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quarta-feira, 15 de junho de 2016

A calheta de Cacilhas

Offerecemos uma vista da pequenina abra ou calheta do logar de Cacilhas, tomada do barco de vapor que para alli faz constante carreira diaria. (1)

Vista Geral de Cacilhas, ed. José Pinto Gonçalves, década de 1920.
Imagem: Delcampe - Bosspostcard

A referência mais antiga a Cacilhas de que dispomos data de 1348 onde a palavra Cacilhas se inscreve em assento notarial.

Sabemos que o porto, anteriormente a 1838, era uma baía protegida dos ventos de Norte por uma linha de rochas, o Pontaleto, e limitado a Sul por um promontório o Pontal. Entre estes limites dois outros alinhamentos rochosos também de sentido Leste-Oeste dividiam a baía em três partes: a do Norte era a praia de Cacilhas propriamente dita, a do Sul a praia das Conchinhas e entre ambas ficava a da Lapa.

À parte os alinhamentos rochosos as praias eram de areia, propicias ao encalhe de pequenos barcos e proporcionavas ás embarcações um bom abrigo dos ventos, excepto os de Leste e Nordeste. Estes mais desagradáveis que ofensivos.

Cacilhas, ed. Paulo Emílio Guedes & Saraiva, 20, década de 1900.
Imagem: Fundação Portimagem

Lugar de embarque privilegiado entre a "outra banda" e Lisboa é natural que tenha surgido ali, muito cedo (Século XII?) uma albergaria destinada a peregrinos e outros viajantes como se depreende do primitivo nome: Albergaria dos Palmeiros.

Pontal de Cacilhas, ed. Alberto Malva/Malva & Roque, 135, década de 1900
Imagem: Delcampe

Mais tarde, (Século XIV) aparece uma gafaria, tendo por Orago S. Lázaro. Gafaria e Albergaria são, no principio do Século XV, a mesma instituição designada por Casa dos Gafos de Cacilhas e, pouco depois, por Albergaria de S. Lázaro.

Dispunha de alojamentos separados, em diferentes casas, para peregrinos e para os gafos, como seria obrigatório; entre as duas casas havia um pãtio ou terreiro onde se erguia a ermida de S. Lázaro. A administração era municipal, parecendo ser, entre as instituições nacionais mais antigas congéneres, uma das raras que pode ter sido de iniciativa municipal.

O farol e a doca de Cacilhas, colecção Henrique Seixas, Museu da Marinha,
in Loureiro, Carlos Gomes de Amorim, Estaleiros Navais Portugueses...
Imagem: Livreiro Monasticon

Em 1569, por uma provisão de D. Sebastião, a administração foi confiada à Misericórdia de Almada que, no entanto, elegia anualmente para "mamposteiro", em representação do provedor da Misericórdia dos dois juízes ordinários de Almada que haviam exercido funções no ano anterior.

Foram "mamposteiros" de 5. Lázaro, no Século XVI, D. João de Portugal, que inspirou o famoso "romeiro" de Garrett, D. João de Abranches e Fernão Mendes Pinto, entre outros.

Segundo supomos a albergaria situava-se do lado Norte da Rua Carvalho Freirinha, perto das novas instalações do Ginásio Clube do Sul. Neste local foram encontradas ossadas (não estudadas) que deviam pertencer ao antigo cemitério do gafos.

As casas da albergaria estavam separadas da povoação por uma Quinta de lavoura. No mesmo sítio Esteve instalado no Século XVIII o "hospital dos ingleses" uma instituição que provia à assistência de passageiros e tripulantes de barcos ingleses, incluindo os obrigados às quarentenas.

Vista norte de Cacilhas. Em primeiro plano ao lado esquerdo, dois marinheiros carregam cestos a partir de uma barcaça, com a inscrição 'JWells Aqua', para o convés de um ferry-boat onde uma mulher e dois homens aguardam. Do lado direito um barco transporta um passageiro abrigado por um dossel e seis remadores. Vista da igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso, do porto e do lugar de Cacilhas. A bandeira inglesa sobre o hospital. Ao fundo, veleiros no rio Tejo.
in British Library    
Imagem: Cabral Moncada Leilões

Ainda há poucos anos os terrenos neste sítio pertenciam a súbditos ingleses que os devem ter adquirido à antiga instituição; o hospital dos ingleses deixou de funcionar em meados do Século XIX.

Praia de Cacilhas, The Harbour of Lisbon, Charles Henry Seaforth (1801 - c. 1854).
Imagem: reprodução em colecção particular

No Século XVI a povoação é frequentemente citada com a designação de "porto de Cacilhas" e tanto quanto sabemos era uma pequeno aglomerado que não consta que dispusesse: sequer de igreja que não fosse a dos lázaros, a qual enquanto houve leprosos (até ao Século XV) servia apenas a estes.

No Século XVII já estava em funcionamento outra ermida, a de Santa Luzia, dependente da matriz da Freguesia de Santiago.

O terramoto de 1755 destruiu ambas as ermidas, que não foram reconstruidas. A ermida de Santa Luzia situada talvez no Beco do Bom Sucesso, logo à entrada, segundo cremos, pela existência de um painel de azulejos que se conservou até há pouco num pequeno prédio e pela antiga designação de "Rua das terras da igreja".

Cacilhas, Caes e Pharol, ed. desc., década de 1900.
Imagem: Fundação Portimagem

Em meados do Século XVIII já ao antigo orago da ermida Santa Luzia se sobrepunha o novo a Senhora do Bom Sucesso que vem a ser a invocação da nova Igreja de Cacilhas, construída após o terramoto.

De S. Lázaro, protector dos leprosos, passa se a Santa Luzia, ainda protectora de doentes e depois à Senhora do Bom Sucesso orago de navegantes; uma evolução que exprime, de certo modo, a transformação social e económica: de sítio de passagem, relativamente pouco povoado (até ao Século XV) e albergue de doentes e viajantes passa a porto importante com grande movimento comercial e predomínio de população ligada às fainas marítimas.

Cacilhas, Caes e Pharol, ed.Tabacaria Havaneza, década de 1900.
Imagem: Delcampe

É pelos Séculos XVII e XVIII que aparecem os grandes armazéns de vinhos e de azeites em Cacilhas, principalmente ao longo do Ginjal, correspondendo ao apogeu da cultura da vinha na região de Almada.

Em 1838 o porto foi melhorado com a construção de um cais de alvenaria sobre o Pontaleto, formando esporão e com a construção ou reconstrução da muralha que ia desde o Pontaleto ao extremo Sul da praia, frente à actual Rua Cândido dos Reis. No extremo do esporão e escadaria que o rematava instalou se uma coluna de pedra com uma lanterna, servindo de farol.

Cacilhas, Charles Chusseau-Flaviens, c. 1900/1919
Imagem: George Eastman House

Em princípios do Século XIX Cacilhas estendia-se quase duas centenas de metros ao redor da pequena baía. (2)


(1) O Panorama, n° 18, vol. IX, Lisboa, Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis, 1847
(2) R. H. Pereira de Sousa, Almada, Toponímia e História, Almada, Câmara Municipal de Almada, 2003, 259 págs.

Alguns artigos relacionados:
Na esplanada do forte de Cacilhas
Cacilhas vista do Tejo, em 1847

Tema:
Cacilhas

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Convento Dominicano de São Paulo de Almada

Quando depois de dominicano, Frei Luiz de Sousa escreve a sua Historia de S. Domingos, ao contar a fundação do convento de S. Paulo em Almada, por Frei Francisco Foreiro, no anno de 1569, e dando d'ella algumas noticias, deixa ainda transparecer n'essas paginas o encanto pela terra que tanto amára, e onde tanto amára.

Almada — convento de S. Paulo, in Almada em 1897
Imagem: Hemeroteca Digital

"Sitio, diz elle do local do convento, que como é no mais alto do monte, e pendurado sobre o mar, fica como grimpa, sujeito a todos os ventos. Porém, paga-se este damno com ser senhor de um tão fermoso e tão bem assombrado horisonte, que confiadamente e sem parecer encarecimento, podemos affirmar que não ha outro tal em toda a redondeza da terra". (1)

O Seminário de São Paulo de Almada foi fundado como seminário do Patriarcado de Lisboa no ano de 1935, mas já antes a casa contava com um rico historial, de grande relevo na vida de Portugal e de toda a zona circundante de Lisboa.

Assim, a vida desta belíssima casa começa no já longínquo ano de 1569, com a fundação do Convento Dominicano de São Paulo de Almada por Frei Francisco Foreiro, insígne teólogo que se distinguiu no Concílio de Trento, e então Provincial da sua Ordem no nosso país, que nele viria a falecer e ser sepultado em 1581, onde ainda hoje se encontra.

Em 1755, o Convento sofre grandes danos, e só a Igreja é restaurada quase de imediato, motivo pelo qual passa a sede da paróquia de Nª Sª da Assunção do Castelo, cuja igreja havia caído com o sismo.

Vista de Lisboa tomada de Almada, século XVII.
Imagem: Museu da Cidade de Lisboa

Dez anos depois, e porque as condições nunca mais foram as mesmas desde aquele catalismo, os Frades Pregadores abandonam o Convento de São Paulo. Começa aqui o rol das muitas tribulações e mãos pelas quais o Convento passou.

Em 1775, os Dominicanos vendem a quinta a um industrial francês, François Palyart (1726 - 1816), e a casa conventual, em 1776 aparece já na posse das Ordens Militares, que por sua vez, e ainda no mesmo ano, a tornam a vender, desta feita ao mesmo francês que já tinha comprado a quinta.

A igreja e uma das alas do convento ficaram para a paróquia.

Almada — Interior da Egreja do Convento de S. Paulo, 1897.
Imagem: Hemeroteca Digital

Com o decreto de extinção das Ordens Religiosas de 1834, os bens dessas instituições passam a fazer parte do património estatal, mas isso em nada afecta a Igreja de São Paulo, que era paroquial e não de ordem religiosa.

Mas no ano seguinte, perde esse carácter, pois a paróquia de Nª Sª da Assunção do Castelo foi definitivamente incorporada na de Santiago de Almada, ficando a igreja entregue aos cuidados de uma das suas irmandades, a do Rosário.

Segue-se uma fase extremamente confusa, com vendas e contravendas, falências e casos mal esclarecidos.

Chegamos, entretanto, a 1855 com uma situação no mínimo caricata: a quinta e a casa eram de um proprietário, mas o corredor da Sacristia era de outro.

Almada, vista tomada do Campo de S. Paulo, desenho de Nogueira da Silva, gravura de Coelho Junior, 1859.
Imagem: Archivo Pittoresco, Hemeroteca Digital

E assim se foi caminhando, com tudo a ameaçar derrocada total. A irmandade da Assunção, para não deixar que a igreja se danificasse, fez restauros em 1897.

[...] reproduziremos uma noticia que vem avivar-nos a saudosa lembrança de Liberato Telles, ha pouco fallecido. 

Este distinctissimo conductor de obras publicas, ultimamente agraciado com a promoção ao honroso cargo de conductor principal, organizara uma monographia interessante, como outras que elle deu à estampa, ácerca do edificio e egreja do antigo convento de S Paulo, em Almada, cujas obras de restauração foram, durante bastante tempo, dirigidas por aquclle illustre e benemerito funccionario.

Esta memoria, porém, infelizmente ficou manuscripta, e foi pelo auctor offerecida e enderessada ao conselho superior dos monumentos nacionaes, acompanhada de um magnifico album contendo photographias das fachadas, planta e corte do edificio, onde repousam entre outras, as ossadas de fr. Francisco Foreiro, qualificador do Santo Officio, e confessar de D. Joäo lll, que alli falleceu em 1581, e de D. Alvaro Abranches da Camara, um dos mais valorosos campeões da independencia, em 1640, e heroe das luctas com os hollandezes no Brazil. 

Armas Abranches, segundo a lápide da sepultura da Igreja de São Paulo em Almada.
Imagem: TRAVESSA DOS CONJURADOS

O fallecido Liberato Telles, cujo dedicado amor pelas cousas nacionaes e pelos assumptos artisticos e archeologicos era bem conhecido, pedia que o antigo convento de S. Paulo, theatro do pungente drama da vida de fr. Luiz de Sousa, fosse considerado monumento nacional.

Este magestoso templo que se achava já bastante arruinado, está sendo actualmente reparado por um troço de operários sob a direcção do illustre conductòr de obras publicas, sr. Liberato Telles de Castro e Silva.

Estas reparações foram mandadas fazer pelo governo, para o que muito contribuiu o nosso amigo e conterrâneo sr. Antonio Dionizio Parada.

ver artigo relacionado:  Almada em 1897

Ainda ha pouco, um dos nossos mais illustres investigadores, que tantos e tão relevantes serviços tem prestado à historia da arte nacional, o sr. dr. Sousa Viterbo, chamara sobre este ediñcio antiquissimo as attenções dos estudiosos, na sua interessantisstma Memoria, publicada na collecção das Memorias da Academia Real das Sciencias, intitulada: D. Manuel de Sousa Coutinho (fr. Luiz de Sousa) e sua mulher D. Magdalena Tavares de Vilhena (op. de 60 pg. — 1902).

ver artigo relacionado:  Liberato Teles


Em 1913 está danificada grandemente, tendo sido as imagens atiradas pela ravina ou queimadas. Alguma coisa escapou, mas nada ficou incólume.

Popular "Tio" Resgate explicando a Bíblia no adro da egreja do extincto convento de S. Paulo em Almada, 1911.
Imagem: Illustração Portugueza, Hemeroteca Digital

Em 1934, o Patriarcado de Lisboa adquire a Quinta e o Convento, por intermédio do Cónego José Falcão, para instalação do Seminário Menor, sendo este inaugurado no ano seguinte, a 20 de Outubro de 1935, pelo então Patriarca D. Manuel Gonçalves Cerejeira, com 41 seminaristas.

O Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa D. Manuel Gonçalves Cerejeira ao inaugurar o novo seminário de S Paulo, 1935.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

O seu primeiro Reitor foi Monsenhor Francisco Félix, e o primeiro Vice-Reitor, o Padre António de Campos, mais tarde ordenado Bispo.

Por o espaço ser relativamente exíguo para o que se necessitava, logo em 1936 começam obras de ampliação, que foram terminadas e inauguradas em 1938.

Seminário de Almada, Pavilhão novo 01
Imagem: Delcampe, Oliveira

Cumpridas que foram, em 1960, as Bodas de Prata do Seminário, este preparava-se para atravessar o Concílio Vaticano II. No fim deste, em 1965, surgiu uma novidade: o Patriarcado de Lisboa iria criar três zonas pastorais — Santarém, Oeste e Setúbal — com vista à sua elevação a Diocese.

O Seminário de Almada ficou assim plenamente integrado na Zona pastoral de Setúbal.

Os acontecimentos, no entanto, não tomaram um rumo linear:

Seminário de Almada, Um dormitório
Imagem: Delcampe, Oliveira

nas conversações e nas reuniões havidas no seio da Conferência Episcopal Portuguesa sobre a criação e os limites das novas dioceses, o Cardeal Cerejeira opôs-se a que o Santuário do Cristo-Rei e o Seminário de Almada fossem integrados no território da nova Diocese de Setúbal. 

Seminário de Almada, Vista geral 01
Imagem: Delcampe, Oliveira

A votação então havida foi inconclusiva, com a diferença de um voto a separar os bispos secundantes desta opinião e os seus opositores, para quem tudo o que estava abaixo da linha do Tejo no território do Patriarcado devia fazer parte da nova Diocese de Setúbal.

Vista do Seminário de Almada, Mário Novais, 1946
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

E assim, a 16 de Outubro de 1975, pela Bula Studentes Nos, do Papa Paulo VI, era criada a Diocese de Setúbal, sem o Seminário de Almada e o Santuário de Cristo-Rei.

No entanto, mercê das insistências do Cónego João Alves, antigo Vice-Reitor do Seminário, que viria a ser Bispo de Coimbra e Presidente da Conferência Episcopal, a Bula trazia a clausula de que as duas instituições só ficariam em administração do Patriarcado "enquanto não se pode providenciar doutro modo". [...] (2)

O interior de um dos pátios do novo seminário de S. Paulo, 1935.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo


(1) Sabugosa, Conde de, Almada pelo conde de SabugosaSerões: revista mensal ilustrada, n° 2, Lisboa, 1905.
Fonte: Hemeroteca Digital 

(2) Seminário Maior de São Paulo.

Artigos relacionados: 
Manuel de Sousa Coutinho