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sexta-feira, novembro 24, 2023

Godard
— todos os ecrãs do mundo

La Chinoise (1967):
“É preciso confrontar as ideias vagas com imagens claras”

Apresentada no âmbito do recente LEFFEST, a exposição de Fabrice Aragno sobre o universo cinematográfico de Jean-Luc Godard — “Éloge de l’Image - Le Livre d’Image”, até 2 de dezembro, na Trienal de Arquitectura (Palácio Sinel de Cordes, Campo de Santa Clara, próximo da zona da Feira da Ladra) — leva-nos a revisitar os momentos mais emblemáticos da sua filmografia, perguntando: o que é isso de ver o mundo através de um ecrã? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (6 novembro).

Um dos aspectos mais fascinantes da exposição “Éloge de l’Image - le Livre d’Image” decorre do facto de os seus ecos, directos ou simbólicos, ultrapassarem (e muito!) a referência ao filme que a inspira: O Livro de Imagem (2018), essa obra terminal de alguém que sempre questionou o modo como, do cinema à publicidade, passando pela televisão, nos relacionamos com as imagens. Num resumo esquemático, eventualmente sugestivo, podemos mesmo dizer que Jean-Luc Godard nos deixou um legado através do qual não nos limitamos a identificar o que está numa imagem. Porquê? Sabemos que, face a essa imagem, tudo em nós se transfigura — pensamentos, emoções, relações com os outros.
Numa parede da casa em que se passa o essencial do filme La Chinoise (1967), Godard escreveu esta frase que, muito mais do que um preceito cinematográfico, pode ser entendida como um princípio de vida: “É preciso confrontar as ideias vagas com imagens claras.” Tendo em conta que esse é um filme tradicionalmente apontado como exemplar do seu “período político”, vale a pena acrescentar que tal classificação só peca por defeito. Isto porque não há nada mais político do que olhar o mundo e transfigurá-lo em imagens — a noção de que, todos os dias, as televisões se limitam a “reproduzir” o mundo é mesmo um caso extremo de distração ou ingenuidade.
Lembremos, por isso, as cenas de O Desprezo (1963) em que as personagens interpretadas por Brigitte Bardot, Michel Piccoli e Fritz Lang assistem à projecção de extractos do filme que estão a rodar. Ou o pioneirismo de Número Dois (1975), expondo o modo como as mensagens televisivas passaram a integrar de forma visceral a nossa percepção do mundo, nessa medida afectando também a nossa identidade. Ou a rodagem de um filme dentro do filme, em Paixão (1982), tendo como inspiração várias obras-primas da história da pintura, incluindo A Ronda da Noite, de Rembrandt. Ou ainda o poético jogo de espelhos de que se faz o autobiográfico J.L.G. por J.L.G. (1994), celebrando a vida, pressentindo a irrisão da morte.
Que liga todos esses momentos? Pois bem, a certeza de que o mundo é palco de um jogo infinito de ecrãs em que algumas vezes podemos descobrir o que somos, noutras assumimos máscaras que podem ter tanto de revelação como de impostura. Por alguma razão, Godard sempre se interessou pelas linguagens televisivas e pelo modo como a sua espectacular proliferação mudou as sociedades. Não por qualquer processo de demonização — afinal de contas, desde a sua fase “política”, ele trabalhou frequentemente para televisão. Antes porque algumas componentes do espaço televisivo podem banalizar e esquematizar as próprias relações humanas, incluindo a dimensão política dessas relações. Ou como ele disse uma vez: quando um filme se estreia numa sala, apesar de tudo temos a certeza que os respectivos espectadores tomaram a decisão de o ver — quando passa na televisão, “não sei para onde vai”.

quarta-feira, outubro 19, 2022

Rembrandt, aqui e agora

Autorretrato com Boina e Duas Correntes (c. 1640) é um dos tesouros do Museo Thyssen-Bornemisza (Madrid) que esteve recentemente exposto em Lisboa, no Museu Calouste Gulbenkian (29 abril/12 setembro). Para lá da excelência do objecto, assim se inaugurou um programa intitulado 'Obra Visitante'.
A designação envolve um movimento dialéctico: por um lado, trata-se de dar a ver obras emblemáticas de "museus de todo o mundo"; por outro lado, a exposição dessas obras está longe de ser meramente "decorativa", já que se procura estabelecer um "diálogo" com outras obras que integram a Coleção Gulbenkian — neste caso, as duas pinturas de Rembrandt compradas por Calouste Gulbenkian: Figura de Ancião e Palas Atena.
Figura de Ancião
(1645)
Palas Atena
(c. 1657)

Memória essencial desta "visita" é o catálogo editado pela Gulbenkian, com um ensaio assinado por Luísa Sampaio — aí encontramos uma memória histórica do pintor e do seu trabalho e, muito em particular, uma fascinante reflexão sobre a abundância de autorretratos pintados por Rembrandt.
Como é que esse património nos toca, aqui e agora? Cito algumas palavras do referido ensaio: "Parece consensual que o artista, tal como os seus contemporâneos amantes de pintura, terá tido plena consciência do seu papel na história da arte, colocando-se a par dos grandes mestres do Renascimento, o que explica a motivação adicional de fazer chegar ao mercado, por um lado, a sua pintura e, em simultâneo, a imagem do seu autor."
Ou ainda: o tempo que as imagens transportam refaz-se no nosso presente, relativizando todas as durações da história e, nessa medida, refazendo o nosso olhar sobre o presente — ou, talvez, o presente do nosso olhar.

sexta-feira, maio 21, 2021

Catarina Patrício
— imagens de imagens

Neon modernity
2019

Extra-terrestres de visita a uma moradia hitchcockiana? Exactamente.
Mas não como especulação futurista. Estamos perante uma expressão, por certo irónica, mas de perturbante dramatismo, da nossa condição de voyeurs — não de cenas susceptíveis de gerar imagens mais ou menos marginais às regras do decoro social, mas das próprias imagens. A nossa duvidosa glória é essa: o real passou a ser uma utopia pagã, concretizada e habitada como festiva saturação de imagens.
É essa tragédia existencial que Catarina Patrício expõe — e, num certo sentido, decompõe — num pequeno e fascinante conjunto de obras agora expostas na Galeria São Mamede. A saber: não se trata tanto de coleccionar citações (opção banal no interior da nossa promiscuidade iconográfica), mas mais de desafiar a imagem a denunciar a sua própria condição de logro realista.
Paradoxal? Sim, claro, ou não fosse o nosso século XXI a idade do espectáculo como histeria consumista. Aqui, apesar de tudo, podemos experimentar alguns momentos de quietude e pensar um pensamento anterior à desumana proliferação de imagens.

Rabit pill
2020


terça-feira, maio 18, 2021

Drácula, Frankenstein
e a essência da percepção

O trabalho de Noronha da Costa tenta ver
"o que se esconde no fundo" da pintura

Várias obras de Noronha da Costa estão disponíveis numa “exposição virtual”: um belo reencontro com o trabalho de um pintor que amava o cinema — este texto foi publicado no Diário de Notícias (11 abril).

Percorrendo o Instagram, descubro que há uma exposição de obras de Luís Noronha da Costa (1942-2020) na galeria Artview, em Lisboa. Ironia dos tempos: trata-se, de facto, de uma iniciativa daquela galeria, mas o lugar em que acontece é outro. Em boa verdade, de acordo com a geografia cultural de que somos herdeiros, já não é um lugar, mas um dispositivo. Ou seja: “Imagens projectadas” (assim se intitula a iniciativa) é uma “exposição virtual” concebida com o objectivo de “proporcionar encontros visuais e conceptuais com o público mais vasto”.
A novidade é relativa, claro. Muita instituições e artistas contemporâneos têm utilizado os recursos da internet para elaborar exposições que “repetem” outras realizadas em espaços tradicionais ou, por vezes, existem apenas como evento virtual — o fotógrafo holandês Erwin Olaf pode ser um bom exemplo.
Jean-Luc Godard
O visitante tem uma “porta” de entrada através da qual acede ao espaço da exposição. Pode, neste caso, escolher uma de duas opções: ir descobrindo à sua vontade as obras expostas, ou aceitar uma “visita guiada”. Tudo muito simples e austero, com informações complementares sobre as características das obras. Atrevo-me a pensar que Noronha da Costa gostaria de saber que os seus trabalhos podem, agora, ser conhecidos através de uma exposição deste teor. Isto porque a sua “concretização” envolve um estimulante paradoxo.
Assim, por um lado, a sua pintura nunca desistiu de uma dimensão factual (ia a escrever monumental…) que faz com que cada quadro exista como um acontecimento capaz de desafiar o nosso olhar e as regras do espaço em que se dá a ver. Alguns espectadores recordar-se-ão, por exemplo, da belíssima pintura colocada no pequeno átrio do cinema Londres, em Lisboa… São memórias, também virtuais, de um genuíno amor pelas imagens, triste e impotente face ao “progresso” urbano que menospreza a cinefilia.
Ao mesmo tempo, por outro lado, o universo figurativo de Noronha da Costa envolve uma discussão, de uma só vez filosófica e sensual, sobre essa tarefa ancestral que consiste em representar o mundo através de um ecrã — do seu misto de evidência e transcendência. Creio mesmo que ele aceitaria estabelecer alguma relação entre o quadro como enquadramento (passe a redundância) e o rectângulo onde descobrimos um filme.
Terence Fisher
Será preciso recordar que ele foi um pintor/cineasta? E não apenas porque realizou filmes — recordo o exemplo emblemático de O Construtor de Anjos (1978). Também porque Noronha da Costa era um espectador & pensador do cinema, apaixonado pela obra de Jean-Luc Godard, especialmente fascinado pelo mestre do cinema de terror inglês, Terence Fisher. Recordo os momentos de convivência com ele, na Cinemateca, e o seu entusiasmo pelo trabalho de Fisher. Num resumo naturalmente discutível, diria que, para Noronha da Costa, os filmes de Fisher — a começar pelas suas variações sobre a mitologia de Drácula e Frankenstein — alimentavam-se da suprema contradição estética: a evidência física gerada pelos meios de registo e reprodução do cinema atrai a paixão pela dimensão invisível do factor humano.
Na entrada (virtual, claro) da exposição da Artview surge uma frase de Noronha da Costa que nos pode ajudar a pressentir a energia, não apenas artística, mas visceralmente política, da sua visão. Diz ele: “É como se eu entrasse dentro da matéria da pintura para ver o que se esconde no fundo. A partir daí, a partir do momento em que essa busca pela essência da percepção se torna o tema fundamental da minha obra, o que é representado é pouco importante.”
Escusado será sublinhar que este misto de obstinação e pudor está longe de ser popular nos nossos dias de muitos assombramentos. A cultura dominante das imagens e para as imagens vive — e faz-nos viver — a partir na noção pueril segundo a qual ver é apenas confirmar o mundo (se corresponder aos valores de quem vê) ou negar a sua complexidade (se tais valores não forem satisfeitos). Noronha da Costa convoca-nos para a aceitação dos limites do nosso olhar — a sua humildade é, continua a ser, revolucionária.

domingo, julho 22, 2018

Com Joaquim Sapinho, na Gulbenkian

JEAN-HONORÉ FRAGONARD
A Ilha do Amor
c. 1770
Chegamos ao fim do circuito da exposição sobre a colecção de Calouste Gulbenkian e deparamos com esta maravilha de Fragonard, uma ilha do amor (ou "de" amor, segundo o original L'Île d'Amour) que nos faz ver o espaço como uma entidade impossível de reproduzir. O espaço? Sim, é disso que se trata.
O espaço impõe-se, assim, como algo que vemos como um tempo — o tempo de contemplação do quadro, antes do mais —, levando-nos a reconhecer que a nitidez das formas (a água, a verdura, etc.) é também um método de discussão de qualquer sistema formal. Afinal de contas, não é impunemente que se evoca o paraíso — ficamos sempre aquém, mesmo se o gesto artístico se coloca algures, além.
Ainda assim, a ilha de Fragonard não será o fim "final" da exposição. Podemos mesmo percorrê-la através de uma calendarização sensual em que a data de identificação de cada obra tende a ser uma alínea enigmática da pluralidade do presente em que somos espectadores.
Dito de outro modo: na sua qualidade de convidado de Verão da Fundação Gulbenkian, Joaquim Sapinho trabalhou a partir de um princípio tão linear quanto radical. A saber: nunca expomos o passado, antes reconvertemos os padrões do tempo que, de modo mais ou menos consciente, fazem de nós herdeiros de lotes e lotes de objectos incrustados entre o rigor das catalogações e a maravilha primordial do indizível.
Daí que esta exposição/viagem tenha qualquer coisa on the road, a partir de um (novo) mapa em que os objectos até agora invisíveis do cidadão Gulbenkian dialogam, lado a lado, literalmente, com as mais diversas peças da colecção de arte moderna da Fundação.
Trabalho de montagem, sem dúvida, ou não fosse Sapinho um cineasta que sabe o valor da ligação de uma imagem a outra imagem, corrigindo a soma tradicional 1+1=2, gerando um terceiro termo, surpreendente e sensorial, da mais pura fruição, antes do prazer de qualquer fixação teórica — porventura um pouco à maneira de Roland Barthes que, ao olhar para a coroação do czar em Eisenstein, superava evidências ou conotações, doando-nos as pulsações do bem chamado terceiro sentido, conduzindo-nos da presença da imagem à radicalidade imponderável do fotograma.
Daí também a agilidade com que pintura e escultura, malas de viagem e outros objectos pessoais, reaparecem neste contexto, alertando-nos para a existência multifacetada da história, dos seus muitos gestos, rostos e silêncios — incluindo os nossos. Como diz Sapinho, neste breve e didáctico video, o resto só vendo a exposição.

quinta-feira, julho 20, 2017

"Uma imagem solidária" [apresentação]

"Uma imagem solidária" — EUNICE LOPES
"Uma imagem solidária" — ANTÓNIO AZEVEDO
"Uma imagem solidária" — ANDRÉ KOSTERS
A convite da organização da exposição "Uma imagem solidária", destinada a angariar fundos para os bombeiros que combateram o incêndio de Pedrógão Grande, participei na respectiva apresentação — aqui fica o texto que li na sessão realizada na Fundação Portuguesa das Comunicações.

Há pouco mais de um mês, quando deflagrou o incêndio de Pedrógão Grande, o nosso conhecimento da tragédia passou, inevitavelmente, pelas imagens, sobretudo as imagens televisivas.

Inevitavelmente e, eu diria, naturalmente. Porquê? Porque as imagens constituem, hoje em dia, elementos naturalizados do nosso quotidiano. A esse propósito, muitos de nós gostam de lembrar o aforismo que nos garante que “uma imagem vale mais que mil palavras”.

E aqui peço licença para introduzir uma pequena nota dissonante. Espero mesmo que ninguém leve a mal o meu desencanto face a essa ideia segundo a qual as palavras podem ser sempre substituídas pelas imagens.

Quanto mais não seja porque acredito que há paradoxos que nos ajudam a pensar, faço questão em contrapor que há muitas situações em que uma palavra, uma palavra justa, uma palavra ponderada, pode valer tanto ou mais que mil imagens.

Apesar disso — ou melhor, precisamente, por causa disso — importa ver, contemplar e celebrar estas imagens que hoje, aqui, nos reúnem.

São imagens que enriquecem o nosso olhar. São imagens solidárias, como recorda o título da exposição, porque, justamente, existem para nos ajudar a lidar com o mundo à nossa volta — a sua pluralidade, o seu fascínio, as suas apoteoses e também as suas contradições.

Nesse sentido, e sem querer simplificar as potencialidades informativas e o valor social que as imagens televisivas podem envolver, creio que vale a pena lembrarmos aquilo que é, afinal, o poder mais ancestral da fotografia.

Será mesmo uma evidência rudimentar mas, na minha perspectiva, essencial: a fotografia sabe fixar o movimento do mundo, ajuda-nos a lidar com esse movimento, promovendo o instante, o fugaz instante, à condição de eternidade.

Os fotógrafos que contribuíram para esta exposição fazem-no, assim, através de dois princípios fundamentais:

— primeiro, manifestando a sua proximidade afectiva e o seu compromisso social com os bombeiros que combateram o fogo de Pedrógão Grande.

— depois, reiterando o conceito mais nobre do seu trabalho — a saber: cada uma das suas fotografias existe para que o nosso olhar descubra e redescubra o mundo na sua diversidade; essa é, afinal, uma forma profissional, artística e humana de ser solidário.

J. L.

quarta-feira, julho 19, 2017

"Uma imagem solidária" [exposição]

É hoje inaugurada, às 18h00, na Fundação Portuguesa das Comunicações, a exposição de fotografias 'Imagem Solidária'. Trata-se de uma iniciativa que, através de trabalhos de duas centenas de fotógrafos, se propõe angariar fundos para os bombeiros que combateram o incêndio de Pedrógão Grande — cada imagem poderá ser adquirida por um valor mínimo de 20€.
Eis o texto oficial de divulgação do evento:

O incêndio de Pedrógrão Grande é uma das maiores tragédias já vividas em Portugal, onde 64 pessoas perderam a vida. Entre elas, um bombeiro da corporação de Castanheira de Pera.

Os bombeiros são verdadeiros heróis e muitos dão a vida para tentar salvar as nossas. A solidariedade é incapaz de devolver vidas mas pode ajudar os bombeiros a terem melhores condições quando vão para o terreno.

Com este objetivo, cerca de 200 profissionais da fotografia uniram-se numa iniciativa única. Cada um doou uma foto, que irá compor “uma floresta de imagens” em exposição na Fundação Portuguesa das Comunicações, em Lisboa. O público em geral terá a oportunidade de contribuir com um donativo que será entregue à corporação de Castanheira de Pera, pois era a este quartel que pertencia o bombeiro Gonçalo Conceição Correia. Este herói deu a vida a lutar pelas vidas dos outros.

Por cada doação pode ficar com uma fotografia de um dos fotojornalistas e fotógrafos que integram esta iniciativa.

A dimensão deste evento, inaugurado dia 19 de julho, pelas 18 horas, na Fundação Portuguesa das Comunicações, irá depender também da solidariedade e da presença dos cidadãos em geral.

Contamos com a sua presença neste evento que visa homenagear os bombeiros portugueses e angariar uma verba que será da dimensão da solidariedade de cada um.

O evento conta com o apoio da Fundação Portuguesa das Comunicação, da Colorfoto e da Evento Gourmet. Visite a exposição e apoie também esta causa.

segunda-feira, junho 26, 2017

Eduardo Brito — fotografia & video

O trabalho 'Revisão', de Eduardo Brito, foi revelado numa exposição no Museu do Douro e também através de um livro homónimo — experiência fascinante em que as fotografias aproximam e, de alguma maneira, fundem o impulso realista e a verdade fantasmática.
Em qualquer caso, a dialéctica interior desse trabalho não fica completa sem o conhecimento do pequeno video que integrava a exposição. Chama-se Where's your Memory? e, tal como o título sugere, questiona o modo como as matérias do passado se configuram e, de alguma maneira, reinventam nas linguagens do presente — através de uma voz off capaz de inventar um lugar radical, dir-se-ia liberto da inexorabilidade do tempo.


Where's Your Memory? from Eduardo Brito on Vimeo.

sábado, junho 17, 2017

Eduardo Brito — o resgate fotográfico

O trabalho visual de Eduardo Brito pode, talvez, resumir-se através de um paradoxo: ao filmar, o desejo de ficção apela a uma depurada contemplação fotográfica (lembremos o exemplo modelar de Penúmbria); ao fotografar, as imagens, pervertendo a sua austera quietude, surgem animadas de um movimento que, mesmo quando apela à abstracção, nos remete para a deambulação cinematográfica  — entenda-se: física — de um olhar. Assim volta a acontecer em 'Revisão', título de uma exposição que esteve patente no Museu do Douro e que, agora, existe também num fascinante livrinho de poucas dezenas de páginas.
Sempre seduzido por essas paisagens narrativas em que o artifício máximo da ficção coexiste com a verdade irredutível do gesto, Eduardo Brito situa a sua 'Revisão' a partir de um frase de Theo Angelopoulos e Tonino Guerra: "No princípio Deus criou a viagem, depois a dúvida e por fim a nostalgia". Assim, através de um projecto cujas ambivalências competirá a cada espectador avaliar, a ideia de revisão instala-se através de uma metódica duplicidade. A saber: como se passa das paisagens do Douro para as Badlands do Dakota do Sul, EUA?


Podemos dizer que identificamos, aqui, a vontade documentarista mais primitiva, isto é, mais ligada ao primordial desejo fotográfico/cinematográfico de dar a ver. Ao mesmo tempo, esse efeito de "reportagem" (que, em qualquer caso, o trabalho não renega) vai-se diluindo naquilo que talvez possamos designar como a instabilidade de qualquer mapa — geográfico ou mental. No limite, as fotografias de Eduardo Brito não "reproduzem" o real (estamos muito longe dessa patética ingenuidade televisiva), antes o resgatam de qualquer prisão descritiva.
Há ainda outra maneira de dizer isto: cada fotografia pressente um lugar outro através do lugar que dá a ver. Não serão necessárias referências, muito menos cauções, mas tal dialéctica está profundamente ligada ao imaginário made in USA através do trabalho de gente tão diversa como Ansel Adams ou Wim Wenders. Como se o fotógrafo soubesse que as suas imagens também o transfiguram, refazendo a sua identidade como fantasma do seu próprio desejo.
De tal modo que ao espectador é doada a possibilidade de se imaginar personagem da viagem que as fotografias evocam — um exercício de luminosa liberdade, enfim.

quinta-feira, junho 08, 2017

"Rolling Stone", 50 anos

John Lennon no filme How I Won the War (1967), de Richard Lester, era a imagem em destaque na capa do primeiro número da Rolling Stone, publicado a 9 de Novembro de 1967. As celebrações dos 50 anos da revista fundada por Jann Wenner e Ralph J. Gleason incluem uma exposição patente no Rock and Roll Hall of Fame Museum, em Cleveland, Ohio. Aí é possível observar, por exemplo, a evolução dos gravadores de som ao longo das últimas cinco décadas — uma viagem que tem tanto de nostalgia como de fresco histórico e cultural.

terça-feira, março 21, 2017

Dois cineastas no MAAT

Cinema conjugado em forma de exposição, ou a saga contemporânea dos ecrãs: este texto foi publicado no Diário de Notícias (19 Março), com o título 'Dois cineastas resistentes'.

Apichatpong Weerasethakul e Joaquim Sapinho. Um tailandês, um português. Dois cineastas uniram-se para criar a exposição “Liquid Skin”, patente na Sala das Caldeiras do Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT), até 24 de Abril. Aliás, a simples designação de “exposição” é discutível, no sentido em que o fascínio da arte passa sempre pela capacidade de desafiar as regras comuns da nossa percepção.
O aproveitamento da imponente estrutura das caldeiras, seus recantos, escadas e tubagens expressionistas, apela à noção de “instalação”, embora transcendendo-a. Mas os materiais específicos da exposição são, em última instância, de natureza cinematográfica. Dito de outro modo: os cineastas arquitectaram uma cena audiovisual (e a palavra cena deve ser pronunciada com todo o seu sabor teatral) em que fragmentos de filmes desenham um mapa de singular intimidade.
São filmes, de facto, eminentemente pessoais (no caso de Sapinho, há mesmo imagens de um projecto em desenvolvimento sobre memórias da sua família). São filmes que se oferecem ao visitante/espectador como capítulo incompletos de um ensaio sobre a própria dificuldade, de uma só vez logística e poética, de dar a ver o que pertence aos domínios mais pudicos do viver em comum.
Tudo isto envolve um calculado modo de expor, numa dramaturgia de contagiantes paradoxos. Assim, as imagens de Sapinho combinam a sensação de privacidade com o minimalismo das dimensões, projectando-se nas próprias matérias metálicas do cenário; por sua vez, Apichatpong faz-nos sentir mais pequenos que as próprias imagens, reforçando a pergunta que circula por todo aquele espaço de mágica transparência: o que é ser (continuar a ser) um espectador?
A pergunta não pode ser reduzida a um mero questionamento interior. Importa mesmo lidar com a sua raiz mais funda — entenda-se: social —, por certo para além de qualquer perfil histórico ou psicológico do próprio espectador. Dito de outro modo: “Liquid Skin” é também produto deste tempo de delirante proliferação de imagens. O ecrã deixou de ser a marca sagrada do cinema. Para mal dos nossos pecados, desde os omnipresentes telemóveis até às fachadas dos edifícios, tudo pode ser ecrã.
Apichatpong e Sapinho colocam-se numa posição de resistência. A saber: se tudo pode ser ecrã, então cada um de nós deve obrigar-se a não desvalorizar a singularidade do seu olhar, a verdade do seu corpo. São resistentes em nome da arte? Talvez. Acontece que esta é também uma forma nobre de fazer política.

sexta-feira, novembro 04, 2016

Marilyn — memórias fotográficas (4/4)

Uma exposição em França, numa instituição de Aix-en-Provence, refaz a história de Marilyn Monroe através de algumas das suas mais emblemáticas fotografias — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 Outubro), com o título 'A arte de fazer pose segundo Marilyn'.

[ 1 ]  [ 2 ]  [ 3 ]

Foi no Verão de 1957 que Marilyn e Arthur Miller compraram uma casa em Roxbury, Connecticut, onde o dramaturgo já tinha vivido com a sua primeira mulher (Mary Slaterry); Miller trabalhava numa primeira versão de The Misfits/Os Inadaptados, que John Huston viria a filmar cerca de dois anos mais tarde (com Marilyn, Clark Gable e Montgomery Clift). Sam Shaw foi testemunha privilegiada dessa época, tendo-nos deixado uma série de fotografias protagonizadas por uma Marilyn radiosa, sob uma luz de envolvente sensualidade, obtidas na praia de Amagansett.
Se consultarmos as notas escritas por Marilyn no mesmo período, coligidas no livro Fragments (Harper Collins, 2010), deparamos com um misto de tristeza e desespero que contrasta com a felicidade que vemos, ou julgamos ver, nas imagens de Shaw. Há mesmo uma breve reflexão sobre a possibilidade de uma relação humana (com o título “re-relationships”). Salvaguardadas as nuances do original, eis uma tradução possível: “A infância seja de quem for é um factor de ruptura. Não admira que ninguém conheça o outro ou possa compreendê-lo por completo. Ao dizer isto, não sei se estou apenas a desistir através desta conclusão ou a resignar-me — ou talvez, pela primeira vez, a relacionar-me com a realidade.”
São palavras que não desmentem a verdade que (também) está nas fotografias, apenas apontam os seus limites. É esse, afinal, um desafio muito dos nossos dias com que deparamos ao revisitar o universo de Marilyn Monroe. A saber: a imagem não faz o pleno de nada nem de ninguém, nem mesmo da mais exuberante estrela de cinema.
Quando encontramos as palavras que ela realmente escreveu, compreendemos que isso nos aproxima ainda mais da sua identidade, de alguma maneira preservando o seu mistério. Muitas dessas palavras estão escritas a lápis, em folhas de papel com sinais de terem sido arrancadas a algum bloco — como se em tão frágeis materiais ela própria tentasse escapar à eternidade em que a encenamos.

segunda-feira, outubro 31, 2016

Marilyn — memórias fotográficas (3/4)


Uma exposição em França, numa instituição de Aix-en-Provence, refaz a história de Marilyn Monroe através de algumas das suas mais emblemáticas fotografias — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 Outubro), com o título 'A arte de fazer pose segundo Marilyn'.

[ 1 ]  [ 2 ]

Nascido na Transilvânia, no então império austro-húngaro, [Andre de] Dienes fixara-se em Los Angeles na década de 1930. Quando conheceu Norma Jeane em 1945 — ele com 32 anos, ela com 19 —, fotografou-a ao longo de uma viagem de milhares de quilómetros através dos estados de Califórnia, Arizona, Nevada e Oregon, com um resultado paradoxal: o portfolio corresponde ao bloco-notas de uma história de amor e também ao nascimento de uma “pin-up”. Afinal de contas, a própria Marilyn nunca escondeu que as suas poses iniciais, para revistas e calendários, corresponderam a uma muito básica forma de sobrevivência.
Entre as imagens desse período, o lendário nu assinado por Tom Kelley em 1949 entraria na mitologia erótica da década seguinte, ao ser publicado, em Dezembro de 1953, na primeira edição da revista Playboy. Grandes mestres do século XX estão, obviamente, representados, incluindo Cecil Beaton (1904-1980), Philippe Halsman (1906-1979) e Milton Greene (1922-1985), este último o que mais a fotografou no período de maior glória em que protagonizou filmes como Niagara (Henry Hathaway, 1953), Os Homens Preferem as Louras (Howard Hawks, 1953), Rio Sem Regresso (Otto Preminger, 1954), o já citado O Pecado Mora ao Lado e Paragem de Autocarro (Joshua Logan, 1956).
Em qualquer caso, talvez só o muito pouco lembrado Ed Feingersh (1925-1961) se tenha aproximado da sensação de intimismo e cumplicidade que encontramos nas fotografias assinadas por Sam Shaw ou Andre de Dienes. Foi o próprio Milton Greene que lhe propôs a tarefa de retratar os bastidores de trabalho de Marilyn. Feingersh apenas a acompanhou durante uma semana (de 24 a 30 de Março de 1955), mas o seu portfolio sabe dar a ver tanto o elaborado aparato dos ensaios quanto a vulnerabilidade de uma “mulher como as outras”, na altura a viver de forma discreta no Ambassador Hotel, por vezes deambulando, incógnita, pelas ruas de Manhattan.
Como se escreve no texto de apresentação da exposição de Aix-en-Provence, a relação de Marilyn com a fotografia enraíza-se num tempo anterior à entrada no universo de Hollywood: “Desde muito jovem, devorava as revistas de cinema e as suas imagens idealizadas, despertando-a para o interesse pela fotografia. Ao começar como modelo e ‘pin-up’, rapidamente se apercebeu de como a imagem seria importante no lançamento da sua carreira no cinema.”
Resta não esquecer que o título da exposição, “I Wanna Be Loved By You” (à letra: “quero ser amada por ti”) é o verso de abertura, e também o título, de uma canção que Marilyn canta nessa obra-prima da comédia clássica que é Some Like it Hot/Quanto Mais Quente Melhor (1959), de Billy Wilder. No refrão, ela acrescenta alguns sons plenos de promessas: “Boob-boop-a-doop!”... [video] Há coisas que, de facto, importa não tentar explicar.


[continua]

sábado, outubro 29, 2016

Marilyn — memórias fotográficas (2/4)

FOTO: Sam Shaw, 1954
Uma exposição em França, numa instituição de Aix-en-Provence, refaz a história de Marilyn Monroe através de algumas das suas mais emblemáticas fotografias — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 Outubro), com o título 'A arte de fazer pose segundo Marilyn'.

[ 1 ]

Por onde começar? Talvez por uma daquelas imagens que todos identificam como um ícone, mesmo quando não conhecem o filme a que pertence: Marilyn está numa rua de Nova Iorque, fazendo pose sobre uma grelha do metropolitano; o ar que vem das entranhas da terra (a metáfora é irresistível) levanta-lhe o vestido, reagindo ela com a alegria ambígua de uma menina que não sabe se está a confirmar as nobres exigências do pudor ou a testar o seu potencial de sedução.
Deixemos a resolução do enigma para os espectadores de pensamento mais arrumado. Lembremos apenas que se trata de uma cena do filme The Seven Year Itch (1955), do mestre Billy Wilder, comédia pouco ortodoxa sobre a atribulada convivência de um homem casado, interpretado por Tom Ewell, com a vizinha do lado (Marilyn) — entre nós, para evitar confusões, chamaram-lhe O Pecado Mora ao Lado. A fotografia é, ela própria, um sugestivo mapa mitológico: Marilyn está a ser didacticamente observada por Ewell, mas a metade direita da imagem surge ocupada por um batalhão de figuras (técnicos e mirones) que definem o próprio poder do evento cinematográfico. A saber: ocupar a banalidade do quotidiano e, através da presença de uma star, transformar a evidência realista em matéria de lenda.
Quem assina a imagem do vestido ondulante é Sam Shaw (1912-1999), fotógrafo de uma sensualidade à flor da pele que alguns espectadores portugueses recordarão com especial emoção: em 1992, a convite de Mário Ventura e Salvato Telles de Menezes, foi uma presença fascinante e inesquecível no Festival de Tróia (entretanto, há cerca de um ano, a sua obra foi evocada numa exposição organizada pela Fundação D. Luís, no Centro Cultural de Cascais).
Shaw, que também foi produtor de filmes do seu amigo John Cassavetes, deixou um legado muito rico e original, em particular através do modo como fotografou Marilyn e Marlon Brando, o próprio Cassavetes e a sua mulher Gena Rowlands. Numa altura em que as imagens de actores e actrizes eram ainda rigorosamente controladas e difundidas pelos grandes estúdios (assim impunha a lógica do bem chamado star system), Shaw privilegiava as situações de luz natural, os gestos espontâneos, a ausência de maquilhagem. São especialmente tocantes as fotografias que obteve ao longo de um período de férias no Verão de 1957, em Amagansett (Nova Iorque), passadas na companhia de Marilyn e do então seu marido Arthur Miller — registado por Shaw, o riso de Marilyn envolve uma candura radical, como se os artifícios da pose tivessem dado lugar a uma entrega sem mágoa, vislumbrando-se a verdade mais íntima da esquecida Norma Jeane.
O arco temporal da exposição corresponde a uma saga de impecável dramaturgia: revelação, ascensão, apoteose e ocaso. Tudo começa com as primeiras fotografias assinadas por Andre de Dienes (1913-1985), para se concluir com a célebre “sessão final” que Bert Stern (1929-2013) registou um mês antes da morte de Marilyn (The Last Sitting, de acordo com o título do livro de 1982 que organizou a respectiva memória).
FOTO: Sam Shaw, 1957
[continua]

quinta-feira, outubro 27, 2016

Marilyn — memórias fotográficas (1/4)

FOTO: Milton Greene, 1954
Uma exposição em França, numa instituição de Aix-en-Provence, refaz a história de Marilyn Monroe através de algumas das suas mais emblemáticas fotografias — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 Outubro), com o título 'A arte de fazer pose segundo Marilyn'.

Será que ainda há fotografias inéditas de Marilyn Monroe? A pergunta envolve esse assombramento amargo e doce que associamos à memória trágica de algumas estrelas de cinema. Dir-se-ia que o nosso egoísmo visual favorece a ilusão de que o aparecimento de imagens desconhecidas é um evento mágico que corresponde a uma perversa forma de resgate: cada imagem acrescentada à mitologia relança a sua energia simbólica, afastando a certeza irreversível da morte.
Em todo o caso, sejamos práticos, ou melhor, realistas. Vale a pena repensar o assunto de modo menos crispado e celebrar as imagens, todas as imagens, que já conhecemos. Porque, afinal, o seu poder é tão ancestral quanto o dos bichos desenhados pelos homens das cavernas — cada uma dessas imagens regressa sempre igual, sempre diferente, como se o nosso extasiado olhar fosse o guardião de um saber cristalizado para todas as eternidades.
Assim se apresenta a exposição dedicada a Marilyn que, a partir de hoje [22 Out.] (até 1 de Maio de 2017), está disponível em Aix-en-Provence, no sul de França, a cerca de 150 km de Cannes. Quem a propõe é o Hotel de Caumont/Centre d’Art, instituição gerida pela Fondation Culturespaces que tem também a seu cargo, entre outros espaços culturais, o Museu Maillol de Paris e o Théatre Antique em Orange. O título contém uma demanda de amor — “Marilyn: I Wanna Be Loved By You” —, definindo também uma lógica informativa e didáctica: trata-se de dar a ver a trajectória dessa mulher que nasceu com o nome de Norma Jeane Mortenson (1926-1962) através dos olhares de alguns fotógrafos de eleição.

>>> Trailer da exposição de Aix-en-Provence.


[continua]

terça-feira, agosto 09, 2016

June Newton, aliás, Alice Springs

Convém corrigir o cliché: por detrás de um grande fotógrafo está sempre... uma grande fotógrafa. June Newton (n. 1923), mulher de Helmut Newton (1920-2004) fotografou o seu marido no trabalho e, mais do que isso, é autora de uma obra de invulgar coerência, a meio caminho entre o realismo da reportagem e as mais subtis derivações poéticas, sempre com especial paixão pelo retrato individual — nome de guerra: Alice Aprings. Tendo com base a retrospectiva que a Maison Européenne de la Photographie (Paris) lhe dedicou em 2005, a editora Taschen publicou agora o álbum The Paris MEP Show — entretanto, a exposição dos respectivos materiais está na Fundação Helmut Newton (Berlim).

sábado, abril 02, 2016

Quando a câmara fixa a performance

Erwin Wurm
Untitled (Claudia Schiffer series) 2009

Pose ou performance? Tal como a mostra dedicada em 2013 pelo Victoria & Albert Museum a David Bowie não respondia à frase incompleta lançada quando se entrava no espaço expositivo e lia “David Bowie Is...”, também não é objetivo de Performing For The Camera, patente na Tate Modern até 12 de junho, o explicitar desta dúvida. Até porque as fronteiras entre o que é pose e performance podem nem existir. E a proposta daquele conjunto de 14 salas, onde estão expostos trabalhos de 50 fotógrafos, é mais a de observar as relações possíveis entre a câmara e o ato performativo, seja essa uma ideia expressamente criada para ser fotografada ou representando o fotógrafo um veículo documental para o que observa perante uma performance.

A exposição está organizada em sete núcleos, o primeiro representando o esforço documentarista do fotógrafo perante performances de facto, organizadas por artistas entre galerias de arte ou o espaço público. São aqui protagonistas nas imagens as figuras de Yves Klein (entre outras situações, captado na Galerie Internationale d’Art Contemporain em 1960) ou de Yayoi Kusama (em vários “happenings” realizados em Nova Iorque nos anos 60 e 70). A fotografia aqui serve assim de olhar que fixa o processo criativo. Documenta a performance.

O segundo núcleo mostra imagens que resultam de performances expressamente criadas para serem fotografadas. Estão aqui as mais antigas fotografias de toda a exposição, assinadas pelo pioneiro Félix Nadar (1820-1910). E é ainda neste segmento que encontramos a belíssima série que resultou de uma parceria entre Eikoh Hosoe e o bailarino Tatsumi Hijikata, em finais dos anos 60. A ideia do registo da ação criativa, explorando a fotografia os instantes que imaginam os movimentos do imediatamente antes e do logo depois mostram na secção Photographic Actions imagens como a que Andy Warhol captou quando Keith Haring pintava o corpo de Grace Jones ou as que mostram, em três momentos, o instante em que Ai Wei Wei quebrou uma jarra da Dinastia Han, em 1995.

Uma das colaborações entre Eikoh Hosoe 
e o bailarino Tatsumi Hijikata (1969)
A segunda metade do percurso faz-se inicialmente entre figuras icónicas da performance pensada para a câmara, naturalmente com destaque para fotografias de Cindy Sherman, incluindo ainda a série Arthur Rimbaud in New York, de David Wojarowicz. Há depois uma sala que explora relações entre o retrato e a linguagem publicitária, com Jeff Koons como uma das imagens em evidência. E termina com uma série de auto-retratos e uma sala focada na ideia de retrato da vida real como performance, na verdade refletindo aqui sobre uma maneira de pensar a imagem muito característica da comunicação na era das redes sociais. E aqui vale a pena juntar o nome de Amalia Ulman (e s seus trabalhos de 2015) à galeria de ilustres que a exposição nos mostra. Esta é uma história ainda em construção.

segunda-feira, fevereiro 22, 2016

Erwin Olaf — a moda no museu

ERWIN OLAF
Ymre Stiekema usando um vestido de 1759
Em Amsterdão, até 16 de Maio, o Rijksmuseum apresenta a exposição Catwalk, dedicada à moda tal como os holandeses a viveram (e usaram) entre 1625 e 1960. Organizada pelo fotógrafo Erwin Olaf, a exposição foi também pretexto para a realização de um breve, mas admirável, filme promocional — são imagens que cruzam a herança do passado e o experimentalismo do presente.

sexta-feira, novembro 13, 2015

Ler e ver Camões,
com os livros de D. Manuel II


Abre hoje as portas na Fundação Gulbenkian e estará ali patente até 15 de fevereiro uma exposição que apresenta parte da biblioteca que o último rei português juntou nos dias de exílio vividos nos arredores de Londres. Apresento hoje na Máquina de Escrever um artigo sobre esta exposição.

"Uma parte da coleção camoniana, que por sua vez é apenas uma das partes da vasta biblioteca de livros antigos portugueses que D. Manuel II reuniu nos dias de exílio que viveu em Richmond (perto de Londres) e que representou o seu mais importante legado para a história da cultura portuguesa, deixou por uns meses as estantes onde habitam no Palácio Ducal de Vila Viçosa para estarem à vista de todos os olhares numa exposição que mostra como os livros podem contar mais histórias do que aquelas que estão impressas nas suas páginas. Com o título D. Manuel II e os Livros de Camões, esta exposição criada em colaboração pela Fundação da Casa de Bragança, a Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra e a Fundação Gulbenkian é de resto um ponto de partida para um trabalho mais vasto ainda tendo a biblioteca do último rei português, havendo um plano de edições que não se esgota no catálogo que agora é apresentado com a exposição. Vale a pena notar que, desde há poucos meses, estão já disponíveis para consulta no site oficial da Fundação da Casa de Bragança os três volumes da obra escrita pelo próprio rei (o último, já de conclusão póstuma), os quais, mais do que um catálogo, oferecem descrições e reflexões sobre o sentido histórico dos volumes anteriores ao ano 1600 que faziam parte da sua biblioteca."

Podem ler aqui o texto completo.

terça-feira, abril 21, 2015

Para ler: Sonia Delaunay na Tate Modern

Deve ser uma das grandes exposições deste ano, e já abriu as portas na Tate Modern, em Londres. Podem ler aqui a reportagem publicada no Guardian.

Podem ler aqui o artigo