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2024/01/26

2024, o ano do pato

A menos de dois meses de eleições legislativas, marcadas para 10 de Março, na sequência da demissão de António Costa e posterior dissolução do parlamento decretada por Marcelo Rebelo de Sousa, as máquinas partidárias desdobram-se na elaboração das listas de deputados e na afinação dos programas que irão apresentar no decorrer das próximas semanas. 

Um ritual conhecido, que não parece entusiasmar grandemente o "homem da rua", mais preocupado com as contas a pagar ao fim do mês, com o estado dos serviços de saúde, com a falta de professores ou com a escassez de habitação a preços razoáveis. Um ciclo infernal, que parece ter-se agravado nos últimos anos, apesar de resultados assinaláveis conseguidos na redução da dívida pública, na contenção do défice, no aumento do turismo, ou na redução do desemprego. Um país a duas velocidades, onde os sucessos macro-económicos não conseguem disfarçar as desigualdades gritantes da sociedade portuguesa.

Sim, é verdade que o PS, após 8 anos de governação, conseguiu a proeza de diminuir a dívida de 132% para cerca de 100% do PIB (a maior baixa da zona euro), reduzir o défice a menos de 1% e manter um crescimento económico acima da média europeia. Também é verdade, que beneficiou de um crescimento exponencial do turismo, que voltou aos valores de 2019 (antes da pandemia) e conseguiu reduzir a taxa de desemprego para menos de 6%, uma das mais baixas da última década. Esta é a parte do "copo meio-cheio". 

A parte do "copo meio-vazio", está relacionada com o "estado social", que os sucessivos governos deixaram degradar, ao ponto dos mais diversos sectores (saúde, habitação, educação e transportes), serem hoje um foco de contestação permanente, dos utentes ao pessoal que os servem. Tudo parece funcionar mal: o atendimento personalizado, a crónica falta de pessoal nos diversos sectores, os tempos de espera nas consultas e nas repartições do estado, a escassez de bens de primeira necessidade (a habitação é dos mais gritantes exemplos), a manutenção da ferrovia ou os preços exigidos por serviços, completamente desajustados do poder de compra do cidadão médio. Um rol de insuficiências e completo desprezo pelos contribuintes, que pagam impostos europeus, mas auferem ordenados romenos. Não é pois de estranhar que as mais diversas corporações, dos médicos aos professores, dos oficiais da justiça aos polícias, protestem um pouco por todo o país. Como se esta situação não fosse já de si grave, parte dos jovens a que pomposamente chamam "a geração mais preparada de sempre", continua a abandonar o país (a uma média de 70.000/ano) como não se via desde os anos sessenta do século passado. 

Para contrabalançar esta hemorragia de mão-de-obra qualificada, Portugal importa mão-de-obra barata estrangeira, que maioritariamente trabalha na hotelaria, restauração e agricultura, serviços que os portugueses (porque mais qualificados) se recusam a fazer. Sem eles, a economia portuguesa não poderia simplesmente funcionar. É graças a estes imigrantes, vindos de países tão diversos como o Brasil, Cabo-Verde, Ucrânia, Bangladesh, Paquistão ou Nepal, que a demografia (num país envelhecido como o nosso) é compensada por novos cidadãos, que ainda contribuem para o equilíbrio da Segurança Social (€1600 milhões em 2023). No entanto, nesta como noutras áreas, os governos portugueses seguem uma política laxista: convidam os estrangeiros a imigrarem para Portugal e procurar trabalho, sem lhes garantir qualquer tipo de garantias ou protecção. Muitos deles caem nas mãos de intermediários mafiosos, que aproveitando-se da sua vulnerabilidade (desconhecimento da língua e das leis) sujeitam-nos a condições infra-humanas e de verdadeira escravatura. 

É neste caldo cultural (crise social e económica que atinge cerca de metade da população activa) que surgem movimentos populistas como o Chega, um partido racista e xenófobo que, a exemplo de outros partidos congéneres europeus, fez das minorias imigradas (porque mais vulneráveis) o "bode expiatório" de todos os males da sociedade portuguesa. Começou por ser uma dissidência do PSD (partido de direita democrata), tornou-se um partido de protesto contra o "sistema" (ao qual sempre pertenceu), elegeu os ciganos como seu "ódio de estimação" e, porque ganhou visibilidade (mercê dos votos que entretanto granjeou), alargou a discriminação às minorias asiáticas muçulmanas. Um mentiroso compulsivo, o Ventura, sem qualquer ideia ou estratégia para o país, que se limita a seguir o guião dos populistas da extrema-direita internacional (Trump, Bolsonaro, Milei, Le Pen, Meloni, Wilders) a quem ninguém compraria um carro em segunda-mão. 

Até ver, o líder do Chega (um partido acéfalo que elege o "chefe" com maiorias albanesas) está a crescer. As últimas sondagens dão ao partido uma percentagem acima dos 16%. Poderá crescer mais, mas dificilmente será governo, dado que a direita mais tradicional (AD+IL) já declarou não querer governar com a extrema-direita (!?). Há, no entanto, razões para duvidar da política de alianças, caso as próximas eleições confirmem uma maioria de direita na Assembleia de República. Nesse caso, dificilmente Montenegro resistirá a governar, pois a alternativa é deixar de ser secretário-geral do partido. 

Um dilema para a AD, que só pode crescer à sua direita, agora ocupada pelo Chega. Como conciliar valores democráticos com ideias anti-democráticas? É verdade que o Chega, ainda não é "completamente" fascista. Mas, os sinais estão lá: um partido autocrático, onde o chefe é omnipotente nas suas decisões; a defesa da trilogia Deus, Pátria e Autoridade, usada até à exaustão por Ventura nos seus discursos; a simbologia utilizada (saudação romana dos nazis); as declarações xenófobas contra os estrangeiros (pobres) em Portugal; a defesa da Ordem, presente nos apoios às forças policiais através do sindicato Zero, que nunca escondeu a sua ideologia; o cerco à sede do PS no Rato, em clara violação da lei, etc. 

Não, o partido de Ventura, ainda não será "completamente fascista", mas, como nos ensinou Umberto Eco ("Como reconhecer o fascismo", Ed. Relógio de Água, 2017) em que identificava 14 características do "Ur Fascismo" ou "fascismo eterno", não é necessário ter todas as suas características. Se tiver algumas delas, é caso para desconfiar. No fundo, é como a história do pato: voa como um pato, grasna como um pato, tem penas de pato, se calhar é mesmo um pato... 

2023/11/23

Europa: uma crise nunca vem só


Que o Mundo não é um lugar seguro, já o sabemos. Que a situação actual seja pouco propícia a optimismos, não passa de uma verdade de La Palisse.

Crises financeiras, inflação, pandemia, alterações climáticas, guerras, migrações, crescimento de partidos  racistas e xenófobos, crise de ideologias e do sistema partidário, o cardápio é longo...

E, no entanto, o panorama não podia ser mais pessimista. 

Só na Europa, três países da UE atravessam crises, não negligenciáveis, que estão longe de terminar. São eles, Portugal, Espanha e Países Baixos, ainda que por motivos diferentes.

Vejamos o caso de Portugal: depois da demissão abrupta do primeiro-ministro (PM) no passado dia 7 de Novembro (no seguimento de um relatório do Ministério Público (MP) no qual, alegadamente, o seu nome era mencionado numa rede de tráfico de influências com origem no governo), o Presidente da República decidiu dissolver o parlamento. Formalmente, António Costa não era obrigado a demitir-se, da mesma forma que Marcelo Rebelo de Sousa poderia ter optado pela continuação do governo PS, com outro primeiro-ministro. Nada disto aconteceu, seja porque Costa não quis continuar (reservando-se para outros cargos, quiçá europeus) seja porque Marcelo viu aqui uma oportunidade de convocar eleições e dar, assim, oportunidade ao seu partido de formar um governo de direita. 

O pior veio depois: afinal, o nome no relatório não seria o de Costa, mas o de um ministro do seu governo com o mesmo apelido (!?), ao mesmo tempo que outros arguidos no processo viram as acusações serem revogadas pelo juiz de instrução do processo, que não considerou suficientes os argumentos aduzidos pelo MP! A partir daqui (e já lá vão duas semanas) as especulações não têm parado. Mas, então, a Procuradora Geral da República (PRG) não controlou o conteúdo das acusações que estiveram na base da investigação? Pior, não leu e não escreveu ela o famigerado parágrafo que despoletou toda esta crise institucional? Se leu e deixou passar tamanho equívoco, porque continua a refugiar-se em desculpas insustentáveis, sobre o papel do MP em todo este caso, que tresanda. Como tudo isto não fosse suficiente, Marcelo convocou eleições para daqui a 4 meses (!?), com o argumento de que o PS (com um secretário-geral demissionário) necessitava de tempo para se organizar. Entretanto, Costa, pode manter-se no poder, assegurando um governo de transição que terá de aprovar o Orçamento de Estado (OE), em fase de discussão. Simultaneamente, os partidos começaram a organizar os seus congressos, com vista a constituir as listas eleitorais para o dia 10 de Março de 2024. Uma trapalhada sem nome, que lançou (desnecessariamente) o país numa crise institucional gravíssima, que irá provavelmente alterar o panorama político de forma radical.

Já em Espanha, a situação parece ter estabilizado, ainda que seja cedo para extrair conclusões. Depois das eleições legislativas de Julho, que deram a vitória ao Partido Popular (PP) de Alberto Feijóo, este não conseguiu formar um governo maioritário no Congresso. Pesem as suas tentativas, junto de Pedro Sanchez (PSOE) para se abster nas votações e, dessa forma, deixar o PP governar, o líder do partido socialista espanhol recusou sempre. Perante tal cenário, só restava ao Rei convidar o segundo partido mais votado para formar governo. Após meses de negociações e cedências aos partidos à sua esquerda (Sumar, Bildu, ERC) e à sua direita (Junts), Sanchez conseguiu uma vitória improvável, que os analistas designam por "quadratura do círculo": uma maioria confortável (179 deputados, num parlamento de 350 lugares), que poderá dar-lhe alguma folga nos tempos mais próximos. Para isso, teve de "engolir diversos sapos", dos quais o maior foi a "amnistia" concedida aos independentistas catalães, julgados e condenados pelo tribunal constitucional, após a organização de um "referendo" sobre a independência no 1 de Outubro de 2017. Na altura, foram julgados e condenados 300 políticos catalães, alguns dos quais continuam a viver no exílio. A "amnistia" concedida continua a ser contestada pelo PP e pelo VOX, os principais partidos de direita, que, há mais de quinze dias, protestam junto das sedes do PSOE em Espanha, acusando Sanchez de traição e de fomentar um "golpe de estado". Resta acrescentar, que a lei terá ainda de ser aprovada pelo senado espanhol, dominado pelos partidos de direita, o que poderá só acontecer daqui a dois meses... Entretanto, a coligação governativa, terá de fazer "prova de vida", o que não se afigura fácil dadas as contradições programáticas dos oito partidos que a compõem. Um "bico de obra", num país literalmente dividido ao meio. A crise, continua, pois...

Finalmente, a situação nos Países-Baixos, depois das eleições de ontem. Convocadas no Verão passado, após a queda do governo de coligação, liderado por Mark Rutter (VVD), na sequência de uma crise devido às leis de imigração e reunificação familiar, estas eleições tiveram como temas principais a imigração, o clima e questões sociais, como a inflação e o aumento de custo de vida, provocados pela guerra na Europa. Contados os votos, a vitória (ainda que não surpreendente) coube a Geert Wilders (PVV). Wilders é um político veterano, conhecido pelas suas ideias racistas, xenófobas e islamofóbicas, que há mais de 20 anos dirige uma agremiação cujos principais pontos do programa se resumem à proibição do Corão, à expulsão de imigrantes e à saída da União Europeia (!?). O mais surpreendente, é o número de deputados obtidos (37), uma duplicação de lugares em relação às eleições de 2021. Se, até agora, o partido de Wilders nunca fez parte de nenhuma coligação governativa, devido ao "cordão sanitário" que os restantes partidos sempre impuseram, será difícil não convidar o partido mais votado para formar governo. Para que isso aconteça, Wilders necessita de ter o apoio dos dois maiores partidos de direita: o VVD (liberal) do demissionário Mark Rutter, agora liderado por Dilan Yesilgoz, de origem turca; e o CSN (Novo Contrato Social) de Pieter Omtzig, ex-deputado cristão-democrata, de constituição recente. Uma tarefa que não se afigura fácil, pois não é certo que as ideias radicais e anti-constitucionais de Wilders consigam convencer os seus potenciais parceiros governamentais. Pormenor picante: Wilders (casado com uma húngara) é admirador do ditador húngaro Orbán (que já o felicitou) e do ditador Putin, que a Holanda boicota, devido à invasão da Ucrânia. Resta saber, como é que o mundo empresarial holandês reagirá a um governo liderado por tal figura, mas, como o poder é afrodisíaco, nunca se sabe... 

2023/10/05

A "rentrée" (e agora, António?...)

 


É verdade que o Verão acabou, mas as temperaturas continuam altas. De acordo com as estatísticas, 2023 poderá vir a tornar-se o ano mais quente de sempre, desde que há registos. Para quem nega o aquecimento global, não será uma preocupação: a Terra é "plana" e o perigo de cairmos é mínimo. Se a Terra fosse redonda não nos aguentávamos de pé...

Provavelmente, deve-se a este Verão prolongado (calor excessivo e sol na moleirinha) as notícias que habitualmente fazem parte da "silly season". Entre nós, esta "estação", dura sempre mais umas semanas do que noutras latitudes. Podemos não ser bons a planificar, mas, em criatividade, ninguém nos bate...    

Só no "querido mês de Agosto", contei várias, que ocuparam dias a fio as primeiras páginas da imprensa de referência (!?) e foram abertura em todos os telejornais. Relembro as que me chamaram mais a atenção, não necessariamente por esta ordem:

Tivemos a visita do Papa (à qual escapei por um triz, já que me encontrava no estrangeiro); o beijo de Luís Rubiales, à jogadora da selecção espanhola de futebol; a petição pública, para mudar o nome proposto para o passadiço do rio Trancão; a observação de Marcelo ao decote de uma emigrante no Canadá; a proposta de aceitar estrangeiros nas forças armadas portuguesas; a transladação de Eça para o Panteão Nacional; não esquecendo, claro está, os fogos, a seca, a falta de água e as habituais queixas dos empresários do Algarve que, ao que parece, tiveram menos turistas portugueses...

Dirão, é sempre assim: quando não há pão, há que dar circo ao povo. Na falta de futebol...

Mas, com a mudança de estação (afinal, estamos no Outono) havia que celebrar a "rentrée", agendada para Setembro. Tivemos as "universidades" de Verão dos partidos, as festas do Pontal e do Àvante e (cereja em cima o bolo) as eleições regionais na Madeira que, para não fugir à tradição, deram a vitória ao PSD, partido que há mais de 40 anos governa o arquipélago. Nada que não se esperasse nesta ilha de caciques, ainda que desta vez sem maioria absoluta. A única novidade reside na aliança proposta pelo presidente eleito que, na falta de um deputado, preferiu aliar-se ao partido dos animais, para "não alimentar o crocodilo (leia-se, "Chega") que o podia comer"... Um cómico, o Albuquerque.

Já em Lisboa, a coisa "fia mais fino". Confrontado com a vaga de protestos que atravessa a sociedade portuguesa em áreas tão essenciais como a educação, a saúde ou a habitação, o governo continua a fazer "orelhas moucas" às reivindicações de professores, médicos e inquilinos, algumas das quais com anos de existência. Nunca o chamado "estado social" foi tão sistematicamente desvalorizado, pese embora os bons resultados na área financeira, com a descida da dívida pública (111% do PIB), controlo do défice orçamental (0,4%) e baixo desemprego (6%). Acrescente-se as previsões relativas ao turismo (20 milhões de visitantes/ano) mais o dinheiro arrecadado em impostos (IVA) e não é difícil perceber porque é que o ministro das finanças apresenta resultados na ordem dos 1700 milhões de excedente orçamental. Então, porque é com esta "almofada" financeira e os dinheiros do PRR (22 000 milhões) e dos programas europeus de coesão 2020 e 2030 (43 000 milhões), não se fazem investimentos públicos duradouros e estratégicos para o futuro? 

A resposta deu-a António Costa, esta semana, numa entrevista de duas horas às cadeias de televisão TVI e CNN: o governo não pode satisfazer as reivindicações dos professores (anos de salário em atraso, etc...), porque ia abrir um precedente relativamente a outras categorias de funcionários públicos (médicos, enfermeiros, oficiais de justiça, maquinistas, revisores, etc.) e o estado não tem dinheiro para todos. Acrescentou ainda que as variáveis não controláveis (pandemia, guerra, inflação) o obrigavam a conter despesas, já que por cada décima a menos no pagamento de juros da dívida o governo poupava 60 milhões de euros. Ou seja, a prioridade continua a ser o pagamento da dívida pública, ainda que a inflação não baixe  dos 5%, o que se traduz automaticamente no aumento do custo de vida, nomeadamente nas hipotecas das casas que, só este ano, aumentaram 20% em média! A situação no sector da habitação é de tal forma dramática que, pela primeira vez, milhares de inquilinos e jovens sem casa, desceram à rua em 24 cidades do país a exigir casas de renda acessível, uma exigência que não poderá ser satisfeita na próxima década. Como referiu uma conhecida cronista do "Público", a questão da habitação poderá significar o princípio do fim do governo de Costa. 

Que numa entrevista de duas horas, o primeiro-ministro (provavelmente devido ao guião imposto pelos entrevistadores) nunca tivesse mencionado os custos da guerra (inflação) para a população europeia em geral e para os portugueses em particular, é algo de extraordinário. Resta saber se por opção ou por esquecimento. E, no entanto, a guerra (esta guerra em particular) que se arrasta há mais de ano e meio sem fim à vista, só aproveita um dos actores: os EUA, que vendem armas em troca da futura reconstrução da Ucrânia, sem que sofram perdas humanas no terreno (no boots on the ground). Grande negócio!

Para Costa, nada disso interessa. Vamos organizar o campeonato do Mundo de Futebol 2030 e, se tudo correr bem, até Zelensky (esse grande "defensor do Ocidente") poderá chegar amanhã ao Porto, para participar na reunião do "Grupo de Arraiolos". Ora digam lá se isto não é um "milagre" para o governo?  Uma verdadeira festa. Já que não há pão, que venha o circo!


2023/05/04

Escorpiões e Bodes Expiatórios

Há uma semana que o país discute o famigerado "Caso Galamba". Não é caso para menos (passe a redundância). Uma trapalhada inacreditável, que não lembrava ao careca! Logo agora, quando o país (nós todos) precisamos de tranquilidade, contas certas (que a vida está cara) e dinheiro para gastos. 

Com uma maioria confortável, três anos de governação pela frente e apoios da UE para gastar (cerca de 60.000 mil milhões de euros, entre Programas de Coesão e PRR), o governo parece ter ficado deslumbrado com a conjuntura e (a exemplo daqueles totalistas do euromilhões que não sabem o que fazer ao dinheiro ganho) promete tudo a todos, sem qualquer estratégia a longo prazo. Pior: não faz reformas estruturais e desperdiça o tempo (tempo é dinheiro!) em manobras tácticas e confrontos desnecessários com uma Presidência da República que, à falta de oposição credível, faz ameaças subliminares, que mais não visam do que criar factos políticos, uma especialidade do comentador Marcelo que, ás vezes, também é presidente. 

Como se não bastassem os "casos e casinhos" dos últimos meses (que levaram à demissão de mais de uma dezena de funcionários de topo por casos de corrupção e gestão danosa em vários ministérios), surge agora o caso do computador "roubado" (a expressão é de António Costa) que, supostamente, terá informação classificada sobre o "dossier" TAP. Estando a TAP sob a tutela do Ministério dos Transportes, o ministro da pasta, ou alguém por ele, decidiu reaver o famigerado computador (do estado) prevendo o pior. 

Esta é a versão oficial. Dadas as peripécias que envolveram a recuperação do dito utensílio (ao que parece com cenas de pancadaria, dignas de um "western") a coisa transpirou para o exterior e, a partir desse momento, a Comunicação Social nunca mais largou o "osso" (leia-se Galamba) que, mal ou bem, se tinha posto a jeito. Marcelo intervém, exige a demissão de Galamba. Costa pede tempo para pensar, ouve Galamba e resolve mantê-lo em funções, desafiando desse modo o conselho do presidente. 

Escusado será dizer que, a exemplo de outras "novelas", também esta é acompanhada e espremida pela Comunicação Social a que temos direito. Não há noticiário ou rubrica, que não lhe dedique largas horas e páginas há mais de uma semana. Uma telenovela. Pior: não há demissões, nem do ministro Galamba, nem do governo. Isto, assim, não tem graça nenhuma. O "jornalismo" a que temos direito, não se conforma. Então, não há sangue?   

Para alguns sectores, a decisão de Costa mostrou "coragem". O PM estaria agastado com as intromissões do PR e resolveu "esticar a corda", numa bravata que pode sair cara. Já Marcelo, o "escorpião" da história, sente-se desautorizado e anunciou uma comunicação ao país. Esta noite. 

À hora a que escrevemos, não sabemos o desfecho. Prognósticos, só no fim do "jogo". 

A Marcelo basta esperar que o governo continue a "dar tiros nos pés". Pela amostra deste primeiro ano de governação socialista, não será difícil, já que a equipa governamental é a mesma (fraquinha) e Costa ficou refém da sua estratégia (agora, é mais difícil remodelar). 

Dois tácticos, sem qualquer visão a longo prazo para o país. Estão bem um para o outro.

2022/09/25

"Indian Summer"

"Outubro quente, traz o diabo no dente" (provérbio português) 

De acordo com o calendário, começou o Outono. Para trás, o mais quente mês de Julho do século, a habitual seca e os fogos de Agosto, para além de uma "silly season" trivial, não fora a morte da monarca inglesa de maior longevidade no cargo. 

O falecimento de Isabel II e a cobertura das exéquias fúnebres por parte da comunicação social portuguesa, atingiu níveis inimagináveis e provavelmente nunca vistos (falo por mim, que vejo televisão desde 1957). Os diferentes canais, desde a circunspecta RTP, às televisões de cabo SIC, TVI, CNN e CMTV, não se pouparam a esforços (e, presume-se, orçamentos) para enviar os seus mais reputados "pivots" ao Reino Unido: de Balmoral a Saint James, passando por Windsor e Westminster, lá estiveram todos, a Clara, o José Rodrigues e o Nuno Santos, atropelando-se, ao sol e à chuva, para nos dar a imagem que faltava, pois o "serviço público" é isto: "dar ao público o que ele deseja ver", mesmo quando não havia nada para mostrar. Patéticos, alguns dos comentários de jornalistas experimentados, que não se cansaram de repetir os quilómetros e as horas passadas nas filas, por todos aqueles que quiseram prestar a última homenagem à rainha. Eram mais de sete quilómetros de fila, talvez oito, arriscava um com maior rigor...Chama-se a isto, em jargão jornalístico, "encher chouriços". Mas, não foi apenas a televisão portuguesa que exagerou. No dia do funeral, contei 22 canais de televisão em todo o Mundo, que cobriam o acontecimento, China incluída. É obra!

Com a mudança de estação, entrámos naquilo que os anglo-saxónicos apelidam de "Indian Summer" (verão indiano), uma designação que terá a sua origem na mitologia dos nativos americanos. Segundo a lenda, o sangue dos ursos mortos filtra-se pelos solos e viaja através das raízes para as folhas das árvores, colorindo-as de vermelho, a cor dominante das copas durante os meses de Outubro e Novembro no continente norte-americano. Outra explicação, tem origem no mito indiano, segundo o qual os meses de Outono correspondem à principal temporada de caça, devido às suaves temperaturas desta época do ano, quando os animais selvagens são atraídos para fora dos seus esconderijos e são mais fáceis de caçar. Na Europa, chamamos a este interregno "Dias de São Martinho", santo cujo dia é celebrado a 11 de Novembro. São dias de transição suave, algures entre os últimos calores de Verão e as primeiras chuvas do Outono, sem vento e de temperatura amena. No entanto, todos sabemos que, lá mais para a frente, virá a tempestade. Não será diferente desta vez, pois as nuvens acumulam-se no horizonte e nem todas serão obra da natureza. 

A maior "tempestade", que influencia e paralisa meio Mundo, é sem dúvida a guerra Russia-Ucrânia, iniciada há, precisamente, sete meses. Um desastre de dimensões incalculáveis, desde logo a nível humano, para além dos prejuízos materiais e da destruição massiva que atinge sobretudo a Ucrânia e o seu martirizado povo. Sete meses passados e apesar dos desejos expressos pela maioria dos comentadores (há quem lhes chame "wishful thinking") a verdade é que a guerra decide-se no terreno e, provavelmente, irá prolongar-se para além do Outono. Este é um cenário que pode convir à Rússia (cada vez mais isolada no plano internacional, devido às sanções aplicadas pela UE e pelos EUA) que dispõe de reservas de gás e petróleo das quais dependem os países do Norte e do Centro da Europa, que não hesitará em usar como "moeda de troca" nesta guerra de contra-sanções. De resto, alguns dos países que aprovaram as sanções (Áustria, Hungria, Republica Checa, e.o.) continuam a comprar e a pagar em rublos o gás russo de que necessitam, fazendo jus ao princípio "negócios, primeiro!". Resta saber o que restará da "unidade europeia", nesta guerra que só interessa às grandes potências (EUA e Rússia) quando o "Verão indiano" terminar e o Inverno começar. Nessa altura, as bandeirinhas azuis e amarelas nas janelas, poderão começar a desaparecer.

Outra "tempestade" previsível, é a crescente influência dos partidos populistas de extrema-direita (de tendência fascista) que, ontem na Suécia (e hoje, em Itália) poderão vir a integrar governos de regimes democráticos, depois de terem conseguido votações expressivas que rondam os 20% nas eleições legislativas de ambos os países. Este crescimento exponencial, torna-os parceiros ideais da direita tradicional e conservadora que, desta forma, poderá governar e implementar medidas protecionistas, xenófobas e anti-imigração, normalmente sempre mais difíceis de pôr em prática. Se, na Suécia, o tema da segurança foi central durante toda a campanha (devido ao aumento da criminalidade no seio das comunidades imigrantes nas últimas duas décadas); já, em Itália, os principais lemas defendidos pela assumida candidata fascista (neta de Mussolini) foram "a família, a pátria e a religião", a par da imigração e dos refugiados, temas centrais em todas as campanhas (de Salvini, ex-governante e cujo partido integra o actual bloco nacionalista ao "regressado" Berlusconi, o populista-mor do reino, que apoia Putin, o que o coloca numa posição ambígua perante o eleitorado italiano. Resta acrescentar que Putin "himself", tem sido um dos principais apoiantes dos movimentos populistas e de extrema-direita na Europa e nos EUA (Trump), numa estratégia que visa enfraquecer os países do bloco ocidental. Tudo "bons rapazes", portanto.    

Resta a crise social e económica, propriamente dita, que veio para ficar. Chama-se "inflação" e já cá estava antes da guerra e do crescimento dos partidos populistas de direita na Europa. Nos EUA atingiu os 8,3% nos últimos dias e, na zona euro, ronda os 7%. Portugal não foge à regra e apesar do crescimento económico anunciado para o próximo ano (6,5%), a verdade é que partimos de valores mais baixos, pelo que o crescimento real é, proporcionalmente, inferior. Na realidade, e apesar do anúncio feito por António Costa (de que todas as pensões e reformas abaixo dos 705euros, iriam receber um bónus de 50%) os pensionistas e reformados portugueses, vão perder esse aumento em 2023 e 2024, já que os valores das pensões deixarão de ser indexados à inflação, como tem sido regra até agora. Dito de outro modo: o governo prepara-se para congelar os aumentos das pensões e reformas no futuro, o que significará de facto uma perda do poder de compra real nos anos que aí vêm. Chama-se a isto "dar com uma mão e tirar com a outra"...

Mas, nem tudo são más notícias. Nos EUA, Trump foi acusado pelo Departamento de Justiça de fuga ao fisco e de sonegar documentos secretos da Casa Branca, encontrados na sua mansão da Florida. A acusação, e provável condenação, poderá significar o fim das suas ambições políticas e a perda de direitos nas próximas eleições, o que não deixa de ser uma boa coisa. Também Steve Bannon (ideólogo da Alt-Right, promotor de movimentos de extrema-direita na Europa e ex-assessor de Trump) foi acusado de corrupção e apropriação de bens angariados na campanha eleitoral, tendo-se entregado à justiça. Outra boa coisa, portanto. 

Finalmente, o Brasil. Do outro lado do Atlântico, chegam boas notícias: a uma semana das eleições, as sondagens (de todos os quadrantes) dão Lula como provável vencedor, com uma diferença de 14 pontos sobre Bolsonaro (47% versus 33%). A confirmarem-se estes números, será necessária uma 2ª volta, já que nenhum dos candidatos atingirá a maioria absoluta (50+1) necessária para poder governar. Depois de quatro anos de gestão danosa e conflituosa com o eleitorado brasileiro, o actual presidente, um tosco fascista, sem qualquer preparação para governar, poderá ser afastado e, inclusive, acusado por crimes de peculato e envolvimento em crimes sob investigação. A grande incógnita, parece residir na influência que os grupos evangélicos (70% do eleitorado de Bolsonaro) têm nestas eleições. Independentemente das simpatias pessoais, o que está em jogo no Brasil é muito mais do que uma simples disputa entre dois candidatos. Trata-se da escolha entre democracia e fascismo, o que não é coisa pouca. Vai Brasil!

Nunca o Outono pareceu tão quente.

2021/10/28

Venham as eleições!

foto JN

O que ontem assistimos, não foi bonito de ver. Ninguém estava à espera de uma crise institucional, ainda que os sinais da crise estivessem aí há muito tempo. Só não dava por eles quem não queria vê-los. Era por demais evidente o desgaste do governo neste último ano e todos os sintomas de "fim de ciclo", desta governação, apontavam na mesma direcção. Nada que analistas de vários quadrantes não tenham previsto, logo em 2019, quando a constituição de uma segunda "Geringonça" falhou e o PS não conseguiu obter a maioria absoluta. Marcelo Rebelo de Sousa (o analista-mor do reino) chegou a profetizar que, a meio do mandato, por volta das eleições autárquicas, seria o momento de ruptura mais provável...

Bem, a ruptura aconteceu e, agora, não faltarão as acusações do costume, pois ninguém quer ficar mal na fotografia e há que culpar o "outro", ainda que não haja inocentes nesta história. 

Relembremos o óbvio: a "Geringonça" só existiu (por acordo escrito imposto por Cavaco Silva) entre 2015 e 2019. Ainda antes das eleições de 2019, o PCP recusou mais acordos escritos e o PS recusou reeditar a "Geringonça" apenas com o BE. 

Portanto, formalmente, nunca existiu uma "Geringonça" entre 2019 e 2021. Houve, sim, negociações entre os três partidos (PS, PCP e BE) e acordos pontuais, que resultaram (ou não) durante a legislatura, o que é natural entre partidos que têm ideologias e projectos políticos diferentes.  

Ou seja, qualquer dos partidos era (é) livre de defender os seus pontos de vista (leia-se princípios) sem qualquer compromisso à priori. Foi isso que aconteceu durante a negociação do Orçamento e isto é uma coisa natural em democracia. Como diria o outro "é a democracia a funcionar". 

Foi mau? Foi. Ninguém queria uma crise "nesta altura do campeonato". Acontece na maioria dos países europeus com democracias e parlamentos consolidados e não vem daí mal ao Mundo. Na Holanda, as últimas eleições foram há 7 meses (sete!) e ainda não conseguiram constituir governo; a Bélgica esteve cerca de 2 anos sem governo (dois!); A Alemanha teve eleições há mais de um mês e os partidos vencedores (3) ainda não conseguiram formar governo.  Alguém morreu por isso? 

A verdade é que a erosão governamental era visível e era previsível que, mais cedo ou mais tarde, a crise surgisse. Surgiu agora, provavelmente por calculismo político de alguns partidos (governo incluído). É caso para dizer que "vale mais uma boa crise do que uma má solução". 

Restam as eleições. Venham as eleições!

2019/08/16

Matérias Perigosas

A greve dos motoristas, que dura há cinco dias, parece ter entrado numa fase crítica.
Depois de um período alarmista, ampliado pela Comunicação Social, o governo aumentou os níveis esta semana, exigindo "serviços mínimos" e ameaçando com "requisição civil", todos os motoristas que se recusassem cumpri-los. Aparentemente, saíu-se bem.  A distribuição da gasolina foi-se efectuando sem grandes problemas, ainda que com apoio de militares e da GNR.  No primeiro dia da greve, 12 de Agosto, percorri a A23 entre Vilar Formoso e Torres Novas e a A1, entre Torres e Lisboa (mais de 400 km) e, no Fundão, onde meti gasolina, não havia qualquer carro em fila de espera na estação de combustíveis. Máximo permitido: 15 litros. So far so good.
Não consta que qualquer hospital, serviços de protecção civil, bombeiros ou aeroportos, tivessem falta de gasolina. À excepção do Algarve, onde a distribuição ainda é deficiente (também devido à população flutuante que, nesta altura do ano, aumenta exponencialmente), o nível de incumprimento situava-se nos 30%. No balanço provisório, diariamente feito pelo ministro do ambiente, este disse (ao 5º dia) que tudo estava a decorrer normalmente.
Entretanto, na comunicação social, nos fora e nas redes sociais, as opiniões, umas mais incendiárias que outras, surgiram em catadupa. De um modo geral todos - governo, oposição, patrões, motoristas, partidos políticos, sindicatos, jornalistas, comentadores - começam as suas intervenções por declarar que "a greve é um direito constitucional que assiste aos trabalhadores" para, depois, com maiores ou menores "nuances", acrescentarem: "mas, esta greve, é diferente e prejudica a população em geral". Os mais elaborados, chegam a afirmar que esta greve é de extrema-direita e serve interesses obscuros, quiça orquestrada por Steve Bannon (!?), o alter-ego de Trump que, a partir de Itália, se prepara para pôr a Europa a ferro e fogo. Quem sabe... Não devemos descartar nenhuma hipótese e, nos tempos que correm, uma greve, para mais de camionistas (lembram-se do Chile...) pode fazer cair um governo. Em véspera de eleições, este seria o momento ideal para destabilizar o PS, que vai à frente nas intenções de voto, pensam os arquitectos da conspiração. Logo, há que "parar o país", forma clássica de causar confusão e culpar o governo por tudo o que correr mal.
Acontece que o governo, que esteve bem até agora, não conseguiu parar a greve. O sindicato dos motoristas de matérias perigosas recusa-se suspendê-la e a organização patronal, a Antram, recusa-se negociar com o sindicato, enquanto este mantiver a greve. São cerca de 800 motoristas mobilizados, que fazem parte de um pequeno sindicato, criado em 2018. Das suas exigências, constam o aumento progressivo do ordenado-base (actualmente fixado em 630 euros), que passaria a integrar alguns dos subsídios pagos por fora (que não contam para o IRS) assim como a diminuição de horas-extra que, de acordo com o actual contrato colectivo de trabalho, podem chegar às 60 horas semanais. Ou seja, os motoristas de matérias perigosas exigem um ordenado líquido tributável de 900euros, ao longo dos próximos três anos, e menos horas de trabalho efectivo, o que faria disparar o ordenado ilíquido para cerca de 1500euros, exigências recusadas pela Antram.
Posto isto e porque as partes não negoceiam, a greve pode prolongar-se e, nesse caso, a rutura de "stocks" acontecerá mais cedo ou mais tarde, o que pode inverter a situação, actualmente favorável ao governo, cuja actuação tem sido elogiada pela maioria da população. É aqui que estamos e por isso esta fase é crítica.
Entretanto, os motoristas continuam a trabalhar oito horas por dia, o que lhes garante um vencimento-base, ainda que as horas cumpridas (serviços mínimos) não cheguem para assegurar as necessidades de distribuição. Ou seja, só cumprindo 11 ou 12 horas diárias, o conseguiriam fazer, com todos os riscos inerentes.
Dito de outra forma: o patronato paga parte do ordenado por "debaixo da mesa" aos motoristas, fugindo dessa forma à Segurança Social e ao Fisco e a Autoridade Tributária (que conhece a situação) nada faz para recuperar impostos que ascendem a 300 milhões de euros, de acordo com os cálculos publicados por estes dias. Grande negócio, que o governo (Finanças) ignora olimpicamente. 
Independentemente do que possamos pensar sobre as "intenções" desta greve (que alguns lamentam pelos inconvenientes provocados), a verdade é que não são conhecidas greves sem efeitos secundários, ou que não perturbem a produção. Esse é o seu fim último. Sempre foi assim e esta greve não é excepção. O que está mal, mas muito boa gente parece não querer ver, são as condições de trabalho e salário existentes que, de há muito tempo a esta parte, são praticados no sector. O governo é cumplice desta situação e a sua posição neste conflito, claramente ao lado da Antram, só confirma o lado que escolheu.

2017/02/10

Trumpalhadas

Donald Trump. Era inevitável. Não passa um dia em que não ouçamos falar dele.
Como notava alguém, num recente debate televisivo sobre a actualidade, finalmente voltámos a falar de política! De facto, não há dia em que não sejamos interpelados pelas decisões e atitudes do recentemente eleito presidente dos EUA, ainda que nem sempre pelas melhores razões. Não está em causa o facto das decisões de um presidente americano influenciarem directa ou indirectamente a maior parte da população do globo: essa tem sido uma constante da política externa americana no último século e já vamos estando habituados à sua presença. O que está em causa, é o tipo de decisões tomadas e a forma como estas são postas em prática. Digamos, para usar uma linguagem diplomática que, ao actual homem da Casa Branca, falta algo essencial para exercer o cargo que ocupa, afinal o do homem mais poderoso do Mundo. Não é coisa pouca.
(foto AP)
Philip Roth, consagrado escritor americano, escreveu nos dias que se seguiram à tomada de posse de Trump, não se lembrar de um presidente tão limitado nas suas capacidades cognitivas e com tão reduzido léxico, incluindo Nixon e George Bush Jr., os piores da lista. De acordo com o recente nomeado para o Nobel de Literatura, Trump não utilizaria mais do 77 palavras...
Piadas à parte, a verdade é que o seu discurso de posse foi de uma pobreza extrema (de resto, escrito por Bannon, o homem forte da campanha) e a sua forma de comunicação preferida, os "twitters", são disso a prova. Um presidente do país mais poderoso do Mundo, que opina sobre todas as questões da política interna e externa e reage às críticas através de mensagens que não ultrapassam os 140 caracteres, a maior parte destas com ameaças veladas e "soundbites" destituidos de qualquer nexo ou profundidade, é uma novidade em política e nada nos faz crer que seja boa.
Uma das interpretações avançadas para este comportamento atípico, residirá no seu perfil psicológico, caracterizado como narcisista-obsessivo, que explicará a necessidade constante de receber atenção e a dificuldade notória de funcionar numa equipa (dado que sempre foi o "patrão" de empresas, onde as ordens não se discutem e são para cumprir). Muitos telespectadores lembrar-se-ão ainda do "talk-show" que dirigiu durante anos, onde os concorrentes eram despedidos, após cada eliminatória, com a frase "you're fired!", que o celebrizou. No fundo, a personificação do "boss" tradicional, para quem os lucros da empresa são sempre mais importantes do que os nela trabalham. Não é difícil imaginar tal personagem em reuniões e a tomar decisões com os seus principais conselheiros, ainda que estes tivessem sido escolhidos a dedo e sejam, por por definição, mais cultos e informados (bem mais perigosos) do que o presidente. De resto, não está sequer afastada a hipótese de Trump vir a ser substituido antes do fim da legislatura, seja por razões pessoais, seja por conveniência do "sistema" (partido republicano, Wall Street, corporações várias, industria de armamento) que, nesta fase de destruturação e reordenamento do capitalismo global iniciada em 2008, o estejam a utilizar como "testa de ferro".
Uma coisa é certa: ninguém acreditou que ele se candidataria à presidência e ele candidatou-se. Quando o fez, pouca gente acreditou que poderia ganhar as primárias e ganhou. Mais tarde, quando isso aconteceu, todas as sondagens davam a vitória a Hillary e poucas apostariam na sua vitória. No entanto, acabaria por ganhar as eleições. Com menos votos, é certo, mas vencedor na maioria dos estados representados no colégio eleitoral que o nomeou. Um vencedor incontestável, ainda que contestado.
E agora?
Independentemente dos rótulos encontrados (populista, demagogo, nacionalista, proteccionista, fascista de tipo novo), Trump e o trumpismo vieram para ficar. Para os americanos, que não se revêem nas suas políticas, um verdadeiro "nightmare", que ainda só agora começou. Será na América, de resto, que irá travar-se o maior e mais decisivo combate contra este representante de um sistema financeiro que não olhará a meios para impôr as suas leis. Um presidente que defende o mercado livre, mas que, simultaneamente, defende o "proteccionismo"; que impede a imigração legal, mas necessita de imigrantes qualificados nas áreas da inovação e tecnologia (sem as quais não há desenvolvimento); que quer levantar barreiras alfandegárias, mas necessita de fazer negócios com o México, a Alemanha, o Japão, a Russia ou a China (que detém 45% da dívida pública americana); que quer recuperar as industrias tradicionais, sem ter em conta que os automóveis, as minas e o aço, são mais baratos noutras paragens. Quer "tornar a América grande de novo", mas não sabe bem como. A menos que...a menos que, caso falhem todas estas medidas, esteja em preparação algo de mais terrível, como o que foi experimentado pela maior potência europeia do século passado, quando escolheu a guerra para superar a crise. Não o devemos menosprezar.

    

2016/03/16

Quem condena quem?

A corrupção, que é endémica na sociedade brasileira (o país ocupa a 78ª posição no índice "transparency" da ONU), sempre existiu antes e durante o consulado do PT.
Lula, ao aceitar a nomeação para um cargo de super-ministro (mesmo que inocente das acusações que lhe são feitas), só fará aumentar as suspeitas existentes e não se libertará do cerco.
E isto é mau para a democracia.
O Brasil, como os restantes "BRICs", depois de uma década de crescimento económico sem paralelo na história, entrou numa crise profunda: social, económica, na inflação, no desemprego e, como sempre, na corrupção, que é hoje transversal a toda a sociedade.
Se Dilma for afastada por "impeachment", quem a vai substituir? O vice-presidente acusado, ele também, de corrupção? O presidente da Assembleia, o "maior" corrupto? E quem a vai julgar? Tribunais e juízes, provavelmente tão corruptos como os demais? Ou a polícia, conivente com o crime organizado, como é do conhecimento público?
Quem tem moral para condenar quem?
Este é, provavelmente, o maior dilema da sociedade brasileira, que deixou de acreditar em soluções democráticas. Ora, quando se deixa de acreditar nas instituições, abre-se caminho para outras "pulsações".
Estamos a assistir a uma situação, onde tudo se conjuga para a chamada "tempestade perfeita". Em tempo de crise moral e social, os apelos a soluções autoritárias, aumentam. É da história e já assistimos a este filme no passado.
Também eu quero acreditar, que o tempo dos "generais" já passou, mas o "populismo" (outra das características da América Latina) está ainda bem presente (ver países vizinhos onde a "democracia musculada" vai fazendo o seu caminho...)
As reacções da apelidada "classe média branca", vistas da Europa, parecem típicas de um grupo social descaracterizado e sem grande consciência social. Com medo do presente e sem alternativa política. Não se manifestavam há dois anos atrás, mas, agora, parecem ter todos "descoberto" a corrupção (!?). Uma fuga em frente?
Provavelmente, não sofrem tanto com a corrupção, como fazem crer (também eles beneficiam dos privilégios advindos das desigualdades, do racismo e da estratificação social existente naquele país).
Não tenho certezas. Temo o pior, mas quero acreditar que a democracia acabará por vencer.
Com eleições democráticas, claro. 

2014/12/29

E a Grécia aqui tão perto...

Reuters

A Grécia terá eleições antecipadas em Janeiro de 2015.
Após três votações parlamentares, os deputados gregos não conseguiram escolher um candidato presidencial, com maioria absoluta de votos. De acordo com a constituição grega, após três votações inconclusivas, o primeiro-ministro é obrigado a dissolver o parlamento e a convocar eleições antecipadas, as quais deverão ocorrer no dia 25 de Janeiro.
Porque é que estas eleições são importantes?
Porque, neste momento, a Grécia é um país intervencionado, sujeito a um programa de ajustamento sob a supervisão da mesma Troika que esteve em Portugal e deixou o nosso país ainda mais endividado do que estava antes do programa ser aplicado; e, da mesma forma que em Portugal, foram os partidos gregos (no poder) os principais responsáveis pelo descalabro das contas públicas e a causa directa pela intervenção externa naquele país. 
As razões por que isso aconteceu, já foram escalpelizadas em dezenas de "posts" e artigos de opinião ao longo destes últimos anos e, se algumas dúvidas existiam, as recentes declarações da presidente do FMI (um dos parceiros da Troika) sobre os programas nos países intervencionados (Grécia, Irlanda e Portugal) falam por si: os programas foram desajustados, empobreceram as populações dos países em causa e criaram dívidas soberanas impagáveis no futuro, porque estas são agora maiores do que antes da intervenção.
Como é que isto foi possível?
Desde logo, pela má gestão dos respectivos governos que directamente (finanças aldrabadas e aumento descontrolado da despesa pública, nos casos da Grécia e de Portugal) e indirectamente ("bolha" imobiliária e crédito fácil, no caso da Irlanda) foram obrigados a pedir a intervenção de organismos internacionais (FMI, BCE e UE), para consolidarem as suas finanças. As condições estabelecidas pelos bancos para concederem os empréstimos (juros altos e prazos curtos) em países da zona Euro (sem possibilidade de desvalorização da moeda) causaram crises sociais e económicas sem precedentes. Porque as populações empobreceram e deixaram de consumir, as economias retraíram-se e entraram em recessão, tornando a dependência externa ainda maior. Não é, pois, de admirar, que após a "intervenção" da Troika, a dívida portuguesa tenha aumentado para cerca de 130% do PIB e a dívida grega para 175%! Obviamente, os juros a pagar pelos empréstimos não pararam e continuam a aumentar exponencialmente, uma vez que são calculados em função do risco inerente a economias que não crescem acima de 1% ao ano. Perante tal cenário, é natural que as famigeradas agências de "rating" continuem a considerar tais economias como "lixo", o que na prática quer dizer que ninguém quer investir nestes países ou, se o faz, exige contrapartidas impagáveis (já houve bancos alemães a exigirem ilhas gregas em troca...).
Estamos perante um problema sem solução?
Esta é a pergunta que todos fazem, dentro e fora dos países intervencionados.
Enquanto a UE (leia-se, governo alemão) não abrir mão do "diktat" que impõs aos países membros da zona Euro, que os impede de renegociar a dívida pública existente (através da sua mutualização, do alargamento de prazos e de baixa de juros) não só as dívidas serão impagáveis, como os países endividados ficarão mais dependentes no futuro. Provavelmente, essa é a estratégia do capital financeiro internacional. Para que isso seja possível, deverá contar com governos cúmplices e colaboradores, como tem sido o caso do governo português e do governo grego, ainda que este, recentemente, tenha recusado aplicar mais medidas de austeridade.
A alternativa, é romper com este ciclo de subjugação e, se não restar outra solução, abandonar a zona Euro, o que vem sendo defendido por cada vez mais analistas políticos. Esta é, de resto, a "pedra de toque" que separa o governo grego do Syriza (o maior partido da oposição) o qual defende a renegociação da dívida e está à frente nas sondagens para as próximas eleições.
Questionado sobre a crise grega e provável vitória do Syriza, Schauble, o ministro alemão das finanças, já veio declarar que não importa o presidente escolhido, mas a dívida grega, que tem de ser paga. Entretanto, as principais bolsas europeias já reagiram negativamente e o FMI anunciou a suspensão do pagamento da última "tranche" até às eleições. Outra coisa não seria de esperar. Resta, esperar - isso sim - pelos resultados das eleições anunciadas pois, em última instância, será sempre o povo grego a decidir do seu futuro. E esse direito é inalienável, pesem as ameaças vindas do estrangeiro.

2014/12/23

Logo agora, que isto ia tão bem...



O último relatório da Comissão Europeia sobre o nosso país não é meigo e, de acordo com as notícias, chega mesmo a "puxar as orelhas" ao governo português.
Ora, que diz, no essencial, tal documento?
Desde logo, critica as "reformas estruturais" do governo (leia-se, medidas de austeridade) que teriam abrandado, depois da saída da Troika em Julho passado. Depois, critica o aumento do salário mínimo, congelado há quatro anos. Critica também a correcção do défice assente na receita em vez da despesa e, finalmente, critica o excesso de dívida pública, que continua demasiado alto.
Temos de concordar que não é coisa pouca.
No entanto, há aqui coisas difíceis de explicar. Por exemplo: desde Maio de 2011 que, aos portugueses - sujeitos ao mais austero programa financeiro dos 40 anos de democracia - foram pedidos sacrifícios sem fim, para reduzir um "déficit" incontrolável e uma dívida pública galopante, com a promessa que, depois, poderíamos regressar aos mercados (e continuar a endividar-nos de novo...). Para que isso fosse possível, era necessário aumentar os impostos, reduzir os salários, reduzir as pensões e reformas, reduzir os subsídios de desemprego e invalidez, reduzir o abono de família e reduzir o rendimento de inserção social. Era ainda necessário reduzir o "peso do estado" na despesa pública e aumentar as privatizações em áreas tão nevrálgicas como a EDP, a REN, a PT, a ANA e a TAP. Porque estas medidas não foram consideradas suficientes, foram pedidos ainda mais sacrifícios, nomeadamente a suspensão dos subsídios de Natal, o pagamento das pensões em duodécimos,  criadas taxas de solidariedade sobre todas as pensões acima de 650euros (3,5%), assim como uma taxa de 15% sobre todas as pensões acima de 1500euros (segundo o critério, um português com 1500euros, é um português rico!). Como está bem de ver, esta espiral de empobrecimento colectivo conduziu à retracção do consumo, que por sua vez influenciou negativamente a produção de bens e levou ao fechamento de lojas e fábricas por todo o país, com as consequências previsíveis. O desemprego atingiu os 14% (a terceira maior taxa da União Europeia) e, porque o desemprego aumentou, as famílias ficaram ainda mais endividadas tendo, muitas delas, visto os seus bens penhorados. Milhares tiveram de revender as casas e os carros aos bancos, tirarem os filhos das escolas e, nalguns casos, regressar a casa dos familiares. Os que terminaram os estudos, porque não arranjavam emprego, tiveram de emigrar (só nos últimos três anos, teriam saído de Portugal cerca de 350.000 jovens adultos em idade laboral!). Porque ainda não era suficiente, os orçamentos para a educação e para a investigação, foram drasticamente diminuidos e o mesmo se passou na saúde, onde todos os serviços passaram a ser pagos de acordo com os vencimentos dos utentes. A cultura deixou de ter ministério e o orçamento não atinge, hoje, os 0,3%. Tudo passou a ser pior, como era imaginável e, três anos depois, Portugal não só está mais pobre (dois milhões de pessoas a viverem abaixo do índice da pobreza e mais de 25% das crianças subalimentadas), como nenhum dos principais objectivos, do programa de "emagrecimento" resultou: o déficit continua a estar acima dos 3% exigidos pela Tratado Europeu (prevê-se que atinja os 4,9% este ano), a dívida pública continua muito acima do máximo de 120% previsto (está em 127,7% do PIB), a economia não cresce acima dos 1,1%, as importações não diminuiram e as hipóteses da economia melhorar, a curto prazo, são nulas.  Não fora o abaixamento das taxas de juro (devido às intervenções de Mario Draghi) e à recente quebra do preço do petróleo nos mercados internacionais e Portugal continuaria a ver a sua dívida ainda mais aumentada e prolongada no tempo.
A situação é de tal modo grave, que a insuspeita Lagarde (FMI), declarou há dias que a receita do Fundo Monetário para os países intervencionados, Portugal incluido, não estava a resultar e que as medidas de austeridade tinham sido exageradas.
Ora, vem agora o Snr. Juncker (acusado pelo Parlamento Europeu de favorecer a lavagem de dinheiro no Luxemburgo, enquanto foi presidente do país), chamar a atenção do governo português, para os desmandos verificados nos últimos meses. Não se faz!
Ainda por cima, criticar os nossos governantes, que sempre disseram querer ir além da Troika e foram os primeiros a assinar o Tratado Orçamental Europeu, que nos prende irremediavelmente a regras impossíveis de cumprir num país endividado como o nosso. E agora, em que ficamos?
É o programa bom? Se é, porque não resultou? Se não é, porque insistir neste modelo?
De facto, há coisas incompreensíveis. Logo agora, que isto ia tudo tão bem, como não se cansa de repetir o governo de Portugal...  

2014/09/05

David Copperfield passou por aqui


Um truque do conhecido ilusionista fez desaparecer o País!
Perdeu-se a oportunidade de introduzir reformas estruturais sérias na estrutura produtiva do País e no aparelho de Estado?
Pois, de facto, perdeu-se, mas, atenção!, agora surge uma coisa chamada "Fórum Económico Mundial" — que o ministro da Economia jura a pés juntos ser referência incontornável para os investidores — que diz que não, e faz Portugal saltar, num só passe assombroso, 15 - lugares -15 na lista dos países mais competitivos do mundo. Afinal houve aumento da competitividade por causa das "reformas estruturais". Deste governo? A da Justiça não foi certamente e o Álvaro já não mora aqui.
O endividamento era o problema número um do País?
Pois era, mas Portugal decide sacar uns pózinhos, puf-puf, zás-pás!, e emitir ainda mais dívida, desta vez em condições mais vantajosas do que nunca, ou seja, excelentes para os prestamistas. A redução da dívida segue dentro de momentos.
As exportações eram o motor da "retoma"? Pois, as exportações caem porque os exportadores parecem estar a perder quota de mercado. A procura interna aparece agora como o próximo coelho que o Coelho tira da cartola.
O IEFP "dá" emprego? Pois "dá", mas parece que, em certos casos, graças ao gesto mais rápido que o olhar, os trabalhadores são colocados em empresas das quais foram despedidos. É certo que com a economia neste estado, os empresários, carregados de impostos, não têm muitas vezes condições de manter os trabalhadores. A solução encontrada é então despedirem esse trabalhadores e voltarem a admiti-los através do IEFP, pagos por todos nós. O "emprego" dura enquanto durar o subsídio. Depois voltam a sair. O "Estado mínimo" em versão ultra-liberal.
Há crise?
Pois há, mas, varinha mágica, swiig-ziiing-zoiing!, os ordenados dos gestores de topo subiram enquanto os trabalhos menos qualificados (não necessariamente os trabalhadores menos qualificados, note-se) descem. Isso mesmo era relatado ontem na imprensa. A "procura interna", pelos vistos, vai continuar a ser privilégio dos gestores de topo. A retribuição do trabalho vai continuar a descer.
E não é só o país que desaparece. A Europa, não tarda, também vai. Com a ajuda de um mágico local. Portugal subiu ao pódio europeu do desemprego estrutural?
Pois subiu, e agora parece que — certamente em guisa de remuneração compensatória — o dr. Moedas, um dos fautores desse desemprego vai tomar conta da pasta do emprego da Comissão Europeia, alargando, abrakadabra pronto, presto!, o efeito da sua magia ao resto do velho continente.
Portugal, 2014, é este o país que vê? Ou isto não passa de um imenso festival de magia? Um festival de truques produzidos por um grupo de ilusionistas capitaneado por Pedro Manuel Mamede Passos Coelho, com a assistência de Paulo de Sacadura Cabral Portas, a varinha de Aníbal António Cavaco Silva e o apoio técnico de António José Martins Seguro.

2014/05/21

A assobiar para o lado, até que um dia...

Já há muito que se tornou doloroso observar o gigantesco acto de prestidigitação que foi montado em torno da chamada crise da dívida soberana portuguesa e o modo como o Povo Português a ela reage. Nem Siegfried & Roy alguma vez conseguiram tamanha proeza. Esta questão da culpabilização dos povos e da exaltação dos chefes e do seu papel providencial, não é um fenómeno de hoje nem, seguramente, um "problema português". A teoria política disseca este tema e há várias explicações para ele. Em todo o caso, é de coelhos tirados da cartola, de ilusionismo, portanto, que estamos aqui a falar. Vender a crise é como vender detergentes, criando a ilusão de que um lava "mais branco" que o outro e nisso, temos de o admitir, os actuais governantes arriscam ganhar o Leão de Cannes...
Há uma série de ideias que entraram no imaginário colectivo de uma forma chocante e verifica-se que a esmagadora maioria das pessoas actua perante essa ficção que é a "crise" como se se tratasse, de facto, da realidade, deixando a realidade, essa sim, escapar-se-lhe por entre os dedos.
Duas ideias ilustram isto que digo.
Primeiro, a ideia de que temos de "reformar" o Estado. Ninguém está contra a necessidade de melhorar serviços, poupar recursos, alterar até objectivos. Todos, mas todos!, queremos mais, melhor e maior eficácia na obtenção de resultados. Querer, pois, reformar o Estado não é, em si mesmo, algo digno de nota especial. O que está em causa aqui é verificar se aqueles que repetem esta ladainha o estão a fazer bem, se não estão a agravar o problema que diziam querer resolver ou se não estarão a aproveitar para impor a sua própria (uma outra) ideia de Estado. Se levarmos em conta tudo aquilo que foi dito antes, para obter a legitimação democrática necessária para levar a cabo estas reformas, o que parece quererem dizer agora aqueles que propagandeiam e os que papagueiam, sem reflectir, este cliché, é que temos de acabar com o Estado. No entanto, lá os vemos com ar moralista a repetir o estafado argumento dos gastos acima das possibilidades, do défice incomportável e da impossibilidade de viver assim, alapados, eles e os amigos, no Estado que tanto criticam.
Dizer-se que temos de alterar o estado actual do Estado não é nada em si mesmo. O que está em causa é como fazê-lo e com que resultados. É a esse julgamento que os actuais responsáveis pelo governo de Portugal parecem querer fugir, ao repetirem a mesma conversa sem se submeterem à nossa avaliação periódica. Nós somos a troika! 
Outra das ideias que esvoaçam constantemente nos discursos dos políticos e nas análises dos doutos comentadores, pagos para nos ensinarem a pensar, é a de que vamos ter reforma para 20 ou 30 anos. Portugal não se levanta nem daqui a uns decénios, vamos continuar como " protectorado" mais não sei quanto tempo, os credores exigem, os credores dominam. Esbanjou? Tem de ajoelhar!  Estas ideias em particular, ouvimo-las da boca dos mesmos responsáveis políticos que as originaram (ouvimo-las da boca de Cavaco Silva, por exemplo, que a proferiu sem corar de vergonha, assobiando como se nada fosse com ele) e ouvimo-las também de gente crítica do actual governo e das suas orientações, alguns mesmo que conquistaram auditório a denunciar os desmandos dos políticos e que agora se limitam a fazer coro com aqueles mesmo que antes denunciaram, não apresentando - facto significativo! - uma única alternativa ao que criticam nem se comprometendo com a viabilização de soluções para as críticas que proferem. Gente de gravata, falar manso e cara bolachuda, diz aos sem-abrigo, magros e esfarrapados que vão ter de permanecer dentro dos caixotes de papelão mais umas décadas.
Não há culpados, há uma "dívida", que é vista como se fosse um desses arquétipos platónicos, coisa portanto intangível e só discutível no domínio da música das esferas, mas ninguém assinou o cheque nem mandou publicar em Diário da República. Fomos "nós", os "portugueses", mandriões e desorganizados, que levámos o País à ruína. 
Espanta a leviandade com que gente de barba branca fala na hipoteca do futuro de filhos e netos sem pestanejar, sem sequer sentir, aparentemente, um leve resquício de vergonha na tromba. Começar a vida com a perspectiva de que quando tiver 20 ou 30 anos vai ainda ter de pagar uma dívida que não contraiu, é esta a "promessa" que faço à minha neta recém nascida?! Uma dívida que o avô nem sequer contraiu? E os que, de facto, a contraíram, limpa-se-lhes o cadastro? E será na realidade a dívida dela? E se for, não terá ela direito a uma compensação por nos ir pagar algo que não avalizou? Como vai ela sustentar-se a ter de pagar os compromissos necessários a assegurar a sua sobrevivência juntamente com os encargos do regabofe para o qual não contribuiu? E esta gente, mesmo a que critica as actuais orientações do governo, acha isto normal? O movimento pró vida transformou-se em movimento pró dívida...?
Contra isto alguns Portugueses reagem saindo do País, outros juram que não vão votar, muitos, a maioria, diabolizam os políticos mas fogem à responsabilidade de os apear do poder e criar verdadeiras alternativas. Irão para a praia em dia de eleições, dirão depois que não foi com a sua ajuda que "estes" foram para lá, sentir-se-ão assim leves que nem pássaros. Mas não, a culpa é deles e mais tarde ou mais cedo, de uma forma ou de outra, vão ter de pagar por isso.
Já terão os Portugueses pensado como vai ser, de facto, a sua vida, a sua, dos seus filhos e netos, daqui a 20 ou 30 anos se continuarmos a assobiar para o lado da forma como temos vindo a fazer até aqui?

2014/02/22

O Mundo anda estranho...

Não são boas as notícias que nos vão chegando através dos orgãos de comunicação social. Para além da crise nacional, que continua a fustigar a maioria da população portuguesa e para a qual não parece haver solução conjuntural, somam-se agora as crises internacionais, algumas delas bem mais "europeias" do que podem parecer. Da Síria à Venezuela, passando pela Ucrânia, o espectro de guerra civil ganha terreno em todos os países, ainda que as causas sejam diferentes. Se algo há de comum à realidade destes regimes, é a natureza dos seus governos, de tendência dictatorial e populista, como também é habitual nestas situações. Para além dos regimes (et pour cause) estão outros interesses, que manipulam na "sombra" (quando não à descarada) os peões locais que servem a sua estratégia geopolítica.
É o caso da Síria, onde um conflito que surgiu na seguimento da "Primavera Árabe" tem vindo a alastrar a toda a região, seja pela intransigência do tirano local, seja pela ingerência dos principais blocos políticos, que tentam ganhar dividendos com a contenda. No meio, como sempre, restam os deserdados da terra, hoje milhões, espalhados pelos campos de refugiados dos países vizinhos. Depois, a Venezuela, um país dividido ao meio, onde a classe dirigente, após ter ganho a simpatia da maior parte da população mais pobre (devido às medidas implementadas por Chavez) está confrontada com a maior crise social e económica dos últimos anos, apesar da riqueza natural do país (petróleo) que continua a ser o factor maior de destabilização da região. Sem o carisma do falecido presidente, Maduro parece ter enveredado por um caminho ainda mais populista e autoritário do que o seu antecessor, o que não augura um futuro melhor para o país. Neste quadro, os EUA estarão à espreita e não é improvável que a sua influência já seja grande entre a oposição local. Finalmente, a Ucrânia. O segundo maior país da Europa depois da Russia é, desde tempos imemoriais, uma região tampão na Europa Central que, por razões culturais e políticas, sempre foi disputada pela Russia e pela Europa. Também aqui, a independência, conquistada há pouco mais de 20 anos, veio acelerar o desejo de parte significativa da população em pertencer à UE. Essa corrente, que esteve na origem da "revolução laranja", tão exaltada no Ocidente, não só não é representativa de todo o país, como nunca teve o apoio da Russia de Putin. Que o actual presidente ucraniano, democraticamente eleito, tenha impedido um acordo comercial com a UE, devido à pressão russa, é um acto que uma parte da população não lhe perdoa. Quando os interesses ocidentais exploram este desencanto e apoiam indirectamente os movimentos mais nacionalistas e de extrema-direita no país, para derrubarem o regime, é de temer o pior. As aparentes tréguas, hoje assinadas, não são a garantia de que o perigo de uma guerra civil esteja totalmente afastado. Na Ucrânia, joga-se por estes dias uma parte importante do futuro europeu.
E em Portugal? A avaliar pela missa partidária em curso numa sala lisboeta, este fim-de-semana, nada parece ter mudado. O Mundo roda, mas o país parece estático. Ou, como sintetizou um conceituado orador do evento: "O país está melhor, apesar das pessoas viverem pior". Perante tal desconchavo, vêem-me à memória as premonitórias palavras escritas nos muros de Maio de 68: "Deus não existe, Marx morreu e, eu próprio, já não me sinto lá muito bem..."
      

2014/01/17

Entrevista de Ricardo Paes Mamede sobre o "milagre económico"...






Entrevista de Ricardo Paes Mamede a Paulo Magalhães no programa 'Política Mesmo', da TVI24, na passada 4ª feira (a partir do minuto 37). 
Está lá tudo, ouça com atenção. É simples...
Mais informação aqui.

2013/12/31

Um ano para esquecer

Não foi um bom ano, este que agora termina.
A "crise" não é com certeza uma figura de estilo e instalou-se definitivamente na sociedade portuguesa. Basta atentar nos índices de desemprego, nas falências de empresas, na perda de poder de compra da maioria dos cidadãos, no aumento dos programas caritativos, nos níveis da emigração ou na dívida pública galopante, para não termos quaisquer ilusões relativamente ao que nos espera.
Pesem os tímidos sinais de recuperação (exportações e fim da recessão técnica), argumentos que o governo tenta explorar demagogicamente, é por demais evidente o empobrecimento generalizado da população, confrontada com o maior ataque aos direitos adquiridos desde o 25 de Abril.
A inconstitucionalidade destas medidas é, de resto, de tal forma evidente, que os chumbos do Tribunal Constitucional passaram a ser a regra em lugar da excepção.
E, no entanto, nada parece demover o governo neste caminho para o desastre anunciado. A estratégia delineada em 2011 continua a ser aplicada, segundo o princípio "estado mínimo, mercado máximo", que não deixará pedra sobre pedra quando a Troika abandonar o país ou, lá mais para a frente, quando a coligação governamental for, eventualmente, derrotada nas urnas.
Mas, mesmo que isso se verifique, qual será o cenário pós-eleitoral?
Nada nos garante que, nessa altura, o partido vencedor (seja ele qual for), possa sequer aplicar uma política radicalmente diferente daquela que tem vindo a ser utilizada. A razão é simples: o país estará, então, de tal forma exangue e a economia de tal forma destruída, que levará anos (uma década, segundo Stiglitz, prémio nobel da economia) a recuperar...
Um cenário à imagem da superfície lunar, onde a paisagem é constituida por rochas onde nada cresce. Será esse o nosso destino colectivo, se nada fizermos para o evitar. Será portanto, esta, a nossa maior e mais importante tarefa em 2014: evitar o desastre anunciado.
Bom ano!


2013/11/23

Nem tudo o que mexe está necessariamente vivo

As manifestações de ontem em Lisboa (Escadarias do Parlamento e Aula Magna da Universidade) podem significar tudo e o seu contrário.
Se é verdade que a situação do pais deixa cada vez menos margem de manobra a uma parte substancial da população, diariamente espoliada de meios mínimos para a sua sobrevivência e, nesse sentido, cada vez mais predisposta a revoltar-se contra este estado de coisas; também não é menos verdade que, salvo raras e circunscritas excepções, nada indica que a sociedade portuguesa esteja num ponto de ebulição tal que a violência futura, anunciada por muitos comentadores e exaltada por Soares, seja, para já, um dado adquirido.
Vejamos a manifestação policial no Parlamento: é verdade que o acto simbólico dos policias a ultrapassarem as barreiras e a subirem as escadas do Parlamento, é um precedente aberto a especulações. Como se comportarão os policias, que guardam o Parlamento, em futuras manifestações naquele local?  Carregarão sobre os manifestantes, como o fizeram em Novembro de 2012, ou recuarão para o cimo da escadaria, como o fizeram ontem, permitindo aos manifestantes que subam as escadas como os polícias? É uma pergunta pertinente, pois do comportamento policial – contra, ou ao lado de futuros manifestantes -  poderemos concluir o que faz mexer a policia: uma reivindicação corporativa ou uma revolta anti-governamental.
O mesmo se pode dizer, relativamente à manifestação de iniciativa de Mário Soares, organizada à mesma hora em que as forças policiais subiam as escadas do Parlamento. Também na Aula Magna, podíamos ver caras mais e menos conhecidas, muitas delas de ex-governantes, maioritariamente do PS, que até há três anos atrás foram governo e que, muito provavelmente, vão voltar a sê-lo muito em breve.
Significará esta concentração de ex-governantes, políticos no activo, figuras de direita e de esquerda e simples cidadãos revoltados, uma nova tendência na oposição portuguesa?  Ainda é cedo para extrair conclusões, mas a experiência dos últimos anos não nos permite sermos optimistas: há um cansaço nítido na sociedade portuguesa, que não se revê na partidocracia reinante e está exaurida pelo regime de austeridade  imposto pelo actual governo. Por isso, as iniciativas da oposição, sejam estas de carácter partidário, sindical ou simples movimentos de cidadãos, parecem ter cada vez menos aderência. Basta ver a percentagem de abstenções nos actos eleitorais mais recentes ou o divisionismo reinante nos diversos movimentos, para constatar o óbvio. Que tenha sido uma figura como Mário Soares a organizar tal encontro, ilustra bem o impasse das esquerdas (todas sem excepção), nesta crítica fase da politica portuguesa.  Aparentemente, a oposição está bloqueada e não parece poder oferecer uma alternativa real de governo o que, de resto, é expresso nas sondagens regularmente feitas. Também a composição da sala da Aula Magna, não augura muito de bom, sabendo nós que muitos daqueles ex-governantes contribuíram (e de que maneira) para o estado a que o pais chegou.
Avizinham-se tempos (ainda) mais difíceis. O governo está isolado e pode cair de podre. Mas, as alternativas (à esquerda) não são de molde a entusiasmar os cidadãos. Nem tudo o que parece mexer está de facto de saúde. Este é o dilema.

2013/11/21

Nem mais...

Carta Aberta a um MENTECAPTO (João César das Neves)
Meu Caro João,
Ouvi-te brevemente nos noticiários da TSF no fim-de-semana e não acreditei no que estava a ouvir. Confesso que pensei que fossem “excertos”, fora de contexto, de alguém a tentar destruir o (pouco) prestígio de Economista (que ainda te resta).
Mas depois tive a enorme surpresa: fui ler, no Diário de Notícias a tua entrevista (ou deverei dizer: o arrazoado de DISPARATES que resolveste vomitar para os microfones de quem teve a suprema paciência de te ouvir).
E, afinal, disseste mesmo aquilo que disseste, CONVICTO e em contexto.
Tu não fazes a menor ideia do que é a vida fora da redoma protegida em que vives: - Não sabes o que é ser pobre; - Não sabes o que é ter fome; - Não sabes o que é ter a certeza de não ter um futuro. Pior que isso, João, não sabes, NEM QUERES SABER!
Limitas-te a vomitar ódio sobre TODOS aqueles que não pertencem ao teu meio. Sobes aquele teu tom de voz nasalado (aqui para nós que ninguém nos ouve: um bocado amaricado) para despejares a tua IGNORÂNCIA arvorada em ciência.
Que de Economia NADA sabes, isso já tinha sido provado ao longo dos MUITOS anos em que foste assessor do teu amigo Aníbal e o ajudaste a tomar as BRILHANTES decisões de DESTRUÍR o Aparelho Produtivo Nacional (Indústria, Agricultura e Pescas).
És tu (com ele) um dos PRINCIPAIS RESPONSÁVEIS de sermos um País SEM FUTURO.  
De Economia NADA sabes e, pelos vistos, da VIDA REAL, sabes ainda MENOS! João, disseste coisas absolutamente INCRÍVEIS, como por exemplo: “A MAIOR PARTE dos Pensionistas estão a fingir que são Pobres!”
Estarás tu bom da cabeça, João?
Mais de 85% das Pensões pagas em Portugal são INFERIORES a 500 Euros por mês (bem sei que que algumas delas são cumulativas – pessoas que recebem mais que uma “pensão” - , mas também sei que, mesmo assim, 65% dos Pensionistas recebe MENOS de 500 Euros por mês).  
Pior, João, TU TAMBÉM sabes.
E, mesmo assim, tens a LATA de dizer que a MAIORIA está a FINGIR que é Pobre?
Estarás tu bom da cabeça, João?
João, disseste mais coisas absolutamente INCRÍVEIS, como por exemplo: “Subir o salário mínimo é ESTRAGAR a vida aos Pobres!”
Estarás tu bom da cabeça, João?
Na tua opinião, “obrigar os empregadores a pagar um salário maior” (as palavras são exactamente as tuas) estraga a vida aos desempregados não qualificados.
O teu raciocínio: se o empregador tiver de pagar 500 euros por mês em vez de 485, prefere contratar um Licenciado (quiçá um Mestre ou um Doutor) do que um iletrado.
Isto é um ABSURDO tão grande que nem é possível comentar!
Estarás tu bom da cabeça, João?
João, disseste outras coisas absolutamente INCRÍVEIS, como por exemplo: “Ainda não se pediram sacrifícios aos Portugueses!”
Estarás tu bom da cabeça, João?
Ainda não se pediram sacrifícios?!?
Em que País vives tu, João?
Um milhão de desempregados; Mais de 10 mil a partirem TODOS os meses para o Estrangeiro; Empresas a falirem TODOS os dias; Casas entregues aos Bancos TODOS os dias; Famílias a racionarem a comida, os cuidados de saúde, as despesas escolares e, mesmo assim, a ACUMULAREM dívidas a TODA a espécie de Fornecedores.
Em que País vives tu, João?
Estarás tu bom da cabeça, João?
Mas, João, a meio da famosa entrevista, deixaste cair a máscara: “Vamos ter de REDUZIR Salários!” Pronto! Assim dá para perceber.
Foi só para isso que lá foste despejar os DISPARATES todos que despejaste. Tinhas de TRANSMITIR O RECADO daqueles que TE PAGAM: “há que reduzir os salários!”.
Afinal estás bom da cabeça, João. Disseste TUDO aquilo perfeitamente pensado.
Cumpriste aquilo para que te pagam os teus amigos da Opus Dei (a que pertences), dos Bancos (que assessoras), das Grandes Corporações (que te pagam Consultorias). Foste lá para transmitir o recado: “há que reduzir salários!”.
Assim já se percebe a figura de mentecapto a que te prestaste.
E, assim, já mereces uma resposta: - Vai à MERDA, João!
Um Abraço,
Carlos Paz

2013/11/07

A Constituição, esse “papão”...

As afirmações, ontem produzidas pelo ministro Aguiar-Branco, sobre a necessidade de rever a actual Constituição, argumentando que vivemos num  “estado totalitário” (!?), só não espanta por conhecermos bem o personagem.
Contudo, não nos devemos admirar.
Durão Barroso, ainda que indirectamente, disse o mesmo em Bruxelas relativamente ao Tribunal Constitucional e, na passada semana, Paulo Portas apresentou o famigerado Plano de Reforma do Estado, que mais não é do que uma tentativa canhestra de alterar as relações sociais existentes, coisa que a actual Constituição assegura. De resto, a tentativa de alterar a Constituição já tinha sido expressa no livro-programa de Passos Coelho, apresentado durante a campanha eleitoral de 2011, objectivo que só não foi atingido ainda por falta de maioria qualificada para poder fazê-lo.
Ou seja, desde que chegou ao poder, a direita vem tentando, umas vezes de “pantufas”, outras de “botas cardadas”, modificar o texto da Constituição que, interpretado pelo Tribunal Constitucional, tem muitas vezes impedido o actual governo de alterar completamente o modelo económico em que a nossa sociedade se baseia e que, nas suas grandes linhas, foi rectificado em sucessivas alterações à Constituição, todas elas posteriores a 1976.
Como muito bem explicou Jorge Miranda, “pai" da actual Constituição, e portanto insuspeito nesta matéria, o texto da actual Lei foi exactamente aprovado contra as tentativas totalitárias de 1975 e não é impeditivo de reformas consideradas necessárias para a sociedade portuguesa, assim o legislador o queira...
O que se está a passar é muito mais grave do que as afirmações de direitolas reaccionários, como Aguiar-Branco e congéneres, fazem supor. Trata-se, no fundo, de modificar as relações económicas que têm prevalecido na Europa do Estado Social e que a recente crise, provocada pela desregulação dos mercados financeiros, está a alterar profundamente em todo o Mundo Ocidental. Ou seja, há uma clara estratégia internacional para alterar o paradigma politico europeu vigente (assente numa economia de mercado supervisionada pelo estado e onde os cidadãos, trabalhadores ou não, estão inseridos num sistema que protege o emprego, a inclusão e a solidariedade social). Os ataques a este modelo, desencadeados um pouco por toda a Europa (veja-se o caso de países relativamente ricos, como a França, a Itália ou a Espanha) mais não são do que tentativas desesperadas do capital financeiro para desregular os mercados, com a conivência dos principais governos europeus, Alemanha à cabeça.
Em Portugal, como de resto noutros países periféricos e de economias mais débeis, já foi atingida a fase de intervenção directa, estádio último do empobrecimento gradual que nos conduzirá à dependência futura, chame-se esta “resgate” ou “programa cautelar”, eufemismos da “troika” que mais não significam do que alteração do sistema democrático vigente. Este é o grande perigo e o grande desafio da sociedade portuguesa, pois dele depende o nosso futuro como nação  independente. Combatê-lo, para além de entendê-lo, é hoje a tarefa prioritária de todas as forças que se reclamam de democratas.

2013/11/04

Chuva em Novembro, Natal em Dezembro

Como se esperava, o Orçamento de Estado para 2014, foi aprovado na generalidade. Nem outra coisa seria de esperar. O simbólico vota “contra” do deputado do CDS-Madeira, Rui Barreto, mais não foi do que isso mesmo: um protesto contra os cortes nos salários e nas pensões, gesto que o mesmo deputado já tinha tido na discussão do OE 2013. Mudou alguma coisa?
Não, não mudou nada, as medidas de austeridade, iniciadas por este governo em 2011, vão prosseguir e os cortes anunciados fazem prever mais do mesmo: despedimentos em massa no sector público, cortes de salários e pensões a partir de fasquia encontrada de 600 euros, cortes nos subsídios de desemprego, inserção social e apoios de toda a ordem, desde a educação, ao abono de família, etc.
No outro lado da balança, o exército dos desempregados continua a aumentar, ainda que o ministro da tutela tenha anunciado uma diminuição de duas décimas na percentagem (17%) de desempregados inscritos nos Centros de Emprego. Esqueceu-se a “luminária” de explicar que essa diminuição deve-se ao simples facto de 120.000 portugueses terem abandonado o pais em 2012, o que obviamente explica tal descida! Será que esta gente é mesmo estúpida ou quer fazer dos portugueses parvos?
Porque os cortes exigidos pela Troika, são de 4.600 mil milhões de euros só no primeiro semestre de 2014, não vemos como este governo poderá evitar as medidas enunciadas no documento ontem votado e aprovado no Parlamento. A descida à especialidade das respectivas comissões será, por isso, um exercício formal que pouco irá alterar nas intenções expressas nestes dois dias de discussão.
Resta a oposição. Mas qual oposição?
O PS, há muito convertido ao discurso eunuco de Seguro, um líder fraco e enfraquecido pelos pares, que fora e dentro do partido é diariamente achincalhado, agora que o “fantasma” de Sócrates voltou à ribalta?
O PCP, entrincheirado nas suas verdades imutáveis que não mobilizam mais de 10% de votantes ou, na melhor das hipóteses, 100.000 manifestantes a descer a Avenida da Liberdade?
O BE, que há muito deixou de ser o partido do crescimento sustentado, para tornar-se um partido em desagregação acelerada?
Ou os movimentos alternativos, como “Que se lixe a Troika!” que, na última concentração, mais pessoas não conseguiu do que alguns (poucos) milhares que encheram a Rua do Ouro em Lisboa?
Não sabemos. Sabemos que o Inverno se afigura mais sombrio e chuvoso. Como sempre foram os Invernos, de resto. Depois, lá para Dezembro, haverá luzes e compras (menos desta vez), mas Natal apesar de tudo. São as únicas certezas, para já. Era bom que houvesse uma surpresa no sapatinho.