quinta-feira, novembro 21, 2013

Em conversa: Blanca Li (2/2)



Continuamos a publicação de uma entrevista com a coreógrafa Blanca Li, que apresentou esta semana o espetáculo Robot! no CCB, como parte da programação do Lisbon & Estoril Film Festival. Esta entrevista serviu de base ao artigo ‘Podemos procurar a emoção nos gestos e sons de uma máquina?’, publicado na edição de 18 de novembro do DN.

Assinou a coreografia para o histórico teledisco ‘Around The World’, dos Daft Punk. Certamente não imaginava que se transformaria numa peça de referencia...
Quando o fizemos nem pensámos que ia ter aquele êxito. O trabalho correu muito bem, o conceito era divertido. Trabalhei com 20 bailarinos, com diferentes técnicas. Foi um trabalho feito pelo prazer, mas não imaginava que seria um êxito planetário.

Nesse caso já havia música antes da coreografia . Como acontece mais frequentemente? Assim, ou o inverso?
Depende. Quando é um teledisco o que surge em, primeiro é a música. Mas nos meus espetáculos geralmente começo pela coreografia,. E trabalho a música depois.

E como a procura?
Vou pensando a coreografia... Neste espetáculo estava a procurar a origem do movimento e os gestos do corpo, as articulações e as sensações com os bailarinos... Era a ideia do corpo antes de ser corpo, como se estivesse num útero e depois o nascimento. Dou as ideias ao compositor e ele compõe e propõe coisas. Tendo os instrumentos, neste caso as máquinas, cada um mostrava um som diferente. Uma cena fala da industria, da utilização das máquinas em tudo o que é industrial e o compositor surge com uma música muito industrial. 

O que procurou na música para um espetáculo em que o homem ia conviver com a máquina?
A música foi toda feita com as máquinas. Os músicos estão em cena (são máquinas), e tocam ao vivo. A música está programada e é enviada por computador, via midi. Cada instrumento tem a sua partitura, mas tudo é tocado ao vivo. Toda a música é tocada por máquinas. 

Antes da dança começou por fazer uma carreira na ginástica. Foi um ponto de partida?
Deu-me uma base de trabalho diferente, muita força física e muita força de vontade. Quando se é ginasta de alta competição aprende-se a trabalhar de uma maneira muito intensa.

E mais competitiva?
Mas a parte competitiva era precisamente o que menos gostava. Mudei-me justamente da ginástica para a dança porque não gostava desse lado competitivo. Gostava mais do lado criativo e na dança há mais liberdade para criar.

O que atraiu na ideia de apresentar um espetáculo de dança num festival de cinema?
Encanta-me porque trabalho muito em cinema. Há 20 anos que trabalho em cinema como coreógrafa e como realizadora. E como colaboradora de muitos realizadores. Apresentei aqui dois filmes sobre o meu trabalho como coreógrafa. Mas agrada-me o facto de, num festival de cinema, se abrir espaço a um espetáculo de um coreógrafo que está entre esses dois mundos. 

A dança está pouco presente no cinema atual?
Muitos realizadores têm medo da dança. Trabalho com muitos realizadores que receiam que a dança não veicule a história ou crie algo que é demasiado musical. Muitas vezes querem usar a dança mas têm medo que seja demasiado, que pare a história... Por vezes é difícil. Poucos assumem essa vontade de meter a dança num filme. Muitas vezes recorrem à dança para acompanhar uma cena de comédia. Estar numa discoteca.... Mas não deixam que a dança tome o espaço narrativo. Está ali mas não se vê muito, que o importante é o diálogo... O que gosto mesmo é quando um realizador me diz que quer uma cena de dança e a assume. Como o fez Pedro Almodóvar no seu último filme.