos descabida parece a ancia que tem os engenheiros da Sul e Sueste em querer construir a estação terminal nos aterros do caes jacente á alfandega, sem primeiro trazerem a linha de Cacilhas ou Almada, seu prolongamento logico ou natural.

Pois verdadeiramente se antolha que a pressa grande deva ser completar quanto antes a linha ferrea entresonhada, vazar as mercadoria d'embarque em caes fonteiros a Lisboa, pôr n'esses caes navios acostáveis desembarcando artigos que se destinam ao interior das terras d'além rio — dar pretexto emfim a que a nossa capital real outra margem se desdobre, e uma nova cidade, abrangendo desde o pontal de Cacilhas á Trafaria, lentamente alastre á beira d'agua, primeiro em armazens e fabricas e officinas, logo com casarias e ruas moradias, trepando as lombas dos morros, pinchando aos cimos, quando a afluencia de gente que necessariamente o caminho de ferro trará consigo, se juntar ess'outra que a mudança do Arsenal de marinha e officinas subsidiares, e ainda a da Escola Naval, sua consequencia immediata num futuro mais ou menos proximo certo virão concentrar na margem esquerda, frente á capital.

Lisboa monumental, ilustração, Alonso (Joaquim Guilherme Santos Silva, 1871 — 1948).
Imagem: Hemeroteca Digital

E tudo isto daria já para a nova cidade uma migração muito importante, que sommada com a vizinhança das villas e logares que enxameiam no aro d'entre Trafaria e Cacilhas póde determinar robustamento o inicio do faubúr novo, da outra grande Lisboa de forjas e martelos, a Lisboa fabril, erriçada de chaminés e fumos londrinos, mirando ameaçadoramente, dou outro lado da agua, a cidade-côrte, em seus volvos d'orgia, seus arquejos de gaz e de festanga — do outro lado d'agua, em cujo espelho o labyrintho dos steamers, ao mugir cavo das sereias, encheria de grandeza o porto formidavel.

Acumular portanto na outra margem a Lisboa commercial e fabril, de grande labuta e grande trafego; ir para essa margem empurrando, á formiga, muitas industrias que por Alcantara e Poço do Bispo funccionam no meio de bairros por ellas infectados; desobstruir por uma gradual e lenta transferencia, a beira-mar de Lisboa velha, dos hangares barracões e feios depositos de mercadorias que ali se ajuntam, vedando ao lisboeta de gemma a margem do seu Tejo: tudo isto significa um desiderato maravilhoso para a belleza da terra e methodisação hygienica da industria, ajudando o desenvolvimento rapido d'uma cidade que com pretensões a chave do Atlantico e paraiso de touristes, ainda não poude sahir das virtudes prohibitivas e velharias confusas de qualquer terra hespanhola ou brazileira.

Só quando a "Lisboa da outra banda" tomasse desenvolvimento uniforme de cidade, e as duas lisboas, direita e esquerda, desenroladas polas duas margens do rio, proclamassem a urgencia da sua homogenisação n'um todo idilico, é que a ideia da ponte ou pontes monumentais de 9:000 contos (que já começa a endoidar bestuntos da puericia mandante, amiga de exibicionismo) deveria ser posta a amadurar, conjunctamente coma do projecto de estação fluvial sul e sueste, cujas obras, a contrario do que oiço, não parecem por agora tão urgentes como a conclusão da via ferrea até Cacilhas ou Almada.

Lisboa monumental, ilustração, Alonso (Joaquim Guilherme Santos Silva, 1871 — 1948).
Imagem: Hemeroteca Digital

Varios, e em epocas differentes, desde 1880 para cá, teem sido os projectos de pontes sonhados para ligar a capital com amargem esquerda do Tejo.

É do folheto "Ainda a estação fluvial das linhas do sul e sueste" do sr. engenheiro A. Santos Viegas que extracto a enumeração desses projectos:

Em 1888, projecto do americano Lye: vinha a ponte d'Almada ao Thesouro Velho, e ahi ficava a estação de mercadorias do sul e sueste, com entrada pelo Largo das Duas Igrejas [Praça do Chiado]. "A este plano, acrescenta o sr. Santos Viegas, alvitra-se agora acrescentar elevadores que nas alturas do Caes do Sodré transportariam vagões entre a linha superior e a estação da companhia". Custaria de 8 a 10:000 contos.

Em 1889: projecto de Bartissol e Seyring [sic, Seyrig], fazendo da estação do Rocio a testa das linhas sul e sueste, quando ainda a companhia Real pensava d'açambarcar os caminhos de ferro do estado. Custava 9:000 contos, a que opinões meticulosas ajuntam mais 1:000 para expropriações.

Em 1890: projecto do engenheiro Proença Vieira, que iria de'Almada a um ponto ao norte da rocha do Conde de Óbidos, seguindo a linha ferrea até cêrca de Campolide. Custava 7:500 contos mas é possível que chegasse a muito mais, visto haver sítios do rio onde as fundações dos pilares iriam até 60 metros de fundo, e no projecto não se faziam calculos explicitamente rigorosos ácêrca d'essas fundações.

Depois de 1891 houve mais dois projectos. Um, do fallecido Miguel Paes, de todos os expostos o mais sensato sob o ponto de vista de ligação ferro-viaria, vinha do Pinhal Novo onde toda a rede do sul se acha reunida n'um tronco unico, o espigão do Montijo, e d'ahi por uma immensa ponte, aos Grillos, fóra da zona de grande navegação do Tejo. N'este sitio, teria a ponte muito menor importancia para a viação ordinária. A construcção seria mais facil, mas a extensão muito maior, devendo o custo exceder pouco mais de 4:000 contos.

Finalmente o ultimo projecto de travessia do Tejo era a concessão a uma empreza americana, d'uma ponte ara peões, carros, "tramways" electricos e caminhos de ferro, entre Almada e o bairro da Lapa, sem bases porem que permittissem avaliar da sua exiquibilidade.

O sr. Santos Viegas opina (e nós tambem) que a ideia Julio Vernesca da ponte sobre o Tejo deve deixar-se ás futuras gerações. Não que ella não represente um arrojado e utilissimo melhoramento, mas por ser devorante o custo, e não se devem adiar outras obras mais urgentes, como a da trazida do caminho dez ferro do sul a Cacilhasou Almada, e fundação da nova cidade da margem esquerda, em que urge desdobrar, o mais rapidamente possivel, a nossa actual Lisboa fabril e commercial.
Quanto mais présto essa via concluida, mais cedo começará, frente a Lisboa o centro de crystalização da nova cidade commercial e fabril que tanto urge.

D'ahi se o Arsenal de marinha sae, como pretendem, do seu forte edifício pombalino, deixará disponivel um cazarão enormissimo onde em qualquer canto os engenheiros do Sul e Sueste pódem talhar estação avóndo , e em ponto centrico, correndo-se por diante do edifício desde o Terreiro do Paço, cmo alguem ja propoz, uma arcada que alargue o transito da rua do Arsenal para peões, sem ser necessario recorrer a qualquer construcção moderna especial.

Fotografia aérea, destaca-se o Arsenal de Marinha, 1930 — 1932.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Não são das menos desagradaveis coisas da enseada maritima de Lisboa, essas montanha pardas da Outra Banda, sem arvores nem casas, e de cujas vertentes a cada passo esbarrondam terras contra o mar.

De ha muito, n'outro pais, essa margem sinistra estaria embelecida e arborizada, cortando-se nas gredas soltas, tratos de terra plana onde correr caes e fazer installações, cintando de muralhões o resto, e escalonando até ao cimo as terras altas, para as encher de zigue-zagues de estradas, entresachados de residencias de campo ou grandes fabricas.

Lisboa — Vista de Lisboa e Tejo, ed. desc., década de 1900.
Imagem: Delcampe

A cordilheira nua, com meia duzia de cazebres branquejando no amarello ruim das gredas soltas, tem uma apparencia de Africa maldita que ignobilisa o panorama, encarióca a cidade, dando dos instinctos paysagistas do luso uma ideia das mais frigidas para o conceito d'europeu civilizado que elle se dá ares de merecer. (2)


(1) Almeida, Fialho de, Illustração Portugueza, Lisboa Monumental I, Lisboa, 29 outubro 1906

(2) Almeida, Fialho de, Illustração Portugueza, Lisboa Monumental II, Lisboa, 19 novembro 1906

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Museu de Bombeiros

Antigo quartel, Bombeiros Voluntários de Cacilhas, década de 1960 (?).
Imagem: ed. desc.

O antigo e legítimo desejo de os bombeiros possuírem no Concelho de Almada um museu que mostrasse a sua evolução ao longo dos tempos e que fosse um local onde toda a sua história iconográfica fosse objecto de visualização e de estudo, até agora, por vários motivos, não tem passado de uma repetida promessa.

O garbo da formatura, Bombeiros Voluntários de Cacilhas.
Imagem: Bombeiros Voluntários de Cacilhas, 120 Anos a servir, 1891-2011

[Francisco Inácio Lopes.] Funda o Serviço de Socorros de Incêndios em 1850 [...] só muito mais tarde aparecem os Bombeiros Voluntários de Cacilhas (15/01/1891) e as corporações de Almada (26/08/1913) e Trafaria (25/06/1931).
Cremos tratar-se de uma primitiva brigada de bombeiros municipais.

in Correia, Romeu, Homens e Mulheres vinculados às terras de Almada, (nas Artes, nas Letras e nas Ciências), Almada, Câmara Municipal de Almada, 1978, 316 págs.

15 de janeiro de 1891 — A Associação de Beneficência Serviço Voluntário de Incêndios, com sede em Cacilhas, no Concelho de Almada, foi fundada oficialmente nesta data na barbearia de Guilherme Silva, no Largo do Poço, onde foi assinada a acta inicial.

Almada, Largo do Poço em Cacilhas, Paulo Emílio Guedes & Saraiva, 03, década de 1900.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Foram os seus fundadores os seguintes cacilhenses: António Augusto Figueiredo Feio, António Thomaz de Carvalho Serra, Thomaz Wenceslau de Carvalho Serra, Guilherme Silva, Thomaz da Costa, Wenceslau Francisco da Silva, Raymundo Francisco da Silva, Guilherme Augusto Paiva, Avelino Emydio de Queiroz, Artur José Evaristo, Paulo Sauchner, Diogo António da Silva Reis, Júlio César da Silva, João Baptista da Silva, João Augusto dos Reis, José Henrique Correia, Augusto José de Melo Júnior, José Júlio Teixeira de Almeida.

Bombeiros Voluntários de Cacilhas, década de 1920 — 1930.
Imagem: Bombeiros Voluntários de Cacilhas no Facebook

Resolvido, o pequeno de quatro anos montado na sua bicicleta: — O meu pai é bombeiro!
Sabendo a resposta que se seguiria, perguntei: — E tu, também és bombeiro?

Viaturas, Bombeiros Voluntários de Cacilhas, 1958.
Imagem: Bombeiros Voluntários de Cacilhas no Facebook

Pausou, encheu o peito de ar e respondeu: — ... não, mas um dia vou ser.

Bombeiros Voluntários de Cacilhas, década de 1950.
Imagem: Bombeiros Voluntários de Cacilhas no Facebook

Pedalando com firmeza, afastou-se. Dias mais tarde voltou à carga: — Os bombeiros vão tocar hoje à noite na festa!

Ambulâncias, Bombeiros Voluntários de Cacilhas, década de 1970.
Imagem: Bombeiros Voluntários de Cacilhas no Facebook

Desta vez não quis fazer perguntas: — Não sabia que os bombeiros tinham fanfarra.

Bombeiros Voluntários de Cacilhas, década de 1980.
Imagem: Bombeiros Voluntários de Cacilhas no Facebook

— Os carros!... Os carros é que vão tocar.
Respondeu impaciente com a minha ignorância. Afinal que percebo eu de bombeiros.

Auto Transporte de Pessoal n° 3, Bombeiros Voluntários de Cacilhas.
Autocarro Magirus Deutz, dito Tarolas e Pandeiretas", motor arrefecido a ar.
Imagem: Bombeiros Voluntários de Cacilhas no Facebook

Neste momento, o museu dos bombeiros que está patente ao público resume-se a uma sala do 1.º andar do quartel em Cacilhas, onde estão expostos alguns objectos e relíquias de um passado glorioso, mas cujas condições de conservação, iluminação e arranjo exposicional não são as mais adequadas, situação que seria ultrapassada com a existência de um espaço bem organizado noutro local. (1) 

Clarim antigo, Bombeiros Voluntários de Cacilhas.
Imagem: Bombeiros Voluntários de Cacilhas, 120 Anos a servir, 1891-2011


(1) Neto, Victor M., Bombeiros Voluntários de Cacilhas, 120 Anos a servir, 1891-2011, Cacilhas, Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Cacilhas, 2011, 224 págs.

Informação relacionada: Bombeiros Voluntários de Cacilhas: equipamentos museulógicos

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Construção naval tradicional no lugar da Mutela

Aproveitando a tradição do local para a prática da querenagem e as condições naturais de um baldio que existia junto à Quinta do Outeiro, uma das sete propriedades que a Casa do Infantado possuía no Alfeite, o industrial António José Sampaio instala um pequeno estaleiro nesse terreno junto ao salgado do rio, confinando a Sul com a referida Quinta do Outeiro, a Poente com a Romeira Velha, a Norte com o Caramujo e a Nascente com o rio Tejo.

Plano Hydrográfico do Porto de Lisboa (detalhe), 1847

Este estaleiro, vocacionado apenas para a construção de embarcações em madeira, encontrava-se em plena laboração em 1850.

Em 1855, o seu proprietário, por escritura notarial celebrada em Lisboa no dia 27 de Janeiro, toma de foro ao Conde de Mesquitela, um pedaço de terreno na praia da Mutela, junto à Margueira, para ali instalar uma caldeira em estacaria ou de pedra e cal, na extremidade da qual projectava construir duas rampas para querenagem de embarcações.

Alfeite, D. Carlos de Bragança, aguarela, 1891
Imagem: Museu Municipal de Coimbra, colecção Telo de Morais

Desconhecem-se por quanto tempo estas instalações se mantiveram na posse da família após a morte de António José Sampaio, tendo como certo que desde finais do século XIX, João Gomes Silvestre, conhecido por “João Marcela”, natural de Ovar, surge como proprietário do estaleiro da Mutela, partilhando a sua direcção com o irmão Bernardino Gomes Silvestre.

Em 1917, ainda na posse dos mesmos industriais, o estaleiro mantinha as mesmas confrontações do aforamento primitivo, apenas acrescido da serventia, para arrecadação de ferramentas, de um moinho de maré que era propriedade dos herdeiros dos Condes de Mesquitela, e se encontrava desactivado.

Estaleiros da Mutela, Carlos Pinto Ramos, aguarela, 1931
Imagem: Museu José Malhoa

Vista geral da Mutela, Mário Novais, década de 1930
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

O estaleiro dos “Silvestres” funcionou até 1947, ano em que teve lugar um processo de expropriações, tendo por objectivo a abertura do troço da Estrada Nacional n° 10, ligando Cacilhas à Cova da Piedade.

Vista aérea da variante à Estrada Nacional 10, zona da Mutela e da Margueira, 1958
Imagem: IGeoE

Com este estaleiro naval desapareceram muitos outros que se situavam nas imediações, como os de Manuel Caetano, Américo Cravidão, Francisco Cavaco, João Fialho, Joaquim Maria da Silva, ou Pedro Lopes e Serafim Matos, transferindo-se alguns para o concelho do Seixal enquanto outros simplesmente deram por terminada a sua actividade. (1)

Zona dos estaleiros da Mutela em 1941, Vitalino António
Imagem: Flores, Alexandre M., Almada antiga e moderna, roteiro iconográfico, Freguesia da Cova da Piedade

  1. Estaleiro e oficina do Peres
  2. Estaleiro do Pinhal, Zé dos ovos, Chico de Sezimbra
  3. Zona da represa para os toros de madeira estarem na água
  4. Muralha da Luíza da água
  5. Cais da fábrica Ramos (cortiça)
  6. Cais do Martins (vinhos)
  7. Cantinho da lapa onde os esgotos descarregavam na praia
  8. Fábrica da farinha
  9. Clínica António Elvas
  10. Estaleiro do João Marcelo (herdeiros), Manuel Lino, Cravidão (sócios)
  11. Moinho de maré (pertença da sociedade Manuel Lino) onde eram guardados os apetrechos náuticos
  12. Ferraria do João Vieira (João Ferreiro)
  13. Estaleiro da sociedade Manuel Caetano, Lázaro, Américo Cravidão
  14. Ferraria do Chouffer em brasa
  15. Zona de encalhe das embarcações para ficar em cima dos picadeiros (para raspar fundos e aplicar bréu)
  16. Estação de toros de madeira de Zé Cravidão (fornecimento dos estaleiros)
  17. Cavalariça do André
  18. Residência (barraca do Manel Preto) empregado do forno de cal
  19. Esplanada do liberdade
  20. Estaleiro do Chico Cavaco
  21. Estaleiro do Fialho (irmão do Chico Cavaco)
  22. Ferraria do Fialho
  23. Cais da fábrica Cabruja & Cabruja Lda. (cortiça)
  24. Estaleiro do Joaquim Picadeiro
  25. Estaleiro da sociedade Pedro, Serafim e Fernando
  26. Largo da Mutela
  27. Serração do Cereja (anteriormente Santo Amaro, Manuel Febrero)
  28. Taberna do Adelino Baeta
  29. Taberna da Emília da Praia 



(1) Grupo parlamentar do PCP, Deputados do, Cria o Museu Nacional da Indústria Naval, Lisboa, Parlamento, 2005, 19 págs.




Como conheci os irmãos Silvestre (Mestres “Marcelas”)

Conheci o Sr. João Marcela e o Sr. Bernardino em 1936, em Mutela, onde eram construtores de fragatas e barcos de madeira.


O João Gomes Silvestre era mestre carpinteiro de machado, e o mestre Bernardino Gomes Silvestre era calafate, tendo sido ambos construtores em Ovar, num estaleiro que tinham ali para os lados da Ribeira. Eu mesmo andei numa fragata, a "Sertória", construída por eles em Ovar, e lançada ao mar em 7/3/1907.

O mestre João era grande na estatura e grande nas obras que fazia. Tudo o que saía das suas mãos era perfeito.

O irmão, mestre Bernardino, era a mesma coisa. Vi-o a calafetar uma fragata com água pela cintura…

Havia vários estaleiros na Praia de Mutela, mas os dos Marcelas rivalizavam com todos: serviam uma clientela das melhores que havia, de que faziam parte alguns proprietários de fragatas naturais de Ovar.

Muita coisa boa poderia dizer destes dois gigantes e competentes fragateiros da minha terra, que Deus chamou ainda novos.

João Pinto Ramalhadeiro (*)


(*) Artigos do jornal João Semana Fragateiros de Ovar