Vista Geral de Cacilhas, ed. José Pinto Gonçalves, década de 1920. Imagem: Delcampe - Bosspostcard |
A referência mais antiga a Cacilhas de que dispomos data de 1348 onde a palavra Cacilhas se inscreve em assento notarial.
Sabemos que o porto, anteriormente a 1838, era uma baía protegida dos ventos de Norte por uma linha de rochas, o Pontaleto, e limitado a Sul por um promontório o Pontal. Entre estes limites dois outros alinhamentos rochosos também de sentido Leste-Oeste dividiam a baía em três partes: a do Norte era a praia de Cacilhas propriamente dita, a do Sul a praia das Conchinhas e entre ambas ficava a da Lapa.
À parte os alinhamentos rochosos as praias eram de areia, propicias ao encalhe de pequenos barcos e proporcionavas ás embarcações um bom abrigo dos ventos, excepto os de Leste e Nordeste. Estes mais desagradáveis que ofensivos.
Cacilhas, ed. Paulo Emílio Guedes & Saraiva, 20, década de 1900. Imagem: |
Lugar de embarque privilegiado entre a "outra banda" e Lisboa é natural que tenha surgido ali, muito cedo (Século XII?) uma albergaria destinada a peregrinos e outros viajantes como se depreende do primitivo nome: Albergaria dos Palmeiros.
Pontal de Cacilhas, ed. Alberto Malva/Malva & Roque, 135, década de 1900 Imagem: Delcampe |
Mais tarde, (Século XIV) aparece uma gafaria, tendo por Orago S. Lázaro. Gafaria e Albergaria são, no principio do Século XV, a mesma instituição designada por Casa dos Gafos de Cacilhas e, pouco depois, por Albergaria de S. Lázaro.
Dispunha de alojamentos separados, em diferentes casas, para peregrinos e para os gafos, como seria obrigatório; entre as duas casas havia um pãtio ou terreiro onde se erguia a ermida de S. Lázaro. A administração era municipal, parecendo ser, entre as instituições nacionais mais antigas congéneres, uma das raras que pode ter sido de iniciativa municipal.
O farol e a doca de Cacilhas, colecção Henrique Seixas, Museu da Marinha, in Loureiro, Carlos Gomes de Amorim, Estaleiros Navais Portugueses... Imagem: Livreiro Monasticon |
Em 1569, por uma provisão de D. Sebastião, a administração foi confiada à Misericórdia de Almada que, no entanto, elegia anualmente para "mamposteiro", em representação do provedor da Misericórdia dos dois juízes ordinários de Almada que haviam exercido funções no ano anterior.
Foram "mamposteiros" de 5. Lázaro, no Século XVI, D. João de Portugal, que inspirou o famoso "romeiro" de Garrett, D. João de Abranches e Fernão Mendes Pinto, entre outros.
Segundo supomos a albergaria situava-se do lado Norte da Rua Carvalho Freirinha, perto das novas instalações do Ginásio Clube do Sul. Neste local foram encontradas ossadas (não estudadas) que deviam pertencer ao antigo cemitério do gafos.
As casas da albergaria estavam separadas da povoação por uma Quinta de lavoura. No mesmo sítio Esteve instalado no Século XVIII o "hospital dos ingleses" uma instituição que provia à assistência de passageiros e tripulantes de barcos ingleses, incluindo os obrigados às quarentenas.
Vista norte de Cacilhas. Em primeiro plano ao lado esquerdo, dois marinheiros carregam cestos a partir de uma barcaça, com a inscrição 'JWells Aqua', para o convés de um ferry-boat onde uma mulher e dois homens aguardam. Do lado direito um barco transporta um passageiro abrigado por um dossel e seis remadores. Vista da igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso, do porto e do lugar de Cacilhas. A bandeira
inglesa sobre o hospital. Ao fundo, veleiros no rio Tejo. in British Library Imagem: Cabral Moncada Leilões |
Ainda há poucos anos os terrenos neste sítio pertenciam a súbditos ingleses que os devem ter adquirido à antiga instituição; o hospital dos ingleses deixou de funcionar em meados do Século XIX.
Praia de Cacilhas, The Harbour of Lisbon, Charles Henry Seaforth (1801 - c. 1854). Imagem: reprodução em colecção particular |
No Século XVI a povoação é frequentemente citada com a designação de "porto de Cacilhas" e tanto quanto sabemos era uma pequeno aglomerado que não consta que dispusesse: sequer de igreja que não fosse a dos lázaros, a qual enquanto houve leprosos (até ao Século XV) servia apenas a estes.
No Século XVII já estava em funcionamento outra ermida, a de Santa Luzia, dependente da matriz da Freguesia de Santiago.
O terramoto de 1755 destruiu ambas as ermidas, que não foram reconstruidas. A ermida de Santa Luzia situada talvez no Beco do Bom Sucesso, logo à entrada, segundo cremos, pela existência de um painel de azulejos que se conservou até há pouco num pequeno prédio e pela antiga designação de "Rua das terras da igreja".
Cacilhas, Caes e Pharol, ed. desc., década de 1900. Imagem: |
Em meados do Século XVIII já ao antigo orago da ermida Santa Luzia se sobrepunha o novo a Senhora do Bom Sucesso que vem a ser a invocação da nova Igreja de Cacilhas, construída após o terramoto.
De S. Lázaro, protector dos leprosos, passa se a Santa Luzia, ainda protectora de doentes e depois à Senhora do Bom Sucesso orago de navegantes; uma evolução que exprime, de certo modo, a transformação social e económica: de sítio de passagem, relativamente pouco povoado (até ao Século XV) e albergue de doentes e viajantes passa a porto importante com grande movimento comercial e predomínio de população ligada às fainas marítimas.
Cacilhas, Caes e Pharol, ed.Tabacaria Havaneza, década de 1900. Imagem: Delcampe |
É pelos Séculos XVII e XVIII que aparecem os grandes armazéns de vinhos e de azeites em Cacilhas, principalmente ao longo do Ginjal, correspondendo ao apogeu da cultura da vinha na região de Almada.
Em 1838 o porto foi melhorado com a construção de um cais de alvenaria sobre o Pontaleto, formando esporão e com a construção ou reconstrução da muralha que ia desde o Pontaleto ao extremo Sul da praia, frente à actual Rua Cândido dos Reis. No extremo do esporão e escadaria que o rematava instalou se uma coluna de pedra com uma lanterna, servindo de farol.
Cacilhas, Charles Chusseau-Flaviens, c. 1900/1919 Imagem: George Eastman House |
Em princípios do Século XIX Cacilhas estendia-se quase duas centenas de metros ao redor da pequena baía. (2)
(1) O Panorama, n° 18, vol. IX, Lisboa, Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis, 1847
(2) R. H. Pereira de Sousa, Almada, Toponímia e História, Almada, Câmara Municipal de Almada, 2003, 259 págs.
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Cacilhas vista do Tejo, em 1847
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