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domingo, dezembro 19, 2010

Um mundo com WikiLeaks (5)


Gerry e Kate McCann / FOTO DN

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A rede de "revelações" do WikiLeaks estendeu-se, agora, ao caso McCann. Subitamente, o texto de um telegrama de 2007 (do embaixador inglês em Lisboa para o seu homólogo americano) relança todo o circo de especulações mediáticas sobre a "inocência/culpa" de Kate e Gerry McCann — não por acaso, ilustrando a sua mais básica lógica de reflexos condicionados, a Net volta a estar cheia de cidadãos que acham por bem ocupar o espaço virtual e apresentar, ora como juízes encartados, ora como heróis vingadores, as suas "certezas".
O episódio possui um valor altamente sintomático que talvez possa ajudar a relativizar um pouco as convulsões que o WikiLeaks tem provocado em torno de questões mais especificamente políticas ou geo-estratégicas. De facto, o que está em causa não é a situação particular do casal McCann, mas sim a dinâmica social que, em todos os casos, o WikiLeaks coloca em marcha. A saber: a percepção e aferição de qualquer actividade humana passa a depender daquilo que foi posto a circular... É sobre isso, e a partir disso, que importa recolocar a questão da nossa relação com aquilo que, mal ou bem, insistimos em continuar a designar como os factos.
Será que chegámos a um ponto em que rejeitamos a pluralidade imensa da enunciação desses factos, "encomendando-a" a uma entidade única de nome WikiLeaks? Se assim for, o nosso viver social cedo se resumirá a uma única prática: não ver, não ouvir, não pensar e... aguardar o próximo leak

segunda-feira, julho 21, 2008

Caso McCann: a purificação democrática

Como sobreviver ao caso McCann?
Face à notícia do arquivamento do caso, temos estado a assistir a uma curiosa manifestação de purificação democrática: de repente, neste mundo dominado pelas leis televisivas da especulação gratuita, tudo e todos (aliás, corrijo: todos os que nunca falaram sobre isso) aparecem com um ar muito grave e preocupado, sublinhando os males gerados pela "mediatização" do caso. Temos, assim, um novo significado para a palavra mediatização: foram os outros, nós nem demos por nada.

sexta-feira, maio 02, 2008

McCann: a sequela

É uma ilusão pensarmos que o mundo mudou face ao chamado caso McCann. O mundo televisivo, em particular, vive dominado por um narcisismo sem alternativa: com poucas excepções, a sua lógica consiste em reiterar a sua suposta "neutralidade" filosófica e narrativa. Dito de outro modo: televisivamente, abordar o caso McCann (ou qualquer outro assunto "informativo"...) consiste em dispor as peças de um imaginário que se apresenta como "passivo", "científico" e "transparente". Mais do que muitas igrejas para si reivindicam.
Não surpreenderá, por isso, que perante a proximidade do primeiro aniversário do desaparecimento de Madeleine McCann (3 de Maio) assistamos a uma espécie de sequela académica sustentada pelo gosto corrente das "efemérides". Das "retrospectivas" do caso às especulações sobre o mesmo, voltamos a ser confrontados com digests típicos de filme de policial de quinta ordem (há pouco, na RTP1, vi mesmo uma brevíssima imagem animada de glóbulos vermelhos para "ilustrar" a descoberta de uma presumível prova de sangue) ou, então, com dispositivos grosseiros de tribunal, disfarçados de objectividade, laborando sobre "hipóteses" deliradas até uma histeria de telenovela. Muito pouco mudou, de facto. Mantém-se o quadro "informativo-moralístico" que, mal ou bem, justificou o que aqui se escreveu. O que significa que, globalmente, a televisão continua a assumir-se como a nossa escola e a nossa religião. A passividade que o seu magistério suscita reflecte a nossa preguiçosa acomodação.

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

A propósito da montra de uma livraria

Sabemos que vivemos num país em que, graças ao triunfo da sinistra ideologia do Big Brother, a "intimidade" e o "escândalo" conquistaram o poder no mundo das linguagens. Ainda assim, não é fácil estarmos preparados para a obscenidade que, por vezes, o quotidiano assume e promove. Aconteceu-me hoje, ao dar de caras com a montra de uma livraria onde se expunham lado a lado — em muito intencional arranjo "temático" — uma série de livros sobre o caso McCann e o romance Vista pela Última Vez.../Gone Baby Gone, de Dennis Lehane, recentemente adaptado ao cinema por Ben Affleck.
Na origem deste grosseiro "paralelismo" estão as "coincidências" entre algumas peripécias do romance/filme (onde se narra o provável rapto de uma menina) e os factos relacionados com o desaparecimento de Madeleine McCann, na Praia da Luz. Aliás, o próprio Ben Affleck apoiou o adiamento da estreia do filme no Reino Unido (a cujas salas só irá chegar no próximo mês de Abril). Fê-lo, em todo o caso, não pelo seu trabalho — um brilhante exercício de realismo social —, mas para evitar favorecer a mediocridade especulativa dos tablóides ingleses.
Quanto mais não seja por uma questão de sanidade mental (e para não cedermos ao simplismo intelectual que produz montras como a que referi), vale a pena lembrar alguns dados muito básicos:
1 - o romance de Lehane (também autor de Mystic River, adaptado por Clint Eastwood) não tem qualquer tipo de relação simbólica ou meramente cronológica com o caso McCann, uma vez que a sua primeira edição data de 1998.
2 - a rodagem do filme iniciou-se em Maio de 2006, cerca de um ano antes do desparecimento de Madeleine McCann.
3 - a acção do livro e do filme passa-se num bairro de Boston (em vários aspectos lembrando os ambientes de Mystic River) com características urbanas e sociais que não têm a mais ténue relação com cenários ou referências da Praia da Luz, no Algarve.
Em resumo: favorecer qualquer tipo de especulação "conjunta" entre uma coisa e outra decorre de uma visão sem fundamento, gratuita e, de facto, mentirosa. É pena que o trabalho de um romancista tão interessante seja sujeito a este tipo de humilhação comercial.

domingo, setembro 16, 2007

Media / McCann (9)

Por vezes, são as pequenas diferenças que fazem os grandes valores. Por exemplo, em relação às notícias sobre o caso McCann. Não apenas a quantidade ou a qualidade dessas notícias, mas também o seu modo. De facto, seja qual for o resultado da investigação em curso — e mesmo que os McCann venham a ser considerados culpados —, é impossível não reconhecer alguma pertinência a quem lembra que não é possível viver num processo regular (por vezes quotidiano) de desmentidos face a todas as especulações que algumas televisões e jornais vão lançando — é isso que é sublinhado por John McCann, irmão de Gerry McCann, em entrevista à SkyNews.
Seja como for, há órgãos de comunicação social que não abdicam de discutir as responsabilidades inerentes ao seu trabalho — desse modo sublinhando também, implícita ou explicitamente, que esses mesmos órgãos não podem ser reduzidos a uma imagem única e unívoca. Aconteceu na BBC, no dia 14, no programa NewsWatch. Registe-se, em particular, aquilo que é lembrado por um dos entrevistados, a propósito do absurdo que, por vezes, leva a perguntar se, então, as televisões deviam ignorar uma "história" tão propalada — a opção não está entre "noticiar" ou "ignorar"; como sempre, o núcleo das questões reside na forma das notícias, sendo a forma, inelutavelmente, o primeiro dos conteúdos.

quinta-feira, setembro 13, 2007

Media / McCann (8)

* OXIMÓRON - engenhosa aliança de palavras contraditórias (in Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).

E chegámos ao tempo do oximóron. Não como elemento mais ou menos lúdico da retórica privada, mas como método global de (des)informação. Por exemplo, pode ler-se no site do britânico Daily Mail uma notícia assim intitulada:

"Find Madeleine's body and prove we killed her":

McCanns' challenge to police

Ou seja (e numa tentativa de ser tão literal quanto possível): "Encontrem o corpo de Madeleine e provem que nós a matámos": desafio dos McCanns à polícia.

É também uma notícia que, contrariando um pedido feito pelo porta-voz do casal (mostrado nas televisões portuguesas), publica fotos que expõem o rosto dos gémeos.


*****

Sejam inocentes ou culpados, parece difícil admitir que os McCann emitissem desafio tão arrogante e que, em qualquer caso, facilmente se vira contra elas. Para além da possível ou impossível identificação do primeiro emissor da frase, ela encerra contradições insustentáveis:
1) Porque é que a descoberta do corpo de Madeleine implicaria a possibilidade de provar o (suposto) crime dos McCann? Ou seja, isso pode servir exactamente para a formulação contrária: "Encontrem o corpo de Madeleine e provem que nós não a matámos".
2) Porque é que se supõe que encontrar o corpo de Madeleine é obrigatório para provar que alguém a matou? Teoricamente, é muitas vezes possível provar um crime de homicídio sem corpo. Aliás, mais exactamente (e paradoxalmente): a existência de um corpo não arrasta obrigatoriamente a certeza de que houve crime.
3) Porque é que o desafio inverte a afirmação da (suposta) verdade dos arguidos? A alternativa seria uma afirmação seguida de um apelo: "Nós não a matámos. É preciso encontrar o corpo de Madeleine".
O que fica como mais espantoso — e revelador do mundo de falsa transparência que nos é servido por muita comunicação social — é o facto deste tipo de oximóron se ter tornado uma espécie de linguagem universal do planeta mediático. Universal e (supostamente) inquestionável.

quarta-feira, setembro 12, 2007

Media / McCann (7)

Este texto foi publicado no Diário de Notí-cias (11 de Setembro), com o título 'Como viver em "histeria mediática"?' >>> Estranho mundo este em que vivemos. A proliferação de canais de informação dá-nos acesso (permanente e instan-tâneo) a uma espécie de planetária base de dados; ao mesmo tempo, por vezes, isso tende a produzir um delírio para o qual poderemos inventar uma designação que combine a herança psicanalítica com as ciências da comunicação: qualquer coisa como “histeria mediática”.
Repare-se: não se pretende banalizar nenhum facto, a começar pelo trágico desaparecimento de uma criança. Do mesmo modo, importa não minimizar a importância moral e o valor público de uma comunicação social empenhada em conhecer e analisar todas as frentes de um problema que, claramente, afecta o funcionamento da colectividade.
Em todo o caso, por mera profilaxia pedagógica, importa interrogar alguns modos de abordagem do caso Madeleine. São modos sobretudo televisivos e apostam em valores demagógicos, ideologicamente próximos do “Big Brother” (não o de Orwell, mas o da Endemol). O seu primeiro e decisivo princípio resulta da fabricação de uma ficção pueril, alicerçada num processo gratuito de identificação: somos convocados para acompanhar os destinos individuais como se pudéssemos ser espectadores privilegiados das suas convulsões.
É esse o limite mais gravoso a que têm conduzido algumas abordagens do desaparecimento de Madeleine McCann. A saber: ao espectador é sugerido que pode funcionar como “deus ex machina”, automaticamente acedendo à intimidade seja de quem for, possuindo os instrumentos para funcionar como juiz intocável de todos os males do mundo.
Até certo ponto, há aqui algo do suspense de Alfred Hitchcock. Recorde-se, por exemplo, o seu filme de 1948, A Corda, onde pacientemente se desmonta um terrível processo de culpa (é, aliás, por cruel ironia, um filme sobre um corpo desaparecido). Mas há uma diferença que está longe de ser secundária. A máquina “hitchcockiana” de ficção confronta o público com as suas próprias responsabilidades morais. Para Hitchcock, o espectador, ao interpretar as contradições do mundo, deve ser adulto. As televisões, com frequência, preferem infantilizar o espectador.

A Corda (1948), de Alfred Hitchcock

terça-feira, setembro 11, 2007

Media / McCann (6)

Macbeth (1948), de Orson Welles

Confesso a minha pertença a um clube infinitamente minoritário: ao contrário de muitos concidadãos, não passo a vida a especular se o pai e a mãe de Madeleine McCann são "inocentes" ou "culpados", não vivo para esse jogo obsceno de telenovela em que quase todos se condenam a encarar a existência (a sua e a dos outros) como se fosse um imenso bordel de jogos de investigação policial. Conheço os factos e aguardo para saber — além do mais, a situação parece-me sufi-cientemente perturbante para não lhe acrescentar o gratuito da especulação e do moralismo. Inocentes ou culpados, os McCann devem ser respeitados na condição de presunção de inocência que a lei lhes garante.
Em todo o caso, não consigo ficar indiferente a uma nova tendência, para mais expressa com a exuberância de quem, subitamente, se afirma confrontado com um mistério que a história da humanidade escondeu de tudo e de todos. Assim, passou a ser chic proclamar que, "se os McCann forem culpados", então a nossa crença na bondade humana ficará muito abalada...
Como? Importam-se de repetir? De repente, parece haver pessoas que julgam que os milénios de histórias das famílias são um paraíso de paz e harmonia, porventura com anjos castos a dormitar debaixo das camas e no topo dos armários. De repente, a herança da tragédia grega desvaneceu-se... E Shakespeare? Connaît pas... Parece-me até que os que celebraram a morte do “poeta” Bergman, nunca se deram ao trabalho de olhar para um dos seus filmes.
Não se trata de demonizar a instituição família. E também não é um problema de enciclopedismo. Longe disso (já basta os “enciclopedis-
tas” internéticos que por aí andam). É um problema, isso sim, de aculturação, no sentido mais fundo e dramático que a palavra pode envolver: a cultura foi esvaziada do seu peso ancestral, da sua função de cimento colectivo e o mundo passou a ser pensado (?) como algo que começou neste preciso instante. “Os McCann podem ser culpados? Que horror! Ao longo de milénios, não é a família um espaço de radiosa harmonia e palpitante redenção?”
Como viver no meio deste infantilismo? Porque, de facto, é disso que se trata: uma suposta purificação do nosso olhar — e da nossa vontade de ver e saber — que nos fragiliza face à complexidade do mundo e às contradições da natureza humana. E tudo isso, insisto, independentemente de os McCann serem culpados ou inocentes. Como viver no meio desta recusa de ser adulto?

A Child Crying (1967), foto de Diane Arbus

segunda-feira, setembro 10, 2007

Media / McCann (5)

Um dos efeitos mais perversos do mundo mediático, saturado de imagens, em que vivemos é o seu funcionamento viral — tudo se pode aproximar, tudo pode coexistir; no limite, todas as imagens se podem contaminar (mesmo quando não sabemos estabelecer o diagnóstico desse processo).
Por exemplo, uma notícia no site da SkyNews sobre o facto de o casal McCann ter garantido os serviços de Michael Caplan que, em 1999, trabalhou como advogado do ditador chileno Augusto Pinochet (1915-2006). Para ilustrar a notícia, a Sky publica esta foto dos McCann, com a legenda: "McCanns seeking legal advice".

Aparentemente, a "outra" imagem lógica para a notícia seria a de Michael Caplan. Mas não: por um bizarro processo de contágio informativo, a segunda foto (aliás, primeira na paginação) é esta, de Pinochet, com uma legenda meramente identificativa: "Augusto Pinochet".

*****

Estranho mundo este em que as imagens se banalizam através da sua própria exposição. Como se vivêssemos empurrados para uma histeria interminável, de onde não é possível sair.

11 de Setembro de 1973, Santiago do Chile, Palacio de la Moneda:
morre Salvador Allende, sucedendo-lhe Augusto Pinochet

Media / McCann (4)

Uma notícia não anula outra. A defesa da vida de uma pessoa não pode ser obliterada pela defesa da vida de outra pessoa. O real não se deixa condensar em categorias definitivas. Ver e dar a ver os acontecimentos é escolher — escolher sempre: definir opções, estabelecer prioridades, procurar e cimentar factos, sentir ou desencadear emoções.
É também, por exemplo, estabelecer escalas de olhar e matrizes de percepção — escala, em sentido original: "relação entre a configuração ou as dimensões de um desenho e o objecto por ele representado [e. de um mapa]>"(in Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).
Mapas, justamente. Eis algumas escalas diferentes de mapas disponibilizados pela BBC:

1. Mapa da Praia da Luz

2. Mapa do conflito do Darfur

Em matéria de escala fotográfica, o grande plano tem, quase sempre uma dimensão mobilizadora. Dois exemplos, através de um rosto conhecido e um rosto anónimo:

1. Foto de Madeleine McCann, numa notícia da BBC: "Madeleine: what we know"

2. Foto de uma criança do Darfur (Human Rights Watch), com a legenda: "A girl displaced by fighting is embraced by her sister at the Abushouk camp in Darfur (Photo: Finbarr O'Reilly/Reuters)"

Media / McCann (3)

Um dos efeitos mais estúpidos da cha-mada mediatização do caso McCann é a criação (ou reforço) de muitos estereótipos culturais, jornalísticos ou mesmo morais. Por exemplo, a dicotomia entre "imprensa" portuguesa e "imprensa" britânica e, conforme os pontos de vista, o elogio de uma e a demonização da outra. Também aí, precisamos de saber resistir à histeria do conflito e da polémica que as televisões, quase sempre, adoram promover. Precisamos, sobretudo, de compreender e aceitar que nem tudo se reduz a um jogo de "pró" e "contra" — a complexidade do real é um desafio constante. Afinal de contas, o Reino Unido é o país de jornais como The Daily Star [1ª página de 8 Set.]...

... e de jornais como The Independent [1ª página de 10 Set.].


E se não somos sensíveis às suas diferenças, então, seja por distracção ou cinismo, só podemos favorecer as formas mais insidiosas de ignorância.

Media / McCann (2)

Há algo de obsceno no modo como as televisões de todo o mundo se ignoram. Subitamente, não há notícia, repor-tagem ou debate que não se refira à mediatização do caso McCann, por vezes utilizando mesmo a expres-são "circo mediático". Que significa este zelo em dar-nos conta de algo que, todos o sabemos, se tornou uma matriz quotidiano do nosso mundo? Significa algo de muito simples e linear: corresponde a uma atitude de des-responsabilização. Na prática, cada canal de televisão proclama: "a mediatização são os outros."
O que nos conduz a um dos dramas mais fundos do nosso tecido social e simbólico: a televisão é um dispositivo (tecnológico e humano) que não se conhece.

Media / McCann (1)

Domingo, 9 de Setembro de 2007 (cer-ca das 22h15) — No Jornal 2, da RTP2, apresentado por Ana Ribeiro, o caso McCann suscita uma entrevista com Rui Abrunhosa Gonçalves, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho. Para terminar o diálogo, a jornalista pergunta qual a reacção de um pai a quem desaparece um filho. O entrevistado responde apenas com uma palavra: "Deprime." Perante a contundência da resposta, há uma insistência, tentando saber se os rostos do casal McCann reflectem ou não essa depressão. Rui Abrunhosa Gonçalves lembra: "Isso não se consegue ver no rosto."
Foi um grande e perturbante momento de televisão. Em primeiro lugar, porque Rui Abrunhosa Gonçalves resistiu a ser empurrado para o papel que, em muitos casos, leva as televisões a convocar os chamados "especialistas" — o que lhes é implicitamente pedido é que, em última análise, confirmem um discurso impressionista que as próprias televisões já antecipadamente produziram. Depois, porque a pergunta de Ana Ribeiro revela, de forma linear e cristalina, a filosofia dominante da informação televisiva, ou seja: o real é algo que se deixa ler nas imagens (televisivas), até porque, no caso das pessoas humanas, cada um é "aquilo" que tem no rosto — para dizer as coisas de forma muito clara e inequívoca: não há diferença entre este espontaneísmo com que se anula a complexidade do mundo e a ideologia normativa de um qualquer Big Brother.
Não estou a dizer que o Jornal 2 é o Big Brother. Por maioria de razões se compreenderá que estas linhas não envolvem qualquer dúvida sobre a seriedade e a dedicação profissional de quem apresentava o citado serviço informativo. Acontece apenas que uma ideologia pode ser isso mesmo: um conjunto de valores (neste caso, numa área específica do jornalismo) que actuam por uma espécie de automatismo anónimo, para além da vontade de quem, muitas vezes inadvertidamente, pode ser porta-voz do seu simplismo.