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quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Ao juiz de fora em Almada, José Barbosa de Carvalho

Ao procedermos a uma busca no arquivo dos recolhimentos da Capital, instalado no recolhimento da Rua da Rosa, encontrámos lá vários documentos que pertenceram ao Dr. José Barbosa de Carvalho, que foi, primeiramente, juiz de fora em Almada, desde 18 de Agosto de 1755 (data do decreto do nomeação), até 24 do Janeiro do 1760 [...]

Vista de Lisboa tomada de Almada, século XVIII.
Museu da Cidade de Lisboa

Prisão de malfeitores por ocasiao do terremoto de 1755

Num ofício, datado de 4 de ,Novembro de 1755 e assinado por Sebastião José de Carvalho o Melo, recomendou-se ao juiz de fora de Almada que examinasse todos quantos passassem pelas terras da sua jurisdição e lançasse mão de todos os viandantes que se não legitimassem.

Marquês de Pombal, Louis-Michel van Loo e Claude-Joseph Vernet, 1767.
Imagem: Oeiras com História

A necessidade desta diligencia vem explicada no começo do oficio nestes termos: 

"Na cidade de Lisboa se espalhou  hum grande numero de ladroens tão deshumanos, e sacrilegos que abusando da calamidade coco que Deos Senhor Nosso nos avisou no dia Primeiro do corrente, acrescentaram a consternação do Povo justamente espavorido persuadindo-o a que se retirasse para longe porque se mandava bombear a cidade, para no abandono em que a puzeram com estas vagas vozes cometterem a seo salvo os muitos, roubos, e sacrillegios, com que despojaram as casas, e os Templos: passando pra essas partes carregados dos mesmos roubos e sacrillegios".

Mantimentos para os povos da Outra-banda e regulamentaçno dos preços das embareaçoes, por ocasião do terremoto

Num oficio datado de 7 do Novómbro do 1755, comunica Sebastião José de Carvalho o Melo (que o assina), ao juiz do fora de Almada, que S. M. tendo ficado muito sensibilizado com a notícia dos estragos causados polo terremoto naquela vila, mandava dizer, polo que respeitava a mantimentos, que êle podia fazer publicar não só na vila, como em todo o sou termo, que, desde o Terreiro do Paço até a Ribeira, se achava estabelecida uma feira abundantíssima do tudo o que era necessário. 

Alegoria ao Terremoto de 1755, João Glama Strobërle (1708–1792).
Wikipédia

Neste documento diz-se que com êle seguia um edital relativo aos barqueiros por ter sido S. M. informado que êles tinham vexado os povos com exorbitâncias, e impedido o comércio humano.
Barcos caellheiros para transporte da Familia Rial, e dos coches, para a Outra-banda

Cada vez que a Família Rial tinha do atravessar o Tejo, o que sucedia freqhentemente, era pelo poderoso ministro do El-Rei D. José expedido um ofício ao juiz de fora de Almada em que lhe ordenava que a certa hora tivesse prontos em determinados sítios da margem direita uns tantos barcos cacilheiros para conduzirem para a margem oposta não só as pessoas riais, como os coches, a acharia, criados, etc., os quais deveriam ser entregues ao Sargento-mor Pedro Teixeira, o conhecido amigo e criado do Soberano, a quem ora sempre cometido o encargo de dirigir os carregamentos.

Acerca do sitio em que se fazia o embarque encontram-se nos oficios as seguintes indicações:

no de 23 de Janeiro de 1756: 17 barcos, no dia seguinte, na "praia da Junqueira";
no do 15 de Maio do 1756: na "praia da Junqueira";

Vista e perspectiva da Barra Costa e Cidade de Lisboa (detalhe 6/9),  Bernardo de Caula, 1763.
Biblioteca Nacional de Portugal

no do 29 do Novembro de 1756: 14 barcos no sítio do "Cais do Carvão, junto às Gallés" [conf. Visconde de Castilho: A Ribeira de Lisboa, p. 181. No mesmo livro, a p. 116, diz-se que "O Caes do Carvão, com seu armazem para deposito dessa negra mercancia, era entre dos feio e lugubre". Não se compreende, por isso, como a Familia Rial lá ia embarcar, como se depreendo não só deste ofício, como dum outro adiante citado], de sorte que lá estivessom o mais tardar até a meia-noite do próprio dia à ordem do Pedro Teixeira;

Vista e perspectiva da Barra Costa e Cidade de Lisboa (detalhe 8/9),  Bernardo de Caula, 1763.
 Biblioteca Nacional de Portugal

no de 2 do Dezembro do 1756: 12 barcos cacilheiros, na "praia da Junqueira, onde se costumam embarcar as equipagens de S. M.";
no do 8 de Janeiro do 1757: 28 barcos para servido da repartição das riais cavalariças, na "praia da Junqueira";
no do 17 de Novembro do 1757: 11 barcos cacilheiros para a "ponte da Junqueira";
no do 10 do Dezembro do 1757: mandam-se vir barracas do Porto Brandão para a "ponte da Junqueira"; no do 30 do Dezembro do 1757: ordenou Sebastião José de Carvalho ao juiz do Almada que no Domingo, 1.° de Janeiro. de 1758, enviasse 28 barcos cacilheiros para a praia do Forte.da Junqueira, onde deverão estar ao meio-dia. No dia 15 tornaria o mesmo juiz a mandar igual número do barcos ao mesmo sitio, à ordem de Pedro Teixeira;
no de 12 do Dezembro do 1758: 16 barcos cacilheiros, que .deveriam vir sem falta na noite do mesmo dia "portar no Cais do Carvão, junto à fundiçao, onde ordinariantente costumão vir em semelhantes ocasiaens".

Diligência Importante, cometida ao Juiz de fora de Almada (Relacionada com a prisão do Duque de Aveiro) 

"S. Mag.de. he servido, que v. m. na mesma hora, em que receber este Aviso, sem a menor interrupção do tempo passe dessa Vila de Almada ao Porto de Cassilhas com toda a diligencia; e que nelle suspenda v. m. o dezembarque de todas, e quaesquer Pessoas, que ali portarem, de qualquer estado, condição, e qualidade, que sejão, sem excepção algūa; não lhes permittindo de alguma sorte, que possão sahir das embarcação, em que chegarem, desde as seis horas da madrugada athé as quatro da tarde do dia de amanham: E tendo v. m. entendido, que ao tempo, em que permittir os dezembarques, por ser chegada a referida hora; deve dar geral busca á todas as referidas Pessoas; e deve sequestrarlhes, e remetter logo segueos á esta secretaria de Estado todos os Papeis, o cartas, que forem sachados; os quais serão restituidos pela māo de v. m. ás Pessoas, áquem se apprehenderem, depois de se haver nelles feito hua diligencia muito importante para o serviço de deos, e de S. Mag.de"


"Desta forma morreram justiçados...", retrato simbólico do acto da execução dos Távoras.
Biblioteca Nacional de Portugal

"O mesmo Senhor ordena outrosim, que no cato, em que não só no espaço do tempo acima referido, mas ainda depois delle, por todo o sobredito dia, e noite, e pelo dia proximo seguinte, chegue ao caes do mesmo Porto qualquer embarcação, que não seja a publica, o da carreira ordinaria; a qual leve algum passageiro particular; v. m. faça logo apprehensão nello immediatamente, e nos Papeis, e Cartas, que lhe forem achados; mandando-os v. m. acargo de Pessoas seguras entregar na minha mão, ao tempo, em que os for descobrindo sem dilação algūa, para serem logo prezentes á S. Mag.de que ha por muito recomendado á v. m. tudo o referido, debaixo da certeza de que qualquer inesperada omissão, que houvesse aos ditos respeitos poderia ser de grande desserviço das duas Magestades, Divina, e humana. 
Deos guarde a v. m. 

Bellem a 12 de Dezembro do 1758
S.or Juiz de Fora do Almada. 

Thomé Joachim do Costa Corte R.l"

À margem tem mais o seguinte:

"P. S. A ordem retro não comprehende o Ministro, ou Ministros, ou officiaes de guerra, que poderão passar o Rio encarregados de algumas diligencias do Real serviço: Aos quais sómente ordena S. M. que v. m. deixe livremente dezembarcar com os officiaes do justiça, e soldados, que os acompanharem". 

Na mesma data foi dirigido um Aviso aos oficiais de justiça, da guerra, auxiliares e ordenanças para que dessem no juiz do fora de Almada todos os auxílios e socorros que ele lhes declarasse serem-lho necessários para a execução do certas diligências do serviço de Deus e de S. Majestade, e de que se achava pelo dito senhor encarregado no porto de Cacilhas e suas vizinhanças. (Êste documento tem um sêlo do lacre com as armas riais).


Villa Nogueira (Azeitão), Antigo Palácio dos Duques de Aveiro.
Fundação Portimagem

Tendo sido no dia 13 de Dezembro do 1758, do madrugada, que se efectuou a prisão do Duque de Aveiro, em Azeitão, nenhuma dúvida pode haver acerca do fim desta diligencia no pôrto do Cacilhas, ordenada no dia 12 do mesmo mês: Sebastião José do Carvalho, querendo impedir que o Duque lho escapasse das mãos, quando estava prestes a segurá-lo, cercou-o cuidadosamente. 

Junqueira, Maio de 1919. 
Arthur Lamas. (1)



(1) O Archeologo Portuguez

quarta-feira, 15 de junho de 2016

A calheta de Cacilhas

Offerecemos uma vista da pequenina abra ou calheta do logar de Cacilhas, tomada do barco de vapor que para alli faz constante carreira diaria. (1)

Vista Geral de Cacilhas, ed. José Pinto Gonçalves, década de 1920.
Imagem: Delcampe - Bosspostcard

A referência mais antiga a Cacilhas de que dispomos data de 1348 onde a palavra Cacilhas se inscreve em assento notarial.

Sabemos que o porto, anteriormente a 1838, era uma baía protegida dos ventos de Norte por uma linha de rochas, o Pontaleto, e limitado a Sul por um promontório o Pontal. Entre estes limites dois outros alinhamentos rochosos também de sentido Leste-Oeste dividiam a baía em três partes: a do Norte era a praia de Cacilhas propriamente dita, a do Sul a praia das Conchinhas e entre ambas ficava a da Lapa.

À parte os alinhamentos rochosos as praias eram de areia, propicias ao encalhe de pequenos barcos e proporcionavas ás embarcações um bom abrigo dos ventos, excepto os de Leste e Nordeste. Estes mais desagradáveis que ofensivos.

Cacilhas, ed. Paulo Emílio Guedes & Saraiva, 20, década de 1900.
Imagem: Fundação Portimagem

Lugar de embarque privilegiado entre a "outra banda" e Lisboa é natural que tenha surgido ali, muito cedo (Século XII?) uma albergaria destinada a peregrinos e outros viajantes como se depreende do primitivo nome: Albergaria dos Palmeiros.

Pontal de Cacilhas, ed. Alberto Malva/Malva & Roque, 135, década de 1900
Imagem: Delcampe

Mais tarde, (Século XIV) aparece uma gafaria, tendo por Orago S. Lázaro. Gafaria e Albergaria são, no principio do Século XV, a mesma instituição designada por Casa dos Gafos de Cacilhas e, pouco depois, por Albergaria de S. Lázaro.

Dispunha de alojamentos separados, em diferentes casas, para peregrinos e para os gafos, como seria obrigatório; entre as duas casas havia um pãtio ou terreiro onde se erguia a ermida de S. Lázaro. A administração era municipal, parecendo ser, entre as instituições nacionais mais antigas congéneres, uma das raras que pode ter sido de iniciativa municipal.

O farol e a doca de Cacilhas, colecção Henrique Seixas, Museu da Marinha,
in Loureiro, Carlos Gomes de Amorim, Estaleiros Navais Portugueses...
Imagem: Livreiro Monasticon

Em 1569, por uma provisão de D. Sebastião, a administração foi confiada à Misericórdia de Almada que, no entanto, elegia anualmente para "mamposteiro", em representação do provedor da Misericórdia dos dois juízes ordinários de Almada que haviam exercido funções no ano anterior.

Foram "mamposteiros" de 5. Lázaro, no Século XVI, D. João de Portugal, que inspirou o famoso "romeiro" de Garrett, D. João de Abranches e Fernão Mendes Pinto, entre outros.

Segundo supomos a albergaria situava-se do lado Norte da Rua Carvalho Freirinha, perto das novas instalações do Ginásio Clube do Sul. Neste local foram encontradas ossadas (não estudadas) que deviam pertencer ao antigo cemitério do gafos.

As casas da albergaria estavam separadas da povoação por uma Quinta de lavoura. No mesmo sítio Esteve instalado no Século XVIII o "hospital dos ingleses" uma instituição que provia à assistência de passageiros e tripulantes de barcos ingleses, incluindo os obrigados às quarentenas.

Vista norte de Cacilhas. Em primeiro plano ao lado esquerdo, dois marinheiros carregam cestos a partir de uma barcaça, com a inscrição 'JWells Aqua', para o convés de um ferry-boat onde uma mulher e dois homens aguardam. Do lado direito um barco transporta um passageiro abrigado por um dossel e seis remadores. Vista da igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso, do porto e do lugar de Cacilhas. A bandeira inglesa sobre o hospital. Ao fundo, veleiros no rio Tejo.
in British Library    
Imagem: Cabral Moncada Leilões

Ainda há poucos anos os terrenos neste sítio pertenciam a súbditos ingleses que os devem ter adquirido à antiga instituição; o hospital dos ingleses deixou de funcionar em meados do Século XIX.

Praia de Cacilhas, The Harbour of Lisbon, Charles Henry Seaforth (1801 - c. 1854).
Imagem: reprodução em colecção particular

No Século XVI a povoação é frequentemente citada com a designação de "porto de Cacilhas" e tanto quanto sabemos era uma pequeno aglomerado que não consta que dispusesse: sequer de igreja que não fosse a dos lázaros, a qual enquanto houve leprosos (até ao Século XV) servia apenas a estes.

No Século XVII já estava em funcionamento outra ermida, a de Santa Luzia, dependente da matriz da Freguesia de Santiago.

O terramoto de 1755 destruiu ambas as ermidas, que não foram reconstruidas. A ermida de Santa Luzia situada talvez no Beco do Bom Sucesso, logo à entrada, segundo cremos, pela existência de um painel de azulejos que se conservou até há pouco num pequeno prédio e pela antiga designação de "Rua das terras da igreja".

Cacilhas, Caes e Pharol, ed. desc., década de 1900.
Imagem: Fundação Portimagem

Em meados do Século XVIII já ao antigo orago da ermida Santa Luzia se sobrepunha o novo a Senhora do Bom Sucesso que vem a ser a invocação da nova Igreja de Cacilhas, construída após o terramoto.

De S. Lázaro, protector dos leprosos, passa se a Santa Luzia, ainda protectora de doentes e depois à Senhora do Bom Sucesso orago de navegantes; uma evolução que exprime, de certo modo, a transformação social e económica: de sítio de passagem, relativamente pouco povoado (até ao Século XV) e albergue de doentes e viajantes passa a porto importante com grande movimento comercial e predomínio de população ligada às fainas marítimas.

Cacilhas, Caes e Pharol, ed.Tabacaria Havaneza, década de 1900.
Imagem: Delcampe

É pelos Séculos XVII e XVIII que aparecem os grandes armazéns de vinhos e de azeites em Cacilhas, principalmente ao longo do Ginjal, correspondendo ao apogeu da cultura da vinha na região de Almada.

Em 1838 o porto foi melhorado com a construção de um cais de alvenaria sobre o Pontaleto, formando esporão e com a construção ou reconstrução da muralha que ia desde o Pontaleto ao extremo Sul da praia, frente à actual Rua Cândido dos Reis. No extremo do esporão e escadaria que o rematava instalou se uma coluna de pedra com uma lanterna, servindo de farol.

Cacilhas, Charles Chusseau-Flaviens, c. 1900/1919
Imagem: George Eastman House

Em princípios do Século XIX Cacilhas estendia-se quase duas centenas de metros ao redor da pequena baía. (2)


(1) O Panorama, n° 18, vol. IX, Lisboa, Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis, 1847
(2) R. H. Pereira de Sousa, Almada, Toponímia e História, Almada, Câmara Municipal de Almada, 2003, 259 págs.

Alguns artigos relacionados:
Na esplanada do forte de Cacilhas
Cacilhas vista do Tejo, em 1847

Tema:
Cacilhas

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Iconografia de Lisboa (8.ª parte)

Na segunda metade do século XVIII quatro factos em Lisboa atraíram a atenção de artistas, para assunto das suas estampas. Foram eles:

Aqueduto das águas livres, vista a montante dos arcos, século XIX.
Imagem: Turismo Matemático

a) — "O Aqueduto das Águas Livres". Esta obra deu origem a uma gravura em cobre, de autor desconhecido, que representa a "Exzata Copia da formatura dos Arcos da Agua Livre", e a outras.

Aqueduto das águas livres, ponte e ribeira de Alcântara, século XIX.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

b) — "A Catástrofe do Terremoto do Primeiro de Novembro de 1755" impressionou consideravelmente a imaginação de muitos artistas estrangeiros, que gravaram grande número de estampas, alegóricas umas, e outras representando a cidade durante o cataclismo, as quais foram decalcadas sobre vistas panorâmicas já conhecidas, em que os diferentes artistas representaram os edifícios a desconjuntarem-se e a desmoronarem-se, com o fogo a irromper por todos os lados.

Lisboa antes do terramoto de 1755 - exibido no Museu Nacional de Arte Antiga from Lisbon Pre 1755 Earthquake on Vimeo.

Todas essas vistas dão bem a medida da fecunda imaginação e fantasia dos seus autores!

Lisboa 1755, fantasia de antes e durante o terremoto, Mateus Sautter.
Imagem: Histórias com História

Apenas dois desenhadores franceses, Paris e Pedegache, vieram a esta cidade copiar "algumas ruinas de Lisboa causadas pelo terremoto e pelo fogo do primeiro de Novembro do anno 1755", que foram gravadas em Paris por Jac. Ph. Le Bas em 1757.

Ruínas da Torre de S Roque ou Torre do Patriarca, Sé de Lisboa e Igreja de S. Paulo, Jacques-Philippe Le Bas, 1755.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

É uma colecção de 6 gravuras. Com o respectivo frontispício, que mostram bastante fantasiosamente o estado a que ficaram reduzidos seis edifícios da cidade por efeito daquele cataclismo.

Ruínas da Praça da Patriarcal, Igreja de S. Nicolau e Ópera do Tejo, Jacques-Philippe Le Bas, 1755.
Imagem: Cabral Moncada Leilões


Além desta colecção de Le Bas, um musico de Augsburgo, Johan Michael Roth, coligiu as matrizes de cobre, e editou uma obra: "Augsburgische Sammlung derer wegen des höchstbetrübten Untergangs der Stadt Lissabon", etc. que contém, além de varios mapas e vistas das cidades de Portugal, Espanha e outras, algumas gravuras que haviam sido publicadas sobre o terremoto de 1755, sucedido em Lisboa e noutras terras.

Lisboa, Terremoto de 1755, ex voto dedicado a Nossa Senhora da Estrela.
Imagem: Museu da Cidade de Lisboa

A medalhística também foi enriquecida com algumas medalhas cunhadas com vistas em baixo relevo da cidade a desmoronar e a incendiar-se durante o terremoto.

Apenas um artista português é que, sobre o terremoto de Lisboa, produziu uma vista iconográfica: consiste ela num quadro a óleo, devido ao pincel de João Armando Glama Ströberle, e representa uma cena de desolação junto às ruinas da desaparecida Igreja de Santa Catarina. Está no Museu de Arte Antiga.

Alegoria ao Terremoto de 1755, João Glama Strobërle (1708–1792).
Imagem: Wikipédia

Quanto ao terremoto de 1755, e à descrição dos lugares e estragos por ele provocados, mencionaremos a Panorâmica de Lisboa em 1763 de Bernardo de Caula, conforme abordagem que fizemos em janeiro de 2015.

Vista e perspectiva da Barra Costa e Cidade de Lisboa (detalhe),  Bernardo de Caula, 1763.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

c) — "O atentado contra D. José e a Execução dos indigitados criminosos" foi objecto de várias gravuras em cobre, nacionais e estrangeiras.

"Desta forma morreram justiçados...", retrato simbólico do acto da execução dos Távoras.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

d) — O "Monumento de D. José e a Praça do Comércio", onde ele foi erigido, também desde antes da sua inauguração serviram de assunto para gravadores.

Alçado lateral do projecto da estátua equestre de D. José I.
Eugénio dos Santos e Carvalho.
Imagem: ComJeitoeArte

A primeira gravura do monumento foi aberta em cobre para uma estampa não assinada, que serviu de modelo para o desenho estampado nos aparelhos de louça que o Marquês de Pombal mandou fazer na China para servirem no banquete que se efectuou por ocasião da inauguração do monumento.

Pouco depois foram gravadas duas estampas da Praça com o Monumento, devidas ao buril de Gaspar Fróis Machado, que foram reproduzidas por artistas anónimos no mesmo século.

Praça do Comércio, projecto Eugénio dos Santos, gravura de Fróis Machado (?), século XVIII, reprodução anacrónica.
Imagem: Bic Laranja

A Joaquim Carneiro da Silva se deve uma gravura da "Estátua Equestre de D. José", depois reproduzida, em menor escala, por Gaspar Fróis Machado, que também gravou uma "Vista da Torre de Belém, P.° Lx.a" em 1783.

Em 1767 foi pintado pelos pintores franceses L. Michel Vanloo e C. Joseph Vernet um quadro a óleo, comemorativo dos principais actos da administração do Marquês de Pombal, com o retrato do mesmo.

Marquês de Pombal, Louis-Michel van Loo e Claude-Joseph Vernet, 1767.
Imagem: Oeiras com História

Esta excelente pintura esteve no palácio dos Marqueses de Pombal em Oeiras, e acha-se hoje numa sala da Câmara Municipal da mesma vila.

Foi objecto de uma gravura de J. Beauvarlet, sobre desenho de A. J. Padrão e J. S. Carpinetti., em 1767, mais tarde reproduzida em vários formatos e por quase todos os processos conhecidos.

Nesta segunda metade do século ainda a maioria dos artistas que tomaram a cidade de Lisboa ou os seus edifícios para assunto dos seus trabalhos eram estrangeiros, e pouco mais de meia dúzia de nomes de nacionais se podem mencionar.

No último quartel do século XVIII, ainda como consequência do impulso dado pelo Marquês de Pombal a todos os ramos de ensino, originou-se em Portugal uma nova renascença artística.

Do estrangeiro vieram artistas arquitectos, escultores, gravadores; artistas portugueses foram estudar a Itália; e deste intercâmbio resultou uma maravilhosa criação de artistas nacionais.

Os pintores Domingos António de Sequeira (1768-1837), Francisco Vieira Portuense (1765-1805) e João Glama Ströberle (1708-1792) [v. acima], os gravadores Joaquim Carneiro da Silva (1727-1818), Gaspar Fróis Machado (1759-1796) e Francisco Vieira Lusitano, o arquitecto José da Costa e Silva, os escultores Joaquim Machado de Castro e João José de Aguiar, e tantos outros, podem pôr-se em confronto com os melhores que havia no estrangeiro.

Sopa de Arroios, população portuguesa deslocada durante a Guerra Peninsular, 1813,
des. Domingos António de Sequeira,  grav. Gregório Francisco de Queiroz.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

A estes artistas devemos acrescentar o nome de Francesco Bartolozzi [1728-1815], que gravou em cobre uma estampa alusiva ao epicurismo, tendo ao fundo o Aqueduto das Águas Livres. No século XIX há outras estampas deste artista sobre assuntos olisiponenses.

Embarque do principe regente de Portugal com toda a Familia Real em 27 de novembro às 11 horas da manhã [1807],
des. Henri L' Évêque (1769-1832), grav. Francesco Bartolozzi (1728-1815).
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

No que respeita, porém, a estampas de Lisboa, poucas, mas excelentes, se produziram no final do referido século, tanto nacionais como estrangeiras. (1)


(1) Vieira da Siva, Augusto, Iconografia de Lisboa, Revista Municipal n.° 32, Câmara Municipal de Lisboa, 1947
 
Artigos relacionados:
Da fábrica que falece à cidade de Lisboa
Delícias ou descrições de Lisboa
Panorâmica de Lisboa em 1763

Leitura adicional:
Lisboa do século XVII "a mais deliciosa terra do mundo"

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

De S. Sebastião à Cova da Piedade

Da ermida

O rei D. João III [em 1554] mandou erguer igrejas, nas periferias das cidades e das vilas em honra de S. Sebastião. O mártir protegê-las-ía da peste. Esta Ermida de S. Sebastião, erguida na freguesia de Santiago de Almada nasceu provavelmente desta provisão real.

Ermida de S. Sebastião, aguarela, aut. desc..
Imagem: Paróquia de Cristo Rei - Pragal

Ergueram-na fora de portas para, logo ali, atalhar todo o mal.

Um assento da Mesa da Santa Casa da Misericórdia de Almada, datado de 26 de Junho ou Julho, refere a existência da Ermida de S. Sebastião. (1)

Ao Sul e perto de Cacilhas [ao cabo da vila de Almada], está uma ermida, dedicada a S. Sebastião, martyr, que foi do padroado da camara municipal de Almada, a qual apresentava o respectivo eremitão.

S. Sebastião, Jean Poyer, Horas de Henry VIII, c. 1500.
Imagem: The Morgan Library & Museum

Ha n’esta ermida uma imagem de Nossa Senhora dos Prazeres, que foi alli collocada em 1669 [cf. Santuário Mariano, Fr. Agostinho de Santa Maria], por uns individuos que ninguem d’alli conhecia, e que não tornaram mais a apparecer.

Passados muitos annos, Catharina Maria, mulher de Francisco d’Azevedo Peleja, carcereiro da côrte, que tinha por estes sítios varias fazendas, e costumava vir aqui passar temporadas; tendo seu marido preso, por ter deixado fugir um criminoso (pelo que lhe tinham sequestrado tudo) e depois de ter despendido uns vinte mil cruzados (oito contos de réis) recorreu a afflicta mulher ao patrocinio da Senhora dos Prazeres, e é certo que o marido foi sôlto, e lhe foram entregues os bens sequestrados.

Nossa Senhora dos Prazeres.
Imagem: Arquidiocese de Fortaleza

Catharina Maria, em reconhecimento d’esta ventura, que attribuiu a milagre da Senhora, lhe restaurou a ermida, comprou paramentos, fez vestidos ricos á Senhora (que é de roca) e fez-lhe uma grande festa no seu dia (1.ª segunda feira depois da oitava da Paschoa) que d’ahi em diante se lhe fazia em egual dia, todos os annos. (2)

Provisão do rei D. João V [13 de Julho de 1729] pela qual autoriza à Câmara Municipal de Almada o desvio das verbas necessárias do cabeção das sisas para as obras da Ermida de S. Sebastião. A decisão do rei responde ao pedido dos vereadores e procuradores da Câmara, para que se sustivesse a ruína da Ermida de S. Sebastião.

A Provisão do Magnânimo refere que "a Irmida de S. Sebastião da mesma villa se achaaua ameassando ruína", diz ainda que os custos das obras necessárias ascenderiam a mais de trezentos mil réis "(...) os quais se deuião tirar dos bens reais, porque a dita Irmida hera do Povo e sempre se reparara pellos ditos bens (...)"

Realiza-se [em 15 de Julho de 1732] a bênção da 1ª pedra da (nova) Ermida [...]

O Terramoto [de 1 de Novembro de 1755 ] deixa a Ermida de S. Sebastião. arruinada assim permanecendo ainda em 1758.

[Em 1775 a ] Ermida de S. Sebastião encontra-se reconstruída [...] 

É extinto o cargo de Capelão da Ermida de S. Sebastião [1836].

A Ermida é utilizada como abegoaria e palheiro [1850].

Lanço de S. Sebastião à Cova da Piedade na extensão de 1.106,50 m,
Estrada districtal n.° 89 de Cacilhas a Cezimbra e Setubal
Imagem: Hemeroteca Digital

[Em 1904] a Ermida é vendida em hasta pública pela Câmara de então, sendo adquirida por particulares que a transformaram em imóvel de habitação e comércio.

Carta dos Arredores de Lisboa — 1 (detalhe),
Corpo do Estado Maior, 1902.
Imagem: IGeoE

28 de Julho de 1932 – Data do alvará sanitário nº 41 que dá licença a Maria dos Anjos para explorar um estabelecimento de taberna, sito em S. Sebastião.

É [em 31 de Dezembro de 1937] emitida a caderneta predial com o artº 211 de um prédio localizado ao cabo da vila e identificado como Ermida de S. Sebastião, o qual é composto por 1 loja, 13 habitações e 3 anexos.

"mais de uma dezena de famílias habitam agora num 1º andar improvisado e no pátio da que outrora foi a Igreja de S. Sebastião. Como se esta invulgaridade não bastasse, no r/c do ex-templo explora-se uma taberna"  [...] Correio da Manhã, 5 de Novembro de 1985 (3)

Almada, Largo das Andorinhas, ed. J. Lemos, 64, década de 1950.
Imagem: Flores, Alexandre M., Almada antiga e moderna... Freguesia de Almada

[...] chama-se Largo das Andorinhas à confluência das Ruas Capitão Leitão, dos Espatários e Dr. Julião de Campos. A designação que não tem qualquer consagração oficial estende-se à proximidade imediata da citada confluência. É topónimo recente.

O lugar chamava-se de S. Sebastião até fins do Século XIX e retirava o seu nome do orago da ermida aí edificada no Século XVI. O edifício da ermida ainda existente é a reconstrução efectuada em fins do Século XVIII por o terramoto de 1755 ter deixado o templo muito arruinado.

Após a reconstrução foi fixada perto do altar-mor, com autorização do Patriarcado de Lisboa, uma lápide onde se dizia que a igreja pertencia ao povo de Almada. Junto da ermida existiam várias casas rodeando um pátio que entre os Séculos XVIII e XIX podem ter sido utilizadas como recolhimento.

Encimando o portão do pátio estava um conjunto de azulejos onde se lia: "1776 / AGORA HE RETIRO DECUIDADOS". O painel de azulejos bem como dois pequenos paineis circulares tendo ao centro uma argola para prender animais foram levados para o Convento dos Capuchos para ornamento deste, quando se demoliram as casas do pátio da quinta, na década de 50. 

Agora he retiro decuidados, antigo painel de azulejos da Ermida de S Sebastião, hoje no Convento dos Capuchos, Caparica.

O painel com a inscrição enfeita agora um portal no jardim inteiramente a despropósito sem qualquer legenda que lhe esclareça o sentido.

A Quinta já não era retiro em 1850, data em que estava na posse particular talvez por arrendamento. Era então conhecida por "retiro de cuidados". 

Na proximidade da ermida, cerca de 8o metros a Sueste levantou-se em 1810-11, o Forte de S. Sebastião das linhas de defesa da margem Sul do Tejo. (4)

À Cova da Piedade

Cova da Piedade, Largo 5 de Outubro, a multidão aguardando os ciclistas da 7a Volta a Portugal em 1938.
À esquerda da imagem o início da rua Dr. Oliveira Salazar, a antiga ligação S. Sebastião - Cova da Piedade.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Cova da Piedade, substituição da placa da rua Dr. Oliveira Salazar pela actual, rua da Liberdade, 1974.
Imagem: ed. desc.

Cova da Piedade, substituição da placa da rua Dr. Oliveira Salazar pela actual, rua da Liberdade, 1974.
Imagem: Fernando Cruz


(1) Paróquia de Cristo Rei - Pragal
(2) Pinho Leal, Soares d'Azevedo Barbosa de, Portugal antigo e moderno..., 1876  Mattos Moreira, Lisboa
(3) Paróquia de Cristo Rei - Pragal
(4) PEREIRA DE SOUSA, R. H., Almada, Toponímia e História, Almada, Biblioteca Municipal, Câmara Municipal de Almada, 2003, 259 págs.

Outras leituras:

sábado, 22 de agosto de 2015

Nossa Senhora do Castelo

Devido a sucessivas obras, este edifício, construído em 1795 para conter a Câmara, o tribunal, as finanças e a cadeia, encontra-se de tal modo alterado, que é possível encontrar portas e janelas entaipadas, salas pequenas sem entradas (normais) e outras aberturas de difícil interpretação.

Almada, edifício dos Paços do Concelho, Leslie Howard, década de 1930.
Imagem: Museu da Cidade de Almada

Se a tudo isto se juntar a hipótese, provável, de que aqui se situou a igreja de Nossa Senhora da Assunção (desaparecida aquando do terramoto de 1755) e que dela foram aproveitados alguns restos de paredes ou fundações, teremos um panorama quase caótico, onde se torna de extrema dificuldade a interpretação das estruturas que foram aparecendo, no decorrer dos trabalhos arqueológicos. (1)

Praça Camões, Tribunal e Paços do Concelho — Almada, ed. desc., década de 1900.
Imagem: Delcampe

A mais antiga notícia que conhecemos relativa à Igreja de Santa Maria do Castelo, em Almada, consta de um documento da chancelaria de D. Afonso V, datado de 1443, onde se encarrega Lopo Afonso, escrivão da puridade, de administrar uma capela de João Gonçalves, alcaide de Almada, e de sua mulher, Isabel Gonçalves, capela essa situada na Igreja de Santa Maria [...]

Almada. Rua Direita e Egreja de S. Paulo Câmara Municipal, ed. Martins/Martins & Silva, 31, c. 1900
Imagem: Fundação Portimagem

Desconhece-se a data de fundação da Igreja de Santa Maria, devendo admitir-se que é de fundação posterior à de Sant'Iago [Santiago]. Para esta é geralmente aceite que remonta aos primeiros anos da reconquista cristã e, por isso, recebeu por orago o patrono da ordem dos Espatários, que foi donatária de Almada por iniciativa de D. Sancho I.

A notícia mais completa da Igreja de Santa Maria deve-se a Frei Agostinho de Santa Maria que, no seu "Santuário Mariano" editado em 1707, diz entre outras coisas que ela era sede da freguesia de Nossa Senhora da Assunção, orago da Igreja chamada de santa Maria do Castelo. Diz ainda:
"A matriz da vila de Almada é dedicada à rainha dos anjos. Maria santíssima, como são quase todas as deste reino, debaixo do título do castelo não só por que se festeja no dia de sua gloriosa assumção em que se canta o evangelho: 'intravit Iesus in quoddam castellum' mas porque foi achada em os muros do castelo, a invocação também com esse título".

Mas Frei Agostinho dá-nos melhor razão para a igreja se chamar "do castelo", sem que estivesse contida neste ou na sua proximidade:
"Tem esta igreja uma capela mor, majestosa, nela se vê um retábulo dourado, no meio de uma tribuna em que está colocada sobre um trono outra imagem grande [a anteriormente citada, de Nossa Senhora da Assunção era pequena], a quem também dão o título de castelo da Assunção".

Eis a razão fundamental porque a igreja se chamava de Santa Maria do Castelo [...]

Comparem-se algumas formas e volumetrias da ermida de Nossa senhora do Castelo em Mangualde, na imagem, com elementos equivalentes dos Paços do Concelho de Almada.
Imagem: Turismo de Mangualde

Para além destes elementos, sabe-se que a igreja foi reconstruída no reinado de D. João V, por mandado deste, enquanto que na mesma época o foi igualmente a igreja de Sant'Iago por iniciativa do irmão de D. João V, o infante D. António.

As últimas notícias fidedignas sobre a igreja reportam ao séc. XVIII e informam-nos que o edifício foi destruído pelo terramoto de 1755.

Vista geral de Lisboa, tomada perto de Almada, século XVIII.
Imagem: Museu da Cidade de Lisboa

A partir de então as várias citações de diversos autores mergulham na confusão: a igreja por se ter chamado do Castelo, é localizada dentro da fortificação, confundida com a de Sant'Iago ou dada como completamente desaparecida.

Planta do castelo de Almada em 1772.
Imagem: Rui Manuel Mesquita Mendes.

Nenhum texto conhecido a localiza com fundamento razoável [...] (2)

Almada, praça Nova e rua Direita, década de 1890.
Imagem: Hemeroteca Digital


(1) Barros, Luís, Al-madam, I série, n.º 3 Almada, Centro de Arqueologia de Almada, 1984
(2) Pereira de Sousa, R. H., idem

Artigos relacionados:
Os Paços do Concelho
O castelo, a igreja, a vila e a cerca

Informação relacionada:
Da Imagem de nosa Senhora do Castello da villa de Almada

quinta-feira, 7 de maio de 2015

O Bugio

Forte ou Torre de S. Lourenço, ou Bugio.

Da fábrica que falece à cidade de Lisboa (i. e. construções que faltam à cidade de Lisboa), Francisco de Holanda, 1571.
Imagem: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de S. Paulo

[...] se possível for havendo pedra ou fundamento seguro podia-se fazer este baluarte no meio da cabeça onde rebenta o mar dos Cachopos, que responde mais fronteiro a S. Gião, o qual podendo ser seria coisa fortíssima e que muito ajudaria a defender a barra de Lisboa de todo o perigo que por ela pode fazer dano alguma hora.

E estes tais baluartes haviam de ser rasos e baixos e fortíssimos e feitos não de pedra e cal mas de tijolo cozido muito delgado e forte que é muito mais seguro.

Digo do embasamento ou do pé do baluarte para cima que deve ser de pedra lioz os quais baluartes ou bastiães podem ser conformes a este desenho ainda que a forma seja pequena por não caber num livro maior. (1)

O projecto [de Francisco de Holanda] acabou por ser esquecido, e só em 1579, com a iminência de um ataque da armada castelhana a Lisboa, essa hipótese voltou a ser considerada, construindo-se então um forte de madeira no areal junto à Trafaria, que não teve relevância alguma na defesa da capital em 1580 [...]

Projecto para plataforma em madeira para o Bugio, Tibúrcio Spanochi, 1594.
Imagem: arquipélagos

Em Dezembro 1589 o monarca [Filipe II (de Espanha)]contratou o italiano Frei Vicêncio Casale para que traçasse a planta do forte da Cabeça Seca.

Descripção da boqua do Tejo, Vincenzo Casale, 1590.
Imagem: Fortificações da foz do Tejo

No final de Janeiro de 1590 o arquitecto apresentava a Filipe II o projecto, que contemplava as obras de engenharia necessárias à implantação da fortaleza no ilhéu de areia fronteiro a São Julião da Barra e apresentava ao rei duas planimetrias distintas, uma estrelada, outra circular. 

Esta última foi a escolhida, por apresentar maior solidez face ao impacto do mar e maior facilidade de mobilização da artilharia. (2)

Torre do Bugio, ed. Postalfoto, 167.
Imagem: Delcampe

Mediante o falecimento de Casale em Lisboa (1593), foram nomeados para dirigir as obras dois discípulos seus, Tibúrcio Spannochi e Anton Coll, sob a justificativa de que ambos eram conhecedores do "modo de fabricar y manejar los instrumentos" e para que a "traça començada" não fosse alterada [...]

A partir de 1598 a direção da obra foi assumida pelo engenheiro militar e arquiteto cremonense Leonardo Torriani, nomeado Engenheiro-mor do Reino, e como encarregado dela, Gaspar Rodrigues (Gaspar Roiz). A partir de então o projeto entrou numa nova fase, dadas as alterações que Torriani lhe introduziu, ampliando-a.

Em 1601 estava finalizada a colocação das pedras das bases [...]

Descrição e plantas da costa dos castelos e fortalezas..., Felippe Tersio, 1617.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Em planta datada de 1693 já se encontra figurada uma torre encimada por um farol. O relatório de inspeção efetuada em 1751 ao farol, mostra que o mesmo operava com azeite, no período de outubro a março, e que se encontrava em razoáveis condições.

Alçado e corte do Forte de S Lourenço da Cabeça Seca,
Mateus do Couto, desenho aguarelado, 1693.
Imagem: Fortalezas.org

Esta estrutura, destruída pelo terramoto de 1755, foi reedificada como um dos seis faróis erguidos na costa portuguesa para auxílio à navegação, conforme determinação de um Alvará do Marquês de Pombal datado de 1758.

O castelo do Bugio ficou tão inundado pela água que a guarnição disparou vários tiros em sinal de socorro e foi obrigada a retirar-se para a parte superior da torre.

Segundo o meu melhor cálculo, a água subiu cerca de dezasseis pés em cerca de cinco minutos e baixou no tempo por três vezes, e às duas a maré voltou ao seu curso natural.


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O novo farol entrou em funcionamento em 1775.

Torre do Bugio na Barra de Lisboa, João Pedroso, gravura
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Quando da eclosão da Guerra Peninsular (1808-1814), já estava ocupada pelas tropas napoleônicas (1807). O coronel Vincent, comandante da Engenharia das tropas de Jean-Andoche Junot, considerava o Bugio uma fortificação inadequada à defesa marítima de Lisboa, "(…) um fraco obstáculo contra o inimigo que, com vento favorável, tentasse forçar a passagem da barra".

Portuguese Shipping in the Mouth of the Tagus, S. Clegg, 1840.
Imagem: BBC Your Paintings

Essa visão foi confirmada quando, no contexto da Guerra Civil Portuguesa (1828–1834), o Bugio foi alvo do fogo da artilharia da esquadra francesa que, sob o comando do almirante Albin Roussin, forçou a barra do Tejo [...] (3)

Na margem norte ainda se fez fogo sobre os franceses, mas na margem sul, a única reacção activa conhecida é a da Torre de S. Lourenço [Bugio]. (4)

A frota francesa commandada por Roussin força a entrada do Tejo, Pierre-Julien Gilbert, 1837.
Imagem: Fortificações da foz do Tejo


(1) Souza, Maria Luiza Zanatta de, Um novo olhar sobre "Da fábrica que falece à cidade de Lisboa" ( Francisco de Hollanda 1571), São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, 2011.
(2) Património Cultural
(3) Fortalezas.org

 (4) Pereira de Sousa, R. H., Almada, Toponímia e História, Almada, Biblioteca Municipal, Câmara Municipal de Almada, 2003, 259 págs.

Artigos relacionados:
Da fábrica que falece à cidade de Lisboa
O forçamento da barra do Tejo