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sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Doca 13

Ao fundo de Cacilhas vira-se à direita, passa-se uma cancela de fronteira e, de repente, entra-se num mundo diferente: um grande estaleiro para reparações navais, um centro de saúde para os gigantes que neste tempo da exploração espacial sulcam os mares da Terra.

Cacilhas, Margueira, portaria dos Estaleiros Navais da Lisnave, c. 1980.
Imagem: Retratos de Portugal

Há no ar um odor a aço, em vez de desinfectante; os estranhos enfermeiros deste centro não usam batas mas têm na cabeça capacetes amarelos, e fatos azuis no corpo. No rosto, em vez de máscaras brancas e esterilizadas, óculos especiais para proteger os olhos da luz intensa das soldaduras. Nas mãos, os bisturis têm formas e nomes estranhos: maçaricos, bicos de acetileno...

"Observador" tinha um rumo definido: a doca seca para navios até um milhão de toneladas, baptizada com o mesmo nome do homem que deu corpo a uma grande empresa portuguesa: Alfredo da Silva. Tem um número temível, o 13, que neste caso poderá ser de fortuna. A sua beira sentimos a vertigem do abismo nos seus 15 m de profundidade. É um buraco enorme de 590 m de comprimento e 90 de largura.

Lisnave, Margueira, doca Alfredo da Silva, doca 13, inaugurada em 23 de junho de 1971.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Visto de cinta do pórtico rolante (65 metros de altura) a tentação da vertigem é muito maior. Os tractores que na altura da nossa visita limpavam o fundo da doca pareciam esses modelos miniaturais que se vendem em qualquer loja de brinquedos. Os homens, formigas...

Lisnave, lavagem de casco de navio com jacto de alta pressão, Augusto Cabrita, c. 1970.
Imagem: É tudo gente morta

Ao espanto físico juntava-se a perplexidade: para executar uma obra desta envergadura houve certamente enormes obstáculos a remover, dificuldades a vencer. Procurámos o engenheiro Álvaro Biscaia Barreto, um dos directores da Lisnave, para esclarecer toda uma série de interrogações:

— Do ponto de vista macroscópico não houve dificuldades para construir esta doca. O financiamento é todo português, através das instituições de crédito governamentais, da Caixa Geral de Depósitos e do Banco de Fomento Nacional, além dos recursos da própria empresa não houve, como se compreende, grande dificuldade em solucionar esta questão que envolvia capitais da ordem dos 600 000 contos, 2 como não há nos restantes empreendimentos em que a Lisnave está empenhada e que representam um investimento da ordem dos 350 000 contos. Esta doca da Margueira é, aliás, o espelho cristalino das possibilidades actuais da técnica e do capital português.

Lisnave, Margueira, doca Alfredo da Silva, doca 13, inaugurada em 23 de junho de 1971.
Imagem: Restos de Colecção

— Há 4 anos, quando da construção do estaleiro da Margueira, embora o projecto fosse português, houve que contar com um suporte estrangeiro. O financiamento foi também estrangeiro. Os equipamentos, em grande parte, vieram do estrangeiro. E passados 4 anos verificamos que fazemos um investimento da mesma ordem de grandeza (900 000 contos) e o projecto é inteiramente português, assim como a sua execução.

Em Junho de 1967 inaugurava-se nos estaleiros da Lisnave uma doca seca para navios até 300 000 toneladas. Quatro anos depois, no passado dia 23, entrava a funcionar uma nova doca para navios até 1 milhão de toneladas. Esta, fruto do trabalho português, 100 por cento. Ao abrir-se concurso para a empreitada de execução das obras, garantido que estava o capital necessário, surgiram empresas interessadas das mais diversas origens: dinamarquesas, suecas, holandesas, norte-americanas e portuguesas. Optou-se por uma destas últimas, segundo o nosso interlocutor, por duas razões:

— Primeiro, porque foi o preço mais barato apresentado; depois, porque era a solução técnica mais rigorosa e desenvolvida.

No entanto, era um risco...

— Foi meditadamente que corremos esse risco porque entendemos que são as próprias empresas portuguesas que devem trabalhar para o desenvolvimento do país. Para nós seria muito mais cómodo entregar a execução do projecto a uma firma americana, mas preferimos uma empresa nacional.

Aviso de inauguração da doca 13.

E o que é certo é que a obra se fez nos prazos estabelecidos, os problemas que surgiram foram resolvidos por técnicos nacionais, com mão-de-obra nacional e com fontes de financiamento nacional. O engenheiro Álvaro Biscaia Barreto vai mesmo mais longe:

— Podemos afirmar que 90 por cento da doca foi feita em Portugal por portugueses. Em 1 de Outubro de 1969 marcámos a data de 23 de Junho de 1971 para a inauguração oficial, e anunciámo-la oficialmente no mundo inteiro. Ninguém acreditou. Eu, por exemplo, que estava em Londres nessa altura, verifiquei que ninguém acreditava na viabilidade de se cumprir o prazo estabelecido. E ele cumpriu-se. Uma doca com as dimensões da "Alfredo da Silva" suscitou novos problemas que tiveram de ser resolvidos graças a soluções inovadoras.

Uma das peças fundamentais para o seu funcionamento é o pórtico a que já nos referimos. Qualquer coisa de espantoso... Dos seus 65 metros de altura é possível descobrir um panorama inesquecível sobre o Tejo e a margem norte. Lisboa, ao fundo, tem novas perspectivas, vista do pórtico.

Lisnave estaleiros da Margueira, aspectos da construção e montagem da doca 13 e do pórtico, Lourdes Matos, 1970-71.
Imagem: A indústria naval em Almada: na rota do progresso, Almada, Câmara Municipal, 2012, 97 págs

Equipam-no 2 ganchos independentes para 150 toneladas cada, além de um gancho rápido para 20 toneladas. A viga transversal tem 125 metros de comprimento e está colocada ao mesmo nível da água que a plataforma ferroviária da "Ponte Salazar". Gastaram-se na sua construção cerca de 50 000 contos. E foi posto de pé por uma empresa portuguesa.

Lisnave estaleiros da Margueira, aspectos da construção e montagem da doca 13 e do pórtico, Lourdes Matos, 1970-71.
Imagem: A indústria naval em Almada: na rota do progresso, Almada, Câmara Municipal, 2012, 97 págs

— Foi a primeira vez que a Mague — disse-nos o eng. Biscaia Barreto —  fez um pórtico desta natureza. Nunca o tinha feito. Pôs-se outra vez o problema: não seria um risco demasiado extenso atribuir a esta empresa a sua construção? Mas nós, conscientemente, resolvemos corrê-lo. Alguma vez teria de ser a primeira, e a Lisnave resolveu que fosse esta. A Mague fez o pórtico. E tão bem se houve que foi já contactada para construir um outro no projectado estaleiro de Setúbal, mais largo, mais alto e capaz de levantar 400 toneladas.

O ouro (negro) da Margueira

O estaleiro da Lisnave na margem sul do Tejo destina-se fundamentalmente à reparação de navios de grandes proporções: petroleiros e mineraleiros gigantes. Beneficiando das características excepcionais do estuário do Tejo e de uma localização geográfica privilegiada nas rotas dos petroleiros gigantes, a Margueira depende em grande parte do comportamento futuro desse negócio impressionante que é o do petróleo em bruto e dos seus derivados.

Lisnave, doca Alfredo da Silva para navios até 1 milhão de toneladas, estaleiros da Margueira.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Investimentos como este que a Lisnave está a fazer representam necessariamente uma aposta no futuro. Ouvimos ainda o eng. Álvaro Barreto:

— É um dos dados de todo o problema da instalação de uma indústria deste tipo. A indústria do transporte do petróleo não está ligada apenas ao tipo de transporte. Hoje é o petroleiro; se amanhã for o submarino, terá que ser diferente. Mas será o petróleo a fonte de energia que se vai manter nos próximos anos? Não irá a energia nuclear, por exemplo, ocupar o lugar do petróleo? Outro ponto a considerar é o das quantidades transportadas No ano passado transportaram-se por mar 1 000 milhões de toneladas de petróleo.

Estas quantidades estão em jogo basicamente por uma razão: há uma zona consumidora, altamente consumidora, que é a Europa Ocidental e que não é produtora; e há uma zona altamente produtora, que é o Médio Oriente, e que não é consumidor. Ora é deste desequilíbrio que nasce toda a rede de transporte. E a existência das frotas de petroleiros é um pouco a razão da existência do grande volume de reparações navais.

Com efeito, os petroleiros representam cerca de 45% do total das frotas de todo o mundo. E é a partir deste ponto que os mais diversos países europeus se lançaram a construir e a manter os seus próprios estaleiros de reparação. Na Holanda, na França, na Suécia ou na Alemanha, como em Portugal, são uma das indústrias mais activas. Todos esses países jogam no desequilíbrio citado pelo eng. Álvaro Barreto quanto aos centros de produção e de consumo.

Tudo se modificaria, por exemplo, se num futuro próximo surgissem perto da Europa jazigos de petróleo que anulassem a necessidade de importar do Médio Oriente. Isto, sem falar na possibilidade de o petróleo deixar de ser a principal fonte de energia do mundo contemporâneo.

— Assim é, na verdade. Mas os estudos que temos feito (e temos estudos e projecções até ao ano 2000) e também os estudos que temos obtido junto de entidades altamente colocadas como Hudson Institute e a OCDE prevêm que a posição do petróleo seja praticamente inalterada no ano 2000, mesmo que a energia nuclear continue a desenvolver-se a ritmo muito acelerado. E não deve esquecer-se que o petróleo é neste momento cerca de 45 a 50 por cento de todas as fontes de energia que existem no mundo.

A energia nuclear, que representa hoje 20 por cento dessas fontes, subirá quando muito a 25 por cento nessa altura. Por outro lado, as reservas de petróleo que, neste momento, estão reconhecidas no mundo, deixam prever que o Médio Oriente continuará a ser o principal centro produtor. Portanto, a indústria de transporte petrolífero vai manter-se pelo menos nos próximos 20 a 30 anos. O que não quer dizer que não haja uma viragem espectacular... E nesse sentido a Lisnave, embora continue a investir seriamente, está a praticar taxas de amortização muito elevadas.

A geografia manda

Uma das vantagens do estaleiro da Margueira sobre os seus congéneres da Europa é a situação geográfica nas rotas do petróleo. Os barcos, em geral; descarregam nos portos do norte da Europa. Mas não podem ser imediatamente sujeitos a reparações porque no seu interior ficam acumulados uma série da gases e de matérias combustíveis. Torna-se necessário fazer a chamada "limpeza de desgaseificação" que num petroleiro com mais de 100 000 toneladas leva 3 a 4 dias.

Lisnave, estaleiros da Margueira, Esso Bayonne, dezembro 1978.
Imagem: Flickr

Para os armadores põe-se uma opção: ou fazem os petroleiros esperar 3 a 4 dias nos portos de descarga para serem aí reparados ou mandam-nos de regresso e fazem a "limpeza" durante a viagem. Esta é a alternativa geralmente escolhida pois o armador tem de contar com a economia de escala que, num petroleiro de 250 000 toneladas, se traduz em cerca de 10 000 libras por dia (cerca de 700 contos).

Isto significa que 3 dias de imobilidade corresponderiam a 200 contos de prejuízo, que o armador pode evitar se puser o seu navio na rota de regresso e mandá-lo reparar num, estaleiro localizado nessa rota. Ora a Margueira está situada a cerca de 4 dias de viagem do norte da Europa. Assim, quando o petroleiro chega às imediações de Lisboa, completou praticamente as operações de limpeza e entra no estaleiro para reparar. Diz-nos o eng. Álvaro Barreto:

— Este é um ponto importante pelo qual a Lisnave tem obtido um sucesso extraordinário em relação aos petroleiros Mas há mais. A Lisnave surgiu numa altura estrategicamente ideal. Depois da guerra, um navio de 16 000 toneladas era um navio gigante. Em 1962, quando estudámos o estaleiro da Margueira, só havia 2 navios acima das 70 000 toneladas.

Portanto, os estaleiros do norte da Europa, mais antigos que o nosso, estavam preparados para esse tipo de navios. De repente, a crise no Médio Oriente, a Guerra dos Seis Dias e todos os problemas políticos que sugiram no mundo, fizeram com que os armadores fossem decisivamente para cima das 100 000 toneladas.

É então que surge a Lisnave e instala imediatamente duas docas: uma para 100 000 toneladas e outra para 300 000, coisa que não havia noutro ponto da Europa. A Lisnave arrancou, assim, primeiro que os outros e estabeleceu-se no mercado mundial. Isso foi há anos. Mas hoje, em 1971, a Lisnave lança uma doca para navios até 1 milhão de toneladas quando a maior que existe neste momento não vai além das 300 000, e muita gente está convencida de que não será possível passar a barreira das 450 000 toneladas. Objecta Álvaro Barreto:

— A Lisnave não está tão convencida como essas pessoas que a coisa vai parar nas 300 000 toneladas. Também há 4 ou 5 anos se afirmava que não iríamos além das 100 000 toneladas e depois das 200 000. Neste momento foi já lançado à água um navio para 372 000 toneladas e há 2 em projecto para 475 000.



Portanto, estamos convencidos de que mais cedo ou mais tarde a evolução tenderá para os petroleiros de 750 000 toneladas ou mesmo até 1 milhão. Mas mesmo que isso não aconteça, a Lisnave estudou a doca "Alfredo da Silva" de tal maneira que pode admitir simultâneamente 2 navios. Fez-se o estudo da viabilidade económica e concluiu-se que o facto de se poder docar 2 navios — um até 100 000 tone-ladas e outro de 250 000 — paga desde já o investimento feito. Simultâneamente ficamos preparados para a eventualidade de os petroleiros atingirem as 750 000 toneladas.

Lisnave, na doca 13 o super petroleiro da Elf, Pierre Guillaumat, 555,051 DWT,  c. 1978.
Imagem: Salvaterra e eu

Cerca de 1755, o futuro Marquês de Pombal encarregou o arquitecto Carlos Mardel de elaborar um projecto de melhoramento do porto de Lisboa, baseado "principalmente na construção de um arsenal que seria, em relação à sua época o maior do mundo".

No século XIX e no princípio do século XX volta à baila a ideia de dotar Lisboa com um moderno porto que acentuasse a presença de Portugal no mercado internacional. Mas a data-chave para a concretização desta ideia fixa-se em 1 de Janeiro de 1937, com a concessão à Cornpanhia União Fabril do estaleiro naval da Administração-Geral do Porto de Lisboa.

E, em 6 de Abril de 1954, com o desenvolvimento da nossa Marinha Mercante, D. Manoel Augusto José de Mello requer, ao contra-almirante Américo Deus Rodrigues Thomaz, então ministro da Marinha, licença para construir no estuário do Tejo uni grande estaleiro naval.

Em 11 de Setembro de 1961 é constituída a Lisnave — Estaleiros Navais de Lisboa, SARL — com o objectivo de continuar a realização do empreendimento. Os seus primeiros accionistas foram 6 estaleiros navais (2 portugueses, 2 holandeses e 2 suecos) e o Banco Fonsecas, Santos e Viana. A autorização governamental para a construção do estaleiro na baía da Margueira (margem sul do Tejo) foi dada em 20 de Novembro de 1962.

A primeira fase ficou concluída em Junho de 1967, data em que foram inau-guradas e entraram a funcionar duas docas, uma para navios até 300 000 toneladas de peso bruto e outra para 100 000. O empreiteiro principal desta primeira fase de obra, em que se gastaram 800 milhões de escudos, foi uma firma holandesa, a Royal Netherlands Harbour Works, de competência reconhecida internacionalmente.
E nessa mesma altura, graças a estudos criteriosos, manifesta-se a ideia de construir a doca para navios até 1 milhão de toneladas, agora inaugurada.
Fonte de divisas

Uma indústria deste tipo é com certeza um corredor largo para a entrada no país de divisas. A este respeito disse-nos ainda Álvaro Barreto:

— Cerca de 85 por cento do nosso volume de vendas é para o estrangeiro. E o nosso valor de vendas é da ordena de 1 300 000 contos. Portanto, poderá dizer-se que o volume anual de divisas que trazemos para o país rondará 1 milhão de contos, com tendência para aumentar logo que a doca "Alfredo da Silva" entre a funcionar em pleno.

Comparada por exemplo com o turismo, e partindo do princípio de que entram 3 milhões de turistas por ano em Portugal. A Lisnave representa cerca de 600 000 turistas em divisas entradas.

A Margueira, que é um estaleiro essencialmente dedicado à reparação naval, terá próximamente um complemento, pelo menos no sentido do que foi anunciado: o estaleiro de Setúbal, destinado construção naval.

— A Lisnave não tem nada a ver com Setúbal. Este é um empreendimento que está a ser estudado pelo grupo CUF. Na Lisnave, 49 por cento dos capitais são estrangeiros e só 51 por cento portugueses. E certo que o grupo CUF tem uma posição importante dentro da Lisnave, mas é este grupo e não a Lisnave que está neste momento a estudar o empreendimento de Setúbal A indústria naval parece ter entrado numa fase de grande arranque em Portugal.

Escudada em estudos criteriosos, promete ser um dos pólos do desenvolvimento nacional, a que o governo não está alheio e procurará certamente estimular. Mas, com a multiplicação de empresas, vai agravar-se o problema da falta de mão-de-obra, se entretanto o fluxo da emigração não for travado.

Deve dizer-se que só na Lisnave trabalham cerca de 4000 operários e técnicos aos quais é exigida, naturalmente, uma especialização num tipo de trabalho que em muitos aspectos é diferente de todos os outros ramos de actividade.

— É evidente que Setúbal vai criar problemas de mão-de-obra a nós e a todos os outros — diz o eng. Álvaro Barreto — Mas estamos convencidos de que o país dispõe de mão-de-obra suficiente. Especializada, não. Mas braços para treinar. É de referir a campanha que a Lisnave está neste momento a lançar junto dos emigrantes portugueses. Estamos certos de que já oferecemos condições de remuneração e sociais que interessarão muito emigrante a voltar para o seu país.

Lisnave, limpeza do fundo da doca com vista a estender a corrente da âncora do navio, Augusto Cabrita, c. 1970.
Imagem: É tudo gente morta

Com efeito a Lisnave está a anunciar em jornais de emigrantes e a colaborar com o Secretariado Nacional da Emigração no sentido de informar os portugueses que trabalham no estrangeiro das condições de vida e remunerações na empresa.

Além de idêntica colaboração com os consulados portugueses na Europa, a Lisnave estabeleceu uma campanha junto dos emigrantes em férias para que visitem as suas instalações e contactem directamente com as condições de trabalho aí proporcionadas. Este aspecto da mão-de-obra é importante no desenvolvimento de uma indústria como a naval, onde a sua participação no valor final do produto é da ordem dos 30 a 35 por cento.

— Este é outro factor que permitiu a concorrência da Livrava com o mercado h000 , • Trabalham aqui 4000 operários e técnicos altamente especializados: braços e cérebros que foram treinados, e certamente roubados à emigração. internacional Não é bem como muita gente às vezes diz que é a mão-de-obra barata. Em geral esta está ligada à menor aptidão profissional e há que distinguir entre os custos e a produtividade.

Lisnave, chantier naval au sud de Lisbonne, Guy Le Querrec, 1974.
Imagem: MAGNUM PHOTOS

O que está mais ou menos provado é que, se pagarmos menos,a produtividade também é mais baixa. Quer dizer, um operário sueco poderá ganhar vez e meia ou duas vezes,o que ganha um operário português. Mas também produz vez e meia ou duas vezes mais. A sua educação básica e a sua formação profissional são muito superiores. O custo da mão-de-obra não é neste momento uma vantagem para nós.

Lisnave, chantier naval au sud de Lisbonne, Guy Le Querrec, 1974.
Imagem: MAGNUM PHOTOS

Até porque, quando entra para a Lisnave, não é especializado. Fomos, por isso, obrigados a ter a nossa própria escola de formação em que investimos anualmente qualquer coisa como 30 000 contos. 

Lisnave, chantier naval au sud de Lisbonne, Guy Le Querrec, 1974.
Imagem: MAGNUM PHOTOS

Neste momento estamos a admitir pessoal só com a quarta classe e o serviço militar cumprido. Vai para a escola de formação durante 2 meses, depois é colacado na produção durante uns á meses e volta à escola para o aperfeiçoamento final. Somos nós próprios que formamos essa mão-de-obra. E isso custa muito caro, o que compensa de certa maneira o facto de a mão-de-obra ser mais barata.
Os trabalhadores

Em Outubro entrará em funcionamento, nas instalações da Lisnave, na Margueira, um dos maiores centros clínicos de empresa do país.

Concebido para satisfazer as necessidades de assistência médica de mais de 12 000 pessoas, será equipado de molde a nele se poderem efectuar serviços e consultas de quase todas as especialidades médicas, incluindo instalações de pequena cirurgia, farmácia e análises clínicas.

Construído em dois pisos, houve a preocupação de localizar no andar térreo todos os serviços essencialmente destinados a pessoas que, pelo seu estado físico, não possam ou tenham dificuldades em subir escadas.

As dimensões do novo posto clínico bastam para provar não só as actuais necessidades do pessoal da Lisnave como até as futuras. Neste momento destina-se a servir mais de 4000 empregados, aos quais se deve juntar cerca de 7000 familiares.

A sua construção foi decidida pelas direcções da Lisnave e da Caixa de Previdência da CUF (na qual se integram os trabalhadores da Margueira) e as obras executadas a expensas da Lisnave.

Epílogo

O repórter passara uma manhã na Margueira. Trazia os olhos cheios desse espectáculo vibrante que é o aço transformado em cascos de navios gigantes, ao pé dos quais um homem é minúscula formiga. Como português, sentia-se satisfeito por saber que na nossa terra já é possível, nos nossos dias, encontrar uma actividade capaz de suplantar o que existe no estrangeiro.

Nesta foto de 22 de outubro de 1973 podem ver-se, da esquerda para a direita, no cais 5, ao fundo, junto à Doca 13, o "Mobil Pegasus" (parte de ré); na Doca 12, o "Nanny"; na Doca 11, o "Texaco Amsterdam" tendo a vante, na Doca 10, em construção, o Bloco de vante do que viria a ser o "Marofa"; no cais 3A, o "Mactra"; no cais 3B, o "Mobil Pegasus" (parte de vante); no cais 2A, o "Warbah"; no cais 2B, (lado a lado) o "Ardvar" e o "Caspian Trader"; no cais 1A, o "Campos Sales"; no cais 1B, o "Epitácio Pessoa" e o "Metula"; no cais 0, o "Marofa", (Bloco de ré).
Nota: Nos cais 1 A e B e cais 0, os navios não estão completamente visíveis. A tonelagem "dead weight" total, destes navios, somava 1.770.000 tdw!

Fonte: Salvaterra e eu

Mais, capaz de ter feito essa obra impressionante que é uma doca seca para navios até 1 milhão de toneladas (a maior em todo o mundo), com projecto, técnica, capitais e mão-de-obra inteiramente portugueses.


(1) Observador, Verbo, Publicações Periódicas SA, 2 julho 1971,
cf.
O Grupo CUF — Elementos para a sua História

Artigos relacionados:
Lisnave
Kong Haakon VII na Lisnave
História alternativa

Informação relacionada:
Rebocalis
O Grupo CUF — Elementos para a sua História

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Os Simples

O melhor Carnaval com o conjunto musical Os Simples, Clube de Instrução e Recreio do Laranjeiro, 1975.
Imagem: Carlos Cunha

in Internet Archive
Os Simples nasceram em 1973 na Trafaria e com músicos maioritariamente da Trafaria que faziam música em vários grupos.

Os Simples, banda musical da Trafaria, década de 1970.
Imagem: Mais um blog inútil.

A formação que, em minha opinião, teve imensa qualidade (para a altura) e eventualmente o maior sucesso.

Bateria: Dário
Baixo: Manuel José
Metais: Carlos Oliveira ("China") e Manuel Eixa
Teclas: José Carlos
Guitarra: Matos (jovem guitarrista que posteriormente ingressou como viola baixo nos "UHF" de grande talento)
Cantor: Jorge Gomes (tinha deixado os "6 de Portugal")


Os Simples, banda musical da Trafaria, década de 1970.
Imagem: Mais um blog inútil.

in Internet Archive

[...] recordar todos estes temas que foram tocados num dia de ensaios num das garagens dos Bombeiros Voluntários da Trafaria, 

Trafaria, Quartel dos Bombeiros Voluntários.

o grupo na altura era o Manuel Eixa no Saxofone Alto e vozes, eu Carlos Oliveira no Trompete e vozes, o Manuel José no Baixo Eléctrico, O Dário (que tinha uns óculos de fundo de garrafa) na Bateria, o "Resmembas" (desculpa meu amigo mas esqueci o teu nome) no Orgão Fender Rhodes com "Leslie", a ultima tecnologia em teclas na altura, e o Victor na Voz principal [...]

Os Simples, banda musical da Trafaria, década de 1970.
Imagem: Mais um blog inútil.

Com diversas formações durou até ao princípio da década de 80. Da última constituição ainda saiu a formação do TATOO. (1)


(1) Mais um blog inútil.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Monte Pragal

Foi construído, em 1946 [?], nos estaleiros belgas da Société Anonyme John Cockerill, sitos em Hoboken, perto de Antuérpia. Serviu no rio Escalda [nl: Schelde; fr: Escaut], entre a referida cidade de Antuérpia e a margem oposta, antes da construção de um túnel rodoviário [Waaslandtunnel e Sint-Annatunnel, pedonal, inaugurados em 1933], que dispensou os serviços de transbordo fluvial.

Soldados atravessam o Schelde a bordo do ferry Rupel, 14 de fevereiro de 1938.
Imagem: Vlaams Hoofd

Irmão gémeo do "Monte da Caparica", o navio em apreço chamou-se, inicialmente, "Ruppel" "Rupel", antes de ser adquirido, em 1959, pela Sociedade Marítima de Transportes, Lda; que foi uma das empresas de navegação lisbonenses que, no ano de 1975, seriam integradas na Transtejo.

Novo ferryboat Leie [Monte Caparica], gémeo do Rupel [Monte Pragal].
Imagem: eBay

O "Monte Pragal" era uma embarcação com 361 toneladas de arqueação bruta, medindo 43 metros de comprimento por 11 metros de boca. Equipado com 2 máquinas diesel, este "ferry" (que podia navegar à velocidade de cruzeiro de 9 nós) tinha capacidade para transportar entre 400 e 1 000 passageiros, variando esse número em razão dos veículos carregados.

Monte Pragal, © Ian Boyle, 28 de outubro 2003.
Imagem: Simplon - The Passenger Ship Website

Operou entre a capital e Porto Brandão e/ou Cacilhas [e/ou Montijo]. 

Monte Pragal, © Ian Boyle, 28 de outubro 2003.
Imagem: Simplon - The Passenger Ship Website

No seu historial (de muitos anos com a bandeira portuguesa) podem-se referir dois incidentes de mesma índole : a 15 de Maio de 1979, foi alvo (devido a denso nevoeiro) de um abalroamento por parte do cargueiro tudesco "Schwaneck", o que lhe custou meia dúzia de meses de indisponibilidade no estaleiro de reparações; a 22 de Outubro de 1980, sofreu avaria num dos hélices, por ter chocado acidentalmente contra o casco semi-submerso do tristemente célebre porta-contentores "Tollan".

Monte Pragal encalhado nas amarras do navio porta-contentores inglês, Tollan, naufragado no Tejo, a 22 de outubro de 1980, fotografia Alfredo Cunha, Lusa PRT Lisboa LUSA © 2012.
Imagem: Arquivo Fotográfico da LUSA

A partir de 1983 (e por várias vezes), o popular 'ferry' foi retirado do serviço para se submeter a trabalhos de restauro e substituição de máquinas, ganhando interiores mais funcionais e potência acrescida. (1)

Monte Pragal, © Ian Boyle, 28 de outubro 2003.
Imagem: Simplon - The Passenger Ship Website

As duas máquinas originais Sulzer 400hp foram substituidas em 1991 por duas Cummins [diesel] de 425hp [...] (2)


Em 2004, sofreu um incêndio na ponte de comando (quando, mais uma vez, se encontrava no estaleiro) e a Transtejo, considerando a sua idade, decidiu passar-se dos seus serviços, vendendo o "Monte Pragal", em meados de 2006, para demolição.

Cacilhas, ferryboat Monte Pragal, fotografia Ricardo Figueiredo, outubro 2005.
Imagem: Transportes XXI

O velho cacilheiro foi desmantelado, no ano seguinte, no estaleiro naval de S. Jacinto (Aveiro). (3)


(1) ALERNAVIOS
(2) Simplon - The Passenger Ship Website
(3) ALERNAVIOS