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quarta-feira, maio 20, 2020

Qual a relação do TikTok
com a herança de Walt Disney?

Que pensaria Walt Disney do TikTok? Se as viagens no tempo não acontecessem apenas nos filmes, seria interessante saber como o criador do Rato Mickey encararia as formas de grosseira manipulação a que, em nome da liberdade virtual, tem sido sujeita a sua querida personagem?
Eis algumas interrogações que se justificam face a uma curiosa e, por certo, sintomática notícia das esferas de poder dos grandes conglomerados mediáticos. A saber: Kevin Mayer, responsável pelo lançamento da plataforma de streaming Disney+, abandona a companhia de Mickey, Donald e Pluto para assumir as funções de CEO do TikTok, propriedade do conglomerado chinês ByteDance — pormenores nas páginas de The Hollywood Reporter.
É difícil encarar uma notícia deste teor como um banal efeito das dinâmicas do mercado de trabalho. Desde logo, porque nas altas esferas da Disney, Mayer terá sido recentemente preterido como possível sucessor de Bob Iger, em favor de Bob Chapek; depois, porque, para a ByteDance, se trata de consolidar a sua rapidíssima afirmação no mundo dos negócios, no sentido de contrariar também as especulações que, nos EUA, apontam o TikTok como um risco para a segurança nacional.
Em qualquer caso, o mais sintomático será o facto de, pelos vistos, ter deixado de haver diferença significativa (entenda-se: do ponto de vista da gestão administrativa) entre trabalhar com um património tão rico e diversificado como o que pertence à Disney e comandar uma aplicação de telemóvel que, no essencial, vive à custa dos filmes (?) de 15 segundos que milhões de pessoas colocam online para nos dar conta da sua arte de tropeçar em obstáculos caseiros ou de aplicar desodorizante nos sovacos...
Enfim, para Mayer, por certo o menos incomodado com especulações deste género, o nome "Disney" passou a ser apenas uma referência no seu currículo de sucesso. Mas seria mesmo interessante poder ouvir a opinião de Walt Disney, ele que idealizava um mundo em que "todos os nossos sonhos se pudessem tornar realidade" — era um mundo de negócios, sem dúvida, mas é duvidoso que o criador de Pinóquio e Fantasia estivesse a pensar em futilidades de 15 segundos.

domingo, maio 17, 2020

TikTok: 15 segundos de fama

Charli D'Amelio [TikTok]
Assim vai o mundo: Charli D’Amelio, 16 anos, é a principal vedeta da nova rede social TikTok; os seus dotes de dançarina, em videos de 15 segundos, valem-lhe mais de 50 milhões de seguidores — este texto foi publicado no Diário de Notícias (9 Maio), com o título 'O admirável mundo do TikTok'.

TikTok: eis a nova moda virtual. Apresenta-se como uma rede social para partilha de videos de pequena duração (cerca de 15 segundos, na maior parte dos casos). Concebida pela ByteDance, uma empresa da China especializada em tecnologia da Internet, foi lançada em 2016 no mercado chinês com a designação Douyin. Entretanto, generalizou-se como TikTok, sendo recordista de downloads para os telemóveis de sistema iOS. Números redondos: há 800 milhões de pessoas a usar regularmente o TikTok.
A dimensão do fenómeno justifica que lhe prestemos alguma atenção, tentando compreender a especificidade da sua linguagem. Não se trata, entenda-se, de atrair generalizações moralistas que simplifiquem a evidente pluralidade interna de tais fenómenos, nem de sugerir que há uma espécie de lugar virginal a partir do qual é possível observá-los (no plano pessoal, devo dizer que, em tempos de confinamento, abri duas contas de Instagram, sem que o facto me suscite qualquer queixa ou protesto).
Acontece que os modelos dominantes de “comunicação” que podemos encontrar no TikTok vêm reforçar duas linhas de força da nossa “sociabilidade” virtual: primeiro, a redução do protagonista a uma militante caricatura de si próprio; segundo, a resistência implícita a qualquer forma de duração que ultrapasse o efeito acelerado e efémero de um clip publicitário. Decididamente, tornou-se impossível partilhar com alguém o prazer de assistir a duas horas de um filme de Hitchcock… Tudo isto, importa acrescentar, através da integração de instrumentos de manipulação das imagens (sobreposições, variações de velocidade, etc.) que reduzem a pessoa a uma cobaia virtual, partilhável como coisa fútil e descartável.
O texto de apresentação (de origem brasileira) disponível em várias plataformas portuguesas é revelador: “TikTok é uma comunidade de videos global. Com TikTok criar videos curtos se tornou ainda mais fácil. Grave e edite seus próprios videos com nossos efeitos especiais, filtros, stickers e muito mais. Depois é só compartilhar com o mundo seu talento.”
Eis uma ideologia de “comunicação” que promove a mais grosseira das utopias: o utilizador pode cortar o cabelo, fingir-se ilusionista ou aplicar desodorizante nos sovacos (não estou a inventar) porque está a… “compartilhar com o mundo seu talento”. Com um efeito perverso: qualquer contemplação de imagens que implique mais do que uns breves segundos é desvalorizada, prevalecendo o princípio pueril segundo o qual as imagens já nem sequer servem para lidar com os contrastes do mundo em que vivemos — são meros atropelos caricaturais a que não se atribui qualquer pertinência cognitiva, muito menos estética. O TikTok apela, assim, ao desenraizamento do utilizador, definido apenas através da sua performance no… TikTok.
É verdade que há figuras muito populares do “entertainment”, de Jimmy Fallon e Stephen Colbert a Jennifer Lopez ou Selena Gomez, que já aderiram ao TikTok, induzindo muitas especulações sobre a capacidade de a aplicação vir a gerar receitas astronómicas. Por exemplo: o tema de capa da edição de 6 de maio de “The Hollywood Reporter” não é o novo filme de Tom Cruise (que, já agora, vai ser rodado em órbita, na International Space Station), mas o… TikTok.
O universo de vedetas criado pelo TikTok está longe de ser uma mera duplicação do que existe nos domínios tradicionais do espectáculo. Assim, Selena Gomez tem 18 milhões de seguidores, o que, convenhamos, é quase penoso face às proezas da actual líder das estatísticas do TikTok, com 54 milhões: é ela Charli D’Amelio, simpática e talentosa adolescente americana de Norwalk, Connecticut (completou 16 anos no dia 1 de maio), especialista na invenção de novos passos de dança, em bem dispostas fatias de 15 segundos.
Em diversos sites de informação sobre as atribulações deste nosso admirável mundo, verifico que, tal como outras figuras do TikTok, Charli D’Amelio é definida como “social media personality”. Moral da história: os circuitos virtuais já foram promovidos à condição de criadores de “personalidades”.