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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

As meninas da Torre

À volta do leito do enfermo, não faltam os parentes — os sobrinhos o Rafael e o Nuno — ou os amigos que costumam acorrer ás alegres refeições. D. Maria Isabel Bernaud, que estivera de joelhos a chorar e orar, ergue-se cambaleante. Não pode mais. Aquela comédia da serenidade, quando o seu coração estala de dor, é mais forte do que as suas forças. 

A casa no Largo da Torre onde viveu Bulhão Pato, 1956.
Imagem: Fundação Mário Soares

O médico, o dr. Pinto, empunha já a seringa. O doente, muito rouqueja. A injecção é por assim dizer um pró-forma ou destino de consciência. Mas, num subito clarão da sua portentosa natureza, o doente exclama, como se a sua voz viesse já de além tumulo:

— Ainda senti a picada!

Foram as suas ultimas palavras. D. Maria Isabel é empolgada pelos braços carinhosos dos amigos, principalmente os do afilhado, o António Maria Povas, a quem mais tarde deixará todos os bens do casal sem filhos.

D. Isabel Maria Bernaud.
Imagem: Hemeroteca Digital

Naquela madrugada de 24 de Agosto de 1912 já não se descerraram as janelas do prédio do lugar da Torre, a cerca de 200 ou 300 metros do Monte de Caparica. Também os olhos do autor de "O patilhão vermelho" ali escrito, e de "Sob os ciprestes", ali também gerado, não voltarão a abrir-se, a perscrutar a luz da vida. A da morte nunca lhe interessou. Não sendo religioso, nem acreditando na vida eterna, Bulhão Pato costumava comentar com ironia, ao apontar com a bengala a terra que o havia de comer:

—  O general Hugo de Lacerda julga que vai para o Céu. Mas eu tenho a certeza de que fico aqui.

O enterro de Bulhão Pato. O cortejo a caminho do cemitério do Monte de Caparica, 1912.
Imagem: Hemeroteca Digital

Essa fraca ortodoxia não o impediria nunca de ser amigo do sr. prior do Monte. rev. padre José Joaquim Marques, que á hora a que hoje se almoça, lá ia jantar, bastantes vezes, muitas mais, tomar café, á sobremesa.

Discutiam religião? Se discutiam, não só nunca houve progresso no catolicismo de Bulhão Pato, que não ia á missa, mas, ainda as conversas não decorriam em termos de ser entendidas pelas pequenas.

As pequenas de então estão agora aqui na nossa frente, com a sua roda de anos bem puxados. Andam á volta dos 70 e Ramada Curto podia tê-las conhecido, quando escreveu "As meninas da Fonte da Bica".

São uma página de literatura já feita. A dificuldade estaria em pegar-lhes sem as destruir no que elas têm de vulnerávelmente espiritual e simples.

As meninas da Torre são três, e são solteiras (os homens empatam muito, dizem elas, que têm imenso que fazer, na sua qualidade de mestras das primeiras letras).

Des glaneuses dit aussi Les glaneuses, Jean-François Millet (1814-1875).
Imagem: profondeurdechamps

—  Hoje, somos aqui, as unicas que conhemos o sr. Pato! dizem com simplicidade e um tudo nada de saudade.

Saudade, e como não hão-de ter saudades as meninas da Torre, cada urna delas com o seu caracter, a sua maneira, de ser, a sua humilde e recatada pobreza?

Só duas delas, porém, se resolvem a fazer evocações. A mana mais velha, a D. Laura da Conceição, viveu trinta e tantos anos com uns parentes ricos em Lisboa. Quase não privou com o sr. Pato. Hoje é a "dona da casa", a que trata o seu governo, distante, hierática e silenciosa, ficando-se muda e impenetrável, enquanto as manas mais novas, D. Carolina de Jesus, miudinha, um pouco estonteada, fala ou ouve falar a outra mana, a Isaura Augusta, a mais desenvolta, talvez a mais intelectualmente vigorosa.

Colheita ou Ceifeiras, Silva Porto, 1893.
Imagem: Wikipédia

Filhas e um mestre de obras, o que construira a casa onde havia de morar Bulhão Pato, quando o escritor para ali foi em 1890, mesmo na casa ao lado, foram elas, com os pais, as únicas admitidas a sua convivência.

Bulhão Pato que era muito bondoso, muito, tinha os seus paradoxos: não gostava de crianças, porque eram barulhentas, mas, chamava as filhas do sr. Marques para a sua beira; amava o silêricio e tinha sempre á sua roda á barulho de uma alegre e palradora convivência, médicos e escritores, sobretudo.

Tudo, porém, finalizara naquele colapso cardiaco. Bulhão Pato acabava de morrer, faz hoje precisamente quarenta e quatro anos. Os seus restos mortais jazem num mausoleu do cemiteriozinho do Monte, esquecidos dos homens e da criada do afilhado Povas que, morrendo sem filhos, lhe deixou o que herdara do padrinho.

—  Estamos a vê-lo, ao sr. Pato, muito fino, muito educado, um pouco baixo e de barbas muito brancas, com uma manta alentejana pelos ombros: "vamos a ver se ainda deito este Janeiro fora!" Costumava passear por aí, com a sua bengalinha mas, sendo muito sociável, não admitia certas liberdades...

Só duas das meninas da Torre se deixaram fotografar, D. Carolina de Jesus e D. Isaura Augusta, 1956.
Imagem: Fundação Mário Soares

Quem conta isto é a menina Carolina de Jesus que se ri:

—  Vinha muito por aí o dr. João Barreira. Ficava ás semanas e viamo-lo, através da janela, pendurado além, nas grades do jardim, a esticar-se, como se quisesse ficar mais alto. Tinha uns olhos de pássaro tonto que nos assustavam. Ali ao lado, havia um celeiro. Ás vezes, o caseiro da sr.a condessa dos Arcos ia para lá tocar harmónica. Como doido, o dr. João Barreira desatáva ás voltas, com as mãos nos ouvidos e aqueles olhos, a gritar, "que é isto, que é isto?" Este tocador de harmónio [?] era o mesmo que um dia, cumprimentando o sr. Pato, lhe estendeu a mão e a quem o escritor admoestou serenamente: "que é isso, rapaz, estende a mão só aos que forem teus iguais".

Professor João Barreira (1866-1961).
Imagem: ARTIS

— Apesar disso — acrescenta a mana Isaura Augusta —  o sr. Pato era muito bondoso, muito. Acudia pelas criadas, obrigava-as a ir cedo para a cama, que não queria excessos de trabalho lá em casa.

Depois, a propósito de criadas, vem a história da Elisa. Bulhão Pato. além da cozinheira e do criado, tinha sempre uma "criadinha fina", uma rapariga de serviços de fora que pudesse acompanhar D. Maria Isabel.

— O sr. Pato gostava de ter caras jovens e bonitas á sua roda. Mas a história da Elisa é muito triste. Um dia, vieram dizer ao escritor que ela andava de amores com uma visita da casa, o jornalista, sr. Urbano de Castro. Viam-nos juntos em Lisboa, nas folgas da Elisa...

O sr. Pato chamou-a, ralhou-lhe tanto, tanto, que ele, segundo diziam, era um trovão quando se zangava, que a rapariga, envergonhada, matou-se com um desinfectante com que andava a tratar-se...

O sr. Pato chorou e fez-lhe uns versos. Havia uma quadra que dizia assim:
Senti bater o caixão
Quando te foste enterrar
Era tarde de Verão
O Sol morria no mar.
Fora uma amiga da casa, a D. Elvira Bastos — elucida a outra mana — quem levara a novidade lá a casa. Nunca mais ali se pronunciou o seu nome.

— E Urbano de Castro?

— Bem, continuou a ir lá a casa. Havia as relações das senhoras...

D. Carolina de Jesus suspende o "crochet" e dobra a folha impressa de onde o estava a copiar. Já não vê e não há luz eléctrica lá em casa. Uma das manas vai acender o candeeirinho de petróleo (desculpe, somos pobres... não repare, esta sala é a das aulas...).

A mana continua:

— O sr. Pato gostava da boa mesa e que lhe gabassem o "roast-beef" mas mal provava os petiscos. Dizia sempre: "não tenho que comer!" E a senhora protestava: "Oh! Raimundo, que cisma a tua!" D. Isabel tratava-o por tu. Ele, falando com a esposa, dizia sempre "você".

Mas, enfim, se o sr. Pato não comia muito, bebia bastante e sempre bebidas finas. Fumava muito e levantava-se cedo, para trabalhar cedo. Cedo também se deitava.

— Mesmo assim, tinha uma intensa vida de sociedade... Devia ser rico...

—  Não sabiamos de onde lhe vinham os rendimentos. Rico, rico, porém, não seria, porque lhe vinham duas vezes por semana, ás quintas e domingos, grandes cestas de fruta e legumes, oferecidos pela familia Pinto Basto, da sua quinta aqui de perto, que está hoje nas mãos dos Quintelas. Mas com o não ser rico não deixava de ser muito esmoler, o sr. Pato. A casa aqui ao lado. estava mais que modestamente mobilada.

O mais importante eram, no escritório, os livros, um retrato do escritor, pintado por Lupi e que está hoje no, Museu de Arte Contemporanea e um outro de Alexandre Herculano (1810-1877), a quem era muito dedicado, mas que não nos lembra ver por cá. Devia já ter morrido.

—  Em que passava o tempo o escritor?

—  Se não escrevia, conversava sobre as suas viagens, falava de livros, fazia "pic-nics" na Quinta da Estrela ou caçava nos juncais de Caparica. Uma vez por semana, parece-nos que ás quintas-feiras, saia para Lisboa com a senhora, muito bonita com as suas mangas de presunto e os seus grandes laços de tule á volta do pescoço.

O Joaquim da Fidalgo vinha buscá-los, com o seu velho trem puxado por dois cavalinhos velhotes e eles aí iam a caminho de Lisboa. para almoçar não nos lembra se no Leão de Ouro se no Estrela de Ouro... O carrinho, claro, ficava do lado de cá em Cacilhas. Nesse tempo, os barcos já eram movidos por vapor mas ainda não transportavam carros, como hoje. 

Embarcação de passageiros das carreiras do rio Tejo.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Aqui, do Porto Brandão, é que partiam os barquinhos movidos por meio de remos....

—  Não falava de política, em derrubar o Governo...

—  Fechava-se com os amigos no escritório; como podiamos nós, adivinhar do que falavam em voz baixa? Alegria naquela casa não faltava. O sr. Pato até gostava de armar as suas festas. Muitas vezes, porque não lhe chegavam os dois andares que ocupava, estendia-se por casa dos vizinhos. E era ver, no Santo António e S. João, as fogueiras, as festas e bailaricos que armavam no terreirinho fronteiro á casa do sr. Pato. O povo passava e juntava-se, saltando também a fogueira. E o sr. Pato gostava.

—  Deu o nome a muitos "pratos" e petiscos...

— Possivelmente, eram os amigos que lhos davam. Nunca demos conta de que o sr. Pato fosse á cozinha ensinar a fazer ameijoas, bacalhau, perdizes ou ostras — e o que ele gostava destas! — com o seu nome ou não...

As meninas da Torre leram Bulhão Pato. O escritor estimava-as e a uma delas quis ensinar francês, ao que o pai, o mestre de obras, patrióticamente se opôs. Hoje, no seu casarão desconfortável e antigo, vivem da saudade de tanta coisa vivida, da mágua de se terem debruçado á beira de um grande mundo espiritual, do qual não recolheram o melhor do seu sabor.

Timidas, fiéis a Deus e á memória dos que amaram, assim as fomos achar, perturbando-as com a ideia de falar para um jornal e deixar-se fotografar, assim de chitas vestidas.

— Que vergonha! — disseram, a tapar o rosto com as mãos.

Mas, daqui a pouco, as meninas da Torre dobrarão esta folha de jornal, irão juntá-la a mil ninharias do seu património espiritual, já esquecidas do seu amigo, sr. Pato, vinte e dois anos seu vizinho na Torre.

O poeta no seu gabinete de trabalho, segundo fotografia publicada em 1912.
Imagem: Hemeroteca Digital

Depois, empunharão a cartilha e, nos seus bancos em fila, as meninas da Torre, as mestras e as alunas voltarão a dizer em coro: Um á e um i faz ai... Um d e um ó faz... dó! (1)


(1) Diário de Lisboa, 24 de agosto de 1956

Tema:
Bulhão Pato


Ligação externa:
Bulhão Pato na coleção da Hemeroteca de Lisboa

sábado, 6 de setembro de 2014

Torre e Fonte Santa

No reinado de D. João III foi donatário de uma propriedade chamada "Torre d'el Rei" o fidalgo D. João da Silva de Meneses.

Admitimos que esta torre d'el Rei seja aquela que existiu no lugar dito da Torre ou sua proximidade imediata. 

Da fábrica que falece à cidade de Lisboa (i. e. construções que faltam à cidade de Lisboa), detalhe, Francisco de Holanda, 1571.
Na imagem a Torre d'el Rei (Torre, Torre de Caparica) sobre a arriba, acima da Torre Velha, frente à torre de Belém
Imagem: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de S. Paulo

Porque nada mais há no Concelho ou no seu antigo termo, com o nome de torre (no singular) remontando ao Século XVI, admitiremos que esta Torre d'el Rei é aquela que os topónimos Torre e Torrinha e a gravura do Século XVI indicam.

O sítio da Torre é aquele ocupado pelo Largo da Torre, no cruzamento da estrada Monte da Caparica — Trafaria com a estrada Fonte Santa — Casas Velhas e onde termina a antiga azinhaga Torre — Fonte Santa, hoje Rua Carvalho Araújo.

Torre de Caparica, casa onde residiu Bulhão Pato, construção de finais do século XIX.
Imagem: ed. desc.

0 nome do sitio provém da existencia de uma torre medieval que nos aparece em gravuras dos Séculos XVI e XVII.

Da fábrica que falece à cidade de Lisboa (i. e. construções que faltam à cidade de Lisboa), Francisco de Holanda, 1571.
Imagem: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de S. Paulo

A sua funçao era provavelmente a de atalaia. A torre abateu em consequência do terramoto de 1755.

Carta chorographica dos terrenos em volta de Lisboa (detalhe), 1814.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Segundo o Conde dos Arcos a Quinta da Torre, aquela que se situava a sul do Largo, era totalmente limitada por caminhos públicos que a separavam das vizinhas Quintas, da Torrinha, Outeiro, Possolos e Formiga.

Carta dos Arredores de Lisboa — 68 (detalhe), Corpo do Estado Maior, 1902.
Imagem: IGeoE

[Torrinha] Quinta entre o lugar da Torre e Costas do Cão. Um dos seus proprietários, João António Gonçalves (1835-1906), foi vice-presidente da Câmara Municipal de Almada.Informação relacionada: ISSUU - Al-Madan Online 14 by Al-Madan

A Quinta do Outeiro, fica na encosta de Pera sobre o Vale de Marinhos, a poente do cemitério da freguesia de Caparica.


[Possolos] Quinta entre o Rafael e a Caneira, às Casas Velhas.
A Quinta de Possolos pertenceu a D. Álvaro Abranches da Câmara e aos descendentes, Condes de Valadares.
No século XIX era propriedade de Rafael Alves da Cunha que foi em Almada presidente da vereação.

A Quinta da Formiga situa-se entre o Monte de Caparica e as Casas Velhas, do lado norte da actual rua Alfredo da Cunha.
Tem entrada por um portão do século XVIII e uma casa ampla a que se ligavam adega e lagares antigos e curiosos.
Em 1833 a quinta pertencia a Miguel Martinho Manuel Ricaldes da Silva Azevedo que era Tenente da 1.a Companhia do Batalhão Nacional da Vila de Almada e seu termo.
Era pois um liberal, embora fosse afilhado de D. Miguel [...]

Do lado Norte do Largo da Torre o novo proprietário da Quinta que está entre a Rua Carvalho Araújo e a Rua dos Trabalhadores Rurais colocou na fachada uma inscrição chamando-lhe "Quinta da Torre”, nome que nunca teve.

O Conde dos Arcos, D. José de Alarcão, proprietário então da verdadeira e única Quinta da Torre, mandou apor nesta uns azulejos com a inscrição "Quinta da Torre, 1570".

D. José Manuel de Noronha e Brito de Meneses de Alarcão, 12° Conde dos Arcos.
Imagem: Homens e Mulheres vinculados às terras de Almada

[Fonte Santa] Pequeno aglomerado urbano a meio caminho entre o Largo da Torre e o Porto Brandão, cujo centro é o Largo Carlos da Maia na confluência da azinhaga que vem da Cruz da Granja.

O nome aparece com frequencia no plural "Fontes Santas", entre os Séculos XV e XVIII. o que denuncia a existência de mais que uma fonte e não apenas aquela que abastecia o fontenário público que parece ser construção do século XVIII e foi reconstruído pela Câmara Municipal em 1874.

Na encosta que margina a azinhaga para a Cruz da Granja captou-se água em fins do Século XIX para abastecer o lazareto obra do famoso engenheiro almadense Liberato Teles.

Todo o vale desde a Quinta da Torre ao Porto Brandão era abundante de água.

Junto ao Largo da Torre existe um antigo poço e frente à ermida de S. Tomás de Aquino descobriram-se duas cisternas quando se libertou a ermida, que se encontrava soterrada até ao nivel da verga da porta.

A ermida e obra atribuida ao Século XVI e tem portal e alguns elementos que se podem considerar manuelinos mas o facto de ser constituida por dois pequenos corpos semelhantes a morábitos e as cisternas parecerem ser construção árabe faz-nos suspeitar que sejam mais antigos os seus fundamentos.

Fonte Santa, Ermida de S Tomas de Aquino, 2003.
Imagem: Almada, Toponímia e História

A ermida pertenceu aos Condes dos Arcos que naturalmente lhe introduziram os elementos manuelinos.

Fonte Santa, Ermida de S Tomas de Aquino, década de 1970.
Imagem: Divagando sobre Caparica

Quando se pôs a descoberto a fachada e se escavou o adro fronteiro, das cisternas libertou-se água em grande abundância sendo necessário encaminha-la por uma vala para um esgoto de águas pluviais.

Deve salientar-se que entre o Largo Carlos da Maia e o Porto Brandão fica a Quinta da Azenha, assim chamada por nela certamente ter funcionado um engenho desse tipo.

A Ermida de São Tomás de Aquino foi classificada de interesse concelhio em 1996.O pedido de classificação datava de 1982, mas atravessara um confuso processo burocrático.(1)


(1) Pereira de Sousa, R. H., Almada, Toponímia e História, Almada, Biblioteca Municipal, Câmara Municipal de Almada, 2003, 259 págs.

Artigo relacionado: Ermida de S. Tomás de Aquino

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Ermida de S. Tomás de Aquino

Entre as mais ilustres famílias da Corte que em Caparica tinham casa contavam-se a dos Condes dos Arcos de Valdevez e as dos Condes de S. Miguel.

Os Noronhas eram os que mais predilecção tinham pelo sitio, segundo se pode concluir dos registos paroquiais. Alguns lá nasceram e foram baptizados. A Senhora Condessa D. Maria do Carmo mantém ainda essas tradição. trocando durante meses, as comodidades da sua casa de Lisboa pelas poucas que lhe oferece a de Caparica.

Armas de Noronha chefe, livro do Armeiro-Mor.
Imagem: Wikipédia

Assistiam na sua Quinta da Torre, bem diferente do que é hoje. Nas dependencias e na torre medieval que deu o nome à quinta e depois ao lugar e que residiam seus senhores e não nas actuais habitações.

A Estrada Nova que liga a Torre à Fonte Santa (ou Fontes Santas como também se lê em antigos escritos) não fora ainda aberta. 

Ermida de S. Tomás [Tomaz] de Aquino, Fonte(s) Santa(s), Caparica, 2014.
Imagem: Google Maps

As terras que vieram a ficar de um e outro lado dessa estrada constituíam um todo. 

Eram limitadas ao sul pelo largo, ao nascente pela Estrada Velha, ao poente pelo estreito caminho que as separa da quinta da Torre até à Torrinha e Costas de [do] Cão, e ao norte por terras de diversos, foreiras ao morgadio dos Noronhas.

Pela beleza da tapada de ulmeiros seculares, de jardins guarnecidos de buxo à antiga portuguesa, de hortas a que não faltava a nora tradicional, que ainda conhecemos e formava, para fora do actual Largo Bulhão Pato, uma meia-laranja, estas terras eram o melhor atractivo dos seus possuidores. 

Para tanques enormes. forrados de azulejos policromos, a água caia, em repuxo, de formosa coluna de mármore. Restos desta coluna, de capitéis e de outras pedras trabalhadas, que se conservam. documentam a importancia das antigas construções.

Quase oculta na tapada existia uma ermidinha da invocação de S. Tomás de Aquino de que restam apenas ruínas quase soterradas à beira da Estrada Nova.

Ermida de S. Tomás [Tomaz] de Aquino, Fonte(s) Santa(s), Caparica, 2012.
Imagem: AMO-TE CAPARICA no Facebook

Os Botelhos tinham a sua casa no Casal do Conde, entre o Monte e a Urraca, próximo da quinta e residência de Francisco Canelas, nosso velho amigo.

O titulo de Conde de S. Miguel evoca uma das mais heróicas figuras do declínio do nosso Império do Oriente — o grande Nuno Álvares Botelho, pois foi concedida, em memória dos altos serviços que prestou ao Pais, a seu filho Francisco Botelho.

Armas de Távora chefe, livro do Armeiro-Mor.
Imagem: Wikipédia

Nuno Álvares Botelho. partiu para a India em 1623. Capitão-general das armadas de alto bordo, bateu as armadas de Inglaterra e de Holanda, que desafiou por um cartel que ficou célebre. Foi governador da India e morreu em Malaca após ter imposto a paz ao sultão de Achem.

Era tal o prestígio deste herói que Filipe III, então rei de Portugal. ao dar os pêsames à viúva, lhe mandou dizer que, a não trazer luto pela rainha da Polónia, o havia de põr por Nuno Alvares Botelho.

O luxo na corte de D. João V.
Quadros da Historia de Portugal, Aguarela de  Alfredo Roque Gameiro.
Imagem: www.roquegameiro.org

No dia 18 do corrente se celebraram em Caparica os esposórios de D. Tomás de Noronha, quinto Conde dos Arcos,

com a Senhora D. Antónia Xavier de Lencastre, filha de Tomás Botelho de Távora, terceiro Conde de S. Miguel, e gentil-homem da Câmara que foi do Senhor Infante D. António.

No mesmo dia se celebram os de D. Marcos de Noronha, filho primogénito do mesmo Conde D. Tomaz e de sua primeira mulher a Senhora D. Madalena de Castro, com a Senhora D. Maria Xavier de Lencastre, filha do mesmo Conde de S. Miguel, cujo filho primogénito Álvaro José Botelho de Távora, se recebeu juntamente no mesmo dia com a Senhora D. Luísa de Noronha, filha do mesmo Conde dos Arcos D. Tomaz de Noronha.

in Gazeta de Lisboa, 29 de novembro de 1731
Era domingo e dia maravilhoso de Outono. Grande parte da faustosa corte de D. Ioão V, vestia de gala e atravessava o Tejo com destino ao Porto Brandão, onde os barcos vararam na pequena praia. Cavaleiros, acompanhando berlindas e liteiras, formaram luzido cortejo que subiu à Fonte Santa e dai à Torre.

Estrada Fonte Santa — Porto Brandão, década de 1960.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

O senhor da Quinta da Torre. que era então o 5.° Conde dos Arcos. D. Tomaz de Noronha e Brito, nascido e baptizado em Caparica, viúvo da Condessa D. Madalena Bruna de Castro, filha dos Condes de Assumar, ajustara passer as segundas núpcias com D. Antónia Xavier de Lencastre, filha dos 3.° Condes de S. Miguel, Tomás Iosê Botelho e D. Iuliana de Lencastre (Unhão).

Seu filho e herdeiro D. Marcos Iosé de Noronha e Brito, de dezanove anos, capitão de cavalos. que veio a ser o 6.° Conde dos Arcos e Vice-Rei do Brasil, estava noivo de D. Maria Xavier de Lencastre. de vinte e um anos, filha dos já referidos 3.° Condes de S. Miguel.

Ainda um terceiro casamento se aprazara para esse dia entre as duas ilustres casas: o de D. Luisa do Pilar Noronha. de treze anos de idade, respectivamente filha e irmã dos dois mencionados D. Tomás e D. Marcos. com Álvaro Iosé Xavier Botelho de Távora, de vinte e três anos, filho herdeiro dos 3.° Condes de S. Miguel.

O primeiro casamento a celebrar-se foi o de Álvaro Iosé Xavier Botelho de Távora, filho herdeiro dos 3.° Condes de S. Miguel. Com D. Luísa de Pilar de Noronha. filhas dos 5.° Condes dos Arcos.

O cortejo saiu da Casa da Torre em direcção à ermidinha de S. Tomás de Aquino (hoje quase soterrada e em ruínas) onde se encontrava o cura da freguesia. o ilustrado padre lose António da Veiga (natural de Caparica) que presidiu à cerimónia.

Os très pares de noivos e convidados. seguiram depois para a residência do Conde de S. Miguel, que era entre o Monte e a Urraca.

Nesta ermidinha. quase desconhecida. baptizaram-se e casaram grandes vultos da nobre fidalguia portuguesa. (1)

Ermida de S. Tomás [Tomaz] de Aquino, Fonte(s) Santa(s), Caparica, década de 1970.
Imagem: Divagando sobre Caparica


(1) Correia, António, Divagando sobre Caparica: pedaços da sua história, Almada, edição do autor, 1973.

Artigo relacionado: Torre e Fonte Santa

Informação relacionada: SIPA